LICITAÇÕES E CONTRATOS NAS EMPRESAS ESTATAIS (3ª PARTE)

AS   LICITAÇÕES    NAS    EMPRESAS ESTATAIS  PELA LEI     Nº 13.303, DE 30 DE JUNHO DE 2.016

 Ivan Barbosa Rigolin

(abr/17)

 

Terceira parte

Art. 37

Este artigo manda a estatal “informar os dados relativos às sanções por elas aplicadas aos contratados, nos termos definidos no art. 83”.  O art. 83 contém as sanções aplicáveis aos contratados, o qual foi baseado no, ou copiado do,  rol do art. 87 da lei nacional de licitações até o inc. III.

A pena mais grave, que é a declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração pública, não consta da lista do art. 83 desta lei das estatais, mas consta em passant apenas do seu art. 84, da mesma maneira absolutamente antitécncia como consta do art. 87 a Lei nº 8.666, que não conduz a nada e a coisa nenhuma.

Muito bem, o local ou o registro a ser informado, a que se refere o caput, é o Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, instituído pelo art. 22 da Lei federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2.013, mencionada no caput. Esse último artigo brevemente disciplina o conteúdo e o escopo do CNEP, algo a ser temido pelas empresas que contratam com o poder público.

Mas o que salta aos olhos, outra vez ainda, é que a principal penalidade a merecer conhecimento de todo o país é a declaração de inidoneidade,poqrue tem efeito em todo o país. E essa mesma penalidade não consta do art. 83 da lei das estatais, de modo que a rigor, pelo caput deste art. 37, não precisaria ser informada ao CNEP !  Acredite-se !   Será que o legislador realmente quis isso, ou mais uma vez não revisou o que escrevia ?

As demais penalidades, advertência, suspensão e multa, só produzem efeito na repartição que as aplicou, pelo disposto no art. 87 combinado com art. 6º, incs. XI e XII. A única pena de efeito nacional, pelos mesmos fundamentos, é a de declaração de inidoneidade.

E essa, muito curiosamente,  não precisa ser informada ao CNEP, pelo que se lê do caput deste art. 37 !   Não, porque o art. 37 manda informar as penas na forma do art. 83, e o art. 83 não contém a declaração de inidoneidade !

Alguém acredita numa semelhante falta de técnica ?

Sim, absoluta falta de técnica, porque se a lei das estatais quisesse não conter  a declaração de inidoneidade, então não falaria de inidoneidade no art. 84, inc. III.

Se o CNEP existe é principalmente para fazer o país conhecer os contratados declarados inidôneos pela Administração pública brasileira, já que o inidôneo aqui é inidôneo em todos os órgãos públicos brasileiros, e apenas por isso.

Imagina-se que pouco interesse deve ter  um cadastro nacional de empresas apenadas em conter dados relativos a penalidades que servem apenas localmente.  Se a pena é apenas local, então por que motivo existe um cadastro nacional disso ?  Para que serve, se a única pena nacional não consta do, referido no caput deste art. 37, art. 83 ?

 Pouco importa se uma empresa suspensa por uma Prefeitura constar ou não do CNEP, se esse fato não estende o âmbito ou o escopo dessa penalidade para além dos limites daquela mesma Prefeitura.   E quanto a uma estatal, idem.   Uma pena local não se torna nacional apenas porque consta de um cadastro nacional de apenados.

O legislador não sabe disso, tanto o autor da lei do CNEP quanto o da lei das estatais  ?

Prossegue o juridicamente indigente art. 37 com outra aleivosia de morder a nuca. O § 1º pretende que empresa que conste do CNEP esteja impedida de participar de licitações e ou executar contrato público. Ora, somente se for na casa dos jejunos jurídicos que  produziram esta mendicância legislativa francamente abjeta ! 

Desde quando a lei das estatais, que não definiu administração nem administração pública porque esse não é assunto seu, derrogou esses conceitos dados pela lei nacional de licitações ?

Desde quando uma empresa advertida por uma estatal fica impedida de licitar ou contratar com essa mesma estatal, ou com qualquer outra no país, ou com qualquer ente público brasileiro, o que contraria descaradamente a lei de normas gerais de licitações, apenas porque o seu nome acaso esteja no CNEP ?

