LICITAÇÕES E CONTRATOS NAS EMPRESAS ESTATAIS (2ª PARTE)

AS   LICITAÇÕES    NAS    EMPRESAS ESTATAIS  PELA LEI     Nº 13.303, DE 30 DE JUNHO DE 2.016

 Ivan Barbosa Rigolin

(mar/17)


Segunda parte

Art. 31

Outro longo artigo que, como os até aqui comentados, resultou muito maior que deveria ser, o que somente aborrece, dificulta e francamente atrapalha a aplicação da lei, quase sempre por via de bisonhos artificialismos que não fazem falta alguma ao direito ou às estatais.

O caput  homenageia, modificadamente, o art. 3º da lei de licitações, nele se alicerçando e se inspirando. Repete que licitação serve para obter a proposta mais vantajosa para a estatal, e ingressa nos detalhes de obrigar a incluir na preocupação da entidade que licita (a) evitar superfaturamento e sobrepreço, e (b) atentar para o ciclo de vida do objeto. São preocupações relevantes e necessárias, ainda que assim apenas acidentariamente consignadas  no caput de um artigo, e sem dúvida mereceriam maior detença.

O caput ainda elenca os tradicionais princípios de administração que constam do art. 3º da lei de licitações, assaz conhecidos e decantados pela doutrina, e também consigna os princípios da obtenção de competitividade  e do  desenvolvimento nacional sustentável. Elogiáveis preocupações, atestam o cuidado do legislador com dois dos principais problemas com se defronta o poder público de todo nível e a todo tempo, crescentemente.

A obtenção da competitividade é sempre muito desejável na medida em que garante mais que de outro modo que houve disputa e competição entre os interessados na tentativa de obter o contrato estatal, o que em tese favorece preço e condições.  Nem sempre é viável uma grande competição porque existem objetos muito menos interessantes à iniciativa privada que outros, e nessa medida muito menos disputados; mas a lei, neste passo, permite à fiscalização e ao controle das estatais exigir-lhes a demonstração – se essa já não estiver evidenciada – de que a licitação favoreceu e induziu a maior competitividade possível no certame, ou ao menos à competitividade que foi possível induzir entre os interessados, fazendo-o por quaisquer meios comercialmente aceitáveis.

Quanto ao desenvolvimento sustentável, esse é um cuidado que hoje em dia não se imagina como descurar. Neste histórico momento   de saturação máxima do planeta em matéria de poluição, destruição das reservas naturais, assoreamento de cursos d’água e do próprio mar, esgotamento de recursos naturais básicos a começar da água, ameaça permanente à fauna e à flora, contaminações de todas as naturezas, e ameaças e agressões as mais variadas à qualidade de vida, jamais pode deixar a lei de exigir todo cuidado e toda atenção com a sustentabilidade dos objetos das licitações.

A tal ponto deve ir uma tal preocupação por parte das estatais nas suas licitações que legitima as autoridades controladoras e fiscalizadoras, segundo entendemos,  até mesmo para impedir ou travar certames licitatórios que inobservem aquele imperativo comando de sustentabilidade do objeto. Com todo efeito, não mais se admite contemplação ou tolerância quanto a essa questão relevantíssima como pouca coisa mais na Terra.

E a mesma questão não é apenas nacional como o caput induz a crer, porém plurinacional, oniabarcante e generalizada por todo o planeta, tanto quanto são universais as dificuldades ensejadas por desastres como, por exemplo, a devastação da selva amazônica, a poluição na China, o aquecimento global na parte devida ao homem ou o “buraco” na camada de ozônio, filtro natural de radiações lesivas.

O artigo contém cinco parágrafos. O § 1º, para mal dos pecados, define e diferencia superfaturamento e sobrepreço, como se na vida real fossem realidades diferentes.  Começa mal a elevar a palavra superfaturamento a alguma coisa digna de figurar na lei, como não é. Trata-se de uma gíria sem-vergonha e seguramente da pior origem, que já deveria ter sido extirpada da lei de licitações, mas além de o não ter sido agora ganha prestígio na lei das estatais.

Pelo § 1º superfaturamento ocorre quando “houver dano ao patrimônio da estatal”, enquanto que sobrepreço é ou a cotação na licitação de preços, ou a contratação por  preços “expressivamente superiores aos preços referenciais de mercado”.

Inicia-se a impropriedade pela expressão expressivamente superiores. Que vem a ser isso ? Dez por cento ? Vinte ? Cinqüenta por cento ? O dobro ?

