LICITAÇÕES E CONTRATOS NAS EMPRESAS ESTATAIS (8ª PARTE)

AS   LICITAÇÕES    NAS    EMPRESAS  ESTATAIS  PELA LEI     Nº 13.303, DE 30 DE JUNHO DE 2.016

 Ivan Barbosa Rigolin

(set/17)

 
Oitava parte

Art. 64

Este artigo é o primeiro dos que disciplinam os procedimentos auxiliares das licitações elencados no art. 63, incs. I a IV. Cuida do sistema ou do procedimento da pré-qualificação permanente.

A idéia só em si constitui novidade, inegavelmente alvissareira e desejável em prol da eficiência técnica das contratações pelas estatais,  e às claras se inspirou no tradicional e mais do que provado sistema do registro de preços, uma vez que a validade deste novo procedimento, após efetuado e como se lê do § 5º do artigo, é de um ano como o do RP.  E a própria idéia de manter um banco permanente de pré-qualificados à espera de licitações a eles reservadas, é também inspirada no RP.

Boa idéia sem dúvida, uma vez que poupa a estatal de realizar uma específica e pontual pré-qualificação sempre que entender conveniente ou necessária em determinada licitação. E isso é verificável com muita freqüência nos certames em que máquinas ou equipamentos inovadores, em geral de tecnologia ainda restrita, sejam objeto dos certames, e precisam estar já testados e tecnicamente aprovados antes de os licitar por menor preço entre os fornecedores que os detenham.

A pré-qualificação de fornecedores mereceu da lei de licitações apenas uma breve e incipiente menção no curto art. 114, que quase se pode acusar de ter sido editado apenas para que não se acusasse o legislador de se ter omitido completamente sobre este tema, já que  o seu exagerado sintetismo muito pouco auxilia nesta importante questão licitatória. A lei das estatais não poderia omitir-se em disciplinar mais detidamente o instituto, que a elas interessa  mais que a qualquer outro ente público. Pré-qualificação é assunto de tecnologia empresarial, não de repartições públicas.

E com isso a  maior incidência da pré-qualificação sem dúvida ocorre quando o ente precisa de máquinas e equipamentos, e não de outros objetos como serviços ou compras. A lei das estatais entretanto abriu desde logo a possibilidade de pré-qualificar também vendedores de materiais, por certo com a vista posta em utensílios não facilmente encontráveis no mercado - quando o são e se é que o são, sendo que em geral ainda não existem e precisam ser desenvolvidos a partir de projetos inéditos, à espera de provas e testes que confirmem sua utilidade.

Pela pré-qualificação testam-se equipamentos - ou materiais, pelo visto - por um período determinado, em condições preestabelecidas e sob parâmetros certos, tudo conforme anunciado e esclarecido em editais. Tais editais podem referir-se apenas à pré-qualificação ou a todo o processo licitatório que se lhe seguirá com relação aos aprovados naquela primeira fase.

Significou até este  momento, pela lei tradicional de licitações,   a prévia habilitação técnica do proponente em uma licitação, a qual dispensará essa fase na seqüência e que seleciona os licitantes que poderão participar do procedimento licitatório completo, o qual conterá então as demais habilitações e o exame das propostas referentes exclusivamente aos objetos já pré-qualificados, porém nenhuma habilitação técnica mais.

Com o advento da pré-qualificação permanente nesta lei das estatais a questão assume nova configuração, e aquilo que apenas ocasionalmente precedia uma licitação específica agora se converte em um sistema que pré-habilita tecnicamente fornecedores para, quando houver licitações na estatal que os pré-qualificou tecnicamente, possam delas participar  com exclusão de quaisquer interessados não pré-qualificados.

Esse sistema evidentemente não impede uma pré-qualificação específica para determinada licitação e apenas para ela, mas significa um recurso a mais em favor das estatais para as quais interesse manter um cadastro permanente de pré-qualificados para fornecer o equipamento x, ou  o serviço  y,  ou  o material z, visando economia de tempo e de trabalho em licitações futuras.