Não se apercebe a lei de que contradiz a sua própria sistemática, ao prever que basta que o nome da empresa que tenha sofrido qualquer penalidade, até mesmo advertência,  seja remetido ao CNEP para impedi-la de participar de novos certames com estatais, quando o art. 83, que descreve as penas, fixa que somente a suspensão  tem esse efeito ?

A lei desmoraliza a descrição que ela mesma faz das penas: no art. 83 só a suspensão impede a apenada de novas licitações, e no art. 37, § 1º, basta que mesmo uma advertência aplicada chegue ao CNEP para disso impedir a advertida !   Não percebe a lei esta monumental incongruência, que não fora isso e de mais a mais não faz o menor sentido em direito ?

Dispositivo assim, e restrição  de direito como esta, não pode prevalecer na aplicação da lei. Esta lei, por previsões assim como esta, contém todos os requisitos, como se afirma em tom de blague, para não pegar, não dar certo, não ser levada à risca.  Infelizmente não pode ser tida a sério.

A lei não pode reviver um medieval auto-de-fé em cruzada de caça a bruxas !  Um moralismo assim tão rasteiro prejudica mais que ajuda, por inverter valores e misturar, muito grosseiramente, de um lado delinqüentes do dinheiro público e, de outro lado, empresas absolutamente sérias que um dia, por motivo justo ou injusto, sofreram uma advertência. A grosseria da generalização num só balaio que poderá vir a ser este CNEP, é tecnicamente inadmissível sob qualquer análise.

Se alguma incauta estatal preferir aplicar o muita vez injustificável rigor do 1º do art. 37 contra o muito mais correto art. 83, ambos da mesma lei das estatais, então serão de esperar enxurradas de mandados de segurança, que de direito e de fato precisarão ser providos ante o abuso praticado pela própria lei – a qual, repita-se, atenta contra si mesma  e nesse passo não diz coisa com coisa.

O § 2º do art. 37 garante aos apenados constantes do CNEP a exclusão deste cadastro tão-logo demonstrem que não mais subsistem os motivos do cadastramento, sejam quais forem os motivos e as superações.

Nada mais justo e necessário, neste péssimo momento da lei. Trata-se ou disso ou, reitera-se,  de mandado de segurança com pedido de liminar, com o mesmo efeito. E com o êxito de esperar.s

Observe-se sempre: o registro no CNEP não pode ampliar o efeito legal das penas.

Se na descrição da pena não consta nenhuma inabilitação paralela para licitar ou contratar, então dar esse efeito à pena, apenas porque passou a existir um cadastro nacional de apenados, é simplesmente proibido. A fonte do direito aplicável, e o limite do mesmo direito, é a descrição do tipo infracional, que neste caso é o art. 83, e não o fato de a pena haver sido comunicada a um recém-inventado cadastro de apenados.

Em nome do bem do ordenamento, o legislador, e a lei que produz, não precisariam desgastar-se de tal modo ante a técnica mais basilar do direito.

 Art. 38

Outro longo artigo que veio ao mundo por causa da operação Lava Jato. Não fora essa específica operação policial, não existiria este artigo, ou, mais provável, existiria sob forma bem mais branda.

Trata-se de outra tentativa de conter corrupção, tráfico de influência, desvio de dinheiro público, licitações e contratações viciadas, negociatas e o que mais se conceba para obter vantagem indevida à custa do erário. É evidente que não eliminará nada disso por completo nem em definitivo, porém ajudará no combate ao crime na licitação e nos contratos das estatais.

Diz algumas obviedades francamente desnecessárias, de comandos já  contidos na lei nacional de licitações, e a introduz novidades, algumas aparentemente inconstitucionais por restringirem a igualdade dos cidadãos e das pessoas jurídicas, tudo em nome da moralidade - princípio esse que nos enseja arrepio na alma, não por ser errado ou indevido mas porque é quase sempre alardeado por bandidos de quatro costados, ou  por hipócritas profissionais. Sempre insistiremos em que quem deseje encontrar o homem mais imoral sobre a Terra não perca seu tempo buscando em lugar errado: procure o presidente da associação dos moralistas.

O artigo elenca em oito, por vezes macarrônicos, incisos as situações ou condições pessoais que proíbem o detentor de participar de licitações e de contratos. E, não contente, o artigo ainda contém um parágrafo único com outras três, inspiradas de perto daquelas do art. 9º da lei de licitações.