E o mercado acaso conta com preços referenciais seguros e uniformes ? Onde, quando e por que critério ? Trata-se  de  subjetividade em cima de subjetividade, a não conduzir o aplicador e o fiscal rigorosamente a lugar nenhum.

Quanto ao direito de fundo, desde quando um superfaturamento deixou de ser um sobrepreço ?  A única diferença é a de que sobrepreço é uma palavra precisa e adequada, enquanto superfaturamento constitui um jargão de croupier de  cassino paraguaio, ou de banqueiro de bicho. 

Existiria acaso, mesmo malgrado estas artificiais e circenses definições, um sobrepreço que não fosse superfaturamento, ou um superfaturamento que não fosse constituído de sobrepreço ? 

Por essa tese o homem  deve ser  uma coisa, e o ser humano  outra.  Moradia talvez seja uma realidade, enquanto outra diversa  seria  habitação, como o céu ter-se-ia tornado algo diferente do firmamento.  Pelo que se denota o legislador deve dispor de suficiente tempo livre para produzir uma passagem tão elaborada quanto infeliz, e tão rotundamente desnecessária, extraída do nada e direcionada a coisa nenhuma, na lei das estatais. ([1])

Nessa esteira, resultou tão ridículo o conjunto dos quatro incisos desse  1º, a exemplificar – talvez visando esgotá-las... – as possíveis espécies de superfaturamento, como se alguém ignorasse o que seja isso ou precisasse de exemplos de condutas criminosas quanto ao dinheiro público, que não nos merecem comentário. Recusamo-nos a descer a esse nível de pauperismo legislativo.

Espera-se das inúmeras autoridades de controle e de fiscalização, as quais ocasionalmente se vejam às voltas com o problema,  que no seu lavor sobrepairem altaneiramente por sobre matéria legislativa tão deplorável, até porque, imagina-se, sempre têm muito  mais o que fazer.

O § 2º consigna um casuísmo tão acidentário que chega quase a constranger o aplicador da lei. Prevê que o Sinapi é o referencial do custo global das obras  de engenharia civil em geral, e que o Sicro o é referentemente às de engenharia de serviços rodoviários. Mas que garantia a lei pode oferecer de que esses mencionados sistemas continuarão existindo, e possivelmente atendendo, a cada novo momento da economia, as demandas e as particularidades de toda e qualquer estatal ?  Transformou-se  o casual do momento em regra permanente.

A previsão lembra passagens da Lei nº 8.112, de 1.990, a lei do regime jurídico único dos servidores federais, uma das quais o art. 31, no qual se menciona o SIPEC – Sistema do Pessoal Civil, da Administração federal, que é um  instituto exclusivo do Poder Executivo federal, como o gestor das questões de pessoal de todos os servidores regidos pela lei estatuária. Esqueceu-se ali o legislador de que a L. 8.112/90 abrange os servidores do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do Tribunal de Contas e do Ministério Público, todos federais.

Uma vergonha inominável no estatuto federal de servidores, vergonhosamente mantida até o dia de hoje e que agora, em ponto menor, a lei das estatais repete, ao circunscrever os dados referenciais de preços para as licitações das estatais a determinados sistemas de custos da construção, como se fossem marcos civilizatórios eternos, imutáveis ou ditados pela vontade divina. Fique o registro deste péssimo momento da lei das estatais. O legislador aqui demonstra não parecer enxergar mais que um palmo à sua frente.

O § 3º abre exceção à univocidade do § 2º, como a tentar reduzir aquele estrago, ao permitir que em caso de inviabilidade de se utilizarem aqueles sistemas outros possam ser empregados, desde que aprovados pelas autoridades dirigentes de cada estatal. Autêntico festival de inutilidades, uma mais rebarbativa que a outra. Para quê, então, o aparente rigor do § 2º ?

O § 4º deste artigo simplesmente execrável  em técnica contém uma regra, no que tem de compreensível,  ainda mais inútil do que as consignadas retro. Permite, autoriza, faculta que o poder público licitador adote “procedimento de manifestação de interesse privado para o recebimento de propostas e projetos de empreendimentos com vista a atender necessidades previamente identificadas?. Pergunta-se ao legislador: que diabo disso é aquilo ?

Que estrovenga jurídica será essa faculdade, absolutamente gratuita e sem a mínima causação no mundo real, que não se sabe a que veio, e que nem detém a mais remota utilidade à vista ?

Precisaria acaso a lei admitir que particulares propusessem o que quer que fosse ao poder público ? A que veio essa abstrusa e inexplicável novidade ?

