LICITAÇÕES E CONTRATOS NAS EMPRESAS ESTATAIS (11ª PARTE)

AS   LICITAÇÕES    NAS    EMPRESAS  ESTATAIS  PELA LEI     Nº 13.303, DE 30 DE JUNHO DE 2.016

Ivan Barbosa Rigolin

(set/17)

 

Décima primeira parte

Art. 77

Reduzido do art. 71 da lei das licitações, este sintético artigo estabelece no caput que o contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais resultantes do contrato, desde logo excluindo a responsabilidade pelos encargos previdenciários.

O § 1º, único que restou com o veto ao § 2º, fixa que a inadimplência do contratado com relação àqueles encargos não transfere à estatal contratante a sua responsabilidade - e o que mais fala o parágrafo, haurido da lei das licitações,  é melhor fingir que não está escrito já  que recorda diálogo de ébrios às três horas da madrugada no mais inidôneo botequim portuário, não fazendo sentido nenhum.

Este assunto deu muitíssimo pano para manga até ao menos anos recentes, quando o e. Tribunal Superior do Trabalho, pela Resolução nº 174, de 24 de maio de 2.011,  modificou sua Súmula 331 para tentar equacionar a questão da responsabilidade trabalhista subsidiária que se pode dar entre, para este caso, a estatal contratante e o contratado pela empresa interposta, locadora de mão-de-obra. 

Na prática, os empregados da empresa interposta ingressam com ação contra seu empregador e este invoca, logo a seguir no curso do processo, a responsabilidade subsidiária da estatal que o contratou, por denunciação da estatal à lide. Se acatada pelo Judiciário aquela denunciação à lide, transforma-se então a estatal em ré tanto quanto o réu originário, porém a estatal evidentemente sempre será o devedor escolhido pelo autor da ação para pagá-lo numa eventual execução de sentença. Com efeito, alguém hesitaria em preferir cobrar uma estatal a um pilantra, aventureiro e, provavelmente,  cafajeste empresário ?

A questão sempre foi convulsionada e pessimamente resolvida na prática, com jurisprudência vacilante de a a z, e instabilidade institucional absoluta, o que é sempre detrimentoso a entes públicos e empresas privadas admissoras de trabalhadores "terceirizados" ou "locados" - resultando sempre horríveis estes adjetivos.

Quanto à responsabilidade pelo recolhimento dos encargos previdenciários resultantes do contrato a LE nem sequer alude ao tema, dele fugindo como o diabo à cruz e dando a impressão de que mansamente aceita a regra do § 2º do art. 71 da lei das licitações, pela qual a Administração responde solidariamente com o seu contratado pelos encargos previdenciários oriundos dos contratos de trabalho dito terceirizado.

Solidária é responsabilidade diversa da subsidiária, e já é declarada inicialmente na ação, proposta contra o empregador e o ente contratante do empregador, logo ao início da lide.

Tanto no caso dos encargos trabalhistas quanto no dos previdenciários, a vacina que o poder público tem se ministrado para tentar prevenir os mais desastrosos resultados financeiros de ações judiciais que contra ele pululam aos milhares é exigir do contratado, como condição de pagamento da fatura do mês anterior ([1]), e a cada novo mês até o último do contrato, a demonstração de cumprimento dos encargos trabalhistas (salários, adicionais, férias, etc.) e previdenciários (INSS, FGTS, seguros de acidentes de trabalho) decorrentes dos contratos de trabalho firmados pelo contratado com seus empregados.

Parece, malgrado a antijuridicidade dessa operação, que o resultado vem sendo bastante apreciável. É a denominada ilegalidade útil, instituto genuinamente nacional.

Art. 78

Subcontratação. Inspirado no art. 73 da lei de licitações, saiu maior e melhor que o modelo. Resolveu algumas dúvidas e incongruências que a lei de licitações suscita no confronto entre seus arts. 72 e 78, inc. VI.

O edital pode admitir que o contratado subcontrate partes do objeto - apenas partes, não totalmente - a alguém que não tenha participado do certame, quer em consórcio, quer isoladamente. O edital deve dar o limite dessa subcontratação, quer em percentual do valor final do contrato, quer em percentual do objeto, quer nas partes indicadas do objeto, quer de alguma outra maneira se existir, e sem limite legal de percentual. Mas se não admitir a subcontratação desde logo o edital, então estará simplesmente proibida a subcontratação. Claríssimo e objetivo.