O sistema de pré-qualificação, portanto,  define participantes futuros, seja de uma licitação certa se não se tratar do cadastro permanente, seja de eventuais licitações do mesmo objeto, se e quando as houver, se se estiver dentro do cadastro permanente dos pré-qualificados.

A idéia é puramente técnica e merece apenas elogio.

Divergimos diametralmente de dois eminentes juristas referenciados e por Sidney Bittencourt ([1]), para quem o cadastro permanente de pré-qualificados tende a restringir a competitividade nos certames que acaso forem apenas a eles reservados, como o § 2º do artigo admite.

Conforme seja especializado e necessariamente pré-testado o objeto, sempre existem limitações técnicas evidentes à ampla participação de licitantes, muitos dos quais se classificam, no dizer comum do mercado, picaretas da pior espécie, ou paraquedistas absolutamente descomprometidos com o que quer que seja.

Dentre esses licitantes de mau caráter e limítrofes do banditismo  amiúde se divisam aqueles que criam dificuldades, como obter liminares em mandados de segurança em licitações que sabem que jamais vencerão, e depois tentar vender aos prováveis vencedores, já conhecidos após a primeira sessão pública,  a desistência da ação mediante uma colaboração pecuniária a ser amistosamente acordada. Tais licitantes-facínoras jamais se pré-qualificarão ao que quer que seja, porque o seu mister é outro.

E mais: porventura a tomada de preços não é restrita aos pré-cadastrados, ou a quem venha a obter essa qualificação pouco antes do certame ?   Tal não é um limite legal à ampla participação ? Se deve haver sempre a mais ampla possibilidade de participação de licitantes, então como se justifica que apenas cadastrados participem de uma licitação, como na TP ?    O fundamento do banco permanente de pré-cadastrados não é exatamente o mesmo ?

E o convite não é destinado a ao menos três fornecedores escolhidos e convidados pelo ente licitador ? Isso não restringe a ampla participação - sabendo-se que quem não for convidado nem for previamente cadastrado no ramo  fica de fora do certame - ?

Uma padronização efetuada pela Administração por acaso não limita o universo dos proponentes na licitação destinada a adquirir o bem ou o serviço padronizado ?  Limita a toda evidência, eis que nem todos os fornecedores do bem daquela espécie fornecem o bem padronizado. E por acaso a padronização, por isso, deixa de ser a excelente idéia que sempre foi desde que alguém a concebeu ?

Que espécie de democratismo inexplicável é esse, de admitir cadastro de fornecedores, de admitir restrição à ampla participação de licitantes na TP e no convite, de admitir padronizações mas de se insurgir contra o mesmo critério, agora quanto ao banco permanente de pré-qualificados ?  

Trata-se tão só de uma tentativa de vacina contra o picaretismo nas licitações de objetos eminentemente técnicos, que de nós merece o mais aberto elogio.  Separa os aventureiros e os descarados de toda espécie dos fornecedores sérios de produtos sérios.

O § 1º do artigo informa que o procedimento da pré-qualificação permanente será, de fato, permanente, e aberto ininterruptamente a quem se disponha a submeter-se aos seus critérios de admissibilidade.

Isso implica em alteração fundamental do que se entendia por pré-qualificação, eis que se evidencia que agora se trata de um passo prévio a licitações ainda não marcadas, que se aperfeiçoará pela inscrição de fornecedores de objetos simplesmente descritos no aviso, para não se sabe quando serem licitados.

A concepção é bem outra com relação ao passado, mas deve inaugurar um novo modo de o fornecedor colocar seu produto à disposição da estatal, qualificando-o de antemão, por um ano, até que eventualmente seja aberta uma licitação para esse produto. Elogia-se a idéia, reitera-se, porque o mundo dos fornecedores da Administração está repleto de aventureiros de pouquíssima ou de nenhuma qualificação, que atrapalham imensamente mas que servem minimamente.

Não há data predeterminada para a inscrição, como se fora a temporada de caça que tem dia certo para começar e para acabar. Tal qual o cadastramento de fornecedores, todo dia útil estará aberto à inscrição à lista dos fornecedores candidatos à pré-qualificação.