E o § 5º, cuja virtude primeira é a de ser o último deste artigo, prescreve que o autor do projeto a que se refere o § 4º, se participar da licitação e não vencer, poderá ser ressarcido pela estatal respectiva dos custos que enfrentou, desde que lhe transfira os direitos autorais daquele projeto.

Observe-se apenas o seguinte: nada disso precisaria estar autorizado em lei alguma. Jamais foi proibido ao poder público, da administração direta, indireta, paraestatal ou de quantas mais naturezas acaso existam, a estabelecer um chamamento de projetos particulares sobre qualquer assunto de interesse do ente público – e o concurso de projetos não é nada muito diverso disso.

Se nesse passo o ente fixar que premiará o projeto escolhido, ou que ressarcirá os custos de um projeto, licitado ou não, que venha a aproveitar – sempre que o autor lhe repassar os direitos de autor -, tudo isso jamais lhe foi vedado, mesmo  sem lei alguma que o admitisse de forma expressa.

Existem poderes de administração ou de gestão que são originariamente ínsitos à própria atividade estatal, e que podem ser utilizados a qualquer tempo desde pelos instrumentos administrativos adequados que variam de entidade para entidade, como por exemplo são os editais de chamamento público; as convocações para manifestações de interesse ou apresentação de trabalhos, propostas,  projetos ou programas; os avisos sobre programas ou atividades de recíproco  interesse público e privado, e mais inumeráveis fórmulas de tentar atrair a criatividade da iniciativa privada, e dos mercados os mais variados, para serviços ou empreendimentos de interesse comum.

Tudo isso, e muito mais semelhante, sempre foi permitido, dado ou facultado ao poder público – sobretudo se se tratar de empresas estatais, muito mais livres em sua gestão que  os entes da Administração direta e mesmo da autárquica -, nenhuma lei sendo exigida a ente público algum para o exercício de uma tal discricionariedade administrativa.

A lei, repita-se outra vez ainda,  andou bem no art. 30, ao jamais mencionar a natureza singular de serviçostécnicos ilicitáveis, e quanto a isso merece franco e aberto elogio. Já neste art. 31, entretanto, houve-se não menos que pessimamente, e perdeu a oportunidade de se restringir às regras do caput, que estaria perfeito se não houvesse rebaixado o nível técnico do seu texto à degradante menção a superfaturamento. A seguir do caput, no entanto, este artigo desandou.

Art. 32

Artigo absolutamente inútil, apenas faz o aplicador perder tempo, ao não estabelecer coisa alguma a respeito de nada. É desses dispositivos que, se forem revogados hoje, amanhã nem o seu autor se lembrará de que  outrora existiu.

De conteúdo preceptivo ou programático, prescreve que as licitaçõers regidas por esta lei deverão observar as diretrizes fixadas nos cinco incisos do  caput, e que em resumo - porque não merecem mais que isso – indicam (I) a padronização do objeto da licitação, dos editais e dos contratos; (II) a busca da maior competitividade, considerando-se diversos fatores; (III) o parcelamento do objeto, sempre que vantajoso; (IV) a adoção preferencial do pregão presencial, e, seja lá o que for isso, (V) a “política de integridade nas transações com partes interessadas”.

Como quase qualquer texto que seja apenas preceptivo – preceitos a seguir se for possível, se não for pedir demais e se não houver nada mais de objetivo e concreto a fazer - trata de obviedades que jamais precisariam ser repetidas em outra lei, sabendo-se que a lei das licitações, de maneira muito mais inteligente e objetiva, já contém o que importa desta relação de conselhos.  Vejamos.

Padronização (inc. I) é uma excelente idéia mas nem sempre é viável, porque certas características e certas especificações de objetos, todas em princípio vantajosas e desejáveis, por vezes não permitem padronização em face das limitações  peculiares do momento, ou da especial circunstância em que um dia foram obtidos, que não se repete com facilidade. Sempre que se possa padronizar o que quer que seja com relação aos objetos licitáveis pelas estatais isso é desejável – porém já o é, nas leis de licitação, há mais de três décadas, e esta lei das estatais apenas chove no molhado.

Busca de maior competitividade (inc. II) é a regra principal das licitações, e estará incorreta aquela licitação que não visar obter a maior competição que seja dado  à estatal favorecer dentro de cada certame. Licitação é sinônimo de competição.

Parcelamento do objeto (inc. III) é um errático e casuístico tema que, francamente,  não comporta ser tratado como diretriz de licitação, porque objetos existem que o comportam com vantagem sob os mais  diversos enfoques, ao lado de objetos que não o admitem, e nunca se admite parcelamento se o  objeto da licitação  for indivisível, como uma máquina ou um equipamento, ou um edifício que precisa estar completo para funcionar como projetado.