Não pode haver subcontratação de quem tenha participado do certame nem de quem tenha participado direta ou indiretamente da elaboração do projeto básico ou executivo do objeto licitado, o que a lei consigna - sem muita objetividade nem precisão, numa espécie de moralismo cego  que está tão em moda - para coibir possível mancomunação de interesses entre os licitantes.

O objetivo dessa proibição, repita-se, não é muito compreensível, na medida em que, se o preço do contratado está bom para a estatal;  se a responsabilidade pela execução é sempre do contratado, e se o subcontratado - participante ou não do certame -  está tão habilitado quanto o contratado, então por que tanto cuidado com a pessoa do subcontratado ?  Que diferença faz para a estatal quem seja ele ?  Trata-se de uma espécie de caça às bruxas antecipada.

O subcontratado, ainda que não seja contratado da estatal, e como se disse acima, deverá ter a mesma habilitação, e entendemos que proporcional em quantitativos ou valores se for o caso, do contratado na licitação, pena de não poder ser deferida a subcontratação.

Subcontratação é a contratação de alguém pelo contratado, para que pelo contratado e em nome do contratado execute parte do objeto contratado, e não transfere ao contratado responsabilidade alguma, perante a estatal contratante, pela execução do que foi subcontratado. Essa responsabilidade sempre foi e permanece sendo do contratado, que por isso deve fiscalizar atentamente a atuação do subcontratado, eis que é o nome e a reputação do contratado que está sempre em jogo.

Diferencia-se a subcontratação administrativa da sub-rogação civil, instituto pelo qual alguém, sub-rogante,  cede a sua  parte no contrato a alguém,  sub-rogado, e com isso desaparece do contrato. A LE não contempla cessão ou transferência de contrato, como a lei das licitações, art. 78, inc. VI, admite, se for autorizada pelo ente contratante.  Nada disso na LE, o que parece bom por organizativo, uma vez que nada pode abrir tantas ensanchas às mais diversas  confusões ou irregularidades que transferências contratuais.

Por fim, mesmo que o edital em gênero as admita, a estatal, no curso de um contrato,  pode  não autorizar subcontratações, ainda que obedecidas pelo postulante à subcontratação todas as condições legais e editalícias. Autorizar subcontratações é uma faculdade ou um  direito que a estatal terá se o edital assim o previr, mas nunca uma obrigação. Não existe portanto direito subjetivo do contratado a subcontratar a execução de parte do objeto a ninguém, mesmo que o edital para tanto autorize a estatal.

Sobre isso, e nesse sentido, assim ensina Sidney Bittencourt:

A realidade, entretanto, tem jogado por terra essa máxima, notadamente nas grande obras e serviços de engenharia mais complexos, nos quais é praticamente impossível que apenas uma empresa detenha todos os conhecimentos técnicos e profissionais de várias categorias para a execução de todo o empreendimento.

Ciente desse fato, o legislador da LE fez constar uma autorização para que a estatal contratante avalie a conveniência de permitir a subcontratação, devendo a expressão ser entendida como a possibilidade de repasse de parte da execução, sem prejuízo de responsabilidades da contratada.

Por outro lado, um edital mandar ao contratado subcontratar parte do objeto a alguém é hipótese que para nós não faz nenhum sentido, mesmo que a lei das micro e pequenas empresas, a LC 123/06, no art. 48, inc. II, autorize que o edital assim faça. Considerando-se a origem daquela lei, não é de estranhar que uma insânia como aquela dela faça parte. Seja como for, a subcontratação sempre decorre de um pedido do contratado, que a estatal contratante defere e autoriza, nunca outra coisa.

 

 CONTRATOS NAS ESTATAIS - LEI Nº 13.303/16

 Ivan Barbosa Rigolin


Terceira parte

Art. 79

Este artigo complementa a inovadora regra do art. 54, inc. VII e § 6º, que estabeleceram o critério de julgamento do maior retorno econômico. Por esse critério vence o licitante que propuser fazer a estatal licitadora obter, dentre todas as propostas no certame, a maior redução de seus custos ao longo da execução contratual.

