HIPÓTESES DE EXTINÇÃO DO CONTRATO (Art.  137)

HIPÓTESES DE EXTINÇÃO DO CONTRATO (Art.  137)

 

Ivan Barbosa Rigolin

(fev/24)

 

Nota do autor: Foi publicado outro artigo nosso sobre o mesmo tema, elaborado em julho de 2.023, denominado Extinção de contratos. Este presente artigo, que será complementado por outro comentando os arts. 138 e 139 da Lei nº 14.133/21, e que não invalida o já publicado, constitui um conjunto mais completo e abrangente de comentários sobre o tema.

 

I – O tema da extinção dos contratos na Lei nº 14.133/21 ocupa três artigos, arts. 137 a 139. Este artigo cuida tão só do primeiro deles, o que se faz em face da sua extensão e da impostância da matéria. Os outros dois artigos serão comentados em breve.

O art. 137 sucedeu o velho conhecido art. 78 da Lei nº 8.666/93, no qual em boa parte se inspirou como jamais seria diferente.  A lei anterior cuidava de rescisão como instituição indicativa da terminação do contrato, e esta atual lei – perigosamente a nosso ver – introduziu no lugar daquele instituto a extinção. O tempo, senhor da razão, aplainará as arestas e infirmará os temores, ou, na pior das hipóteses, confirmará a ambos.

O que já parece inquestionável entretanto é a necessidade, realmente nítida, de alguma ginástica interpretativa, com malabarismos ‘acomodacionistas’ e conciliações bem à brasileira, tudo para  permitir convivência institucional e o mais possível pacífica com estas novas previsões, numa espécie de exegese diplomática. 

Nem sempre dará certo.  Vejamos.

 

II – Eis o art. 137 na sua íntegra:

Art. 137. Constituirão motivos para extinção do contrato, a qual deverá ser formalmente motivada nos autos do processo, assegurados o contraditório e a ampla defesa, as seguintes situações:

I - não cumprimento ou cumprimento irregular de normas editalícias ou de cláusulas contratuais, de especificações, de projetos ou de prazos;

II - desatendimento das determinações regulares emitidas pela autoridade designada para acompanhar e fiscalizar sua execução ou por autoridade superior;

III - alteração social ou modificação da finalidade ou da estrutura da empresa que restrinja sua capacidade de concluir o contrato;

IV - decretação de falência ou de insolvência civil, dissolução da sociedade ou falecimento do contratado;

V - caso fortuito ou força maior, regularmente comprovados, impeditivos da execução do contrato;

VI - atraso na obtenção da licença ambiental, ou impossibilidade de obtê-la, ou alteração substancial do anteprojeto que dela resultar, ainda que obtida no prazo previsto;

VII - atraso na liberação das áreas sujeitas a desapropriação, a desocupação ou a servidão administrativa, ou impossibilidade de liberação dessas áreas;

VIII - razões de interesse público, justificadas pela autoridade máxima do órgão ou da entidade contratante;

IX - não cumprimento das obrigações relativas à reserva de cargos prevista em lei, bem como em outras normas específicas, para pessoa com deficiência, para reabilitado da Previdência Social ou para aprendiz.

§ 1º Regulamento poderá especificar procedimentos e critérios para verificação da ocorrência dos motivos previstos no caput deste artigo.

§ 2º O contratado terá direito à extinção do contrato nas seguintes hipóteses:

I - supressão, por parte da Administração, de obras, serviços ou compras que acarrete modificação do valor inicial do contrato além do limite permitido no art. 125 desta Lei;

II - suspensão de execução do contrato, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 3 (três) meses;

III - repetidas suspensões que totalizem 90 (noventa) dias úteis, independentemente do pagamento obrigatório de indenização pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas;

IV - atraso superior a 2 (dois) meses, contado da emissão da nota fiscal, dos pagamentos ou de parcelas de pagamentos devidos pela Administração por despesas de obras, serviços ou fornecimentos;

V - não liberação pela Administração, nos prazos contratuais, de área, local ou objeto, para execução de obra, serviço ou fornecimento, e de fontes de materiais naturais especificadas no projeto, inclusive devido a atraso ou descumprimento das obrigações atribuídas pelo contrato à Administração relacionadas a desapropriação, a desocupação de áreas públicas ou a licenciamento ambiental.

