AS SÚMULAS DE JURISPRUDÊNCIA SOBRE LICITAÇÃO, DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (2ª PARTE)

AS SÚMULAS DE JURISPRUDÊNCIA SOBRE LICITAÇÃO, DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (2ª PARTE)

Ivan Barbosa Rigolin

(jul/17)


SÚMULA Nº 31 - Em procedimento licitatório, é vedada a utilização do sistema de registro de preços para a contratação de serviços de natureza continuada.

O sistema de registro de preços é uma das mais inteligentes idéias dentro do mundo das licitações.  Ao invés de se repetirem licitações até um ponto exasperante e insuportável de trabalho, licitam-se não a compra direta mas as menores cotações de lotes ou conjuntos de produtos, que podem ser bastante numerosos e variados.

Sofre-se apenas uma vez, pois que o RP também dá trabalho significativo, porém uma vez encerrado esse procedimento o ente passa a dispor de fornecedores vencedores de licitação, munidos de um instrumento de contrato de expectativa de fornecimento, a ata do registro de preços, o qual autoriza aquele ente a ordenar o fornecimento dos itens constantes de cada ata, sempre que deles precisar - podendo mesmo nunca os requisitar.  A ata não é um contrato não de compra, mas de expectativa de compra, que pode ser ou pode não ser exercitado pelo ente que o promoveu.

Pela excelência da idéia, que remonta à Lei paulista nº 89, de 1.972 - para não ir mais longe na pesquisa -, foi o RP repetido  no subseqüente Decreto-lei nº 2.300, de 1.986, e a seguir na Lei nº 8.666, de 1.993, onde até hoje figura,  e é sempre intensamente exercitado por entes públicos de todo nível e natureza.  E foi adotado pela lei do pregão, e por outras leis sobre  licitações específicas destinadas a prover objetos especializados.

O sistema foi concebido, sem nenhuma dúvida, para a cotação de produtos de compra e venda, como materiais, equipamentos, peças, máquinas, utensílios, e não para a cotação de serviços. Tanto isso é certo que está previsto na Seção V, Das compras, do Capítulo I, da lei de licitações, e não, declaradamente,  em outro momento da lei.

O único outro dispositivo a mencionar registro de preços é o final do inc. VII do art. 24, que reza  "por valor não superior ao constante do registro de preços, ou dos serviços". A que se refere ?   A registro de preços de serviços, ou ao preço médio dos serviços no seu mercado ?

Fica-se sem saber, porém o aplicador da lei não perdeu tempo e desde logo tratou de entender, de propalar aos quatro ventos e de partir do pressuposto de que também serviços podem ter preços registrados em atas, no sistema de registro de preços. Na dúvida, então venha, como na regra segundo a qual quem parte e reparte, e não fica com a melhor parte, ou é bobo ou não tem arte.

Até hoje é nebuloso esse panorama, e esta súmula tende a separar um pouco as coisas. Ao inadmitir RP para serviços contínuos - aqueles do  inc. II do art. 57 da lei de licitações - por corolário raciocínio, e data venia,  o TCE está admitindo que outros serviços, não contínuos, admitem preços registrados, como se fossem bens. Assim lemos a súmula.

O motivo desse entendimento deve ter sido o de que os serviços continuados, ainda que em geral bastante comuns e conhecidos, admitem amplas variações de qualidade e quantidade, a contraindicar tabelamentos que, mais ou menos, nivelam por baixo esses fatores, e com isso, muita vez, não bem atendem a necessidade do ente público - como não atenderiam interesses privados.

Concordamos com a idéia, d se de fato é essa, porém entendemos que, independentemente de entendimentos doutrinários ou jurisprudenciais, a idéia de registrar preços de serviços contém um misto de preguiça e de desconhecimento  técnico, ou de negligência com a qualidade.

Nem tudo nas procedimentos negociais da Administração se pode racionalizar em grandes passos como sempre é o sistema do RP, porque à medida da crescente complexidade dos objetos o resultado amiúde e possivelmente será desastroso. Racionalizam-se os procedimentos até o ponto em que isso passe a militar contra o interesse de quem o faz, e esse é o limite natural do - de outro modo inteligentíssimo - sistema do registro de preços.

Desaconselha-se assim sendo, e enfaticamente, promover registro de preços para qualquer serviço ­ - leia-se a lei como se a ler. E a súmula em muito contribui para consolidar uma tal orientação.

SÚMULA Nº 32 - Em procedimento licitatório, é vedada a utilização do sistema de registro de [preços para a contratação de obras e de serviços de engenharia, exceto aqueles considerados como de pequenos reparos.

Muito similar à súmula anterior, também esta não faz senão insistir sobre o operacionalmente óbvio: registro de preços não serve para obras nem para serviços de engenharia. Deveria se encerrar aí a súmula, respeitosamente entendemos, porque parece temerário estabelecer a categoria de "pequenos reparos “dentro das obras ou dos serviços de engenharia.

Pequenos reparos podem dar-se numa calçada de paralelepípedos ou numa estátua de Michelangelo - e ainda que precioso esse reparo, não deixa de ser pequeno em volume, como ocorreu décadas atrás na Itália, quando um animal sob forma humana desferiu marteladas numa pietà do grande gênio do passado. Aquele magnífico trabalho em volume foi um pequeno reparo, e um grande reparo seria restaurar uma parte da ponte Golden Gate que sofra um abalo. O adjetivo "pequeno" se precisa ler como referente ao volume e não ao conteúdo cultural do trabalho, ou de outro modo se instalaria um subjetivismo interpretativo quase deletério por sobre a matéria.