O inc. I impede o licitante detentor de ao menos 5% do capital social da sua empresa de participar da licitação pela estatal da qual seja empregado ou diretor. Baseia-se no fato de que ninguém pode ser licitante e licitador a um só tempo, pela evidente suspeição de qualquer resultado favorável no certame.

O inc. II impede que empresa suspensa pela estatal participe de licitação na própria estatal. Está descoberto o fogo !  É realmente extraordinário que uma lei precise declarar impedida de licitar uma empresa suspensa na própria estatal que licita ! 

De uma obviedade embaraçosa, ao menos tem o mérito de restringir o escopo da pena de suspensão apenas a quem suspendeu, e com isso impedindo a aplicação da pena extramuros, como uma estúpida investida jurisprudencial superior andou há poucos anos ensaiando fazer em nosso país, a esta altura felizmente desprestigiada e vencida pela lógica e pela razão ditadas pela letra da lei de licitações, art. 6º, incs. XII e XIII, combinados com o art. 87, incs. III e IV. Quanto a isso, malgrado sua obviedade, merece elogio.

O inc. III também, quanto a isso acima apontado, está correto na forma da lei de licitações, pois que quem sofre pena de declaração de inidoneidade está impedido de licitar e contratar com o poder público no Brasil, de todo nível e natureza, enquanto a sanção produzir efeito.

O inc. IV, em conjunto com o inc. V, começa a justificar o adjetivo macarrônico, acima utilizado, pois ingressa em detalhismos possivelmente  desnecessários neste panorama. Estão impedidas de licitar com a estatal as empresas que em seu quadro tenham sócio ou administrador de empresa  suspensa ou impedida por aquela estatal que licita, ou então de empresa que tenha sido declarada inidônea no país, com penas ainda em vigor.  Dispositivo claro, porém   seria mesmo necessário ? Terá o controle eficaz que demanda, para ser afinal útil ?

Segue o macarronismo, desta vez com o angu engrossando nitidamente, nos incisos seguintes, o inc. VI e o inc. VII, que aprofundam um detalhismo que em direito costuma atrapalhar muito mais que ajudar. Prescrevem, em seu conjunto, que - prepare-se, estômago - não podem licitar nem contratar com estatais as empresas que tenham sócio ou administrador que tenha sido sócio ou administrador de empresa suspensa, impedida  ou declarada inidônea ao tempo dos fatos que ensejaram a penalização.

Parece carta enigmática. Compreende-se o que está dito, porém, por tudo que é sagrado, alguém imagina ou vislumbra alguma forma de controlar a aplicação de uma tal regra ?  É o labirinto de Delfos jurídico. Evidentemente somente por denúncias durante a licitação é que se acionará o mecanismo de controle, e então, em breves três ou quatro meses de pesquisa, a estatal terá condição de concluir se algum licitante infringiu a restrição. Francamente, o direito brasileiro não precisava desta, com vênia, quinquilharia.

De outro lado, será constitucional alijar-se quem incide nesse proibitivo de participar de um certame na estatal ?  Parece-nos que não, vulnerando-se a regra da igualdade. Trata-se de uma caça a fantasmas, quando o país, e as estatais, e as empresas, já têm tantos problemas reais e palpáveis a arrostar.

Num país educado e civilizado o pouco direito escrito cuida do macro, e funciona. Num país como o é nosso território o imenso direito se espraia por detalhes microscópicos, e ainda assim não dá certo.

O último inciso do caput do art. 38, inc. VIII, lembra os anteriores. Verdadeiro angu de caroço, fixa que está impedida de licitar e de contratar com as estatais a empresa que tiver diretor que foi diretor de empresa declarada inidônea. Miséria jurídica inenarrável, serviço de alérgicos crônicos  ao direito, não esclarece por quanto permanece a maldição do infeliz diretor: para sempre ?

Quer então significar que, apenas por um dia ter sido diretor de uma empresa que um dia  foi declarada inidônea no país - por exemplo há vinte anos -, então  a empresa de que atualmente é diretor jamais poderá licitar nem contratar com estatais ? Seria pena perpétua,   daquelas proibidas pela Constituição, art. 5º, inc. XLVII, al. b ?   E daquelas que jamais constaram de lei ou norma alguma sobre licitação ?

Ou será apenas relativo a empresa que neste momento esteja sob declaração de  inidoneidade em vigor ?  Se é assim, então por que a lei não o disse expressamente, visando com isso orientar a estatal em suas licitações como fez no inc. III ? 