§ 3º As hipóteses de extinção a que se referem os incisos II, III e IV do § 2º deste artigo observarão as seguintes disposições:

I - não serão admitidas em caso de calamidade pública, de grave perturbação da ordem interna ou de guerra, bem como quando decorrerem de ato ou fato que o contratado tenha praticado, do qual tenha participado ou para o qual tenha contribuído;

II - assegurarão ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até a normalização da situação, admitido o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, na forma da alínea “d” do inciso II do caput do art. 124 desta Lei.

§ 4º Os emitentes das garantias previstas no art. 96 desta Lei deverão ser notificados pelo contratante quanto ao início de processo administrativo para apuração de descumprimento de cláusulas contratuais.

Longo artigo como se percebe, elenca de  início as hipóteses de extinção do contrato, e na sequência expede outras regras, nos §§ 1º a 4º.

A Lei nº 8.666/93 elencava 18 hipóteses de rescisão enquanto esta nova lei relaciona  apenas 9, porém os parágrafos, como sói acontecer,  encompridam e robustecem aquela  lista. Os parágrafos, no Brasil, continuam sendo o inexaurível tormento de todo  aplicador de  boa-vontade.

 

III – O grande impacto que o caput do art. 137  produz logo à primeira leitura é que a extinção aparece como o único sucedâneo da rescisão. Acabou-se em licitação a secular, amplamente conhecida e exercitada, instituição da rescisão, que é o distrato contratual, e em seu lugar – sem apelação, sem choro nem vela, sem escapatória ou alternativa, surge a extinção.

Rescisão evoca a explosão meticulosamente calculada e controlada de uma pedreira, para a obtenção de blocos de pedra, e extinção é a explosão de um caixa eletrônico de banco ou de um carro-forte, ou seja o serviço mais porco e imundo que um detonador pode realizar.

Extinção é a detonação de um artefato atômico, cujos efeitos têm extensão impossível de precisar – assim nos parece dentro da área jurídica.

Quem extingue alguma coisa quer precipuamente ver essa coisa desaparecer na poeira cósmica, tal qual Israel que ver acontecer, com um oceano de razão, com o infinitamente asqueroso conglomerado terrorista chamado Hamas. A única solução satisfatória, em casos assim, é destruir até o derradeiro átomo daquilo. Assim se processa uma extinção.

E o temor inafastável, neste momento, é o de que a extinção do contrato administrativo gere efeitos inesperados, consequências a priori incalculáveis, resultados inimagináveis jurídica e materialmente – como qualquer explosão não rigorosamente esquadrinhada e limitada gera e provoca.

Em princípio, e e antes de mergulhar no artigo, o que se pode recomendar é tratar esta extinção, em tudo quanto  jurídica e materialmente cabível,  pela disciplina jurídica da rescisão, como se a novidade não  houvesse surgido.

As diferenças institucionais deverão ir aparecendo aos poucos, até  que com a reiteração e a prática se consolide um modus operandi  sensato e razoável que desfaça a impressão inicial da alteração havida, e em seu lugar estabeleça sendas seguras para a aplicação do instituto.

 

IV – Os motivos para a necessariamente fundamentada e motivada extinção do contrato – que também precisa ser precedida de contraditório e ampla defesa pelo contratado sempre que isso for lógica e/ou materialmente viável – são os seguintes:

- art. 137, inc. I – o descumprimento de cláusulas contratuais. Toda a rebarbativa  redação do inc. I apenas marca passo, pois que  (I) cumprir irregularmente o contrato é descumpri-lo, e (II) descumprir prazos, especificações ou projetos é simplesmente descumprir o contrato. São muitas palavras para efeito nenhum.