Idéia bastante razoável, surge no cenário jurídico em momento absolutamente apropriado, no qual ainda assustam a consciência nacional os escândalos financeiros envolvendo estatais - como por excelência o chamado petrolão,  que atingiu e quase arruinou a Petrobras por obra dos seus delinqüentes dirigentes do passado recente -, e representa um cuidado até então impensado para com o erário daquelas estatais.

Ocorre que - e agora entra o caput  deste art. 89 -,  se  a geração de economia à estatal resultar menor que a que fora contratada, então o contratado terá descontada de sua remuneração a diferença entre a economia contratada e aquela efetivamente havida. 

E, na forma do parágrafo único, caso  aquela diferença seja tamanha que a remuneração do contratado não a cubra, então será aplicada a sanção que, pelo inc. VI do art. 69, deve estar prevista em contrato.

Algumas necessárias observações:

a) a lei não esclarece, mas para efeito de saber se a economia havida é menor do que a contratada é preciso considerar a remuneração devida no período em questão, ou de referência, ou de competência, pois que não se imagina que em dado momento, a certa altura do contrato e apenas nesse momento, uma eventual a economia inferior à contratada para toda a duração contrato possa ensejar apenamento ao contratado.

Não é nem seria justo nem razoável, de modo que esta questão de apurações parciais da efetiva consecução das metas de economia contratadas precisam estar muito precisa e adequadamente contempladas no contrato, pena de a própria regra, que em si é uma boa idéia, malograr por mal definida;

b) vista a observação anterior, se a remuneração do período que dor devida ao contratado não cobrir a diferença a menor da economia contatada e aquela realizada, de pouco valerá aplicar penalidades que não se destinem única e exclusivamente a cobrir a mesma diferença dentro do período em questão.

Pouco serve nesse caso uma advertência ou uma multa simplesmente punitiva, pois que a questão é puramente financeira, e, desse modo, financeiramente deve  ser resolvida.  Quando assunto é dinheiro, a penalidade aplicável à parte faltosa deve ser a de complementar, devolver ou indenizar valor, e nada além disso.

Assim, o contrato deve atentar para esta questão e bem equacioná-la já no edital da licitação, de modo a permitir evitar que licitantes desavisados ou irresponsáveis participem no escuro, e eventualmente vençam e sejam contratados sem saber com suficiente precisão o que os espera nesta inovadora modalidade de contrato e de remuneração. 

Não deve a elogiável idéia do inc. VII do art. 54 transformar-se em aventura para quem quer que seja, apenas por imprevisão da estatal licitadora. As cartas devem estar todas em cima da mesa, sem truques ou manobras de esperteza, uma vez sabido que o mais esperto costuma, de todos,  ser o menos inteligente.

Art. 80

Artigo parcialmente inspirado nas regras do concurso, ou concurso de projetos, que consta das sucessivas leis de licitações, discorre sobre os direitos autorais e patrimoniais dos projetos e dos serviços técnicos profissionais especializados que a estatal contrata, direitos esses que passam a pertencer às estatais contratantes - ou de outro modo não teria muito sentido a contratação.

Assim é também nos concursos, nos quais o vencedor apenas recebe o prêmio estabelecido no regulamento ou edital se transferir ao ente público os direitos patrimoniais do projeto, condição essa que consta da lei de licitações, art. 111 da Lei nº 8.666/93.

Obtidos os direitos autorias e patrimoniais do projeto, então a estatal o executará como e quando quiser, sem que a isso se possa opor o autor, pessoa física ou jurídica.

O que não se transfere à estatal são: a) a própria  autoria, cuja identificação é garantida ao autor para sempre e a qualquer título, e para qualquer efeito, e b) a responsabilidade técnica profissional pela sua perfeita configuração, e pela sua adequação às regras informativas da sua elaboração, o que permanece vinculado exclusivamente ao autor.

A matéria envolve, como se observa, tanto proteção de direitos autorais quanto preservação da responsabilidade técnica pelo projeto, sendo a primeira um direito e a segunda uma obrigação do autor.

Seção II

Da alteração dos contratos

Art. 81

Este longo artigo, cuja extensão contrasta com o marcado sintetismo dos dois anteriores, prevê que os contratos celebrados nos regimes previstos nos incs. I a V do art. 43 conterão cláusula possibilitando alteração consensual em algumas hipóteses, estabelecidas nos incs. I a VI.

