Artigo
REGISTRO CADASTRAL (LEI Nº 14.133/21, ART. 87)
REGISTRO CADASTRAL (LEI Nº 14.133/21, ART. 87)
Ivan Barbosa Rigolin
jun/24)
I – O tema desta vez é o registro cadastral, previsto nos arts. 87 e 88 da Lei nº 14.133/21. Um dia esse registro se denominou simplesmente ‘cadastro de fornecedores’, mas desde a Lei nº 8.666/9, arts. 34/7, a locução ‘registro cadasral’ se consagrou.
Alterou-se basilarmente a abordagem, porque a lei anterior, de modo um tanto bisonho, parecia mandar (art. 34) aos entes públicos ‘que realizem frequentemente licitações’ – como se existisse algum que não as realize, e como se alguém tivesse a capacidade de objetivar o que significam licitações frequentes – mantivessem registros cadastrais de fornecedores.
Em primeiro lugar aquela ‘ordem’ era cumprida se e quando o órgão público quisesse, existindo milhares deles – a sua maioria - que jamais tiveram cadastro de fornecedores.
O cadastro operacionalmente embrava um abacaxi de rtês metros de altura, que poucas entidades queriam na sua estrutura já que para ser eficaz exigia mais trabalho e manutenção do que oferecia vantagens, como um automóvel tão imprestável que somente servia para transportar a sua própria carcaça: se o motorista subisse o carro não andava. Algo tão necessário, em geral, quanto uma coqueluche suína.
Mas como se disse mudou o enfoque na nova lei: pelo art. 87 centralizou-se o cadastramento na União, do seguinte modo:
Do Registro Cadastral
Art. 87. Para os fins desta Lei, os órgãos e entidades da Administração Pública deverão utilizar o sistema de registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), para efeito de cadastro unificado de licitantes, na forma disposta em regulamento.
§ 1º O sistema de registro cadastral unificado será público e deverá ser amplamente divulgado e estar permanentemente aberto aos interessados, e será obrigatória a realização de chamamento público pela internet, no mínimo anualmente, para atualização dos registros existentes e para ingresso de novos interessados.
§ 2º É proibida a exigência, pelo órgão ou entidade licitante, de registro cadastral complementar para acesso a edital e anexos.
§ 3º A Administração poderá realizar licitação restrita a fornecedores cadastrados, atendidos os critérios, as condições e os limites estabelecidos em regulamento, bem como a ampla publicidade dos procedimentos para o cadastramento.
§ 4º Na hipótese a que se refere o § 3º deste artigo, será admitido fornecedor que realize seu cadastro dentro do prazo previsto no edital para apresentação de propostas.
Art. 88. Ao requerer, a qualquer tempo, inscrição no cadastro ou a sua atualização, o interessado fornecerá os elementos necessários exigidos para habilitação previstos nesta Lei.
§ 1º O inscrito, considerada sua área de atuação, será classificado por categorias, subdivididas em grupos, segundo a qualificação técnica e econômico-financeira avaliada, de acordo com regras objetivas divulgadas em sítio eletrônico oficial.
§ 2º Ao inscrito será fornecido certificado, renovável sempre que atualizar o registro.
§ 3º A atuação do contratado no cumprimento de obrigações assumidas será avaliada pelo contratante, que emitirá documento comprobatório da avaliação realizada, com menção ao seu desempenho na execução contratual, baseado em indicadores objetivamente definidos e aferidos, e a eventuais penalidades aplicadas, o que constará do registro cadastral em que a inscrição for realizada.
§ 4º A anotação do cumprimento de obrigações pelo contratado, de que trata o § 3º deste artigo, será condicionada à implantação e à regulamentação do cadastro de atesto de cumprimento de obrigações, apto à realização do registro de forma objetiva, em atendimento aos princípios da impessoalidade, da igualdade, da isonomia, da publicidade e da transparência, de modo a possibilitar a implementação de medidas de incentivo aos licitantes que possuírem ótimo desempenho anotado em seu registro cadastral.