É que o parcelamento chegou a ser  como que amaldiçoado pelos Tribunais de Contas como prática nefasta, que no mais das vezes visava apenas permitir  ao contrato  escapar à licitação, ou então, em licitação fugir à sua modalidade mais complexa. Nessa esteira, muito se murmurou e se articulou, contrita e compungidamente nos relatórios dos fiscais das contas públicas,  contra os parcelamentos de objetos dentro do serviço público.

Neste momento, entretanto, o que foi amaldiçoado como chaga da má-fé e corrupção se transformou para as estatais brasileiras em diretriz de licitação...  mas que curioso é este mundo das licitações públicas !

Desassiste razão a um lado como ao outro se se radicalizar ou se precipitar qualquer entendimento: o parcelamento de má-fé ou viciado por desvio de finalidade está sempre errado, e aquele útil por aproveitar o dinheiro existente, ou a circunstância do mercado, ou a oportunidade de um bom negócio, esse está correto e sempre esteve, e sempre foi desejável, e continua sendo.

Não é o parcelamento em si que está correto ou incorreto, nem que é bom ou mau só por ser parcelamento, mas boa ou má é tão-somente a circunstância de cada parcelamento  a cada oportunidade em que surja como opção ao contratante público.  Existem grandes obras e grandes serviços, e mesmo grandes aquisições de material ou de equipamentos, em que ou se os parcelam na sua aquisição ou de outro modo, simplesmente, não se os obtém, e nesses freqüentíssimos casos é a falta da verba para a integralidade do objeto pretendido o diferencial em poder ter e em não poder ter o objeto.

Adoção preferencial do pregão presencial (inc. IV) é, a todos os títulos,  algo que não mais precisava ser referido. Todos preferem o pregão, seja o presencial, seja mesmo o - péssimo, medonho, capenga, inidôneo, precário  e inconfiável - pregão eletrônico, caso o objeto possa ser disputado apenas por preço. Não precisava a lei reafirmar o que todos sabem há uma década.  Preferir realizar concorrência para uma compra que seja viável por pregão é o mesmo que cortar o caminho por Manaus para se viajar do Rio de Janeiro a São Paulo.

Apenas se recorde que quando a lei apenas recomenda alguma coisa, quando indica  ou algum comportamento preferencial – ou seja  quando não muda o direito, o que é o papel da lei  -, vale tanto para a evolução do direito quanto um sermão dominical de autoridade religiosa, ou um conselho de vovó reclinada em sua cadeira de balanço, já quase a dormir, ou ainda um horóscopo diário de jornal: absolutamente nada. 

No mundo do direito a lei não existe para dar conselhos, nem para alertar alguém do que quer que seja, nem para sugerir  condutas preferenciais. Lei não é catecismo. A exposição de motivos das leis pode prestar-se a esse papel, mas não a lei em si, eis que já se acha um passo à frente das explicações e das reflexões motivacionais.

Sempre orientamos em aulas e cursos aos que, ao deparar com leis que apenas recomendam, ou que indicam condutas preferíveis, o aplicador pule para o artigo seguinte, imaginando-se que tenha mais o que fazer.

Leis que tão-somente recomendam são tão necessárias  quanto um resfriado ou uma colisão de bicicletas – ou, como no extraordinário conto A vingança da peroba, de Monteiro Lobato, é o trabalho do soprador de verruma, aquela compenetradíssima personagem que, após cada perfuração da madeira,  se abalançava a soprar a fervente verruma do arco-de-pua do construtor do monjolo que encomendara, tal qual se a natureza já não realizasse esse trabalho em uns cinco segundos.  Leis que recomendam condutas preferenciais têm exatamente esse papel – e o legislador, parece, é que não conhece bem o seu papel.

 O inc. V do artigo elege como última diretriz da licitação observar a “política de integridade nas transações com partes interessadas”.

Não fazemos a mais remota idéia do que o legislador quis referir com isso.  As  transações acaso costumam ser desintegradas ?  O certame todo inteiro, porventura não mantém integridade com o objeto do contrato pretendido ? Ou seria integridade moral o objeto perseguido pelo  dispositivo ?  Se for, considerando-se  a operação Lava Jato vem em boa hora a idéia ...

Integridade do quê com o quê ? 

Teria querido significar política de integração entre o o interesse da estatal, que é indiretamente público, e o interesse do particular a ser contratado ?  Se for, alguma licitação é ou já foi diferente disso ? Alguém licita ou contrata contra o seu interesse ?