Até aqui resulta um pouco estranha a técnica da lei, uma vez que se ela própria já determina que poderá ser pactuada a alteração nas hipóteses e nas condições que enuncia, então para quê obrigou o contrato a repetir a lei ?  Temos para nós que mesmo que o contrato silencie quanto a isso a possibilidade de alteração já existe, dada pela própria lei. Se o contrato não pode escapar à lei, e se essa já dá as regras, então o contrato quanto a isso deveria entrar mudo e sair calado.

As seis hipóteses de possível alteração, sempre consensual entre estatal contratante e particular contratado, e por provocação de qualquer um deles, são basicamente as mesmas constantes da lei de licitações, art. 57, inc. I, mas principalmente  de momentos diversos do art. 65.

A primeira hipótese, constante do inc. I deste art. 81, diz respeito a modificação do projeto ou das especificações, para maior adequação aos seus objetivos., e nesse caso as partes podem acordar a  alteração do contrato.

Observe-se a fundamental diferença com a lei de licitações, na qual é sempre a Administração contratante que determina a alteração do projeto, o que evidente e corolariamente obriga a que as partes alterem o contrato, para readequá-lo ao novo objeto.  Não aqui na LE, porque os contratos não são administrativos mas civis, e as partes se igualam em direitos e obrigações, sem nenhuma cláusula exorbitante em favor da estatal.

As alterações, portanto, dentro das hipóteses legais, precisam sempre ser consensuais, vale dizer: se um não quiser, o contrato não se altera.  As forças e os poderes negociais das partes se equivalem, sem privilégio nem predomínio algum em favor da estatal.

É natural, por outro lado, que se as partes combinam alterar o objeto - e o § 3º do artigo indicará limites de valor para isso, de maneira estranhável entretanto -, natural que alterem o contrato em seu valor, parecendo excepcionais as hipóteses em que mesmo se alterando o objeto o valor pode permanecer inalterado. Em geral uma coisa implica a outra, desassombradamente.

E quanto ao prazo do contrato, é de  esperar que,  em se alterando o objeto para maior, também a duração do contrato seja ampliada de modo correspondente, como indica a lógica operacional mais primária - sendo possíveis também, no entanto, exceções, com mais objeto sendo realizado e entregue no mesmo prazo originário. 

E o mesmo se afirme quanto a reduções de objeto, que se imagina implicarão redução de valor e de duração do contrato.

O inc. II decorre do inc. I, e o mesmo ocorre na lei de licitações. Se é preciso modificar o objeto para maior, é óbvio que sairá mais caro, e será preciso às partes, em consenso, alterar o valor. E se o objeto diminuir, o oposto necessariamente se dará. Poderia estar junto este inc.II com o anterior, pois que uma coisa conduz à outra. E outra vez se chama a atenção para os limites percentuais de valor, constantes do § 1º, reforçado pelo § 2º.

O inc. III, de mínima importância, permite às partes alterarem o contrato para substituir a garantia de execução. Se por exemplo foi prestada em dinheiro, e as partes entendem que melhor seria em títulos da dívida pública, então alteram o contrato. Inciso que, tanto quanto na lei de licitações, faz tanta falta ao direito quanto uma gripe ou uma colisão de automóveis. Cá e lá parece sobrar tempo ao legislador.

O inc. IV tem aproximadamente a mesma importância do anterior, detectável com  microscópio eletrônico de varredura. Se o regime de execução é por exemplo e o de preço unitário de serviço ou de obra, e as partes em dado momento passam a entender que l melhor teria sido o preço global, então alteram, nesse sentido, o ajuste.

Ou, na outra hipótese, se o modo de fornecimento do objeto tornou-se inconveniente ou inadequado - por qualquer razão ponderável e justificada -, por exemplo em razão da localidade de entrega ou do acondicionamento do produto, ou da periodicidade das entregas, então se altera por mútuo acordo o contrato para ajustar esse(s) pormenor(es).

O inc. V, que poderia estar "empacotado” com os incs. III e IV, permite que as partes alterem o contrato por outro detalhe de somenos: forma de pagamento. Se se combinaram pagamentos quinzenais mas isso se tornou inconveniente após a assinatura do contrato, então justificadamente as partes alteram o ajustado nesse ponto.

O que não se admite, como a lei de licitações não admite, é a antecipação de pagamento, seja qual for o objeto contratado,  do que ainda não  foi entregue, pois que tal significa pagar despesa não liquidada, algo corretamente  vedado há décadas na lei de orçamentos, balanços e contabilidade  públicos.