Avançando-se sobre o conteúdo do § 2º, um regulamento, a ser ainda editado por cada estatal,  orientará aquela inscrição e o comportamento da estatal para julgar os inscritos diante das exigências regulamentares.  Mas é possível desde já asseverar que nada será tão importante, para aquele julgamento,  quanto o conteúdo de cada descrição do que deverá conter o produto pré-qualificando, assunto esse que o regulamento, diga o que disser,  jamais subverterá.

O § 2º informa que poderá haver licitações abertas apenas aos pré-qualificados, o que a esta altura nenhuma novidade contém já que se a lei a todo tempo cerca o instituto da pré-qualificação de tantos cuidados e exigências que ninguém deveria imaginar fossem em vão, ou de somenos.

Não se faz a menor idéia de para quê existiria pré-qualificação se não fosse para restringir a licitação apenas aos pré-qualificados. Com efeito, promover uma pré-qualificação e depois abrir a licitação de objeto que exigiu pré-qualificação a qualquer fornecedor parece brincadeira, ou tripúdio à inteligência mais primitiva. Seria o mesmo que abrir concurso público para cargos, obter uma lista de aprovados e depois admitir qualquer pessoa. Então, combater essa restritividade, como se vem de examinar,  parece ser atitude de todo incompreensível.

O dispositivo ainda pretende que seja necessário um regulamento, em cada estatal, para que se permita a licitação fechada aos pré-qualificados.  Grossa asneira, porque a lei já dá todos os elementos para tanto, e porque pela própria e essencial lógica da pré-qualificação esse instituto somente existe para impedir aventureiros não antes qualificados de participarem de licitações - mais ou menos como símios enfurecidos soltos em lojas de louças - de produtos que eles não têm, porque se os tiverem serão pré-qualificados sem dificuldade. 

A pré-qualificação impede a prática do paraquedismo na estatal, e apenas afasta quem delas jamais deveria chegar perto.  Imaginar pré-qualificar uma série de fornecedores e depois na licitação  para aqueles bens admitir qualquer aventureiro é negar a razão da pré-qualificação.

Assim, fechar a licitação apenas ao pré-qualificados pode ser realizado com regulamento, sem regulamento ou apesar de algum regulamento.

O § 3º informa que a pré-qualificação poderá ser segmentada entre áreas específicas de objetos, o que também com todo o devido respeito, é chover no molhado. A estatal sabe que grupos de pré-qualificados precisa ter, se os precisa ter separados em grupos. A matéria é eminentemente técnica e finalística de cada objeto, e a lei, dissesse o que aqui diz ou silenciasse, em nada inovaria nem o  direito nem a prática da estatal.

O § 4º informa que a pré-qualificação poderá ser  total ou parcial, e desse conter todos os requisitos que de outro modo seriam exigidos na licitação, ou apenas parte deles, ficando os demais para apresentação no certame.

Fica bastante claro aqui que não se refere apenas ao aspecto técnico do objeto a pré-qualificação, podendo incluir habilitações diversas. Não agrada essa idéia, porque pré-qualificar não deveria significar pré-habilitar, eis que para isso já existe o cadastro de fornecedores, que é mais focado em habilitação que em aspectos técnicos dos objetos que cada cadastrado fornece. o cadastramento é uma habilitação antecipada, devendo ser completada na licitação apenas com os documentos vencidos, em geral de regularidade fiscal.

Pré-qualificação, entretanto, nada deveria ter com isso, porque o que se visa é qualificar tecnicamente produtos, máquinas, equipamentos ou mesmo serviços, para na licitação que seja aberta apenas aos pré-qualificados promover-se apenas a habilitação e o julgamento dos preços das propostas relativas aos objetos já pré-qualificados. Desse modo o conjunto dos sistemas do cadastro e da pré-qualificação se harmonizam e reciprocamente arredondam o seu papel institucional.

Desaconselha-se enfaticamente promover pré-qualificação, permanente ou não, com fito habilitatório. Quem o fizer, a nosso ver, não compreendeu adequadamente o papel da pré-qualificação.