A lei contém mistérios aparentemente insondáveis. Neste passo lembra a jocosa definição da filosofia, ciência essa que, segundo picarescamente asseveram, com a qual ou sem a qual o mundo resta tal e qual.

Segue este art. 32  com o § 1º, cuja matéria, espraiada por outros 6 (seis) preceptivos incisos, poderia estar compreendida nos incisos do caput, uma vez que neste momento a lei manda as licitações das estatais observarem:

, o que é também obrigatório por todas as normas e regras, escritas e não-escritas, sobre resíduos sólidos de obras realizadas em países que não sejam da era das cavernas;

(II)  economia de energia e de recursos naturais, outra obviedade que já integra o planejamento de todo a qualquer obra e serviço, público ou particular. Precisa a lei lembrar a quem constrói que vale a pena economizar energia, água e outros eventuais recursos naturais ?;

(IV) proteção ao patrimônio histórico, cultural, arqueológico e imaterial. Corretíssimo, e igualmente óbvio. Com lei ou sem lei, quem afrontar esse patrimônio está sujeito a ações judiciais pedindo multas, indenização a fundos de reparação do meio ambiente e outras cominaç!ões, quando não se cuidar de improbidade administrativa conforme seja o caso, e

(VI) acessibilidade a pessoas com deficiências. Absolutamente perfeito e correto inciso a fechar o rol das mais redondas inutilidades que uma lei pode erigir, pois que também aqui a legislação  existente, nacional em parte e também local com muita freqüência, já consigna essa obrigatoriedade, e não apenas em obras novas como também em prédios e logradoutos públicos já existentes há longo tempo. A acessibilidade facilidada converteu-se em regra obrigatória, em bom momento da consciência pública de todo o mundo. Não faria sentido que estatais brasileiras pudessem contornar esse mandamento edilício.

Todo o § 2º, perfeitamente acertado quanto à sua matéria de fundo, entretanto chove no molhado,  inventa a roda e descobre o fogo. Não existisse, ainda assim tudo quanto prescreve já era e já seria obrigatório em toda e qualquer obra pública. Revogue-se-o, e continuará sendo.

O § 3º do art. 32 estabelece que todo contrato cujo objeto enseje impacto negativo sobre o patrimônio tombado - seja público, seja particular -,  dependerá de autorização pela esfera governamental tombadora, além de compensação desse prejuízo, por meio de medidas adotadas pelo dirigente máximo da estatal envolvida.

A preocupação é relevante, porém não deixa de ser estranho autorizar-se uma licitação de um futuro contrato que impacte negativamente algum patrimônio tombado, a ponto de esse prejuízo precisar ser compensado.

. Em princípio a própria licitação já deveria ser proibida, salvo se se tratar, eventualmetne e por temerário exemplo,  de impacto negativo sobre a;gum aspecto do patrimônio imaterial, e ainda assim dentro de margens razoáveis e limites toleráveis. Sim, porque admitir-se impacto negativo por sobre o patrimônio material, seja da natureza que for, é sempre algo que assusta, e desmoraliza o próprio tombamento.

As hipóteses que o dispositivo sugere são preocupantes, e cada caso precisaria ser estudado seriamente, antes de se lançar a licitação, entre o dirigente da estatal e a autoridade pública responsável pelo tombamento. Não poderia ser senão excepcional, pensamos, o exercício da regra deste dispositivo, até mesmo em se conhecendo o número imenso das medidas judiciais suspensivas, muita vez por mais de uma década, de empreendimentos efetiva ou potencialmente prejudiciais ao patrimônio público, e seja ele tombado ou não.

Os processos de licitação precisariam ser bastante bem instruídos com a demonstração da absorvibilidade do impacto negativo, sobretudo pelas medidas de compensação referidas no parágrafo. Mas mesmo tudo isso não afasta a pulga atrás da orelha, ainda que se reconheça que ameaçar o patrimônio tombado pareça em tese menos grave que ameaçar o patrimônio ambiental ou natural.

O § 3º consigna uma desprezível regra aplicável a pregões eletrônicos – como o pregão eletrônico e tudo que a ele se refere é rigorosamente desprezível, e deveria em boa hora ser desinfetado do direito brasileiro.

Os pregões eletrônicos, diz a regra, somente podem ser realizados em portais de compras de acesso público pela internet. Casuísmo dos casuísmos sobre matéria de nenhuma importância, nem merecia figurar na lei de licitações das estatais. A estatal que se dispuser a realizar pregões eletrônicos, entretanto, disponha-se a navegar nesses portais – mas não convide este humilde escriba.