O inc. VI corresponde à al. b do inc. II do art. 65 da lei de licitações, e é possivelmente mais importante que o restante do artigo inteiro.

Trata-se da revisão  do contrato para permitir o seu reequilíbrio econômico-financeiro, que as partes observam necessário devido a circunstâncias supervenientes à assinatura e que desajustaram aquela equação, em favor ou da estatal contratante ou do particular contratado.  O suposto equilíbrio inicial do preço foi vulnerado, de modo que a revisão se impõe às partes.

Não é incondicional ou absolutamente aberta, entretanto, a viabilidade jurídica da revisão, porém condicionada à documental demonstração de que alguma das hipóteses da lei, que autorizam a revisão, aconteceu.  São hipóteses já bastante conhecidas no meio da Administração pública, das estatais, dos fornecedores, dos doutrinadores e das autoridades operadoras das licitações e dos contratos. Advieram da Lei nº 8.883, de 8 de junho de 1.994, que reformulou a lei das licitações e lhe deu feição bem diversa da redação original.

As hipóteses que autorizam as partes contratantes a pactuar a revisão do contrato por desequilibramento econômico-financeiro são as seguintes: a) ocorrência de fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, ou, para ficar na mesma palavra,  imprevisíveis, que sejam retardadores ou impeditivos do ajustado na origem; b) a ocorrência de força maior ou de caso fortuito; c) ocorrência de fato do príncipe; d) que, qualquer que seja a ocorrência dentre essas, configure álea econômica extraordinária e extracontratual.  Assim, e na esteira de Jack the ripper, vamos por partes.

Fato imprevisível na execução de algum contrato é aquele que razoavelmente não se espera, que surpreende, que não era de esperar, que a probabilidade de ocorrer era escassa, ou dada por inexistente.  Um terremoto em Brasília, um tsunami em Aracaju, a queda de um avião num imenso e lotado tanque da Petrobras, e mais infinitas conjeturas absolutamente improváveis, constituem exemplos de fatos imprevisíveis, os quais, inobstante a improbabilidade,  se ocorrerem são suscetíveis de inviabilizar a seqüência da execução contratual nos termos originários.

Fato previsível, como infelizmente é a seca no Nordeste, entretanto se durar 10 anos a fio terá conseqüências imprevisíveis, e até então incalculáveis, a impedir a seqüência ordinária da execução de um contrato que ali se desenvolva.

Seguindo nas hipóteses, força maior e caso fortuito são expressões tradicionais em direito, sobretudo o do trabalho, ambas a significar na prática o  mesmo: circunstâncias ou acontecimentos que não se podem atribuir à vontade ou ao trabalho das partes no contrato, e que, tendo ocorrido, dificultam ou mesmo impedem a seqüência da execução contratual como fora pactuada ao início. São ocorrências da sorte ou do azar - palavras absolutamente sinônimas ;já que sorte é bom azar, e azar é má sorte.  São ocorrências ditadas pelo acaso, casuais ou ocasionais, aleatórias, ou randômicas  para usar o anglicismo tão em moda, que ninguém preparou nem anteviu eficazmente.

Se o palco da execução do contrato é inundado por chuvas torrenciais, ou se é incendiado, ou o edifício-sede desaba, e se como se espera isso impede a natural continuidade da execução, aí temos presente o caso fortuito ou a força maior, nesta hipótese ensejado ou por fenômeno natural, ou por acidente, ou por imperícia humana, ou por crime, porém em qualquer hipótese se caracteriza a força maior ou o caso fortuito - independentemente de responsabilidades a apurar -, e o contrato em geral tem de ser revisado porque não mais pode continuar sendo executado como dantanho.

Fato do príncipe é diferente, pois significa o ato de governo, o ato emanado pela autoridade e que provoca consequência tão ampla que se torna impossível de delimitar ou de precisar, sobre um universo igualmente indefinido de pessoas.  A palavra fato nesse caso significa roupa, vestimenta, hábito, e não outra coisa, e a origem da expressão remonta ao passado monárquico dos países, em cujas ocasiões o governante (o príncipe) - reza a lenda - aparecia em público ostentando uma roupa tão ornamentada e valiosa que provavelmente seria paga com novos tributos que seriam de esperar logo a seguir. 

