IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO MUNICIPAL ELEITO PELO VOTO POPULAR. AFASTAMENTO CAUTELAR.  NECESSIDADE DE TUMULTO À INSTRUÇÃO PROCESSUAL.

 Gina Copola *

(setembro de 2.017)

I – Tema que nos chamou a atenção recentemente é o relativo ao afastamento cautelar, e concedido em medida liminar, de Prefeito Municipal determinado em sede de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, em desacordo com os termos do art. 20, parágrafo único, da Lei federal nº 8.429, de 1.992.

“Art. 20 A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual” (Grifamos)

Ou seja, só é possível o afastamento do agente público do exercício de cargo, emprego ou função quando a medida se fizer necessária à instrução processual, o que deve restar exaustiva e cabalmente demonstrado para o deferimento de tal pedido.

II - E foi nesse exato sentido que já decidiu o egrégio Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial nº 929.483-BA, rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 2/12 2.008, com a seguinte ementa:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.  MEDIDA CAUTELAR. INDISPONIBILIDADE E SEQÜESTRO DE BENS. REQUERIMENTO NA INICIAL DA AÇÃO PRINCIPAL. DEFERIMENTO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS ANTES DA NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. POSSIBILIDADE. ARTS. 7º E 16 DA LEI 8429/92. AFASTAMENTO DO CARGO. DANO A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 20 DA LEI 8.429/92.  EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA. (....)

O art. 20 da Lei 8429/92, que dispõe sobre o afastamento do agente público, preceitua: "Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual."

A exegese do art. 20 da Lei 8.249/92 impõe cautela e temperamento, especialmente porque a perda da função pública, bem assim a suspensão dos direitos políticos, porquanto modalidades de sanção, carecem da observância do princípio da garantia de defesa, assegurado no art. 5º, LV da CF, juntamente com a obrigatoriedade do contraditório, como decorrência do devido processo legal ( CF, art. 5º, LIV), requisitos que, em princípio, não se harmonizam com o deferimento de liminar inaudita altera pars, exceto se efetivamente comprovado que a permanência do agente público no exercício de suas funções públicas importará em ameaça à instrução do processo”

Deve restar cristalina, portanto, a excepcionalidade exigida para a decretação do afastamento cautelar, e, portanto, sem qualquer demonstração fática e concreta de um comportamento do agente público que no exercício de suas funções importe em efetiva ameaça à instrução do processo não há que se falar, de modo algum, em afastamento provisório.

III – Consta, ainda, do venerando acórdão ora colacionado:

   "A possibilidade de afastamento in limine do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, porquanto medida extrema, exige prova incontroversa de que a sua permanência poderá ensejar dano efetivo à instrução processual, máxime porque a hipotética possibilidade de sua ocorrência não legitima medida dessa envergadura.

É cediço na Corte que: “Segundo o art. 20, caput, da Lei 8.429/92, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos, como sanção por improbidade administrativa, só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Assim, o afastamento cautelar do agente de seu cargo, previsto no parágrafo único, somente se legitima como medida excepcional, quando for manifesta sua indispensabilidade.”

E repita-se à exaustão que deve ser realizada a prova incontroversa de que a permanência do agente atrapalha a instrução processual ou, de outro modo, o afastamento do agente não pode ser deferido de forma alguma, sob pena de patente violação ao art. 20, parágrafo único, da Lei federal nº 8.429, de 1.992.

IV – Ainda no mesmo diapasão já julgou o e. Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial nº 604.832/ES, rel. Ministra Denise Arruda, 1ª Turma, julgado em 3 de novembro de 2.005, com a seguinte ementa:

Administrativo e processual civil. recurso especial. agravo de instrumento. improbidade administrativa. (...)

O afastamento da função pública é medida excepcional, e que apenas se justifica quando haja efetivamente riscos de que a permanência no cargo da autoridade submetida à investigação implique obstrução da instrução processual. Excepcionalidade não-configurada.

Recurso especial parcialmente provido.”

E consta do voto condutor:

“Efetivamente, o parágrafo único do art. 20 da Lei 8.429/92, autoriza o afastamento do agente público, quando necessário, para assegurar a instrução processual.

Todavia, é pacífico o entendimento desta Corte Superior de que o afastamento da função pública é medida excepcional, e que apenas se justifica quando haja efetivamente riscos de que a permanência no cargo da autoridade submetida à investigação implique obstrução da instrução processual. (....)

Aliás, o próprio caput do referido artigo somente autoriza a perda da função pública após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que remete à idéia da excepcionalidade do afastamento provisório e observância do princípio da presunção de inocência e do devido processo legal.”

