TEMA 1.157 DO STF – SERVIDORES ESTABILIZADOS E PLANOS DE CARREIRAS

TEMA  1.157  DO  STF – SERVIDORES   ESTABILIZADOS E  PLANOS  DE  CARREIRAS

 

Ivan Barbosa Rigolin

(mai/22)

 

 

Tema 1.157 - STF 


Situação do tema: Acórdão de mérito publicado.
Questão submetida a julgamento: Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, LV, e 37, II, da Constituição Federal, a possibilidade de reenquadramento, em novo Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração, do servidor admitido sem concurso público antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 e em período não abrangido pela estabilidade excepcional do artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com fundamento na segurança jurídica e na proteção à confiança.


Tese firmada: É vedado o reenquadramento, em novo Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração, de servidor admitido sem concurso público antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, mesmo que beneficiado pela estabilidade excepcional do artigo 19 do ADCT, haja vista que esta regra transitória não prevê o direito à efetividade, nos termos do artigo 37, II, da Constituição Federal e decisão proferida na ADI 3609 (Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe. 30/10/2014).


Leading Case ARE 1306505
Relator:      Min. Alexandre   de      Moraes
Data de reconhecimento da existência de repercussão geral: 06/08/2021
Data do     julgamento          de     mérito:       28/03/2022
Data da publicação do acórdão de mérito: 04/04/2022

 

i – O  assunto deste artigo é o acima destacado, o Tema 1.157 do Supremo Tribunal Federal.

A questão é bastante antiga, datando da época da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1.988. Rezava, e ainda reza, o art. 19 das Disposições Constitucionais Transitórias:

Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

Não deixa de ser curioso como uma disposição transitória – de qualquer diploma, a começar pela Constituição  – continue a produzir efeito e a informar o direito 34 (trinta e quatro) anos após editada. E não existe prazo à vista para que produza seu último efeito, sabendo-se que a idade expulsória do servidor efetivo, por compulsória aposentadoria,  é 75 anos.

Se portanto algum servidor tinha 20 anos em 1.988 hoje (abril/22) tem 54, e até precisar  se aposentar (compulsoriamente) precisarão decorrer outros 21 anos, numa carreira pública de 55/6 anos.

Então a disposição terá ficado transitória por 55 anos...  numa transitoriedade para ninguém colocar defeito.

 

II - O Tema STF 1.157 cuida de duas ‘espécies’ de servidor:

a) aqueles estabilizados excepcionalmente no serviço público por contarem  cinco ou mais anos de serviço antes de 5 de outubro de 1.988, quando foi promulgada a Constituição, ou seja aqueles ingressados sem concurso público até no máximo o dia 5 de outubro de 1.983, e

b) os integrantes do assim jocosamente denominado buraco negro, assim alcunhados porque ingressaram sem concurso depois de 5 de outubro de 1.983.  Esses são uma espécie de ovelhas negras do rebanho  porque não se estabilizaram pelo art. 19 do ADCT e com isso, pela sistemática constitucional de 1.988, simplesmente não têm lugar jurídico na Administração pública.

Como entretanto estamos no Brasil – do carnaval, do samba e  das lindas cabrochas ! – nenhum dirigente público até onde a vista alcança teve coragem nestas últimas décadas de cumprir a Constituição e de demitir aqueles que ingressaram irregularmente no serviço público.   

Afinal, com medida tão antipática para onde irão  os votos ?  Medida antipaticíssima como esta... deixemos para o sucessor. 

E ainda hoje a incrível situação persiste, sem que os entes de fiscalização tenham sido minimamente enérgicos  no exigir o cumprimento da Constituição. O buraco negro existirá enquanto existir algum servidor nele enquadrado.  E a Constituição ...  ora, a Constituição... 

Aquilo se deu em 1.988, e estamos em 2.022, existindo mesmo incontáveis servidores que nesse meio-tempo se aposentaram, mesmo que residentes no buraco negro ..  mas, que se saiba,  nem um só que tenha sido demitido do serviço público nas três décadas e meia  pelo motivo de simplesmente não deter situação constitucionalmente legítima no serviço público

Por coisas assim salve nosso Brasil, dono do samba, do futebol, do ouriço, da cachaça ...    mas não falemos do direito.

 

III – A tese firmada no Tema 1.157 menciona a decisão do STF na ADIn 3.609, de 2.014, do Estado do Acre e na qual se questionava a constitucionalidade de uma lei acreana que efetivava servidores ingressados no serviço público sem concurso havia menos de cinco anos antes da Constituição de 1.988 – os do temido`buraco negro´.