Então será que merecem o mesmo tratamento jurídico esses dois referidos pequenos reparos ?  Evidentemente não, e assim como neste exemplo os pequenos reparos, sejam obras, sejam serviços, não nos parecem suscetíveis de comportar generalizações  tais que lhes permitam constituir uma categoria de objetos de contratos, e com isso a merecer a estandardização que a súmula enseja.

Parece-nos tímida, respeitosamente. Entendemos que obra ou serviço de engenharia nenhum poderia figurar como licitável por registro de preços - a idéia não faz nenhum sentido em nosso humilde modo de ver. No comentário à súmula anterior manifestamos repulsa à aplicação do RP de qualquer serviço; que dizer, então, dos de engenharia, e mais ainda de obras ?

 SÚMULA Nº 33 - No  sistema de registro de p[preços é vedada a adesão à ata por órgão ou entidade que não participou da licitação ("carona") excetuadas as hipóteses admitidas em lei federal.

Outra súmula absolutamente correta no conteúdo central e que ao final se revela ou tímida ou por demais respeitosa a algo que não merece nem enseja o menor respeito.

Já escrevêramos em artigo publicado o seguinte: "O infelicíssimo “carona”

VII – Se a sabedoria popular informa que não se deve oferecer carona a desconhecidos – sem embargo de que muitas vezes é preferível ter ao lado desconhecidos a repartir o espaço com alguns conhecidos de longa data... -, a mesma sabedoria deveria rechaçar a detestável figura do “carona”, própria  do registro de preços como estabelecido em regulamento federal. Por “carona” é conhecido o juridicamente quase indefensável instituto em má hora figurante do art. 8º do Decreto nº 3.931/01. 

Foi concebido esse instituto pelo Executivo federal, que naquele então somente  pensava no seu caso e na comodidade dos entes do seu Executivo ou a esse Poder federal institucionalmente  vinculados, como o são as autarquias, as fundações e as empresas paraestatais, todas de nível federal.  Tratava-se de uma instituição “em família”.

Decerto o Executivo federal não imaginou, ao conceber o “carona”,  que os demais entes da federação se tentariam aproveitar da idéia em benefício próprio, com boa intenção ou com péssima intenção mas sempre ao arrepio de qualquer autorização legislativa e em geral sem qualquer cerimônia, como entrões não convidados, como se tal petulância lhes fosse dada pelo direito.

Pelo “carona” original os órgãos do Executivo federal, e os entes a ele institucionalmente vinculados, aproveitam-se uns dos registros de preços dos outros, e na (rebuscada e aparelhada) forma do art. 8º do Decreto nº 3.931/01 contratam as compras e os serviços que alguém registrou e publicou, sempre  no plano do Executivo federal. 

O Executivo federal, conhecendo suas próprias dimensões, no regulamento do registro de preços imaginou um instituto pelo qual um órgão realize um registro de preços de que participem outros órgãos, poupando a esses o infando trabalho. A idéia, simplificada até esse ponto, não é tresloucada, ainda que, repita-se, jamais esteve nem está autorizada em momento algum de lei aplicável alguma.

VIII - É o que reza o art. 8º do decreto, que, mesmo que não concebido para isso, acabou por  servir de mote a que Estados e Municípios, com suas entidades descentralizadas  e paraestatais, bem logo se aproveitassem da idéia, e iniciassem um crescente movimento,  a esta altura fora de controle, de aproveitar registros de preços alheios, de níveis governamentais diferentes,  para comprar ou contratar serviços constantes de registros alheios, nas mesmas condições de preço e independentemente de quantidades, bastando que o detentor da ata respectiva aceite assim os vender a quem se dispuser a comprá-los. 

Fizeram-nos os espertalhões de plantão, que sempre vislumbram vantagens aqui e acolá onde ninguém honesto as enxerga, vendendo a fórmula a Municípios como se se tratasse do seu mais comezinho direito, insista-se, sem que a lei jamais autorizasse que um ente licitasse por outros entes, e tal qual pudesse existir uma central de licitações, com um registro de preços que a todos os órgãos públicos pudesse servir como se fora uma mercearia ou um entreposto comercial.

Ora, é certo que em se  somando os registros de preços existentes no país dificilmente alguma compra ou algum serviço “registrável” ficará de fora ou será excluído, considerando-se a enormidade infindável dos itens registrados.  Com todo efeito,  deve existir registro de preço até de pó da face oculta da Lua ou de pedra filosofal produtora de ouro alquímico -, de forma que a única conclusão é a de que quem se valer de registros alheios possivelmente jamais precisará licitar item de compra ou de serviço algum, dentre aqueles constantes de registros alheios,  virtualmente intermináveis.  Basta se investigar na internet  e se descobrirão os mais diversificados ou inimagináveis registros de preços, de carne de calango liofilizada a rolhas de poço articuladas.

O “carona” indiscriminado tem condão de  eliminar as licitações para  compras e para  serviços registráveis, é a conclusão – daí a lei jamais o admitir, sendo ele invenção do Executivo federal, nos idos do ano da graça de 2.001, fora de qualquer lei. (Destaque nosso atual)

Se é  bem certo que a lei de licitações informa no art. 15, § 3º, que “O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto”, pergunta-se entretanto,  pelas barbas do profeta,  se  a lei de licitações acaso terá imaginado ou admitido um semelhante elastério para o regulamento, que virtualmente arrombe o próprio princípio da licitabilidade das aquisições públicas, insculpido na Constituição Federal, art. 37, inc. XXI ?   Duvida-se com veemência, porque um decreto não pode ter condão de destruir ou de excluir os parâmetros da lei.