V - E o r. acórdão ora invocado transcreve trecho da mais autorizada doutrina sobre a matéria:

“Sobre o tema, a lição contida na obra do mestre Hely Lopes Meirelles (“Mandado de Segurança”, Ed. Malheiros, 2004, 27ª edição, atualizada e complementada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, págs. 223/224):

“..... o parágrafo único do art. 20 da Lei 8.429/92, inserido dentre as ‘disposições penais’ admite o afastamento preventivo do cargo do agente público acusado, que pode ser determinado pela autoridade judicial ou administrativa. Por constar da parte penal da lei, é discutível se o referido dispositivo se aplicaria às ações civis de improbidade. De qualquer modo, o pressuposto de afastamento é sua necessidade para a melhor instrução processual. O afastamento visa impedir o acusado de destruir provas, obstruir o acesso a elas ou coagir testemunhas (....). Trata-se de medida violenta, que afasta o agente público antes de ele ter sido definitivamente julgado, e, portanto, merece interpretação estrita e cuidadosa, para que não se transforme em forma abusiva de combate político ou de vingança pessoal e não viole as garantias do devido processo legal e da presunção de inocência de todos quantos venham a ser acusados da prática de atos de improbidade.”

E, portanto, o afastamento de agente sem a observância do acima decidido materializa patente violação à garantia ao devido processo legal e também à presunção de inocência. 

X – Ainda na mesma esteira, já decidiu o e. Superior Tribunal de Justiça em Recurso Especial nº 550.135/MG, relator Ministro Teori Zavascki, 1ª Turma, julgado em 17 de fevereiro de 2.004, com a seguinte ementa:

“PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DO CARGO. INTELIGÊNCIA DO ART. 20 DA LEI 8.429/92.

  1. Segundo o art. 20, caput, da Lei 8.429/92, a perda da função pública e suspensão dos direitos político, como sanção por improbidade administrativa, só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Assim, o afastamento cautelar do agente de seu cargo, previsto no parágrafo único, somente se legitima como medida excepcional, quando for manifesta sua indispensabilidade. A observância dessas exigências se mostra ainda mais pertinente no caso de mandato eletivo, cuja suspensão, considerada a temporariedade do cargo e a natural demora da instrução de ações de improbidade, pode, na prática, acarretar a própria perda definitiva.
  2. A situação de excepcionalidade não se configura sem a demonstração de um comportamento do agente público que importe efetiva ameaça à instrução do processo. Não basta, para tal, a mera cogitação teórica da possibilidade de sua ocorrência.
  3. Para a configuração da indispensabilidade da medida é necessário que o resultado a que visa não possa ser obtido por outros meios que não comprometam o bem jurídico protegido pela norma, ou seja, o exercício do cargo. Assim, não é cabível a medida cautelar de suspensão se destinada a evitar que o agente promova alteração de local a ser periciado, pois tal perigo pode ser contornado por simples medida cautelar de produção antecipada de prova pericial, nos exatos termos dos arts. 849 a 851 do CPC, meio muito mais eficiente que a medida drástica postulada.
  4. Recurso especial provido.”

 XI – Ainda no mesmo sentido, é o r. acórdão proferido pelo e. Superior Tribunal de Justiça no Agravo Regimental na Suspensão de Liminar e de Sentença nº 867-CE, relator Ministro Ari Pargendler, Corte Especial, julgado em 05/11/2008, com a seguinte ementa:

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR. A norma do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 1992, que prevê o afastamento cautelar do agente público durante a apuração dos atos de improbidade administrativa, só pode ser aplicada em situação excepcional, quando, mediante fatos incontroversos, existir prova suficiente de que não esteja dificultando a instrução processual. Agravo regimental não provido

 E não há que se falar em afastamento cautelar se o agente público não adotou qualquer medida tendente a atrapalhar o rumo das investigações, nem tampouco se o agente não se utilizou de qualquer expediente decorrente do cargo que ocupam para causar qualquer problema ao deslinde das investigações.

E o v. voto condutor consigna expressamente que

Isso significa que o afastamento cautelar só é deferido, quando se demonstre a absoluta necessidade de sua consumação. Lembro, a propósito, alguns precedentes de nossa jurisprudência

E, ainda, o v. acórdão transcreve vasta jurisprudência no mesmo sentido, compilação da qual destacam-se os seguintes julgados:

“A excepcionalidade da medida deve ser observada ainda com mais rigor no caso de mandato eletivo, cuja suspensão, considerada a temporariedade do cargo e a natural demora na instrução das ações de improbidade, pode, na prática, acarretar na própria perda do mandato (MC nº 5.214, MG, Relator p/ acórdão Ministro Teori Zavascki, DJ de 15.09.2003)

O afastamento cautelar do agente político representa uma intervenção tolerável do Poder Judiciário em outro Poder desde que evidenciado o tumulto à instrução processual provocado pelo agente. Não basta a existência de indícios ou presunções; a mera suposição de que possa ocorrer alguma dificuldade na instrução processual não justifica o afastamento do cargo (AgRg na Pet nº 2.655, ES, Relator Ministro Francisco Peçanha Martins, DJ de 20.06.2005; AgRg na MC nº 8.810, AL, Relatora Ministra Denise Arruda, DJ de 22.11.2004 e AgRg na MC nº 3.048, BA, Relator Ministro José Delgado, DJ de 06.11.2000)”

Com efeito, e conforme se lê do excerto acima transcrito, a mera suposição de que possa ocorrer alguma dificuldade na instrução processual não justifica o afastamento do cargo.