§ 5º A qualquer tempo poderá ser alterado, suspenso ou cancelado o registro de inscrito que deixar de satisfazer exigências determinadas por esta Lei ou por regulamento.
§ 6º O interessado que requerer o cadastro na forma do caput deste artigo poderá participar de processo licitatório até a decisão da Administração, e a celebração do contrato ficará condicionada à emissão do certificado referido no § 2º deste artigo.
Comentam-se esses dois artigos.
II – O art. 87 inicia com uma patranha, uma peta, uma aldravice, uma lorota, uma parolagem flácida para dormitar bovino. Os entes públicos – mesmo os federais – não devem coisa nenhuma, muito menos utilizar o cadastro nacional de fornecedores. Utilizam-no se quiserem, se lhes convier, se lhes for oportuno, mas nenhuma obrigação têm, nunca, de utilizar o cadastro nacional de fornecedores.
Ao final o caput informa que tudo aquilo se dá na forma de regulamento, o que é o mesmo que comprar uma briga para o irmão: eu criei o problema, agora é com você ...
Se a regra do caput depende de regulamento então não é autoexecutável, e tem a eficácia contida até a edição daquele regulamento – isso é o que se aprende na escola, porém se trata de algo que no direito executado no Brasil é mais furado que uma peneira, e completamente irrealístico.
A maioria das regras legais que se dizem dependentes de um regulamento não o são coisíssima nenhuma, e somente com e os elementos da própria regra já podem ser executados com folga. É o caso.
Quem quiser utilizar o cadastro unificado federal, disponível no PNCP – portal nacional das contratações públicas – pode fazê-lo. Quem nunca, até o dia do juízo final, quiser saber que configuração tem aquele cadastro, pode igualmente fazê-lo, ou seja não fazer nada, nem nunca utilizar o cadastro.
O § 1º informa que o cadastro é público, deve ser amplamente divulgado e será acessível a todo interessado. Uma vez ao ano ao menos a lei manda que o PNCP chame interessados pela internet com vista a atualizar os registros e permitir o ingresso de novos fornecedores.
O que a lei precisava informar de forma clara mas não informa é a validade dos registros cadastrais. Parece ser de um ano, porém ao mencionar a atualização dos registros cadastrais dá a entender que quem já está cadastrado pode apenas atualizar seus dados sujeitos a alterações ou a validades predeterminadas, e se o fizer adequadamente terá renovado seu registro cadastral até a próxima chamada anual.
E quem não está cadastrado, querendo, pode aproveitar essa ocasião anual para tentar cadastrar-se. Mas pelo que se lê do § 1º, e pelo que se lê do caput do art. 88, ninguém precisa aguardar o chamamento anual para tentar cadastrar-se, uma vez que o sistema está ‘’permanentemente aberto aos interessados’ – o que significa durante todo o ano.
III – O § 2º deste art. 87 encerra outro mistério, ao proibir inscrição em cadastro complementar ao federal unificado para acesso ao edital e anexos. Ora, então para ter acesso ao edital o interessado preciosa estar inscrito no cadastro federal unificado ? O edital não é publicado para acesso e conhecimento geral por toda e qualquer pessoa ?
Essa regra só faz sentido se o ente licitador, autorizado pelo § 3º deste artigo, tiver restringido a participação apenas a cadastrados, mas não faz sentido se assim não for. Edital é um documento público e de absoluta acessibilidade por qualquer cidadão, daí a estranheza essencial em qualquer ideia de restringir o acesso ao edital.
O § 4º é bisonho, ao permitir o que sempre esteve permitido e é óbvio: o interessado pode cadastrar-se, se conseguir, até o momento de apresentação das propostas no certame. Por que a previsão ? Isso já não era permitido ?
IV – O art. 88 repete nostalgicamente regra da lei anterior, pela qual o cadastrado que pretenda renovar ou atualizar se registro fornecerá os documentos necessários para tanto... e poderia ser diferente ?
O § 1º deste artigo prevê a divisão do cadastro por diferentes categorias profissionais ou de atuação dos pretendentes ao cadastramento, como ocorre há cerca de cinquenta anos no panorama das licitações.
