DEFESAS NO TRIBUNAL DE CONTAS (3ª PARTE)

DEFESAS NO TRIBUNAL DE CONTAS

 Ivan Barbosa Rigolin

(set/18)

 Homenagem ao amigo Flávio Correa Toledo Jr., pai da idéia

Terceira parte


O recurso ordinário

VIII - O recurso ordinário (arts. 56/7) tem efeito suspensivo sempre, ou seja, uma vez interposto interrompe a aplicação de medidas contra as quais se insurge. Um recurso que não tenha efeito suspensivo mas apenas devolutivo (o de devolver o conhecimento da matéria recorrida à instância julgadora) não impede que medidas decididas na instância originária sejam aplicadas, como por exemplo multas, devoluções de numerário ou suspensões, mas é isso exatamente que o efeito suspensivo visa impedir: a execução antecipada da decisão que impôs penas ou outras medidas prejudiciais ao recorrente.

Admite-se-o (I) das decisões singulares de um Conselheiro, quando é competente para fazê-lo segundo a matéria em exame, e (II) de alguma das duas Câmaras do Tribunal.

O prazo para recorrer é de 15 (quinze) dias, contados da publicação no Diário Oficial da decisão recorrenda. Atualmente esses dias são apenas os úteis  e não mais os  corridos como eram, porque o TCE -SP adotou a regra do Código de Processo Civil que manda contar os prazos processuais em dias úteis, ou sejam aqueles em que existe expediente administrativo nas repartições ([1]).

Isso aumentou consideravelmente os prazos, porque existem durante o exercício inúmeros dias em que o poder público não trabalha, como os fins de semana, diversos feriados e pontos facultativos e ainda inúmeras emendas, não à Constituição mas a feriados contíguos a fins de semana, como feriados prolongados. O brasileiro devota um ódio cada vez mais encarniçado ao trabalho, e isso se reflete também nos prazos processuais.

Conta-se o prazo como no processo civil, ou seja excluindo-se o dia da publicação e computando-se o último dia, e se iniciando a contagem no primeiro dia útil subseqüente.

O recurso ordinário, que será interposto sempre ao presidente do Tribunal, conterá o motivo do inconformismo do recorrente, com a descrição dos fatos, inclusive novos se os houver, e os fundamentos da  irresignação, culminando com o pedido de reforma daquela decisão, quer total como é de regra, quer parcial. O presidente designa então o Conselheiro relator, que não poderá ser o mesmo prolator da decisão de que se recorre por motivo óbvio de suspeição. 

Se o recurso foi da Fazenda do Estado ou então do Ministério Público de Contas, todos os interessados são notificados para, querendo, impugná-lo, ou contra-arrazoá-lo, em 15 (quinze) dias úteis.

A falta de qualquer notificação obrigatória, por prejudicar o direito de defesa de alguma parte costuma freqüentemente ensejar a anulação, pelo próprio Tribunal e a pedido da parte, de tudo quanto se deu no processo a partir do momento em que deveria ter acontecido a notificação.

O processo é então instruído com manifestações de diversas unidades do Tribunal. e após concluída a instrução é julgado em sessão previamente anunciada. Julga-o a Câmara à qual pertence o Conselheiro que proferiu a decisão recorrida, ou então o Tribunal Pleno se a decisão foi de uma Câmara. O recurso é portanto jurisdicionalmente hierárquico.

Nada impede a juntada de novos documentos no recurso ordinário, sobretudo se se tratar de fatos novos, ou de   documentos cujo acesso só foi dado ao recorrente após expedida a decisão de que recorre.

Não é imprescindível que a defesa seja produzida por advogado, podendo sê-lo pela própria parte - que, regra geral que sofre honrosas exceções, terá longo tempo de vida para arrepender-se...    O princípio da especialização de funções, segundo qual cada macaco é curial que se  atenha à circunscrição  do seu galho, recomenda que se constitua um advogado, e do ramo, para as defesas no Tribunal, mesmo que a lei a tanto  não o obrigue.

Desnecessário recordar que causas tidas como perdidas, ou sabidamente  difíceis, muita vez revertem aquela expectativa negativa graças a uma eficiente defesa, quer realizada pelo interessado, quer por advogado ou procurador que constitua.

A sustentação oral, comentada  na primeira parte deste artigo, tem aqui plena aplicação, e as recomendações sobre a sua técnica e a sua execução são cabíveis para o recurso ordinário, mutatis mutandis do oral para o escrito.