Resta claro ainda que a pré-qualificação ainda hoje é um terreno quase inexplorado, com quase tudo ainda por construir e testar; então, muitíssimo pode ser experimentado na matéria, entre o quê a pré-qualificação parcial - de elementos técnicos do objeto, repita-se, e não de habilitação, assunto esse que deve ser separado por completo.

Dessa forma, sempre se  poderá pré-qualificar tecnicamente uma parte do objeto, a qual certamente será a desejada pela estatal, e se deixar outra parte técnica do objeto, amiúde variável no tempo conforme a evolução tecnológica, para se tratar na licitação.  Cada estatal, sobre cada objeto de que necessite, é que sabe onde a roda pega ou onde lhe aperta a botina.

O § 5º confere validade anual à pré-qualificação permanente, ou ao documento atestatório de que alguém, detentor de determinado objeto que forneça, está pré-qualificado quanto a esse objeto naquela dada estatal.

Idéia de se esperar ante a importância absoluta das periodicidades anuais nas mais variadas questões institucionais dentro e fora da Administração; o poder público parece pensar anualmente, como se a cada novo ano-calendário, ou a cada novo período de doze meses, o mundo se renovasse, ou as realidades se tornassem outras ([2]).

A inspiração do registro de preços tradicional para a pré-qualificação permanente, como se disse, é nítida. E,  tal qual no tradicional SRP, os contratos referentes a objetos ou produtos pré-qualificados -  como por exemplo  contratos de serviços continuados, ou de longos fornecimentos - poderão ter duração para além da validade do termo de pré-qualificação respectivo, porque uma coisa é esse termo e bem outra é o contrato que dele se origina, matérias essas regidas por diferentes fontes de direito e em quase tudo incomunicáveis. Veja-se a propósito o muito sintético art. 71 desta lei das estatais, sobre a duração dos contratos.

Ninguém imagine nem precipitadamente postule - por tudo que é juridicamente sagrado - que o contrato envolvendo objeto de licitante pré-qualificado precise terminar antes ou junto com o fim da validade do termo de pré-qualificação respectivo, ou de outro modo se estará instituindo mais uma lenda urbana em matéria de licitação, que só convém a filmes de ficção.  Convida-se aos teóricos do tema que pensem duas vezes antes de sobre ele escrever, e não escrevam para apenas depois pensar sobre o que escreveram, pois em caso assim o estrago já deverá ter sido causado.

Informa ainda o § 5º que o procedimento da pré-qualificação permanente poderá ser renovado a todo tempo, ou seja mesmo dentro do ano originário de validade - se foi de um ano. Isso significa que as exigências para se manter pré-qualificado algum objeto ou fornecedor podem se alterar a qualquer tempo, e passarem a ser outras dentro do ano de validade, condição essa para a mantença da pré-qualificação, quer pelo período que falta para se completar o ano, quer por mais um ano inteiro como parece muito melhor.

Não existirá, portanto, nenhum   direito adquirido à mantença das condições originárias de um termo de pré-qualificação por um ano, em favor de ninguém.  Tudo muito correto, porque pré-qualificação é assunto técnico e sério, e não integra a infinita baboseira moralista da habilitação, matéria própria de servidores  inseguros que temem até a própria sombra, autoridades ignorantes que não querem aprender e preguiçosos de todo gênero, refratários a qualquer possibilidade de evoluir e sempre   produzindo estrago em licitações. Será perfeita a habilitação, dentro do direito brasileiro, no dia  em que desaparecer do ordenamento jurídico sem deixar rastro.

Por fim, é evidente que a possibilidade de atualização da pré-qualificação poderá dar-se espontaneamente pelo próprio pré-qualificado, se houver ensejo para tanto, aberto pela estatal, quanto a algum aspecto, requisito ou parte do produto ou do serviço pré-qualificado.

O § 6º é pouco compreensível, sendo típico exemplo de oportunidade de ouro  que o legislador perdeu para nada dizer. Informa que na pré-qualificação aberta de produtos poderá ser exigida a comprovação de qualidade.