As categorias existentes é o cadastro unificado que define, assim como subcategorias, grupos ou diferentes subdivisões. Inexistindo uma categoria ou um grupo no qual o pretendente a cadastramento se enquadre – segundo o seu entendimento – ele deve tentar cadastrar-se n´alguma existente, e o cadastro central unificado atenderá ou não a sua pretensão, justificadamente.
Seja como for, precisa o cadastro ser dotado de elasticidade suficiente para enquadrar todo e qualquer pretendente qualificado em alguma categoria, ainda que seja a célebre ‘outros’, porque não faz sentido recusar cadastrar fornecedor idôneo apenas porque alguém não previu a sua categoria.
O enquadramento de pretendentes ao que quer que seja dentro das categorias de que o poder público se lembrou de catalogar nos seus sistemas, aliás, é um dos mais tormentosos problemas da administração pública, muito particularmente no Judiciário, em que muita vez é mais difícil enquadrar uma petição n’alguma categoria existente para o protocolo eletrônico do que redigir a própria petição. Que as potestades celestes protejam os jurisdicionados dos documentalistas do poder público !
V – Pelo § 2º fica mantida a regra anterior de que ao inscrito no cadastro será fornecido certificado que o ateste, o qual documento será renovado a cada renovação do registro. É a prova documental do cadastramento.
O tortuoso § 3º, com excesso de palavras, manda que o ente público avalie o desempenho do cadastrado na execução de contratos originários do registro cadastral, inclusive de que constem eventuais penalidades aplicadas. Disso emitirá documento comprobatório, o qual constará necessariamente do cadastro do respectivo fornecedor.
O § 4º é um festival de estupidez, falta de objetividade, irracionalidade administrativa e péssima técnica legislativa. Os autores devem ter sérios problemas de identidade, ou de autoafirmação ante o mundo e a sociedade.
Não hesitamos em recomendar e orientar no sentido de desconsiderar completamente esse amontoado de inutilidades e redundâncias, tão úteis quanto uma pedra na sopa, que apontam numa direção que pertence à pura lógica administrativa, e que aponta medidas - como adotar medidas de incentivo a quem tenha desempenho exemplar na execução contratual - que podem ser implementadas por completo sem o encosto deste indizivelmente péssimo § 4º.
VI – O § 5º repete regra da lei anterior, e informa que a qualquer tempo poderá ser alterado, suspenso ou cancelado o registro cadastral do cadastrado que venha a perder a condição que lhe permitiu cadastrar-se.
Óbvio ululante, porém organizador o dispositivo, que indica que o cadastro não congela por um ano a situação do cadastrado, o qual pode deixar de sê-lo se deixar de satisfazer o requisito, que satisfizera para conseguir cadastrar-se.
Ou, num impasse sobre questão assim, ter o seu cadastramento suspenso temporariamente, até que o impasse seja resolvido. Entendemos que o tempo de suspensão, se o cadastrado deu causa à suspensão, se conta dentro do ano de validade do cadastro, não o suspendendo.
E o cadastramento nem sequer congela a categoria em que o fornecedor conseguiu cadastramento, porque o fornecedor pode transitar de uma categoria para outra, e por sua iniciativa, ou por iniciativa do ente público cadastrador, pode ter alterada a sua classificação comercial dentre as existentes.
O derradeiro § 6º tem boa intenção mas pode vir a consumir tempo precioso do ente público, no caso de o fornecedor requerer cadastramento, participar da licitação como se cadastrado fora, vencer a licitação e, a final, não obter o cadastramento.
Nessa hipótese é impedido de contratar, e os seus preços vencedores não podem servir de referência a outros preços classificados. Boa intenção, porém risco de confusão, trabalho aumentado e perda de tempo. Mas diante da lei não se questiona o direito do fornecedor, de tendo requerido o cadastramento, participar como se cadastrado fora, nas licitações fechadas aos cadastrados (porque se não foi fechada o problema simplesmente não existirá).