Uma vez demonstrado documentalmente o descumprimento – após esgotada a defesa do contratado -, então pela lei o ente público contratante extingue o contrato.

Esta previsão é arrepiante. Extinguir um contrato é fazê-lo desaparecer,  implodi-lo ou explodi-lo como as quadrilhas explodem caixas eletrônicas de bancos, um serviço absolutamente porco, um trabalho imundo que não deixa trilhas do que existia nem do que aconteceu , e que simplesmente arrasa o terreno.

Extingue-se racionalmente, isso, sim,  uma doença ou uma epidemia, um incêndio, uma desgraça cósmica como os terroristas do Hamas, a inflação, uma infestação de piolhos ou de gafanhotos, ou tudo de que não se quer deixar o menor vestígio na memória, porém em se tratando de contratos administrativos a realidade não pode ser bem essa.

Extinguir é explodir, pulverizar, exterminar alguma coisa em deixar traço que produza efeito. Então, como se pode exterminar um solene e formalíssimo contrato administrativo pura e simplesmente, sem o cuidado de preservar o vínculo institucional da sua formação, e todos os efeitos já produzidos  ?

Tal lembra o conselho da autoridade que tranquilizou  os dirigentes sobre explodir ou não uma bomba atômica, porque mesmo que detonada os efeitos ainda poderiam ser contidos com uma rápida intervenção ...

A ideia, da lei,  de trocar rescisão por extinção foi simplesmente acachapante, como poucas imagináveis em direito.

E como se iterou  esta previsão exigirá uma habilidade exegética conciliatória como poucas vezes se viu necessária no direito brasileiro, sempre e cada vez mais tupiniquim.

 

V – Pelo inc. II do art. 137, e a matéria não é nova, pode o ente contratante, após a tramitação defensiva regular, determinar que o contrato estará extinto se o contratado desatender as ordens regulares e institucionais do fiscal.

É preciso haver reiterados desatendimentos ? Nem sempre, pois que por vezes é tão grave a  exigência da e fiscalização que, desatendida, apenas isso já justifica a extinção, não sendo essa a hipótese mais de esperar. Até pela redação do inciso: determinações regulares, no plural.

O inc. III soa um pouco estranho, pois que dá ideia de que o ente contratante é surpreendido pela alteração social do seu contratado, que ignorava. Em geral não é assim que as coisas se dão, pois que antes da alteração o ente costuma informar sua intenção a quem, ente público, o contrata, e inexiste surpresa.

A extinção somente se justifica, em qualquer caso, se definitivamente necessária, porque a presunção do contratante de que o contratado na sua nova estrutura não conseguirá atender o contrato é mais do que temerária. Em geral o ente público não consegue conhecer nem administrar o seu banheiro ou e a sua cozinha, e que dizer então da nova estrutura do seu contratado ? Inciso de aplicabilidade remotíssima, e que faz tanta falta quanto uma catapora.

O inc. IV  mistura alhos com bugalhos. Na falência ou na insolvência civil o ente contratante, após defesa do contratado, extingue o contrato se quiser, sempre justificada a temeraridade de se o manter.

Na hipótese  de dissolução da sociedade contratada, e na de falecimento do contratado pessoa física, o contrato já naturalmente se extingue, por desaparecimento do contratado. É impossível manter um contrato com quem deixou de existir. A lei, inspirada na anterior, neste ponto é infantil.

 

VI – Copiado do direito anterior, o inc. V apenas trocou rescisão por extinção. Caso fortuito é acontecimento casual, imprevisível, aleatório ou de azar; força maior, rótulo de inspiração trabalhista,  é mais ou menos a mesma coisa, e para os efeitos desta lei é o mesmo.

Se algo disso ocorrer – comprovadamente por quaisquer meios aceitos em direito -, e se isso simplesmente impedir a regular continuação do contrato, o ente contratante decretará a extinção, após ouvir o contratado. Não poderia ser diferente.