 O último parágrafo deste art. 32, o § 4º, não é  ruim como os anteriores, pois fixa que em licitações com etapas de lances – pregões presenciais em primeiro lugar, mas também em outras modalidades em que ocasionalmente os lances  sejam admitidos como ocorre em leilões ou em concorrências para venda ou privatização de estatais – a estatal promotora providencie ferramentas eletrônicas para envio de lances pelos interessados.

Visa-se com isso aumentar a competitividade, possibilitando-se que os interessados não compareçam à sessão pública da licitação mas possam oferecer lances do local onde se situem, como por excelência da sede dos seus estabelecimentos. O dispositivo por evidente não tem em vista os pregões eletrônicos, nos quais essas ferramentas são as únicas que existem. Vale dizer: mesmo o que não é eletrônico, em dado momento e para o principal efeito da licitação que é oferecer propostas, passa a sê-lo. 

Mas a obrigatoriedade que o dispositivo impõe às estatais é apenas a de permitir aos interessados dar lances por via eletrônica, e nada eletrônico além disso. O lance é dado, fica registrado e vale para todos os efeitos como se o fora proferido em viva voz na sessão pública. Todos os demais atos do procedimento são presenciais.

 Art. 33

Repete a rematada bobagem do inc. I do art. 40 da lei de licitações.

Alguém poderia descrever no edital da respectiva licitação de modo sucinto e claro a hidrelétrica de Itaipu, a ponte Rio-Niterói, a duplicação de uma estrada interestadual, a construção da (vergonhoso e degradante templo da corrupção e do banditismo) vila olímpica para a olimpíada do Rio de Janeiro, a transposição do rio São Francisco, a construção de uma plataforma de petróleo em alto mar, ou obra de porte e complexidade similar ?    De modo sucinto e claro ? Como ? Somente se for para dizer apenas qual o objeto, sem descrever absolutamente nada do seu conteúdo.

Em edital de licitação o sucinto é o oposto  do claro, pois que quanto mais detalhada for a descrição mais clara e menos sucinta será – uma criança o sabe.  Quanto mais sucinta for a descrição mais obscuro estará o objeto, porque, se não disser minuciosa e detalhadamente o que quer a estatal, ninguém o adivinhará.

Uma obra complexa pode ter, e amiúde tem,  mais de mil páginas de descrição em inúmeros anexos no edital de licitação. Precisa ser assim, ou de outro modo não se saberá o que a Administração, ou a estatal neste caso, pretende contratar.

Isso pode ser sucinto e claro ?  Repetimos para encerrar: só  será sucinto se apenas e tão-somente se indicar a obra que se pretende, ou o serviço, nominando-se-o em algumas linhas. Mas isso será tão claro quanto o Mahabhârata indiano.

E eis aí, portanto, o art. 33, outro artigo de utilidade absolutamente nenhuma.

 Art. 34

Artigo curioso, que em dado momento parece ir na contramão das tendências unânimes dos governos democráticos, além de contrariar  princípio constitucional, orientação doutrinária e de contas,  e norma geral de licitação.

Prescreve no caput  que o valor estimado do contrato pretendido pela estatal na licitação será sigiloso, porém poderá ser objeto de publicidade, desde que justificadamente.

Muito curioso de fato é imaginar fazer voltar a regra do segredo, proscrita abertamente pela lei de licitações, art. 44, § 1º, que inadmite qualquer segredo em licitação, sendo excetuado naturalmente o conteúdo das propostas antes de abertas. 

E também a regra da transparência, prevista em lei federal como obrigatório marco e autêntico cânone de conduta para a Administração pública, além de ser fio condutor da atuação de todos so Tribunais de Contas do país, e ainda o princípio da publicidade constante do art. 37 da Carta, tudo isso – quase - rui por terra de chofre ante a pouco compreensível regra deste art. 34.

Mas a  gratuidade daquela incompreensível previsão secretista se evidencia logo a seguir no próprio caput, que autoriza que a estatal divulgue o “segredo”, desde que justifique.

Curiosíssimo, com efeito: a transparência e a limpidez de um orçamento público precisa ser justificada. Se não for justificada a publicidade do orçamento da estatal, então esse orçamento será sigiloso !... Entenda-se uma tal idéia ! 

A exceção excepcionalíssima do sigilo tornou-se a regra, e a regra unânime e absolutamente pacífica da transparência e da publicidade tornou-se exceção, a ser justificada sob pena de proibida !

Algo essencialmente público, como é o preço dos contratos licitados pelas estatais, agora para poder ser divulgado exige justificativa. E a lei não explica o motivo do sigilo, nem volta a tratar do assunto. Durma-se, portanto  com um barulho destes.