É notório que o governo federal odeia o instituto da licitação como a pior peste que assolou o planeta, e que somente não extirpa de vez essa figura do ordenamento jurídico porque decerto ainda não encontrou para tanto uma fórmula politicamente justificável.   Isso é mais evidente do que ao dia suceder a noite, e uma só demonstração á a multiplicação sem fim à vista da família de incisos do art. 24 da lei de licitações, dos 14 originários de 1.993 para os 31 atuais - se até ser publicado este artigo já não forem mais as hipóteses legais de licitação dispensável.

Mesmo assim entretanto, custa muito crer que tenha sido concebida na figura do “carona” federal – o Executivo centralizando o registro de preços em um ente, para que outros dele se possam aproveitar, o que dito assim, ainda que sem pé algum na lei,  não parece tão aberrante – um mecanismo a serviço de todo ente federado que lhes permita aproveitar-se de registros de preços das mais variadas entidades, para com base nesses registros adquirir tudo o que bem desejar, sem licitação própria alguma.

A uma viola-se com aquilo o princípio constitucional – art. 37, inc. XXI - da licitabilidade das contratações públicas, e a dois o da legalidade da despesa pública, eis que em momento algum lei formal alguma autorizou nada semelhante, como jamais autorizaria que um Estado licitasse por seus Municípios, ou que a União pudesse licitar pelos Estados que a integram.

Se a idéia do “carona” é materialmente útil e proveitosa como na rés do chão  talvez seja para os seus conceptores,  formalmente entretanto não se revela  menos que péssima, porque por completo aberrante do positivismo jurídico que feliz ou infelizmente cerca e define o direito brasileiro.

E os Tribunais de Contas enxergam o “carona”, em geral e crescentemente, com péssimos olhos, por todos esses motivos e seguramente por outros ainda que bem sabem.  Não sem razão." ([1]

Como se disse ao final de um dos parágrafos acima, o antijurídico instituto do carona está fora de qualquer lei.

Aasim, lendo-se a palavra lei (de "lei federal") da parte final da súmula com sentido literal e não a significar "legislação", parece que a parte final da súmula não tem qualquer aplicabilidade, e a carona está proscrita com relação aos órgãos jurisdicionados pelo TCE - SP em caráter geral e completo. Não se admite que um decreto federal, despregado de qualquer lei e desautorizado por qualquer lei,  possa ter condão de se aplicar como inovador do direito, nem sequer na União onde simplesmente é ilegal, e muito menos nos Estados e nos Municípios.

A corajosa e necessária súmula, respeitosamente, não precisaria ter aberto a exceção ao seu final.  Se o Executivo federal, jurídica e muito infelizmente, por vezes trabalha como se fora  a  casa da mãe joana,  nesses passos  o Estado de São Paulo não precisa segui-lo.

SÚMULA Nº 34 - A validade da ata de registro de preços, incluídas eventuais prorrogações, limita-se ao período de um ano.

Deve ter o Tribunal de Contas do Estado sumulado seu   entendimento sobre esta matéria em face de que pode remanescer confusão entre a validade da ata do RP e a duração dos contratos que dela se originam. Nesse sentido, fez bem o Tribunal em desde logo esclarecer.

De fato nada tem uma coisa com outra:

a) a validade máxima da ata está dada pelo inc. III do § 3º do art. 15 da lei de licitações, sendo de um ano. Nada impede que seja inicialmente menor, conforme o edital da respectiva licitação assim estabeleça, e seja depois prorrogada - possibilidade que também desejavelmente constará do edital -, porém todo esse lapso há de se conformar dentro do máximo de um ano, que é dado expressamente pela lei. Qualquer validadação da ata, ou do RP, acima de um ano fatalmente contraria a lei de licitações;

b) os contratos que derivarem da ata de RP não precisam ter sua duração limitada a um ano, nem ao prazo de validade da ata. Rege essa matéria, por delegação expressa do art. 15, § 3º, da lei de licitações, o Decreto federal nº 7.892, de 23 de janeiro de 2.013, sendo que seu art. 12, § 2º, corretamente, fixa que a duração dos contratos firmados com base em ata em vigência de RP terão sua duração regida pelo art. 57 da lei de licitações, pouco importando, portanto, que sua origem tenha sido o RP.

Duas breves considerações:

  1. a) parece óbvio, mas a ata do RP, para originar contratos válidos, precisa estar em vigor. Não se imaginam contratos juridicamente válidos, originários de RP, se assinados após a ata do RP perder sua validade, e
  2. b) mesmo que o decreto federal não contivesse seu § 2º do art. 12, ainda assim a regra seria aquela, porque o contrato se rege pelas regras de contratos da lei de licitações, enquanto que a licitação, que na mesma lei tem regras próprias, nada tem com as regras e os prazos contratuais. São mundos inteiramente separados dentro da mesma lei. O decreto apenas esclarece o que de direito já era certo.

SÚMULA Nº 35 - Em procedimento licitatório para a aquisição de cartuchos de impressora e similares, é vedada a exigência de marca idêntica à dos equipamentos a que se destinam, exceto quando estes estiverem em período de garantia condicionada ao uso de insumos da mesma marca.

Vacilou grandemente o entendimento dos fiscais e dos julgadores de contas públicas sobre este tema há umas duas décadas, quando o assunto, pelo volume financeiro que envolvia, estava na crista da onda.