Então, fato do príncipe, dentro do jargão do direito público,  passou a designar o ato de governo que alterava de modo amplo e indiscriminado as obrigações do cidadão de um para outro momento, sendo o exemplo típico o aumento dos impostos.  Mas uma eventual redução de impostos também configura fato do príncipe, e nesse sentido será considerado para que o preço do contrato para a estatal, ao invés de ser aumentado, seja reduzido.

E álea econômica extraordinária e extracontratual, expressão que encerra o inciso, significa a zona de azar, que todo contrato tem pela sua própria natureza, quando excede os riscos calculados e naturais da execução contratual, e com isso se torna inimaginável, maior do que o exigível, insuportável ou dificilmente suportável, fora da probabilidade e da previsibilidade,  além do risco ordinário, ou seja extraordinário, e com isso extracontratual  porque contrato nenhum o admitiria - a não ser que se tratasse de contrato de risco, para o qual não cabem estas considerações.

Reiterando em outras palavras, uma álea ordinária - ou seja uma área de azar, fortuita, ditada pelo acaso - todo contrato tem, porque isso é natural dos pactos que se firmam.    A revisão contratual com base neste inc. VI, entretanto, somente será jurídica se a) for apoiada em alguma das hipóteses do inciso, e b) além disso, quando o fato ocorrido extrapolar aquela álea contratual ordinária e a exceder,  tendo escapado à razoável previsão de risco (álea extraordinária), e com isso tendo escapado ao próprio texto do contrato (álea extracontratual).  Se algo disso não puder ser  demonstrado, proibida estará a revisão com base neste dispositivo.

O § 1º deste art. 81 equivale ao § 1º do art. 65 da lei de licitações, e o § 2º corresponde ao § 2, com seu inc. II,  daquele artigo. São regras também arquiconhecidas, e visam conter as alterações majoradoras de valor nas revisões dos contratos. Não foi o limite inferior das alterações que preocupou o legislador, mas os acréscimos.

Podem as partes pactuar alteração do contrato, naturalmente com a do objeto, que implique majoração de até 25% do valor inicial atualizado do contrato, e sendo reforma de edifício ou equipamento esse limite dobra, passando a 50%. Não importa a razão do acréscimo, porque a todas as hipóteses o limite se impõe.

O § 2º proíbe superar aquele limite, salvo para baixo, admitindo-se supressão do objeto de que resulte redução do valor do contrato para além dos 25% constantes do § 1º - como a se dizer que para baixo todo santo ajuda.

Parece simples a conta a fazer, porém curiosamente esta questão tem ensejado discussões sem conta entre os doutrinadores e os operadores de contratos, a nosso ver sem muito motivo para tanto.

A lei não menciona valor inicial do contrato, nem menciona valor atualizado do contrato, mas reza valor inicial atualizado do contrato, o que para nós significa e sempre significou, sic et simpliciter, o total pago pela contratante ao contratado até o momento de referência, que é quando se processa a alteração do contrato.

Se o valor inicial previsto do contrato era um milhão de reais, e se no momento da alteração se pagou apenas um sétimo disso, ou sejam setecentos mil reais, então será setecentos mil reais a base de cálculo para se saber a variação máxima que o preço do contrato poderá ter, ou seja o limite do acréscimo - ou da redução.

Não parecem razoáveis as leituras da lei que remetem a índices ou fatores de atualização monetária das parcelas, até porque esses índices podem simplesmente inexistir contemplados no contrato, e nunca índice nenhum ser aplicado até o encerramento do contrato. Não, em absoluto, porque nada na lei informa que a atualização será pelo índice tal, ou pelo fator qual.

Atualizar é e sempre foi simplesmente verificar, do valor previsto ao início, quanto foi pago até hoje, atualizando-se aquele valor estimativo portanto, ou seja trazendo-o até a atualidade, até o momento atual.  Apenas isso é atualizar um valor, sem  a mínima dificuldade de leitura ou de compreensão, e, pensamos, sem qualquer cabível interpretação do texto, porque in claris cessat interpretatio, ou seja, se a regra é clara, então não há lugar para interpretação. Interpreta-se o que não está claro nem explícito, mas nunca se interpreta um ordem objetiva e que todos entendem sem dúvida nenhuma.

Quanto ao § 2º, uma curiosidade: o contratado pode aceitar suprimir até 100% da execução, quando por exemplo se convence de que não receberá um vintém - ou um tostão, se se preferir - sequer pelo que fizer, ante a demonstração de superveniente insolvabilidade pela estatal contratante.