Pelo inc. V do artigo, se a parte responsável pela obtenção da licença ambiental atrasar comprometedoramente na providência, ou se ficar demonstrado que será impossível a sua obtenção, em qualquer dessas hipóteses não restará alternativa ao ente senão, após oitiva do contratado, extinguir o contrato.

O fim do dispositivo é embaraçoso: se em face da licença obtida o anteprojeto precisar ser modificado – entendemos nós: a tal ponto que desnature o objeto do contrato – então será extinto o contrato.

O difícil é compreender  que papel desempenha a esta altura, após a contratação, o simples anteprojeto. Se o contrato já foi firmado, então acaso já não tinha um projeto completo e acabado ?  Então a aprovação da licença ambiental pode ter condão de inviabilizar o empreendimento, após supostamente ter sido licitado pelas regras conhecidas do edital ?

A ideia, original desta lei e não inspirada na anterior, é simplesmente horrorosa.

O inc. VII repete a técnica do inc. VI: começa bem e depois desanda.

Atraso comprometedor nas desapropriações ou nas desocupações necessárias, ou ainda na instituição da servidão administrativa indispensável, ensejam o procedimento para a extinção do contrato pelo ente contratante.

O que emperra na goela do aplicador é a parte final: impossibilidade de liberação das áreas necessárias à execução. Como assim, impossibilidade ?  Então o ente público contrata um objeto que depende de liberação impossível de uma área ?

Parece brincadeira à primeira mirada. Sim, pois que se o ente souber antecipadamente da impossibilidade de ter liberada a  área necessária para a execução de um  objeto, então obviamente não poderá sequer cogitar  em contratar algo que sabe impossível.

Só tem sentido a ideia se a impossibilidade de obter a licença foi superveniente à contratação, ou seja se o ente contratante apenas tenha sabido  da impossibilidade após contratar o que  sabia ou cria possível.

 

VII – O inc. VIII sintetizou o equivalente dispositivo da lei anterior. Parece melhor por mais econômico, ainda que por essa mesma razão possa oferecer algum perigo de arbitrariedade por parte da autoridade que assume, figadal inimiga daquela que contratou.

Lembremo-nos do túnel que o então Prefeito professor doutor Jânio da Silva Quadros, de saudosíssima memória como um dos maiores administradores da história do país, começou a construir numa importante avenida de São Paulo, e que a Prefeita que o sucedeu mandou aterrar, ao custo de três milhões de dólares – e que anos após, em nova campanha à Prefeitura e entre lágrimas, se arrependeu, pediu desculpa e prometeu jamais fazer coisa parecida se acaso fosse reeleita.

O que se quer dizer é que não basta a formalidade procedimental contraditória que  a lei exige antes da extinção; é preciso que a autoridade seja honesta de propósito e não coloque a politicalha indigente e asquerosa antes do interesse público, para apenas então  exercitar este inc. VIII.

As razões precisam efetivamente ser de relevante interesse público e não mero discurso eleitoreiro. E seja frisado que razões financeiras – superfaturamento, sobrepreço,  elevação injustificada do valor – perfilham-se entre as mais importantes a justificar a justificada extinção dos contratos públicos. Dificilmente existirá outra mais expressiva.

O inc. IX, final da lista do caput, permite a extinção do  contrato por iniciativa do ente contratante que venha a supervenientemente descumprir reservas legais de vagas para pessoas com deficiência, ou reabilitados da previdência, ou ainda para aprendizes.

Dissemos supervenientemente ao contrato, porque não se imagina o poder público contratar pessoa que de antemão saiba que descumpre aquelas obrigações trabalhistas e sociais. O descumprimento é aquele descoberto pela regular fiscalização do contrato.

O  dispositivo é meritório por resguardar direitos de empregados e de cidadãos desfavorecidos por  condição física ou mesmo  social, e pela delicadeza da matéria  sua aplicação demanda especial atenção  à observância do contraditório e da completa defesa pelo contratado.

 

VIII – Passa-se aos parágrafos.