Serenou ultimamente no sentido da súmula, ante a constatação de que nem todo cartucho ou toner de impressora, provindo da  terra dos mandarins e dos riquixás, era tão deletério quanto alguns ao início inquestionavelmente foram, e que passaram a existir marcas plenamente utilizáveis pelas máquinas em utilização no mercado.

Tem-se hoje que o poder público não pode exigir reposição original de cartuchos e outros recipientes de tinta, pó ou outro reprodutor gráfico, e o motivo basilar dessa estatuição do Tribunal se prende ao preço dos insumos originais, sem sombra de dúvida. Nada além disso justificaria proibir-se direcionar o edital para a marca original. Não é proibido aceitar a marca, apenas  não se pode exigi-la em detrimento de outras, e  o vencedor será o de menor preço; ocorrendo o milagre de ser a marca original do equipamento, tanto melhor.

A exceção que a súmula consigna é a de que se exijam reposições da mesma marca do aparelho apenas no caso de garantia do equipamento se para tanto foi exigido o uso de suprimentos originais, porém nesse caso não se está em licitação e sim em mero requerimento de direitos contratuais. Não se imagina, nessa hipótese, que o fabricante ofereça, para cobrir a garantia, produtos que não os seus próprios, ou então os originais do equipamento, ainda que não sejam da própria marca - como é usual em automóveis por exemplo, que por vezes tem o componente x de diversas marcas originais de fábrica.

A peça de reposição que seja fornecida com o equipamento na sua compra originária há de ser tido como original.

A súmula entretanto não tem o condão ou a pretensão de  impedir que os produtos oferecidos, da marca que forem,  sejam testados por amostras exigíveis na licitação, o que sujeitará as amostras com mau resultado à pura e simples desclassificação.

SÚMULA Nº 36 - Em procedimento licitatório, não se admite vedação a bens de fabricação  estrangeira, salvo  se decorrente de disposição legal.

Súmula que reza o que seria evidente a quem tem senso de racionalidade comercial, mas que tem importante papel sobretudo após a até então desejadíssima deposição de um governo de botocudos que tentava valorizar a indústria nacional ao preço que fosse, contrariando o interesse nacional, público, privado, empresarial e de tantas naturezas quanto existam.

A proteção incondicional ao industrial nacional contra o estrangeiro - praga própria dos medíocres e dos incapazes de toda ordem - somente interessa  ao fabricante, e desinteressa a todos que não sejam o fabricante. Serve de estímulo à mantença da, em geral, péssima qualidade dos produtos nacionais ante a incomparavelmente melhor qualidade do produto importado - em especial se não provier do império dos mandarins. O nacionalismo demagógico e eleitoreiro mantém o país no fundo da caverna do obscurantismo, enquanto a caravana passa.

A lei de licitação fez o que pôde nesse sentido, particularmente em seu art. 3º, como quem somente compra vinho nacional por  não saber ler o rótulo do importado. A lei de estatuto das micro e pequenas empresas também tentou o que pôde nessa tônica retrógrada e atrasada, não explicitamente por contrastar nacional c e estrangeiro, mas por, sem conseguir,  tentar restringir certas licitações a MEs e EPPs, e com isso, indiretamente, privilegiar o fornecedor nacional, já que não se imagina uma EPP ou uma ME estrangeira.

O nacionalismo das nações sul-americanas, chefiadas por caciques de periferia ou por ditadores de banana, sempre que pode cria embaraços aos produtos importados, a começar pela tributação e a seguir pela corrupção alfandegária explícita, que constitui só em si um importantíssimo obstáculo às importações.

Nessa esteira foi moda há poucos anos, e sempre que se abre uma brecha o governo restaura essa moda, a de prestigiar de qualquer modo o produto nacional ante o estrangeiro, por criar embaraços à sua aquisição e à sua circulação em nosso país. A licitação em dado momento refletiu essa tendência, sendo conhecido o exemplo dos pneus, que se tentava restringir aos nacionais nas licitações sob a alegação da falta de garantia dos estrangeiros.

De tempo em tempo eclode  outro modismo, em geral pago pelo suborno e pela propina dos nacionais, e os editais tentam cercar e proscrever os fornecedores de bens importados - mesmo que sejam empresas brasileiras a fornecê-los no mercado interno.

A súmula indica que o Tribunal de Contas do Estado não aceita semelhante atitude, mas excepciona casos obrigatórios por lei. Então, se e onde existirem esses casos, algum motivo maior deve ter ensejado a restrição legal, e a lei, naturalmente, com boa motivação ou sem, precisará ser observada. Mas não é nem pode ser muito comum essa restrição, uma vez que praticamente todos os produtos industriais existentes na face da terra, se forem importados, serão melhores que os nacionais. Cachaça mineira parece constituir uma honrosa exceção.

É trágico, mas é verdade. Daí, e senão em casos excepcionais e pontuais, como excluir bens importados, só por serem importados, em licitações brasileiras de menor preço ? Não faz sentido, se o filtro primeiro e último do objeto oferecido é o preço. A súmula desestimula tentativas protecionistas ao bem nacional - que no caso dos automóveis mereceu do então presidente da República, Fernando Collor, o epíteto de carroças nacionais - o que parece ter dado resultado, e mexido com os brios do nosso industrial ao início dos anos 90.

 SÚMULA Nº 37 - Em procedimento licitatório para a contratação de serviços de caráter continuado, os percentuais referentes à garantia para participar e ao capital social ou patrimônio líquido devem ser calculados sobre o valor estimado correspondente ao período de 12 (doze) meses.