Perguntas: existe pré-qualificação permanente  fechada ?   O legislador se esqueceu do que escreveu  no § 1º deste artigo ?

Alguma pré-qualificação, e que apenas existe para atestar previamente a qualidade dos produtos que visa catalogar -  e   daí o seu nome -, pode deixar de exigir a demonstração da qualidade ? Pode, se é apenas isso que a pré-qualificação visa assegurar ?  Pré-qualificação de algo que não demonstre sua qualidade ?   Seria pré-desqualificação ?..

Será que o legislador de fato imagina uma pré-qualificação apenas de habilitação ?  Se imagina, então o caso é mais grave do que se supunha.

O dispositivo parece piada.

O § 7º, leve e cândido como os trinados de um sabiá-una, evidencia que o legislador deveria ter parado de escrever no § 5º.  Informa ser "obrigatória a divulgação dos produtos e dos interessados que forem pré-qualificados".  Perguntas: divulgação onde, e como ?  Na imprensa, ou basta a afixação de um comunicado no quadro de avisos ?  Por quanto tempo ?  Poderiam acaso, de algum modo,  não ser divulgados, reservando-se-os como enclausurados  segredos de estado  ?   Chega a ser constrangedora a infantilidade da situação.

Entendemos que qualquer forma de divulgação existente na face da terra - ou que ainda venha a ser inventada - atende o dispositivo, felizmente, a esta altura, o último do artigo.

 Art. 65

Este artigo cuida do registro cadastral de fornecedores das estatais, que tal qual na lei nacional das licitações é facultativo e não obrigatório para estatal nenhuma, vale por até um ano e pode ser atualizado pelo cadastrado a qualquer tempo.

É artigo destinado, como se afirma, apenas para cumprir tabela, porque nem um átomo de novidade trouxe ao direito preexistente. Bastaria à lei das estatais mandar aplicar as regras de registros cadastrais constantes da  Lei nº 8.666/93, e papel e tinta e tempo estariam economizados.

Tem quatro parágrafos:

- o § 1º manda divulgar amplamente o cadastro, e que seja mantido permanentemente aberto a inscrição de novos interessados. O que quis a lei dizer é que a existência de um cadastro nesta ou naquela estatal, e com isso a  possibilidade de cadastramento a qualquer tempo,  é que deve ser divulgada, e não a relação dos cadastrados como pode parecer, porque isso não faria sentido. Por amplamente divulgado entenda-se ao menos, pensamos, alguma série de publicações e não apenas uma um dia, mas tudo a critério de cada estatal, que de resto sempre se pode inspirar no § 1º do art. 34 da lei de licitações;

- o § 2º remete a regulamento que indique os requisitos a serem atendidos pelas interessados em se cadastrar, sendo que essa matéria depende, efetivamente, de algum disciplinamento regulamentar, que dê pelo menos as balizas para cadastramento nas categorias de fornecedores existentes no cadastro. Não agrada nem um pouco a indolente e antitécnica idéia de um cadastro geral de fornecedores, recordando, antes, a festa do caqui ou a casa da mãe Joana;

- o § 3º manda anotar no cadastro a atuação do cadastrado na execução de contratos que tenha firmado com a estatal em razão do, ou com fundamento  no, cadastro. Natural, ou de outro modo se desprestigiaria gravemente o cadastro, o qual serve não só para habilitar alguém como também para informar como se saiu no  desempenho dos contratos que, em face daquele cadastro, celebrou com a estatal.