 O pedido de reconsideração

IX - Pedido de reconsideração é outro recurso, figurante nos arts. 58 a 61 da LO - TCESP.

Cabe das decisões de competência originária do Pleno em razão da matéria, e não de decisões oriundas da sua competência recursal, e tanto quanto o RO tem efeito suspensivo.  O prazo para sua interposição é o mesmo do RO, ou seja de 15 (quinze) dias úteis a contar da publicação da decisão no Diário Oficial.

Apenas uma vez se o pode interpor dentro do mesmo caso, ou processo, reza o art. 59, o que dá idéia de que os demais recursos, sem essa expressa restrição, podem ser repetidos...  idéia estranha ante a sistemática da lei.

Será dirigido ao Conselheiro Relator do feito (art. 60), e, se no processo tiver havido  mais de um, ao último, e após instruído será apreciado e decidido pelo Plenário.

As demais regras incidentes sobre o PR são as mesmas previstas para o RO, em tudo quanto materialmente caiba (art. 61).

Cabe RO, portanto, de decisão de Conselheiro singular, que será julgado pela Câmara, e também de decisão de alguma Câmara, que será julgado pelo órgão Pleno.    E cabe PR apenas de decisão do Plenário em face da sua competência originária, ou seja aquela nata, que não depende de instância inferior.  Existe o PR na LO para assegurar maior  contraditório a alguém prejudicado por uma decisão (em matéria de competência originária) do Pleno - mesmo que já tenha se defendido no próprio julgamento -, já que nesses casos não cabe o RO.

O agravo

X - O recurso seguinte, previsto nos arts. 62 a 65 da LO, é o agravo.

Inspirado diretamente no processo civil, destina-se a combater decisões interlocutórias, ou sejam aquelas que não decidem sobre o mérito, ou que não são terminativas de feito. Tem lugar contra decisão preliminar ou despacho do Presidente do Tribunal ou do Conselheiro Relator, sempre em processos de caráter jurisdicional, ou sejam os que decidem questões externas, relativas à atividade-fim do Tribunal e não a questões administrativas internas, em que não cabe.

Diferentemente dos dois primeiros, o agravo não tem efeito suspensivo, ou seja não paralisa o andamento do processo enquanto não é julgado e decidido.

Seu prazo (art. 63) é de 5 (cinco) dias úteis, a contar da publicação do ato agravando no DO ou, de outro modo, da  ciência do ato pelo interessado - o que se dá, por exemplo, quando este requer e extrai cópias do processo, situação em que não pode alegar desconhecimento do mesmo ato.

O fundamento do agravo (art. 64) é exclusivamente um ou diversos dos quatro seguintes: a) ilegalidade ou imperfeita aplicação da lei; b) errônea ou imperfeita apreciação da prova dos autos; c) contradição com a jurisprudência do TC, e d) inoportunidade de providência determinada pela decisão preliminar ou despacho, sempre que a questão principal requerer, pela sua natureza, solução diversa. 

Podem ser cumulados esses fundamentos, já que várias das hipóteses podem ocorrer sem qualquer embaraço lógico. Fora do elenco deste artigo não existem outros fundamentos do agravo, o qual deverá ser indeferido liminarmente se fundado em outro motivo.

Pelo art. 65, uma vez interposto o agravo em petição fundamentada - sob pena de indeferimento liminar em caso diverso -, e tendo sido endereçado à autoridade que praticou o ato recorrido, será:

a) decidido em 5 (cinco) dias úteis por essa autoridade se for   caso de provimento, ou seja, a autoridade que praticou o ato pode dar provimento ao agravo e modificar, totalmente ou em parte, a decisão agravada, ou então

b) em caso de improvimento pela autoridade autora, será encaminhado para julgamento da Câmara respectiva se a autoridade tiver sido um Conselheiro, ou então ao Plenário se a autoridade autora tiver sido o Presidente do Tribunal. Não existe prazo legal para esse julgamento.

Observa-se quão cuidadosa foi a LO no assegurar amplo contraditório ao interessado neste caso do agravo, ainda que esse recurso pareça à primeira vista muito menor  que os vistos anteriormente.  Em verdade não existe recurso maior nem menor,  pois que cada qual se presta a uma função própria e  exclusiva, e nesse escopo é  incontrastável.

Depende o agravo, tanto quanto qualquer petição ao Tribunal, de boa e escorreita técnica de defesa e de argumentação, pelo quê se recomendam os mesmos cuidados já declinados sobre a sustentação oral, o RO e o PR.