O Tribunal dá uma orientação jurisprudencial sobre o que entende ser a base adequada de cálculo para a fixação, nos editais de licitação, do capital social mínimo do licitante, ou do seu patrimônio líquido mínimo, na fase de habilitação.

O ente público precisa anexar ao edital o orçamento que estima para o serviço continuado, e sobre esse orçamento - que nas propostas pode se confirmar exata ou aproximadamente, ou pode não se confirmar - pode exigir para a habilitação a  demonstração de capital líquido mínimo, ou de patrimônio  líquido,  em um percentual máximo de 10 % (dez por cento), conforme o § 3º do art. 31 da Lei nº 8.666/93.

Muito bem: o que reza a súmula é que o período a ser considerado pela Administração para, com base no seu orçamento, estabelecer aquele percentual é o de um ano.

Compreende-se,  e essa é a regra usual e absolutamente generalizada, a de o ente público orçar ou estimar o valor do serviço por um ano. Como os contratos de serviços contínuos (Lei nº 8.666/93, art. 57, inc. II) podem ser prorrogados por até cinco anos, é de uso  freqüentíssimo contratar por um ano e, se o resultado da execução for bom, prorrogar-se por outros anos o contrato.

Então, se a base temporal "natural" dos orçamentos oficiais é um ano, já fica esta orientação sumular do TCE a confirmá-la,  tratando-se da simples e organizativa confirmação de uma prática quase instintiva da Administração, na qual floresce a aplicação da anualidade em todos os setores e para todos os efeitos.

E seja observado: pela súmula, que não especificou nem distinguiu nesse sentido, é de um ano, mesmo que o contrato seja previsto já no edital para mais de um ano de duração originária.

A real utilidade  dessa exigência, entretanto,  é que não convence muito, já que nenhum capital ou patrimônio garantirá, só por si, uma boa execução de contrato, mesmo que seja portentoso e impressionante, se o contratado não prestar.

SÚMULA Nº 38 - Em procedimento licitatório, é vedada a exigência antecipada de comprovante de recolhimento da garantia prevista no artigo 31, inciso III, da Lei nº 8.666/93, o qual deve ser apresentado somente com a documentação de habilitação.

Ora, nada mais natural: se a comprovação do recolhimento da garantia é documento habilitatório, então por que motivo poderia ser exigido antes dos demais documentos de habilitação ?

Não faz nenhum sentido a idéia da exigência antecipada, que vez por outra ocorria em conhecidos editais, e o que estaria por trás dessa manobra não há de ser   nada lisonjeiro  ao autor do edital: se se exige a antecipação da garantia, alguns dias antes da abertura dos envelopes já se conhece quem a prestou, e portanto com quem negociar a venda de facilidades, após a instituição dessa ou de outras dificuldades. Criar dificuldades para vender facilidades - uma das facetas da grande praga da corrupção que está arrastando o país para o fundo do poço em todas as áreas por onde passe o vil metal, e o envergonha ante os países honrados.

A ilogicidade jurídica da garantia antecipada só em si já constitui motivo para a redação da súmula, porém  o que es ensejou aquela prática parece de arrepiar, ainda que nada mais nesse terreno  deve surpreender o cidadão brasileiro.

O primeiro decreto do pregão eletrônico foi alterado pouco após ser editado porque permitia que o leiloeiro combinasse com algum colaborador licitante quando ele encerraria a fase de lances, o que seria quando surgisse uma proposta, por exemplo,  com final R$ 7,89, que já ficava acordado que seria a do cooperativo licitante. 

E quando se conhecem falsificações do produto que falsifica gasolina (adulteração de segundo grau), e quando se narram acontecimentos como o de uma edição de livros-pirata, que o vencedor de uma licitação entregou ao poder público conforme narrou o muito saudoso Diógenes Gasparini, e ainda quando se conhece a primeira delegacia de polícia-pirata da história do ser humano sobre o planeta e que foi instalada na alameda Glete, quase no centro de São Paulo, há cerca de oito anos, então todo cuidado do mundo, acrescido de 15%, será pouco. É muitíssimo triste e constrangedor, mas nestes séculos XX e XXI e na dúvida sobre algo que acontece no país, espere-se e imagine-se sempre a pior explicação. A súmula, tanto quanto pode, ajuda a  prevenir alguma irregularidade na licitação.

SÚMULA Nº 39 - Em procedimento licitatório, é vedada fixação de data única para realização de visita técnica.

Esta súmula visa impedir a restrição à  competitividade nas licitações que exigem visita técnica ao palco da execução do contrato pelos interessados em serem licitantes, como condição  técnica de habilitação (lei de licitações, art. 30, inc. III).  Prestigia desse modo o art. 3º da lei de licitações, que odeia restrições à competitividade.

É comum que os editais fixem um só dia, e com horário apertado, para a realização da visita técnica, que é acompanhada por servidor do ente licitador, e que não raro se exige que seja realizada por profissional técnico da área ou na matéria do objeto pretendido.

O que a súmula coíbe é a restrição do datamento restrito a apenas um dia, porque isso de fato aperta potencialmente o número dos interessados, muitos dos quais podem não dispor daquele dia para realizar a visita, e assim acabam alijados do certame por esse motivo tecnicamente insignificante, o que mau para todos, e injusto.

A súmula não restringe mais que esse apertamento de data, e na sua estrita literalidade o prazo de dois dias para a vista  já  atenderiam o seu comando, porém o que se recomenda é deixar aberto o mais possível, após a publicação do aviso do edital, o período para a vista técnica.