Sidney Bittencourt sobre isso ensina:

O registro cadastral não é uma mera anotação de dados, sendo necessário que seja dinâmico formando e informando o perfil do cadastrado. Nesse caso, nele é registrada a atuação do licitante na execução de suas obrigações (...) Tais anotações serão de grande valia para a Administração, que poderá valer-se delas para, por exemplo, (...) avaliar preços em compras ou serviços,  com valores abarcados pela dispensa de licitação". ([3]

- o § 4º informa que a qualquer tempo poderá ser cancelado, alterado ou suspenso o registro cadastral do cadastrado que deixe de atender os seus requisitos. A lei menciona também aquele que "deixe de atender os requisitos para habilitação", mas essa basófia que parece conversa de bêbado e que foi adaptada do art. 37 da lei de licitações constitui uma asneira das mais grossas, na medida em que cadastramento de fornecedor é uma coisa, e habilitação em licitação é outra, que num cadastramento ou numa licitação nada têm a ver uma com outra. Como poderia quem apenas tenta se cadastrar ser tratado como um licitante que tenha se habilitar numa licitação, se simplesmente não está em licitação ?   A parvoíce da idéia constitui um monumento à inconsciência jurídica, lógica e legislativa, e como tal deve ser simplesmente ignorada, valendo apenas a oura parte do dispositivo - que faz sentido.  Ad impossibilia nemo tenetur - ninguém é obrigado ao impossível.

 Art. 66

O assunto agora é o registro de preços, e francamente também aqui bastaria à lei das estatais mandar que as empresas do estado operassem seus registros de preços de acordo com a legislação nacional pertinente, que já existe há décadas e contém muitíssimo mais matérias informação  que  este curto artigo, que em praticamente nada inova o ordenamento mas que, de modo inverso, demanda ainda muita regulamentação - algo meio tautológico e que demanda tempo e trabalho.

O § 1º inspira-se no malcheiroso carona, infeliz invenção de um ex-presidente da república por decreto expedido  nos estertores de seu mandato e concebida para facilitar as compras e os abastecimentos interministérios, pela qual um ente  federal pode aderir  ao registro de preços de outros entes, tudo conforme um regulamento que também existe.

Os Tribunais de Contas estaduais abominam e execram a idéia quando adotada por Estados ou Municípios sob sua fiscalização, e amiúde fulminam de irregularidade as contas resultantes dessa manobra. Parabéns por isso aos Tribunais de Contas.

Aqui na lei das estatais a história se repete, e pelo dispositivo pode qualquer estatal, de qualquer nível governamental ou natureza, aderir ao registro de preços de outra. Menos mal um pouco, porque esta regra agora vem prevista em lei e não em decreto, porém ainda assim de nós não merece prestigiamento nem elogio pelos riscos e pelas incertezas que oferece.

Imagine-se uma grande e estruturada estatal federal adotar um registro de preços de uma outra, minúscula e perdida no sertão da amazônia, tão confiável quanto uma nota de três unidades monetárias, apenas porque um preço daquela ata acaso lhe convém.

Imagine-se o infinito de possibilidades de fraudes, corrupções, manobras criminosas, "superfaturamentos", arranjos, negociatas, "maracutaias" e outras práticas delinqüenciais que esta carona permite - como neste momento é e está, sim, permitido dentro do ordenamento existente, e que os TCs perseguem implacavelmente.

Tão logo alguns vigaristas profissionais, dos que assediam diuturnamente o poder público oferecendo a salvação, souberam do carona federal, passaram, acredite-se, a tentar vender  a Prefeitos de minúsculas cidades, algumas sabidamente no interior paulista, adesões a atas de RP de outros Municípios, informando que pelo pagamento x  esse cafajeste  conseguiria a autorização do Município y para tanto. !..   O carona  se presta a delinqüências como esta, e o estrago que a malfadada idéia já produziu e ainda produz é extraordinário.

Se o carona se generalizar, então será o fim das licitações nas estatais, bastando a qualquer uma pesquisar os RPs existentes, porque dentro de algum tempo todo produto e todo serviço "registrável" constará  ao menos  de algum RP, de alguma estatal.   Então, bastará a qualquer outra estatal adotar aquela ata por mero despacho, e comprar diretamente do seu detentor.

A idéia não é propriamente ruim, é péssima.  Só mesmo em fim de segundo mandato alguém se atreve a pô-la em prática - e o país que se lamba.