Nessa hipótese a fracassada estatal deverá, em boa técnica e para que seu vexame  não seja absoluto, fornecer ao contratado um atestado de execução formal, ou jurídica, do objeto, pois que não é justo privá-lo dessa recomendação, ele que culpa nenhuma teve pelo ocorrido.

Não se trata de mentir, mas de atestar alguma coisa para efeitos formais ou jurídicos, considerando-se que o direito é talvez a única atividade que considera duas verdades, uma real  ou efetivamente ocorrida,  e outra formal  ou jurídica, que é aquela resumida ao que consta do respectivo processo, na medida em que o que e não está nos autos não está no mundo.

Há movimentos tentando fazer a lei voltar ao tempo do Decreto-lei nº 2.300 de 1.986, em que, se o ente contratante alterava o projeto  para maior, não havia limite percentual de valor para contemplar aquele acréscimo, mas as autoridades em geral arrepiam-se de genuíno pavor só de imaginar um tal retorno ao passado. Mantém-se inalterada na LE, portanto, a regra destes §§ 1º e 2º, copiada da lei de licitações.

O § 3º, em má hora copiado do § 3º do art. 65 da lei de licitações, é um atestado do primitivismo mental do legislador, de uma ingenuidade de fazer corar uma criança de sete anos. Sem repetir o seu constrangedor texto, o fato é que se o contrato não previu preços unitários para obras e para serviços, foi decerto porque deles não precisou nem precisaria, por exemplo porque se tratava de empreitada por preço global, em que os unitários não interessam.

Se não os previu porque não precisou prever, então por que raio em dado momento precisaria prever ?  E se essa necessidade porventura vier a acontecer como é muito pouco provável, é óbvio ululante que o contrato deve ser modificado pelas partes para fazê-lo - ou a alguém parecerá diferente ?

O § 4º é cópia do § 4º do art. 65 da lei de licitações, e desta vez é oportuno. Resguarda o direito do previdente e responsável contratado a receber pelos materiais que já colocou no palco da execução do contrato, após contratado, em caso de a estatal romper o contrato por sua iniciativa e sem motivação dada pelo contratado.

O valor daqueles insumos deverá ser demonstrado por documentos fiscais idôneos, e será pago  corrigido monetariamente. E, importante, essa indenização não substitui nem supre outras eventualmente devidas por quebra de contrato pela contratante - como por lucros cessantes e danos emergentes, e pagamento da desmobilização, estando previstas em lei ou não estando, porque em momentos assim, se preciso, o direito   civil toma conta do assunto.

A indenização pelos materiais comprados e colocados na execução pelo contratado constitui, portanto, apenas uma dentre diversas outras possíveis indenizações por quebra de contrato pela estatal contratante - tudo o que está corretíssimo.

O § 5º, copiado do § 5º do art. 65 da lei das licitações, tinha relevância nos idos de 1.993 quando da publicação da Lei nº 8.666, porque foi vetada a al. d do inc. II do seu art. 65, referente à revisão do contrato para reequilíbrio econômico-financeiro, já que algum mecanismo de revisão contratual, por esse motivo, a lei precisava consignar em favor do contratado.

Mas seja observado que o dispositivo vai além da hipótese de alguém já ter sido contratado, porque autoriza - ou mesmo manda - que se revisem inclusive os valores das propostas  já apresentadas e abertas em licitações, de modo  a prevenir mal maior de desatualidade,  e de conseqüente irrealidade econômico-financeira, em desfavor dos licitantes de boa-fé.

Quando em 1.994 voltou a vigorar a revisão para reequilíbrio por força da Lei nº 8.883, então a revisão por aumento de encargos do contratado (tributos, impostos) perdeu muito de sua importância, já que praticamente todas as questões relativas a esse tema passaram a ser resolvidas por ali, e não mais pelo § 5º.  A LE, portanto, na prática  não precisaria ter copiado da lei de licitações este parágrafo, que francamente não mais está na moda.

Mas, inobstante tudo isso,  sempre poderá servir para justificar tanto o pedido do contratado quanto o seu deferimento pela estatal, que recalculará quanto o aumento dos encargos, de qualquer natureza, sobre o objeto contratado impactou os custos do contratado, que nessa medida haverá de ser remunerado.  Tudo dependerá, assim sendo, de demonstrações documentais.