Esta sempre tormentosa jornada se inicia – curioso !   O Conselheiro Acácio quedaria atônito ! – pelo § 1º, cuja relevância se aproxima à da epidemia de gripe espanhola, da medieval peste negra europeia ou da recente covid brasileira: absolutamente nula, nenhuma.

Quando a lei informa que isso ou aquilo poderá ser assim ou assado tal resulta excelente, porque o leitor pode imediatamente pular para o dispositivo seguinte, sem sequer precisar ler o que estava escrito.

O § 2º, dentro do pressuposto de que a extinção é o desaparecimento puro e simples do contrato,  equivale a dizer que alguém tem direito a ser preso nas hipótese x, y ou z.  É simplesmente estarrecedor.

Então alguém passou nesta lei a ter direito a ter o seu contrato extinto pela Administração ?  Mas que fantástico !

A extinção em caso assim parece um prêmio, ou um direito arduamente obtido, ou uma coroação do esforço do contratado !

Não pode  haver dispositivo mais bisonho, nem juridicamente mais constrangedor !   O contratado aqui em direito a ter o seu contrato  implodido, estraçalhado, pulverizado como se aquele contrato fora a praga  que lhe introduziram ou lhe impuseram à força.

Quando a lei retira da previsão a palavra rescisão e enfia – a palavra é essa - a palavra extinção, sem medir consequências nem ponderar sobre a insânia que está cometendo, então nada de melhor que isto se pode esperar. Ou então é de imaginar que a lei quer mudar a língua portuguesa, e transformar um incidente pressupostamente indesejável como é qualquer  extinção de um negócio regular, em algo desejável.

Imagine-se um concessionário de serviço público que pleiteie o direito de ter a sua concessão extinta. A quem isso interessa ?   Suponha-se que um comerciante tenha seu alvará de funcionamento extinto.  Isso é bom ?  Isso é matéria para ser pretendida pelo comerciante ? 

Pois bem, o § 2º indica as hipóteses em que o contratado tem direito à extinção de seu contrato. Ele, que se submeteu a uma árdua licitação e satisfez inúmeras exigências técnicas, operacionais, documentais, fiscais, financeiras e sociais,  e conseguiu vencer a licitação; ele que se mobilizou dispendiosamente para iniciar a execução do contrato; ele que sofreu fiscalizações variadas e permanentes pelo ente público contratante, esse empresário com a nova lei ficou sabendo de que em certos casos tem direito a ter extinto o seu contrato tão arduamente obtido !

Uma coisa era a antiga rescisão, que se procedida injustamente pelo contratante público na lei anterior dava diversos direitos reparatórios ao contratado.

Pela Lei nº 14.133/21 isso vem tratado nos arts. 138 e 139, porém a simples ideia de extinção dificulta saber inclusive se os efeitos produzidos pela execução contratual, até o advento da extinção, devem reconhecidos em favor do contratado como um direito seu, e se nessa condição podem por ele ser anotados em seu histórico de realizações. Na rescisão da lei anterior não existia dúvida nenhuma de que podiam ser computados para esse fim.

Entendemos que mesmo na lei atual podem e devem os efeitos da execução ser anotados no histórico do prestador como realizações positivas, porque se ele executou aqueles trabalhos nada, nem lei nenhuma, pode apagar ou modificar a história, nem desconsiderar créditos profissionais regularmente obtidos pelo trabalho recebido pelo ente contratante.

 

IX – Abstraindo a – para nós – insânia lógica e jurídica de que a extinção pode ser um direito desejável por quem batalhou arduamente para obter o contrato público, e ficando na só letra da lei, o contratado tem direito à extinção do contrato nas hipóteses dos incs. I a V do § 2º deste art. 137 da Lei nº 14.133/21, dispositivos esses que são cópias, elogiavelmente modificadas quanto a prazos, dos incs. XIII a XVI do art. 78 da anterior Lei nº 8.666/93.