O que se anseia é que essa incompreensível volta ao passado sombrio seja alterada para que se cumpra a regra luminosa do § 1º do art. 44 da Lei nº 8.666/93, que aboliu e proscreveu quaisquer segredos em licitações. Até porque se o segredo fosse essencial à estatal o próprio caput do artigo não admitiria a divulgação do orçamento, mediante justificativa. Momento gratuitamente bisonho desta lei, que não se deu conta, ainda em 2.016, que o simples cogitar algum segredo em matéria de licitação pública constitui, antes de tudo,  um imenso atraso de vida.

Tudo isso dito acima se refere apenas ao orçamento do objeto, elaborado ou obtido  e adotado pela estatal, porque os quantitativos e as demais informações sobre o objeto pretendido, necessárias à formulação das propostas, devem ser divulgados – e tal seria se fossem secretos...

O artigo tem três parágrafos mantidos e um vetado. Quanto a esse último, se tinha a qualidade dos seus antecessores foi vetado em boa hora.

O § 1º - e a lei por outra vez não consegue ser clara – manda que se o critério de julgamento do certame for o de maior desconto, “a informação de que trata o caput deste artigo constará do instrumento convocatório”.

Qual informação ? -  pergunta-se. A dos quantitativos e as “demais informações” ?   Mas isso não é óbvio ?  A divulgaçào do orçamento ? Isso também não é óbvio ?  Sim, porque, se se o proponente não conhece o orçamento do objeto, então como poderá oferecer descontos sobre um valor desconhecido ?  Toda a burrice deste parágrafo decorre da menção ao orçamento sigiloso, constante do caput, péssima idéia  que gera as conseqüências de esperar.

O § 2º fixa que no caso de licitação de melhor técnica o valor do prêmio ou a remuneração será estabelecido no edital. Tentando decifrar, se o texto fala em prêmio deve estar se referindo a concurso, e nesse caso não precisaria a lei de novo chover no molhado, porque todo concurso tem o prêmio ao vencedor fixado no regulamento (o edital, sob outro nome), obrigatoriamente. São regras da lei de licitações, art. 52.

Quanto à remuneração referida  trata-se do valor do contrato, que o contratado receberá por seu trabalho.  Nesse ponto a lei obriga ao edital já adiantar qual será o valor do contrato como uma constante para o critério de julgamento. O objeto que será adjudicado a quem obtiver o julgamento de melhor técnica por aquele valor, e a técnica  será o único fator variável, o único a ensejar competição.

Este aqui mencionado critério de melhor técnica nada tem a ver com o constante da lei de licitações, art. 46, referindo-se, isto sim, àquele citado no art. 54, inc. IV e §§ 1º e 2º, dispositivos todos desta lei das estatais e que serão comentados adiante – ressalvada a hipótese de imprevista morte do autor.

O § 3º, inspirado na lei do RDC – regime diferenciado de contratação, e tal qual ocorre naquela outra infeliz província da legislação brasileira, o sigilo a que alude o caput  sofre outro golpe: simplesmente não existe sigilo, quanto ao orçamento que a estatal tem para o bem que licita, para os órgãos de controle externo e interno, os quais já foram elencados em ppartte anterior deste artigo. Estes órgãos detêm os preços, que a estatal lhes precisa fornecer sempre que por eles for requerido – e eis algo que precisaria sempre ser requerido, como requisito inicial de  qualquer controle.

Mas isso acontece, observe-se, apenas  na hipótese de a estatal – bisonhamente como lhe autoriza o artigo – querer  manter sigiloso o rçamento, e se já não o divulgar de antemão como alguém civilizado, educado, atualizado e cordato divulgaria em letras garrafais. Segredos, antes e  geralmente, interessam  a bandidos de todo gênero.

E para a hipótese de sigilo reza a incomparável sabedoria popular que segredo entre dois, só matando um.

Imaginar-se que continuará garantidamente secreto um orçamento que seja divulgado a órgãos de controle interno e externo de uma estatal em nosso país – no qual nem sequer grampeamentos ilegais de telefonemas de presidentes da República restam secretos mas correm a imprensa mundial com a velocidade do raio, e país em que a mesma imprensa tem conhecimento das decisões judiciais antes das partes – é crer em contos da carochinha, e com fervor.  Devem existir numerosos empresários que terão expendido sonoras gargalhadas ao ler este parágrafo...  O segredo será para você, amável leitor.

A lei insiste em ser ruim e em se inspirar no  que existe de pior no ordenamento, como é o caso da lei do RDC, tragédia técnica de grande proporção e que em qualidade apenas se compara ao governo federal que a produziu.