O § 6º lembra o § 3º: inventou a roda e descobriu o fogo. É, como aquele, de uma bisonhice apta a envergonhar o conselheiro Acácio. Determina que se a estatal por aditamento altere o contrato para reparar sobrecarga de encargos que impôs ao contratado. Tudo isso já estava resolvido tanto no inc. VI quanto no § 5º, ambos deste art. 81.  De resto, acaso poderia ser diferente ? Sigamos, porque nosso tempo é menor que o do legislador.

O § 7º copia o § 8º do art. 65 da lei de licitações ([2]), com a correta previsão de que reajustes, atualizações monetárias, penalizações por atrasos e compensações financeiras não representam alteração contratual e por isso podem ser apenas apostiladas, ou averbadas, ou anotadas no próprio contrato, sem necessário aditamento - que de resto não faria sentido algum.  É o mesmo que se dá numa certidão de casamento em que se averba o divórcio, ou a conversão do antigo desquite em divórcio, sem necessidade de nova certidão.

Essas operações são realizadas pelo próprio gestor do contrato, uma vez que não implicam decisão discricionária da autoridade, já que apenas cumprem regras jurídicas obrigatórias.

O derradeiro § 8º enfim consigna uma novidade ante a lei de licitações, prestigiando a matriz de riscos que esta LE instituiu.

Informa que são proibidos aditivos contratuais que tenham por objeto acudir a eventos supervenientes à assinatura, os quais estejam alocados na matriz de riscos como sendo de responsabilidade do contratado.

Sidney Martins reescreve aquela ordem com palavras mais didáticas e de modo mais compreensível:

O parágrafo veda a celebração de termos aditivos decorrentes de eventos supervenientes alocados na matriz de riscos como de responsabilidade do contratado. ([3])

Correta e adequada ao melhor direito esta regra, que impede injustas sobreonerações ao contratado, imprevistas originariamente no contrato e na expectativa do contratado, que sempre precisou estar vinculado e atento às suas obrigações já constantes da matriz de riscos.

Não cabe, em bom direito, aditar o contrato para alterar, para mais onerosas ao contratado, obrigações constantes de uma sólida, absolutamente solene e basilar matriz de riscos - que apenas existe na LE para nortear tão pesados deveres do contratado,  aos quais este esteve necessariamente tão atento para calcular seus próprios riscos ao licitar e contratar.

A inspiração é nitidamente civilista a privatista, e por inteiro diferente das regras publicísticas que abundam na lei de licitações e  na legislação de direito administrativo - as quais decaem da confiança do cidadão brasileiro mais a cada dia que passa, e cuja credibilidade despenca a olhos vistos até mesmo no panorama internacional. E isto é tudo o que conduz ao gracejo, também a cada dia mais unânime, de que o ideal para nós seria terceirizar o governo.                                                                        

[1] O que juridicamente é incorreto e inadmissível,  pois que se o contratado, obrigado como é pela lei e pelo contrato a manter atualizadas suas condições de habilitação por toda a execução contratual, caso descumpra essa obrigação deve ter o seu contrato rescindido com base n`algum dos incisos iniciais do art. 78 da lei de licitações, e não apenas ter o seu pagamento atrasado até cumprir sua obrigação.  A rescisão é muito mais grave, pra o contratado, que a simples e injurídica retenção do pagamento do mês - típico jeitinho brasileiro de não atrapalhar muito a vida de seu contratado, apenas um pouco...   Tudo completamente errado, pois que  se o contratado serviu para entregar o objeto ou a parte dele, e se o contratante  recebeu regularmente  o que foi entregue, então inquestionavelmente deve pagar pelo que recebeu - ou de outro modo que já não receba. Receber como bom um objeto e depois não pagar o que recebeu constitui prática de enriquecimento sem causa, ou locupletamento ilícito - o poder público não sabe disso ?

[2] Sendo este artigo uma cópia quase que inalterada  do art. 65 da lei de licitações, e considerando que naquele art. 65 o § 7º foi e está vetado, surpreende a acuidade do autor da LE, que não inseriu um parágrafo nesta lista do art. 81, apondo-lhe o adjetivo "vetado".

[3] In A nova lei das estatais, citada, p. 354.


(conclui na parte seguinte)