Os embargos de declaração

XI - Os embargos de declaração, referidos arcaica e desnecessariamente no plural como na tradição do direito processual, são o recurso seguinte ao agravo dentro do TCE - SP, e são disciplinados nos arts. 66 a 69 da sua LO.

Trata-se de um recurso inquestionavelmente menos pretensioso do que o agravo, e visa tão só tentar suprir (art. 66, I) obscuridade, dúvida ou contradição na decisão embargada, ou (art. 66, inc. II) omissão sobre ponto sobre o qual deveria ter se pronunciado.

Cabem embargos de declaração contra  decisões do Conselheiro Singular, da Câmara ou do Tribunal Pleno, e o prazo para sua interposição é de 5 (cinco) dias úteis da publicação da decisão no DO, em petição endereçada ao Conselheiro Singular ou ao Relator conforme o caso, com a precisa indicação do ponto de inconformismo, que haverá de estar dentro dos admissíveis na forma do art. 66, e fundamentado adequadamente.

No caso dos Tribunais de Contas não se opõem embargos apenas para prequestionar o tema de modo a liberar o caminho para um recurso extraordinário ou um recurso especial, ambos aos Tribunais superiores que inexistem no Tribunal de Contas, como se faz na advocacia comum. O propósito dos embargos é tão só esclarecer pontos da decisão que restaram omitidos, ou obscuros, ou duvidosos, ou contraditórios.  Dizendo de outro modo, são interpostos para se tentar resolver omissões ou obscuridades na decisão, ou fundadas dúvidas que a mesma decisão enseja.

O âmbito, ou o escopo, deste recurso é bem diverso do do agravo, nitidamente de  menor alcance que o daquele mas que tem igual relevância para os efeitos de uma defesa eficiente, e o seu resultado pode alterar significativamente o que se suceda no processo, e por isso jamais deve deixar de ser exercitado em situações usuais, se não por algum motivo significativo.

Pelo art. 68 o Conselheiro singular, se os embargos foram contra decisão sua, decidi-los-á em 15 (quinze) dias úteis, dando-lhes  provimento total ou parcial, ou lhes negando provimento.

Apesar de os embargos não terem efeito suspensivo do andamento processual - suspendendo apenas a interposição de outros recursos, na forma do art. 69 -  parece sempre curial ao Tribunal prosseguir o andamento do processo apenas após a decisão dos embargos, que como se sabe pode alterar o rumo do julgamento.  Com efeito, não se revela nada técnico decidir enquanto corre um   recurso com potencial efeito sobre a matéria em discussão, sujeitando-se o julgador a eventualmente precisar rever sua deliberação.

De outro lado, existe  uma discussão processual interminável sobre se os embargos hoje em dia, após a extinção dos anteriores embargos infringentes, podem ou não ter efeito infringente, ou modificativo da decisão embargada.

No processo civil por vezes a parte embarga  com declarada pretensão infringente, e com isso modificativa, e tal é aceito pelos julgadores sem maior resistência, afeitos que estão ainda à passada tradição, e também ao fato de que a extinção de um instituto jurídico não significa que  direito se inverteu, mas apenas que não mais disciplina o assunto - o que só em si e em principio não proíbe um efeito que no passado era explícito. Para se inverter o direito é preciso dispor em sentido oposto, e não apenas excluir uma previsão expressa.

No Tribunal de Contas não é de praxe sequer levantar-se essa questão de modo declarado, porém não será irregular que a idéia seja exercitada com maior ou com menor explicitude, e provida a pretensão - na medida em que ninguém é obrigado a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art. 5º,  inc. II).

O parágrafo único do art. 68 fixa que em se tratando de embargos de decisão colegiada (Câmara ou Pleno) o Relator os encaminhará para julgamento até a segunda sessão seguinte ao seu protocolamento, e quando do encaminhamento proferirá o voto. Refere-se o dispositivo ou a sessão da Câmara ou a sessão do Pleno, conforme seja a  origem dos embargos.

O último artigo do Título, art. 69, como já se referiu determina que a interposição dos embargos suspende a interposição de outros recursos, mas não do próprio andamento do processo - ainda que pareça, repete-se, pouco recomendável decidir nos autos sobre algo que eventualmente dependa  do resultado dos embargos. Mas a possibilidade formal existe.

 

[1] Conforme o Comunicado GP nº 8/2016, de 27 de abril de 2.016, assinado pelo então presidente o Conselheiro Dimas Eduardo Ramalho.


 (prossegue)