Assim é a sua ementa:

Servidores admitidos sem concurso: serviços essenciais e modulação de efeitos

Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, acompanhou o voto do Ministro Dias Toffoli, relator, para modular os efeitos de decisão proferida em ação direta. No julgamento da referida ação, havia sido declarada a inconstitucionalidade do art. 37 do ADCT da Constituição do Estado do Acre, acrescido pela EC 38/2005, que efetivara servidores públicos estaduais, sem concurso público, admitidos até 31.12.1994. Naquela assentada, o Tribunal reputara violado o princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos (CF, art. 37, II). Asseverara que a investidura em cargo ou emprego público dependeria da prévia aprovação em concurso público desde a promulgação da Constituição, e não a partir de qualquer outro marco fundado em lei estadual. Salientara, ainda, que a situação daqueles que tivessem ingressado no serviço público antes da CF/1988 deveria observar o disposto no art. 19 do ADCT, se cabível — v. Informativo 706. Na presente sessão, a Corte deliberou no sentido de que a decisão somente tenha eficácia a partir de 12 meses contados da data da publicação da ata de julgamento. Vencidos, neste ponto, os Ministros Joaquim Barbosa, Presidente, e Marco Aurélio, que não modulavam os efeitos do julgado. Consideravam que a Constituição deveria ser respeitada e, por isso, não poderia prevalecer, por mais um ano, quadro de inconstitucionalidade declarada. Pontuavam que a modulação deveria ser praticada em circunstâncias relevantes, sob pena de se banalizar situações inconstitucionais.   ADI 3609/AC, rel. Min. Dias Toffoli, 5.2.2014

Ocorre, porém, que  a orientação jurisprudencial no sentido daquela decisão não se iniciou em 2.014 mas muito antes.

A própria ementa na ADIn menciona os precedentes jurisprudenciais em que se baseou o julgamento, de modo que a matéria, mesmo já em 2.014, era tudo menos nova.

 

IV – E o resumo deste quadro é o seguinte: os servidores do dito ‘buraco negro´ - sejam aqueles que ingressaram  sem concurso no serviço público antes da Carta de 1.988 porém havia menos do que 5 (cinco) anos -, e que portanto não se beneficiaram da excepcional estabilização dada pelo art. 19 do ADCT:

- foram premiados pela estabilização no serviço público, que não teriam pela inexistência de concurso público, mas não contemplados pela efetivação  porque essa última medida não consta do texto constitucional, porém

- foram  castigados  pela exclusão do direito a  planos de carreiras.

Plano de carreiras é o direito constitucional dos servidores, concursados publicamente ou estabilizados excepcionalmente pelo art. 19 do ADCT, detentores de cargos de provimento efetivo, o qual direito consta do art. 39, § 1º, inc. I, e do § 2º, todos da Constituição Federal ([1]).

Constitui-se no conjunto de possibilidades de evolução funcional, criado por leis e detalhado em regulamentos locais, dentro das quais o servidor que satisfizer as respectivas exigências  é promovido, ou ascendido, ou evoluído através de algum dos institutos contemplados no plano.

Avalia-se primordialmente, para  tanto, o mérito do servidor, porém, por bem ou por mal,  existem mecanismos evolucionais baseados em mero tempo de exercício da função pública, ou tempo de serviço. a ser em geral combinado com o ganho da escolaridade exigida, que também elevam a posição do servidor ([2]).

O servidor que não se estabilizou nem ordinariamente (porque não prestou concurso público e, com isso, não foi aprovado em estágio probatório estabilizador) nem extraordinariamente (porque ingressou havia menos de cinco anos antes da Carta de 1.988), restou portanto sem situação jurídica dentro da Constituição e dentro do serviço público.

Passaram-se 34 (trinta e quatro) anos da promulgação da Carta de 1.988.  Aqueles servidores do ‘buraco negro’, tecnicamente e por mais cruel que  possa parecer, deveriam ter sido desligados  do serviço público – não se vislumbra outra solução -, porém o fato é que não  foram desligados, e os que não se aposentaram,  faleceram ou saíram do serviço público por outros motivos   ainda estão ativos.

Mesmo sem situação constitucional há 34 anos, muitos daqueles servidores ainda estão prestando diuturnamente seus serviços ao poder público, tal qual fora a mais normal deste mundo a sua situação.

Se se compreende socialmente uma situação como essa, entretanto juridicamente ela não faz o menor sentido.

 

V - Muito bem: aqueles servidores do denominado ‘buraco negro’ não têm direito a serem enquadrados em planos de carreiras.

Entendeu o Supremo Tribunal Federal, em reiteradas ocasiões mencionadas no acórdão de 2.014 cuja ementa  foi transcrita, que não merecem o benefício, autorizado constitucionalmente, do plano de carreiras, em face da sua essencial irregularidade situacional dentro do serviço público.

De tão patética que nos parece uma situação funcional que já dura 34 anos e engloba milhares de servidores,  de tão inusitada ou inimaginável dentro de um ordenamento constitucional, deixamos de tecer qualquer comentário ao mérito das decisões do Supremo Tribunal Federal – forçada de um lado, e aparentemente pouco eficaz de outro.

 

[1] Antes da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1.998, o direito ao plano de carreiras vinha estampado já no caput do art. 39. O antigo caput foi atropelado pelo art. 5º da EC 19/98 mas não o seu § 1º, inc. I. e o seu § 2º, que mantiveram a menção ao plano.   Uma técnica de arrepiar.

 

[2]  E adicionalmente na história os plnos de carreiras foram gradativamente achatados  pelo STF até ao ponto de que praticamente só restou a promoção horizontal, uma sucessão de letras ou símbolos dentro de cada cargo, e não a ascensão de um para outro cargo, que foi praticamente abolida do sistema de cafreiras no serviço público brasileiro sob o argumento de que viola a obrigação constitucional de concurso público para ingresso em algum cargo.  O que restou, com isso, foram arremedos de carreiras, não mais que isso.