Não se apercebe o legislador do imenso cipoal de leviandades e impropriedades que, em nome da moral e dos bons costumes,  elabora nas leis que produz, as quais não conduzem a nada sustentável no mundo  jurídico ?  Trata-se de um dispositivo, inc. VIII,  que merece o mesmo  respeito devido a  um horóscopo diário de jornal.

O parágrafo único deste art. 38 estende a proibição constante do caput a:   (1) contratação do empregado ou dirigente da própria estatal que licita (inc. I);  (2) contratação de parente até terceiro grau de dirigente da estatal licitadora, ou então servidor da estatal que exerça função relacionada com a licitação ou contratação (inc. II, al. a), e ainda (3) contratação de parente até terceiro grau de autoridade do ente público a que a estatal esteja vinculada (inc. II, al. b).  

Proíbe ainda o inc. III do parágrafo único que o proprietário ou sócio de uma empresa, que tenha deixado de ser dirigente da estatal licitadora há menos de seis meses, participe de licitação ou contratação promovida por essa mesma estatal.

As proibições de todo o parágrafo único deste art. 38 são cabulosas, intricadas, enoveladas e de muito difícil controle. Pretendem disciplinar um assunto pequeno e que desaparece ante as grandes questões que envolvem a licitude e a moralidade das licitações e das contratações, além de que contêm possíveis inconstitucionalidades por diferenciar seres potencialmente iguais na condição de licitantes.

Com efeito, imagine-se se um parente de terceiro grau de alguma autoridade - não se sabe de que nível - do ente superior a que esteja vinculada a estatal da estatal licitadora tem motivo,  de fato e de antemão, para estar impedido de licitar...  que tem uma coisa com outra ?  O empresário tem o azar de ter parente alto dirigente do ente ao qual institucionalmente se vincula a estatal que licita, e então está alijado de todo certame e de toda contratação por aquela estatal.  A lei pressupõe contra esse cidadão.

Acaso não confia nos recursos do edital para eleger o melhor proponente, a começar por uma boa e correta descrição das características do objeto, ou, de outro modo, será que não confia na honorabilidade dos membros da comissão julgadora, ou do pregoeiro ?

Não se compreendem tantos zelos - lei cheia de dedos -  em matéria tão vaga, mal alinhavada e casuística quanto esta, por exemplo como se parente de quarto grau fosse excelente, e parente de terceiro grau, que por vezes nem sabe que o é porque para começar nem sabe o que é isso ([1]), fosse um potencial delinqüente. 

E sem se saber qual o nível da autoridade mencionada no inc. III do parágrafo único acabam sobrando restrições a meio mundo, mais perto e mais longe, sem que alguém compreenda precisamente por quê.  A metralhadora giratória da lei, nesta sua caça às bruxas,  revela-se tão generalizante quanto antitécnica.

Não se combate aqui a bandeira da idoneidade das licitações e dos contratos das estatais, jamais e em tempo algum porque tal seria insânia; combate-se apenas o detalhismo meio cego, sem direção, das medidas legais que se pretendem moralizantes, e cujo resultado, se houver, deverá ser pífio.

A lei deveria falar menos e melhor,  até porque    assuntos próprios para leis precisam ser maiores que os deste nível de preocupação.  Imagine-se o caudal de ações judiciais que pode decorrer de textos assim ambíguos, subjetivos, de múltipla interpretação e aplicação possíveis, como os deste artigo. Querendo ajudar a estatal, a lei pode - como seria facilmente evitável - ensejar-lhe um pesadelo interminável, um horror sem fim ([2]).

Sim, porque definitivamente não é descendo ao plano microscópico dos seus temas moralizantes que alguma lei conseguirá resolver, e talvez nem sequer minorar, os problemas éticos de um povo.  E as que mergulham até aquele nível atômico dos assuntos tendem a engrossar as hostes daquelas leis que não pegam.

 Art. 39

Artigo modernizante e cibernético - como hoje em dia nada escapa de ser -, prescreve que o edital das licitações, de pré-qualificações e dos contratos das estatais deverão ser divulgados em portal específico na internet, sendo que os prazos mínimos de publicidade, a partir daquela divulgação, vêm estabelecidos nos incs. I a III do artigo.