Absolutamente antitécnica e ditada tão-só pela preguiça e pelo comodismo dos lagartos  da Administração -  aqueles que quando entram em greve ninguém percebe -, não deve ser prestigiada por autoridades responsáveis e comprometidas com o interesse das entidades que dirigem, porque a caminho seguro algum conduz. Assim como não se deve oferecer carona a desconhecidos, não se deve adotar a carona de atas alheias, por todas as razões existentes no direito e na prática do serviço público, ou paraestatal.

A figura jurídica do carona em atas de registro de preços merece o mesmo destino da habilitação nas licitações: o mais próximo cesto de lixo, ou, apenas em realmente inexistindo alternativa, teste de míssil nuclear pela Coréia do Norte. Poucas instituições foram mais infelizes em nosso direito.

No § 2º poucas regras novas  existem. Pelo  inc. I deve haver  ampla pesquisa prévia de preço;  pelo inc. II exige-se a observância de um regulamento; pelo inc. III devem existir  rotinas obrigatórias de controle e atualização dos preços registrados - e até aqui nada de novo com relação ao direito existente e arquiconhecido.

De novo constam, neste § 2º,  as regras dos incs. IV e  V.   Pelo inc., IV fica ao alvedrio do regulamento referido no artigo fixar a validade do registro, o que resulta curioso porque o tradicional SRP da legislação de licitações consigna duração máxima anual; nesta lei das estatais o procedimento da pré-qualificação permanente tem validade máxima de um ano.  Quanto a isso se inspirou tanto  no SRP tradicional quanto no usual cadastro de fornecedores, porém o RP das estatais não tem validade dada na lei e cabe a regulamento estabelecê-la, o que, desse modo e dessa sorte,  poderá ser procedido de modo bastante livre e desconectado das regras conhecidas.

Compete portanto ao regulamento estabelecer as normas de validade das atas de registro de preços das estatais, a qual validade  portanto, repita-se,  não mais precisará estar amarrada à das atas do SRP tradicional, podendo ser menor - algo sem muito sentido de utilidade  -,  ou ser até muito maior, o que é conveniente.

E pelo inc. V deverá constar das atas de RP a relação dos fornecedores que aceitam fornecer seus produtos aos preços do vencedor de cada ata, observada sempre a ordem original de classificação, o que se explica pela ocasional necessidade de se convocar ou convidar para fornecer outro classificado que não o vencedor.  Boa medida, por inteligente e observadora dos princípios da licitação, sobretudo o da igualdade entre os licitantes e o da economicidade.

Encerra o artigo o § 3º, que é cópia do § 4º do art. 15 da lei de licitações.

Ata de registro de preços não significa um compromisso de contratar para a Administração, mas apenas uma faculdade de comprar, se necessitar o produto de preço registrado e se esse preço ainda convier, dentro do prazo de validade da ata. Pode nunca ser exercitado, e só o que se exige de uma correta licitação para RP é que fixe o máximo exigível no período, porque jamais a ata representa qualquer obrigação de contratar - e se significar teremos outro caso de hipossuficiência técnica do seu autor, que não entendeu coisa alguma do instituto.

Assim, mesmo que exista a ata do RP a estatal deve consultar o mercado sempre que precise contratar o objeto de preço registrado, para contratar do detentor da ata apenas se isso ainda for bom negócio, rejeitando esse contrato se tiver deixado de sê-lo, e licitando o item como se não estivesse registrado caso o detentor da ata desse item se recuse a reduzir seu preço até o corrente do mercado, que inexistia ao tempo em que foi consagrado vencedor.

Caso o detentor da ata do item baixe seu preço até o corrente do mercado no momento conforme  a estatal lhe indique e comprove, a ele deverá ser consignado o objeto do contrato, pela preferência que a lei corretamente lhe outorga.  Se mantiver seu preço, nenhum direito terá a ser contratado.

[1] Obra citada, pp. 302/3.

[2] Quando em verdade na Administração a realidade parece mais próxima àquela musicada por Gilberto Gil nos anos 70: - entra ano, sai ano, e nada vem...

[3] Obra citada, pp. 304, com excerto de outra obra, Licitações públicas para concursos, 2ª ed. Brasília: Alumnus, 2015.


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