São estas as hipóteses: I – supressão  administrativa de parte do objeto cujo valor ultrapasse o máximo legal admitido no art. 125 (que por sua vezes copiou o art. 65, § 1º, da Lei nº 8.666/93); II – suspensão administrativa da execução por mais de 90 dias seguidos; III – repetidas  suspensões administrativas que totalizem ao menos 90 dias úteis; IV – atraso nos pagamentos superior dois meses a contar da data da nota fiscal total ou parcial da entrega, e V – falta de liberação de área, obra ou serviço, a cargo do ente contratante, dentro do prazo contratual.

Não existe novidade ante o direito anterior senão uma elogiável redução dos  prazos concedidos ao ente público contratante em desfavor do contratado, que eram demasiados e previstos com fundamento da prevalência do interesse público sobre o privado, em cláusulas denominadas exorbitantes ou derrogatórias do direito comum. Tais cláusulas, de inspiração medieval, nos dias de hoje quanto menos existirem mais justo e equânime tornarão o direito.

 

X – O § 3º deste art. 137 prevê duas hipóteses de exceção ao direito do contratado à extinção do contrato, relativamente apenas àqueles previstas nos incs. II até IV do § 2º .

O que era ruim piorou severamente. A redação  dos incs. I e II deste § 3º é simplesmente degradante.

Primeira: não existe aquele direito do contratado (de extinção do contrato) em caso decretação de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna, guerra  ou ‘ato ou fato que o contratado tenha praticado, do qual tenha participado ou para o qual tenha contribuído’.

Observa-se que das cinco hipóteses de direito à extinção, três podem não existir – ou seja, tudo parece parolagem flácida para dormitar bovino. Existe direito ou não existe ?

A seguir o parágrafo menciona fato praticado pelo contratado, ignorando que fato acontece, não se pratica. O que o contratado pode praticar é ato.

Muito bem, já excluindo fatos, então que ato do contratado  seria aquele que lhe retira o direito a extinção  ?  Ato que comprometesse a sua execução do contrato ?  Como, de que natureza, em que medida ? 

A lei lança a peta, e o aplicador que se vire, ou que se lasque,  para encontrar o seu sentido. Só não queira, é o que se recomenda, tentar aplicar esta mixórdia redacional.

A segunda hipótese (inc. II) em verdade constitui um direito alternativo à extinção, que é a suspensão da execução até a normalização da situação irregular da Administração, que gerou direito à extinção. Ou seja até a ordem de retomada da execução ou então até o pagamento das parcelas em atraso.

Essa matéria não é nova mas copiada da lei anterior, art. 78, inc. XIV, in fine. O legislador mais uma vez finge que inova mas nada cria de novo, e as alterações redacionais apenas encompridam direitos conhecidos e praticados há décadas. Quem ganha com isso, eis o denso mistério.

O § 4º, que tem o mérito de encerrar o artigo, manda que o ente público contratante notifique o emitente das garantias, as quais o contratado ofereceu para ser contratado, que iniciou procedimento administrativo para apuração de descumprimento pelo contratado de cláusulas contratuais, sempre que essa hipótese vier a ocorrer.

Para quê o exigiu, o legislador talvez saiba. Seria para o emitente poder preparar-se psicologicamente para possivelmente ter de honrar a garantia ?  Seria para que o emitente possa intervir no procedimento, como terceiro interessado ? Isso é possível – como não nos parece a não ser que a notificação já indique esse efeito ?

Seja como for, mesmo que o emitente da garantia possa falar no processo administrativo contra ou a favor do contratante da garantia, tal participação pode gerar algum efeito em favor do emitente ?    Pode desonerar o emitente  das obrigações ínsitas no ato de garantir a Administração por aquele contrato  ?

Não se compreende até onde vai  a utilidade para o ente público desta previsão do § 4º, mas também isso não constitui  novidade. Shakespeare desde 1.600 proclamou, pela boca de Hamlet dirigindo-se a Horácio, que ‘há mais coisas no céu e na terra do que sonha a tua filosofia’. E quem seríamos nós, em tal contexto, para decifrar os mistérios da lei de licitações ?