São eles, para aquisição de bens, de 5 (cinco) dias úteis sempre que o critério de julgamento for o do menor preço ou o do maior desconto (inc. I, al. a), e de 10 (dez) dias úteis nas demais hipóteses (I, b).

Para a contratação de obras e serviços, o prazo mínimo é de 15 (quinze) dias úteis se por menor  preço ou maior desconto (II, a), e de 30 (trinta) dias úteis nas demais hipóteses (II,  b).

E sempre que o certame for por melhor técnica,  ou combinação de melhor técnica e preço, ou ainda por contratação  integrada ou semi-integrada, o prazo mínimo será de 45 (quarenta e cinco) dias úteis.

Observe-se, até este ponto:

expediente administrativob) a lei adotou regras (I) da lei de licitações, (II) da lei do RDC - regime diferenciado de contratação - e (III) da lei de concessões de serviço. Fez um apanhado de institutos daquelas leis, de modo sintético e formalmente razoável

d) ainda assim, hoje em dia parecem exagerados os prazos de 30 e de 45 dias úteis, esse último podendo significar mais de 60 dias corridos, neste país dos feriados prolongados, das emendas e dos enforcamentos generalizados que se praticam, com grande alegria dos empregados e com pesar tétrico para os empresários, os serviços públicos, a economia, a funcionalidade, a eficiência e a imagem do país.  

Com efeito, se algum licitante precisar de 60 dias para formular sua proposta e habilitar-se a concorrer, não deve ser grande coisa  no mercado, e com prestador assim a lei não se deveria preocupar se for em prejuízo dos bons fornecedores, de resto sempre  ávidos por contratar e prontos para elaborar suas propostas. Não se prejudica o bom pelo ruim.

Observe-se que em grandes obras como, por exemplos, a hidrelétrica Itaipu, a ponte Rio-Niterói, a duplicação de uma grande rodovia, a transposição do rio São Francisco ([3]), e inúmeras que sempre se licitam,  o edital pode fixar publicidade muito maior que a mínima legal, já que a mera proposta para um tal  empreendimento exige intenso e pesado planejamento, investimento, reflexão e amadurecimento pelos interessados. 

Nada impede que em casos assim o edital se mantenha seis meses publicado e à espera de fornecedores à altura.  Mas fixar prazo mínimo de 45 dias úteis parece apenas beneficiar o inepto, o  preguiçoso, o desinteressado e o pouco capaz, que como sói acontecer deixará para a última semana todo o trabalho envolvido na proposta.

O parágrafo único deste art. 39, calcado no art.  21, § 4º, da lei de licitações, o arremata, prescrevendo que as modificações aos editais deverão ser divulgadas pelos mesmos meios utilizados para a divulgação do edital, devolvendo-se todo o prazo que já tenha corrido desde a divulgação do edital a não ser que a modificação não afete a formulação  das propostas.

Observa-se na prática,  entretanto, que mesmo certas modificações editalícias quanto às exigências habilitatórias - e não nas questões relativas às propostas - por vezes são tão aprofundadas nesse cabeludíssimo assunto de habilitação que recomendam devolver-se todo aquele  prazo,  na medida em que prevenção e água benta jamais apresentam efeitos colaterais.

Com todo efeito, existem documentos habilitatórios de rematada complexidade e  muito difíceis de obter de afogadilho, e o fato o edital de um para outro momento se modificar para passar a  exigi-los pode constituir um duro golpe contra os licitantes, cuja expectativa não era nada daquilo, e não contemplava precisar obter aqueles documentos. Tão árduo pode ser obtê-los que por vezes apenas isso  impede a participação de quem já se julgava  dentro do certame e competindo bravamente...

Mas o que é preciso  reconhecer é que não é usual que alguma modificação do edital -  a qual em geral já conta com grande e inercial má-vontade pela Administração -  se dê por razão pouco relevante ou  desimportante, já que as alterações quase sempre versam sobre importantes requisitos, características e demandas da proposta, e não de coisa alguma mais. Fica entretanto o alerta, porque são conhecidos episódios desse jaez que eram relativos à habilitação, e que deram o que falar.

 Art. 40

Este artigo determina que as estatais deverão "publicar e manter atualizado regulamento interno de licitações e contratos", que seja compatível com esta lei e especialmente quanto a nove assuntos, elencados nos incs. I a IX que seguem.