 Art. 35

Este artigo tenta ressalvar a extraordinária estupidez do anterior quanto ao segredo do orçamento adotado pela estatal. A lei, no art. 34, faz um papelão,  produz um serviço imundo, e no art. 35 tenta limpar um pouco e como pode aquela rematada sujeira. E para isso, e nesse afã, gera uma nova obviedade.

Informa que quando a estatal mantiver a péssima idéia de segredar seu orçamento, nem por isso o cidadão se verá privado de exercer seus direitos de acesso a informações de seu interesse junto ao poder público, neste caso paraestatal, tudo na forma da lei federal dita da transparência, a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2.011.

Obviedade rematada, eis que  um casuísmo – possivelmente inconstitucinal e ilegal, e seguramente indecente – como o do orçamento paraestatal sigiloso,   jamais retiraria do cidadão os direitos que a lei específica do acesso a informações estatais  lhe confere.

Essa última lei, ainda que historicamente não seja de todo original quanto ao seu objeto,  representa e é tida como um marco na história dos direitos do cidadão, do qual a nação toda se vangloria, e não seria uma tacanhez medieval engastada na lei do estatuto jurídico das estatais, advinda ao ordenamento sabe-se lá com que intenção e para atender a que interesses, que derrogaria ou desfaria aquele marco.

Neste ponto se conclama aos dirigentes das estatais que jamais, sob o pretexto que for, revistam de segredo os orçamentos dos objetos nas licitações promovidas por suas entidades. Parece-nos no mínimo profundamente suspeito ao poder público, paraestatal que seja, querer ocultar do conhecimento público, e da luz solar, orçamentos de licitações estatais. Está a regra adequada para a Venezuela, a Coréia do Norte, o Cambodja e a Somália, e Cuba dela já começaria a ter vergonha.

A idéia do sigilo deve ser abolida da cogitação negocial das estatais até mesmo, agora já extremando, sob o risco de se reeditarem os interplanetários escândalos de corrupção e de descalabro econômico, financeiro, administrativo e moral que presenciamos bem recentemente, e que ainda estào longe de encerrar suas conseqüências e seus efeitos por sobre o país, por sua imagem e por seu conceito internacional.

Segredo fica bem em filmes de mistério, em novelas rocambolescas ou, menos prosaicamente, para portas de cofre. Mas querer esconder da população o preço dos negócios que ela paga é apanágio de criaturas que se esgueiram pelas sombras dos poderes públicos, e que nutrem horror pela luz do dia.

 Art. 36

Reza que as estatais brasileiras podem promover a pré-qualificação de seus fornecedores ou produtos, nos termos do art. 64 desta lei.

Não constitui inovação desta lei a pré-qualificação, eis que consta o assunto, ainda que rapidamente como gato sobre brasa, da lei de licitações, ali sem qualquer detença ou dilação explanativa.

Tampouco neste momento a lei  se deteve a explicar ou detalhar  o que seja, deixando esse procedimento para o art. 64 tal qual este artigo o fará, apenas se adiantando que a pré-qualificação constitui uma tradicional prática administrativa pela qual se selecionam previamente a qualquer licitação específica quem ou o quê poderá no futuro, quando houver  licitação(ões), participar do(s) certame(s) aberto(s) para obter aquele objeto, seja obra, seja serviço, seja compra de bem.  Quem ou o quê estiver pré-qualificado participa, e quem não estiver permanece de fora.

Cuida-se na pré-qualificaçào de examinar os aspectos de suficiência técnica da empresa, do profissional ou do produto de quem se apresente para esse exame, e não se cuida de documentação habilitatória nem de preço, porque naquele momento não é isso que interessa avaliar nem comparar.

Justifica-se plenamente sempre que em jogo objetos de domínio restrito no mercado, ou de tecnologia especializada que poucos detêm, ou de fatores outros que recomendem selecionar possíveis fornecedores antes de se abrirem certames competitivos que, pela indiscriminada abertura a fornecedores os mais disparatados, poderiam fazer esperdiçar tempo,  trabalho e dinheiro da estatal, muita vez com frustração do seu objetivo por desqualificação dos participantes.

[1] Neste passo a lei lembra de perto um estatuto de gafieira. Omite-se entretanto, no seu evidente afã de prestigiar os neologismos que tanto enriquecem o vernáculo deste popularesco país, ao não definir eventos  como pixuleco, jabaculê, mutreta, bufunfa, molha-mão e taxa de incentivo, dentre outros costumes tão arraigados à nossa nacionalidade.

 (prossegue)