E, ainda, na mesma esteira é o r. acórdão do e. STJ, proferido em Agravo Regimental na Medida Cautelar nº 10.155/SP, rel. Ministro Teori Zavascki, 1ª Turma, julgado em 02/08/2005.

Não tem o menor cabimento, portanto, o deferimento de afastamento cautelar de agente público sem a demonstração de prejuízo ao deslinde do processo.

XII – Ainda no mesmo diapasão, é o v. acórdão proferido por esse egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do Agravo de Instrumento nº 2164860-28.2016.8.26.0000, relator Des. Rebouças de Carvalho, 9ª Câmara de Direito Público, julgado em 19/12/2016, com a seguinte ementa:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Insurgência contra o indeferimento de liminar postulada para o afastamento cautelar dos requeridos das funções públicas que ocupam junto à Prefeitura Municipal de Mineiros do Tietê, com fundamento no artigo 20, Lei no 8.429/92 e no artigo 300, do Código de Processo Civil - Manutenção do decisum Medida de caráter excepcional que invoca a comprovação cabal de ato efetivamente praticado pelos requeridos no intento de impedir a devida apuração dos fatos. Cognição perfunctória da matéria que não comporta a imprescindível segurança jurídica autorizadora da medida excepcional - Ausência de demonstração inequívoca de conduta propensa a obstruir a instrução do feito - Aplicação da Lei no 8.429/92, em seus exatos termos - Decisão mantida Recurso improvido”

Ocorre que não se fala em afastamento cautelar sem a prova nos autos no sentido de que o agente tenha de fato cometido algum ato incontroverso que tenha prejudicado o andamento processual, ou, ainda, que não tenha preservado as provas coligidas ou que impedisse a produção de qualquer prova.

Ademais, o afastamento do agente (em sentido lato) para os efeitos da Lei de Improbidade Administrativa é sem prejuízo dos subsídios conforme determina a Lei nº 8.429/92, art. 20, e tal fato pode ensejar o pagamento dos subsídios de dois Prefeitos ao mesmo tempo – o afastado e o em exercício – em evidente prejuízo aos cofres públicos, no caso de não demonstrado o efeito transtorno processual causado pelo agente.

Ou seja, sem a prova de efetivo prejuízo à instrução processual, tem-se que o afastamento do agente é muito mais prejudicial ao interesse público do que a manutenção do mesmo no serviço público, fato que não pode ser admitido pelo e. Poder Judiciário.

XIII – Ainda na mesma esteira, é o v. acórdão do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do AI nº 2044023-75.2015.8.26.0000, rel. Des. Francisco Bianco, da 5ª Câmara de Direito Público, julgado em 14/12/2015, que negou o afastamento dos ali agravados por entender que tal medida é excepcional e somente pode ser decretada quando essencial à regular instrução processual, e transcreveu relevante jurisprudência no mesmo sentido que merece ser compulsada, e concluiu que:

“Outrossim, no mesmo sentido: “A possibilidade de afastamento in limine do agente público de exercício de cargo, emprego ou função, porquanto medida extrema, exige prova incontroversa de que a sua permanência poderá ensejar dano efetivo à instrução processual, máxime porque a hipotética possibilidade de sua ocorrência não legitima medida dessa envergadura (REsp 604.832/ES, DJ de 21.11.2005; AgRg na MC 10.155/SP, DJ de 24.10.2005; AgRg na SL 9/PR, DJ de 26.09.2005 e Resp 550.135/MG, DJ de 08.03.2004)”

Tem-se, portanto, e reitere-se à exaustão que se os agentes não praticaram qualquer ato de perturbação ao andamento ou à instrução processual, não há que se falar em afastamento do agente, porque tal medida não tem sentido lógico nem tampouco jurídico.

É nosso entendimento com fulcro no art. 20, parágrafo único, da Lei federal nº 9.429, de 1.992.

* Advogada militante em Direito Administrativo. Pós-graduada em Direito Administrativo pela FMU. Ex-Professora de Direito Administrativo na FMU. Autora dos livros Elementos de Direito Ambiental, Rio de Janeiro: Temas e Idéias, 2.003; Desestatização e terceirização, São Paulo: NDJ – Nova Dimensão Jurídica, 2.006; A lei dos crimes ambientais comentada artigo por artigo, Minas Gerais: Editora Fórum, 2.008, e 2ª edição em 2.012, A improbidade administrativa no Direito Brasileiro, Minas Gerais: Editora Fórum, 2.011, e co-autora do livro Comentários ao Sistema Legal Brasileiro de Licitações e Contratos Administrativos, coautora, pela ed. NDJ – Nova Dimensão Jurídica, São Paulo, 2.016, e, ainda, autora de diversos artigos sobre temas de direito administrativo e ambiental, todos publicados em periódicos especializados.