A vista pode ser acompanhada por alguém da Administração, como pode não ser, a critério do licitador. Um atestado de visita técnica sempre deve ser providenciado ou exigido, para demonstrar que de fato existiu, e quando se deu.

E nada há  a objetar quanto à freqüente exigência de que o visitador seja um técnico na área, pois que de nada vale uma vista de um entregador de correspondência, ou de alguém não habilitado tecnicamente para apreciar o palco da execução do futuro contrato, e desde logo apontar ocorrências ou irregularidades até então não computadas pela Administração, para que se exija o seu adequamento ao propósito da contratação, ou então para que a irregularidade seja desde logo considerada para todos os efeitos.  Entende-se mesmo, por isso,  que a qualificação do visitador deve ser exigida expressamente no edital, e que este não se omita quanto a este ponto.

 SÚMULA Nº 42 - Nas aquisições de gêneros alimentícios, a apresentação de laudo bromatológico do produto, quando exigida, deve ser imposta apenas à licitante vencedora e mediante prazo suficiente para  atendimento.

Outra súmula que combate a restrição à maior competitividade possível nas licitações, desta vez admite que apenas se exija do vencedor do certame o laudo bromatológico demandado no edital - que deve ser absolutamente claro quanto a isso, e não deixar a exigência no ar.

Natural, porque o laudo é caro de ocasionalmente demorado, e não é justo nem razoável exigir-se que quem não sabe se vencerá a licitação trate de obtê-lo antecipadamente, para que depois fique sem utilidade e tenha a validade escoada.

Tal qual os veículos e os equipamentos que apenas do vencedor da licitação para a obra que os demande só devem ser exigidos do vencedor, e com tempo razoável para que os obtenha e disponibilize, aqui se cuida, similarmente, do laudo bromatológico.

Licitação não é procedimento de inútil desperdício de tempo, trabalho e dinheiro dos licitantes - e se o for algo estará errado.

Há casos, até freqüentes,  em que o licitante precisa despender recursos consideráveis para poder competir, mas nesses eventos não se pode acusar o ente público  de esperdiçar voluntariamente recursos particulares, porque sem esse dispêndio restará impossível admitir o licitante para o páreo; o que não se tolera é o inútil sacrifício financeiro do licitante, sem proveito algum para ninguém - e nesse sentido é a súmula.

SÚMULA Nº 43 - Na licitação para concessão de serviço público de transporte coletivo de passageiros, os requisitos de qualificação econômico-financeira devem ter como base de cálculo o valor dos investimentos devidos pela concessionária.

A concessão de serviços públicos é matéria regida não primariamente pela lei de licitações, mas pela lei própria dessa matéria, que é a Lei federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1.995, e apenas subsidiariamente pela lei de licitações. Se o Estado ou o Município concedente tiver lei própria, a qual deve observar os parâmetros gerais da lei federal, será por ela que licitarão o concessão de serviço.

Acontece que a lei de concessões nada diz sobre a documentação de habilitação, e com isso deixa todo o assunto para lei de licitações, como é de regra na legislação brasileira - e muito e se execra a lei de licitações, em grande parte com motivo mais do que justo, porém se for ela subitamente revogada então não parará de pé nenhuma lei de negócios da Administração,  eis que todas se amparam, apóiam e amuletam  na lei de licitações.

Assim a súmula teve em vista o disposto no art. 31 da lei de licitações, que resume os documentos de qualificação econômico-financeira exigíveis nas licitações, porém neste caso temos um visível imbroglio, já a que a concessão não é um contrato oneroso para o poder público mas apenas para o usuário que pagará as tarifas, além de, naturalmente, exigir pesadas inversões financeiras do concessionário.

Assim, a estimativa do valor do contrato de concessão de ônibus é algo  juridicamente esotérico, porque o poder público apenas muito grosseiramente pode avaliar o que acontecerá, sendo que o próprio concessionário, se não for vidente habilíssimo, também não o saberá com precisão, sobretudo nestes tempos absoluta e completamente horrorosos da economia, em que se anunciam variados  desastres a cada novo dia.

Não tem muito sentido - para não dizer nenhum - o poder público exigir demonstrações de estratosférico poderio econômico-financeiro aos candidatos a concessionários, bastando exigir o que permita concluir que o candidato aparenta ter condição de bem executar o contrato, segundo parâmetros médios de razoabilidade e de civilidade.

Muito mais importante que isso é o poder público a) reajustar as tarifas regularmente e com critério justo, e não sacrificar o empresário, realizando cortesia com chapéu alheio  por motivo eleitoreiro, e o deixando a absorver a inflação e a alta dos custos sozinho; b) pagar regularmente as gratuidades instituídas pelas leis locais,  como as para idosos, deficientes, passes escolares e outras, de que os políticos tanto se vangloriam junto ao eleitorado mas que muita vez pesam apenas sobre as costas dos concessionários.

Exigir o diabo  dos licitantes e dos candidatos à concessão é para o poder público muito simples e rápido; cumprir sua parte já é outro assunto, e falha estrepitosamente a todo tempo segundo o que se observa em quase toda parte.

A súmula, dentro do fantasmagórico, abstrato e surrealista mundo da avaliação dos custos e dos valores envolvidos nos contratos de concessão de ônibus - algo tão realístico quanto os acontecimentos reportados por Lewis Carroll em sua Alice no país das maravilhas -,  tenta oferecer um parâmetro de contenção aos ímpetos dos autores dos respectivos editais licitatórios, aqueles que desconhecem que pimenta nos olhos dos outros não arde.