Para publicar parece acaciano que antes precisam as estatais elaborar seus regulamentos, o que a partir desta lei voltou a ser imperativo - e que sempre foi absolutamente desejável pelas empresas do Estado, que jamais cessaram de lamuriar por ter de sujeitar-se à lei nacional das licitações desde 1.993. O que neste momento, após o advento desta lei das estatais, não se pode assegurar é que o resultado simplificador para as estatais saiu aquele desejado.

O veículo  da publicação pode ser o portal na internet referido no art. 39, à falta de outra indicação de jornal ou mídia impressa. Assim entendemos, porque se até um edital pode ser divulgado apenas ali, parece que a lei deu ao portal a máxima relevância possível em matéria de publicidade dos atos das estatais, regulamento de licitações incluído. E se, nesse art. 40 ou em qualquer outro, não indicou nenhum veículo impresso para publicação do regulamento, parece autorizada esta conclusão.

A legislação atual confunde um pouco - baralhando propositadamente ou não  - publicidade,  publicação e divulgação. Não consegue ser muito objetiva quanto a isso, como até um passado recente era claríssimo nas leis, que fixavam a publicação no jornal tal, ou no veículo qual, sem palavras dúbias ou genéricas como "divulgação". 

É de supor que as leis doravante nem se lembrem de que ainda existem jornais escritos, tal qual já ocorre à juventude. Mas, nesse caso, é também de esperar que parem de se referir a publicação. Observe-se a relevância quase nenhuma desse assunto, e que uma dúvida como esta - onde "publicar"- jamais precisaria existir em uma lei.

Os assuntos sobre os quais o regulamento de cada estatal deve dedicar especial atenção são o glossário de expressões técnicas; o cadastro de fornecedores; minutas-padrão de editais e contratos; procedimentos de licitação e contratação direta; tramitação de recursos; formalização de contratos; gestão e fiscalização de contratos; aplicação de penalidades, e recebimento dos objetos contratados, conforme, respectivamente, incs. I a IX do art. 40.

Muita novidade aí existe: cadastro de fornecedores dentro do regulamento ?  Minutas-padrão de editais e de contratos dentro do regulamento ?

Trata-se de matérias que não integram costumeiramente os existentes regulamentos de licitações porque o encompridam desnecessariamente, podendo à perfeição figurar de manuais, instruções ou normas outras, que não o regulamento, que deve ser solene, conciso e econômico na medida do possível, absolutamente objetivo, 

Mais importante, entretanto, é ter presente que

exigências habilitatóriasb) quanto a minutas de contratos já é mais razoável a idéia, porém mesmo nesse terreno hoje os contratos seguem certos padrões, e amanhã seguirão outros, e depois de amanhã outros ainda, variando e evoluindo em inúmeros aspectos. Obrigar a modificações do regulamento sempre que se modificarem os modelos contratuais parece não ser medida das mais racionais ou inteligentes, o que recomendaria que os regulamentos aqueles modelos.

Cada regulamento, entendemos, pode e deve contemplar os assuntos acima, sem jamais tentar resolvê-los por inteiro dentro do seu elevado âmbito porém remetendo-os a outros diplomas normativos menores, que, de mais fácil alteração e atualização,  devem resultar mais adequados para esse mister. O regulamento, sendo solenemente elaborado e aprovado pelos Conselhos superiores da estatal, de certo modo "congela" os temas que disciplina, o que nem sempre convém, como neste caso de minutas de editais e de contratos.

Quanto ao cadastro de fornecedores, não se imagina como isso poderia figurar dentro de qualquer regulamento. A idéia não faz o menor sentido. Aqui, mais do que nos pontos anteriores, o regulamento deve apenas disciplinar como se elabora o cadastro, que requisitos deve conter, que informações abrigar, como se cadastra e como se descadastra alguém, e outros temas correlatos, mas jamais se imaginando inscrever todo o cadastro dentro do regulamento.

Esta consideração parece tão óbvia que chega a ser constrangedor tecê-la, mas é comum afirmar que em direito mesmo o óbvio exige explicação. Estando no Brasil, não duvidamos.

Seja como for, grande trabalho criativo aguarda as estatais na elaboração de seus regulamentos de licitações e contratos. Com vista a racionalizar esse trabalho parece interessante observar:

desta lei das estataisb) diante de toda a Lei nº 13/303/16 em verdade não restou muita matéria importante para ser disciplinada de maneira original por cada estatal, com vista a atender as suas peculiaridades. É absolutamente seguro que toda estatal brasileira gostaria de que a lei das estatais a deixasse mais livre para dispor sobre as licitações e os contratos que precisará encetar, sem tantas injunções e sem este figurino-camisa-de-força a impor parâmetros, limites, proibições e direções, sem dizer do grande volume de matéria que, positiva e francamente, .

Desse modo e sendo esse o panorama,  do que restar a cada estatal disciplinar sobre a matéria dentro de cada regulamento recomenda-se a máxima simplicidade possível, com lícitas remissões à lei das estatais sempre que necessário, em nome de não se criarem mais dificuldades e burocracias num assunto já tão assoberbado de formalismos e rituais forçados.

Simplificar é uma grande arte, enquanto complicar é o trabalho que se costuma destinar aos que não têm capacidade de sintetizar e de resumir o que a cada momento importa ter em conta. Dizer o bom e o necessário em poucas palavras - como Gonçalves Dias na sua poesia e como Händel na sua música - é apanágio de quem, alma velha, sabe o que faz, não o de quem talvez gostasse de sabê-lo mas que, desafortunadamente, não desfruta daquela condição.

Art. 41

Último artigo da Seção II deste Capítulo I, manda aplicar a seção de crimes em licitação que consta da lei de licitações, arts. 89 a 99.

Não seria de esperar diferente, uma vez que dificilmente seria desconsiderado aquele rol de crimes e penas que foi introduzido no direito administrativo pela Lei nº 8.666 em 1.993. Trata-se  de matéria penal genuína, dentro de legislação administrativista.

A história da aplicação daqueles artigos não é nem um pouco gloriosa para o direito, nem encomiástica ou lisonjeira para o legislador.

Matéria esquiva, mal ajambrada e francamente de baixo nível de qualidade, hibernou durante vários anos antes de as autoridades detentoras da ação penal iniciarem sua aplicação, denunciando servidores e autoridades que acusavam de incidir naqueles tipos criminais.

O imenso número de injustiças, de mal-entendidos, de equívocos de interpretação e de forcejamentos de  leitura com base em ideologias pessoais de maior, de menor ou de nenhum acerto, e o crescente enquadramento de cidadãos que o mereçam ou que não o mereçam, tudo isso que passou a se avolumar pela propositura de incontáveis ações penais francamente indevidas, causa engulhos a quem tenha moderado senso de justiça,  e a quem não vise apenas ver arruinadas pessoas, ou a colecionar e exibir acusações as mais graves contra a mais variada clientela.

Grande percentual daquelas referidas  imputações  muitas vezes, a final e com o correr dos processos, se revela sem pé nem cabeça,  não raro com petições julgadas ineptas ou de algum outro modo imprestáveis. De outra feita ocorrem freqüentes condenações bastante sérias,  tal qual isso só em si constituísse o mais justo e o mais desejável dos panoramas - sendo em verdade indesejável sempre, e nem sempre justo.

É evidente que, daquelas todas ações que foram e que continuam sendo propostas, muitas são mais do que corretas e necessárias, e só merece elogio quem as propôs, como quem as recebeu. Mas esse fato inquestionável não justifica o sem-número de pesadas ofensivas contra agentes públicos e contra particulares contratados que, de outro lado, foram e são encetadas sem real motivo, geralmente arruinando reputações, por vezes patrimônios legitimamente constituídos, a saúde, o sono, a alegria de viver  e a vida profissional de inúmeros processados - tudo com base na lei de licitações, arts. 89 a 98.

Nada na lei das estatais indica que aqui será diferente, e seja considerada a possível agravante de que os contratos das estatais amiúde envolvem valores astronômicos, a atiçar a cobiça de grandes empresas mais que o usual nos negócios do poder público.

 Então, somente se anseia que a aplicação das disposições penais da lei das licitações no âmbito das estatais seja informada por detida reflexão pelas autoridades que manejam a ação criminal, o que de resto é  imperioso  em qualquer província da Administração e da atividade privada.

[1] Tal qual o cidadão que não consegue separar o joio do trigo porque não faz a menor idéia do que seja o joio.

[2] Afrontando com isso a máxima da sabedoria popular segundo a qual se deve preferir um fim horroroso a um horror sem fim.

[3] E para rechaçar pechas de bairrismo desde logo se excluiu a reforma da biblioteca do Clube Orlândia.


(prossegue)