 SÚMULA Nº 47 - Em procedimento licitatório, é vedada a utilização do tipo técnica e preço, ou melhor técnica para a contratação de licença de uso de software dito  "de prateleira".

Esta súmula coíbe, com toda razão técnica, e o emprego de dois tipos de licitação existentes na Lei nº 8.666/93 que, a rigor pela maneira como estão definidos na lei, deveriam ser proibidos inteiramente para qualquer fim, e raspados com estilete do texto legal.

São os da melhor técnica e da técnica e preço, que por bem intencionados que talvez tenham sido na sua ideação anterior à lei, foram entretanto miseravelmente vilipendiados e malbaratados no horripilante texto da lei, de resto tão pródiga em misérias correlatas e quejandas.

A idéia, repita-se, não é ruim, mas o texto que a veiculou, pois que, sobre o tipo da melhor técnica, é muito provável que o ente licitador  afinal, após percorrido o sinuoso roteiro  do art. 46 da lei de licitações, contrate a proposta com a pior técnica classificada, após os primeiros classificados em técnica terem desistido de baixar seu preço até o do último classificado em técnica.

O tipo da técnica  e preço deve ser ainda pior, porque, de tantos subjetivismos (fatores, pesos, vetores)  que contém e que permite ao edital impor aos licitantes, revela-se na prática um jogo de azar dos mais cabulosos - algo como uma máquina de cassino paraguaio, ou  uma corrente da felicidade. Pelo que se observou neste quarto de século de vigência da Lei nº 8.66/93, pesam pesadas suspeitas sobre toda e qualquer licitação sob o tipo melhor técnica ou técnica e preço - para dizer o mínimo.

Diante disso, que ninguém em sã consciência pode negar, natural que ao Tribunal de Contas repugne o uso daqueles tipos de licitação para este objeto de licença de uso de programas de computador que estejam à venda, prontos e acabados para quem os quiser adquirir.

E, para esse fim, tanto faz adquirir quanto contratar licença de uso - cuja vantagem é a atualização permanente pelo licenciador, e a garantia de rápida reposição em defeitos e imprevistos: qualquer dos negócios não justifica a utilização de tipos de licitação concebidos para objetos de forte conteúdo intelectual, seja artístico, seja científico, seja respeitante a  qualquer assunto cuja complexidade recomende análise e julgamento de propostas não apenas por preço. 

No caso não se justifica, pois que a licença de uso de um software será sempre a mesma para o produto, que já está pronto e finalizado, e que é sempre o mesmo para quem quer que seja, e que é contratado para o mesmo uso e com o mesmo fim. Nada justifica comparar propostas senão pelo preço, já que não se requer do fornecedor outra coisa senão poder utilizar o software, totalmente pronto e à venda nas lojas, que aquele vende ou aluga.

SÚMULA Nº 48 - Em procedimento licitatório, é possível a exigência de  capital mínimo na forma integralizada, como condição de demonstração da capacitação econômico-financeira.

A súmula esmiúça ou esclarece uma regra de direito comercial, não explicitada na lei de licitações, art. 31, § 2º, mas que vigora  indiscutidamente há décadas: para que o capital social de uma empresa seja considerado de forma plena e para todos os efeitos é preciso que esteja integralizado,  ou seja constituído pelo conjunto dos  valores que já estão à disposição da empresa, e tendo sido para isso disponibilizado pelos sócios, e conforme assim esteja registrado na junta comercial respectiva, ou no ente de registro do contrato social.

É o capital já efetivamente na empresa, desimpedidamente ao seu dispor para a realização do seu objeto social; sem essa integralização não se pode considerar o capital social como abrangendo os valores a integralizar.  Quer isso significar, em palavras secas, que um capital não integralizado é um não-capital, ou simplesmente que não é um capital social, e lembrando antes, e sob o prisma comercial, uma conversa mole para boi dormir.

A lei de licitações não entra nesse pormenor de integralização de capital social,  e não o faz porque tenta não ingressar no domínio de outros ramos jurídicos que não o administrativo, no que procede muito bem.  E a súmula apenas esclarece e completa um conceito de direito comercial, societário, com o viso de evitar mal-entendidos ou desinteligências, todas rigorosamente artificiais, entre os licitantes, envolvendo ou não a Administração.

Propicia a súmula, também, prevenir as conhecidas tentativas de se criarem dificuldades artificiais -  o que sempre comporta a venda de antídotos a preços de ocasião...  eis que não existem apenas loucos de todo gênero como reza o Código Civil, mas também, e em triste profusão,  bandidos de todo gênero.

 SÚMULA Nº 49 -  Em procedimento licitatório, o visto do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo - CREA/SP deve ser dirigido apenas ao vencedor do certame, como condição de assinatura do contrato.

Similar em tudo à Súmula nº 42, merece o mesmo comentário.

Visando evitar tanto restrição de competitividade quanto  onerar sem necessidade a todos os licitantes quando apenas um se aproveitará do contrato, aqui o Tribunal de Contas informa entender que não se pode exigir indiscriminadamente o registro de algum documento,  que o edital tenha exigido, no CREA/SP, podendo a  imposição ser procedida apenas ao vencedor do certame como condição para contratar - tudo o que deve estar minuciosamente claro no edital.

É perfeita a conclusão, como o é com relação a tantos documentos, registros,  atos ou procedimentos quantos apenas aproveitem ao contratando, todos os quais, por primária lógica e simples racionalidade, somente se exige de quem venceu a licitação e irá contratar.

Ainda que pelas regras publicísticas - como a, mesmo que justificadamente,  fácil revocabilidade do certame por exemplo, sem indenização ou reparação aos gastos do licitante até então  - praticamente se possa concluir, no mais das vezes, que  a Administração brinca com o particular, mas o particular não brinca com a Administração, é certo também que brincadeira tem limite.

SÚMULA Nº 50 - Em procedimento licitatório, não pode a Administração impedir a participação de empresas que estejam em recuperação judicial, das quais poderá ser exigida a apresentação, durante a fase de habilitação, do Plano de Recuperação já homologado pelo juízo competente e em pleno vigor, sem prejuízo do atendimento a todos os requisitos de habilitação econômico-financeira estabelecidos no edital.

Esta súmula por assim dizer "dá uma satisfação" ao mercado de fornecedores ante a desatualidade da lei de licitações, que é do tempo da hoje extinta concordata e anterior ao instituto da recuperação judicial, que mais ou menos faz as vezes da concordata. A lei não se atualizou para contemplar a recuperação, de modo que restou um buraco na prática das licitações quanto a isso.

Como não mais existe concordata e com isso o edital não mais pode sequer se referir ao antigo instituto, mas como existem empresas em situação similar à das antigas concordatárias, houve por bem o Tribunal sumular seu entendimento de que as empresas em recuperação não podem ser impedidas de participar, porém pode ser-lhes exigida a prova de que seu plano de recuperação, que integra essencialmente a recuperação judicial, esteja aprovado e homologado, e em vigor, pena de inabilitação.

Diante da desatualidade da lei, o comentário que se tece é o de que

a) na estrita leitura e observância da lei, provavelmente o edital não poderia sequer se referir a um instituto que não figura da lei, como a recuperação judicial. Se não mais existe concordata, omita-se então o edital com relação a exigir o que quer que seja relativo ao instituto que a substituiu, que não figura da lei. Não pode impedir empresas em recuperação de participar, porque a lei nada diz sobre recuperação, e com tanto proíbe exigir documentos que ela, lei, não admita expressamente exigir; o poder público não inventa documentos para exigi-los nas habilitações, existam eles no mundo real ou não;

b) nessa esteira, e se isso é fato, não caberia ao edital exigir que empresas em situação não contemplada na lei apresentem documentos mais ou menos equivalentes aos que as antigas concordatárias precisariam apresentar se o edital exigisse - e se lhes poderia exigir isso já que a lei contemplava, e ainda contempla por desatualidade, a concordata. E com isso, sempre em tese,  não caberia a Tribunal algum confirmar a possibilidade de o edital exigir um documento que a lei desconhece...

Como se disse ao início, esta é uma investida do TC no sentido de tentar arredondar uma situação de fato, não prevista na lei porém usual e corriqueira no mundo empresarial e com séria implicação quanto aos riscos dos contratos públicos.  Não pode o poder público em suas contratações, diga o que disser a lei, tratar uma empresa em recuperação judicial como trata a uma em magnífica situação econômico-financeira, isso é evidente.

Então, se a lei não se atualiza neste país de selvagens institucionais que se degrada mais e mais a cada dia que passa, parece caber aos tribunais, como já vem fazendo o Supremo Tribunal Federal quanto a diversos temas sobre os quais silencia há décadas o Congresso Nacional, fazê-lo.  É esse o papel reintegrativo desta súmula - em nosso ordenamento jurídico no qual o direito funciona de fato..

 SÚMULA Nº 51 - A declaração de inidoneidade para licitar ou contratar (artigo 87, IV, da Lei nº 8.666/93) tem seus efeitos jurídicos estendidos a todos os órgãos da administração Pública, ao passo que, nos casos de impedimento e suspensão de licitar e contratar (artigo 87, III, da Lei nº 8.666/93 e artigo 7º da Lei nº 10.520/02) a medida repressiva se restringe à esfera de governo do órgão sancionador.

Muito benvinda esta súmula, coloca as coisas no seu lugar após uma perniciosa onda de moralismo ultra legem originada, ao que se sabe de duas idênticas decisões do Superior Tribunal de Justiça que decretaram a omniabarcância nacional da suspensão do direito de licitar e contratar, prevista no art. 87, in. III, da lei de licitações.

Descabidas, exageradas e ilegais aquelas decisões, entretanto geraram repercussão e acolhida até mesmo por diversos Tribunais de Contas brasileiros, como uma caça às bruxas, um auto-de-fé medieval ou um julgamento da inquisição espanhola, merecendo tanto respeito quanto esses asquerosos eventos que a história infelizmente registra.

O pior moralismo é o praticado por moralistas, que quase sempre dizem um e fazem outro, tanto quanto, como  em suas aulas na velha academia ensinava o saudosíssimo Jorge Ignácio Penteado da Silva Telles, os racistas de dia que são negreiros à noite.

A lei reza que a inidoneidade é nacional e que a suspensão é local, e esta importante súmula  repisou a conhecida estatuição da lei de licitações, contra as assombrações  moralistas e os abantesmas puritanos que, espocando de tempo em tempo como pragas na lavoura,  tanto infernizam a vida de quem tem mais o que fazer.

Súmulas que, como esta,  reafirmam a lei apenas incrementam e solidificam  a segurança jurídica do cidadão, aquele mesmo que, reza o adágio, somente será livre se for escravo da lei.

 

[1] Do artigo Amostras no registro de preços, e o "carona", publ. em revista Fórum de Contratação e Gestão Pública, dez./10, p. 7; Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC fev./11, p. 136; Boletim de Licitações e Contratos - BLC, ed.  NDJ, ago/11, p. 765.