TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS NA UNIÃO (SEGUNDA E ÚLTIMA PARTE)

TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS NA UNIÃO - DECRETO Nº 9.507, DE 21 DE SETEMBRO DE 2.018 -   BREVES COMENTÁRIOS

Ivan Barbosa Rigolin

(out/18)


Segunda e última parte



O artigo contém 7 (sete) incisos, alguns com alíneas, e mais 4 (quatro) parágrafos. O inc. I impõe que o contrato exija do contratado que apresente declaração de que  é integralmente responsável por todos os encargos sociais e trabalhistas decorrentes do contrato, e isso, ainda que não esteja escrito,  como condição para contratar. Percebe-se nitidamente o medo, de quem foi picado por cobra,  de agora ser mordido por lingüiça. 

Evidencia-se que os entes públicos continuam a temer serem responsabilizados por encargos trabalhistas e previdenciários sem merecer, como foi de triste tradição até passado muito recente,  que deixou traumáticas seqüelas.  De todos os modos o poder público tenta se resguardar de indevidas responsabilizações como aquelas, e para isso desde logo o decreto exige que o contrato exija do contratando uma declaração de integral responsabilidade por todos os encargos sociais, inclusive trabalhistas, devidos aos seus próprios empregados, de modo a evitar solidariedades ou subsidiariedades processuais tão injustas quão nefastas, em ações que aqueles empregados movam contra seus empregadores e que sempre atingiam o ente público contratante.

Boa medida - tanto quanto água benta, que se não ajudar ao menos mal não faz -, ainda que a sua inteira eficácia ainda precisará ser demonstrada ao longo do tempo, que é o conhecido senhor da razão. Com efeito, o passado da Administração nesta matéria foi tão tenebroso que ainda custa acreditar que os tempos realmente mudaram. Quem vir acontecer, então acreditará.

O inc. II, um pouco fora de lugar nesta posição, determina que já o contrato mesmo contenha a indicação do preposto do contratado, que, na forma do art. 68 da lei das licitações, o representará na execução do contrato. Não mais se dá essa indicação por comunicação do contratado à contratante pública a qual depois se junta ao processo como é de regra a quem não se aplica este decreto, mas direta e expressamente no próprio contrato, como cláusula.

Revela-se  exagerada esta exigência que mata tico-tico com canhão, porque o contrato deve dedicar-se a cláusulas mais importantes que a de dizer o nome do preposto do contratado, e até porque se em dado momento for substituído o preposta  exigir-se-á nada menos que um aditamento contratual para contemplar a alteração. Much ado about nothing, diria o bardo do Avon.

O inc. III  reforça o cuidado evidenciado pelo inc. I, ao fixar que o contrato estabeleça que os pagamentos ao contratado apenas se dêem após este comprovar já haver pago salários e verbas trabalhistas devidas, e recolhido a previdência, inclusive FGTS, em favor dos seus empregados que trabalharam, durante o mês de competência, na execução contratual.

O decreto cerca assim, de todos os modos e por todos os lados, o risco de o ente público contratante vir a sofrer conseqüências pela inadimplência patronal das terceirizadas que  contrate. E as empresas que, porventura e de algum modo, ainda imaginem  que poderão comprometer aquele ente público  pela  falha patronal que é apenas sua, precisam saber que isso não será tão fácil quão fora até bem recentemente.  E o papel educativo  do decreto se acentua à vista de todos.

O inc. IV mantém a técnica policialesca dos anteriores, e manda que o contrato fixe a possibilidade de rescisão unilateral pelo contratante, com as penas devidas, pelo descumprimento daquelas obrigações trabalhistas e previdenciárias pelo contratado.

Trata-se de bis in idem, já que a própria lei de licitações, art. 78, incs. I e II, admite a rescisão unilateral por não cumprimento das cláusulas contratuais (inc. I), ou pelo  cumprimento irregular das cláusulas (inc. II), de modo que o decreto, ainda que pedagogicamente bem intencionado, além de chover no molhado arranha levemente o direito.

Quer-se com isso afirmar que a rescisão neste caso não se dará propriamente porque o decreto, ou o contrato, o quis, mas sim com fundamento na lei de licitações (que rege o contrato salvo no caso das estatais), art. 78, inc. I ou inc. II, uma vez ocorrida a hipótese prevista no contrato, cláusula x (que ali foi inserida por força do decreto).

Num estado democrático de direito é assim e não de outra forma que se aplica o princípio constitucional da legalidade, pois que em direito público não  é o decreto, nem muito menos o contrato, o diploma que determinará os motivos de rescisão, mas apenas a lei.  Na Venezuela pode ser diferente.

O inc. V, de empolada e muito detalhista redação, manda que o contrato de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra estabeleça

al. a) que os valores destinados ao pagamento pelo contratado de diversas verbas trabalhistas - não salários - apenas seja realizado pelo ente  contratante quando da ocorrência do fato gerador, ou seja, não antes nem depois. Vale dizer: o contratante não pagará ao contratado verba para que este pague, por exemplo,  férias a seus empregados antes de aquele respectivo  direito  ser implementado, no que está perfeito.  A alínea, porém,  ainda justifica esta determinação, o que não é papel de decreto algum. O diploma em seu articulado dispõe mas não justifica, pois que para isso existe a prévia exposição de motivos, com seus consideranda, e

al. b) em conta vinculada específica, aberta em nome da contratada, e com movimentação autorizada pela contratante. Tal mais ou menos já ocorre exatamente assim em grande parte de contratos públicos, nos quais como regra usual se especifica onde, como e quando os pagamentos serão realizados pelo ente contratante. O curioso é a parte final, pela qual parece que o ente contratante precisa autorizar ao contratado a movimentar sua conta bancária, como se isso fosse lógico. Será que o ente contratante se quer ungir de poderes judicias de bloquear contas bancárias ? Não faz sentido, e outra vez se evidencia o trauma do passado.

O inc. VI estabelece que a garantia a ser prestada pelo contratado será de 5% (cinco por cento) do valor do contrato, limitada a duas folhas mensais de pagamento (dos empregados na execução) da contratada, com prazo de validade de até 90 (noventa) dias contados do encerramento do contrato.

Nesse passo o decreto exclui a vontade do ente contratante para fixar em menos ou em mais a garantia, resolvendo a questão em cinco por cento com observância do limite mencionado. Nada ilegal, já que decretos são meras ordens de serviço aos funcionários hierarquicamente subordinados à autoridade executiva - e nada além disso, por mais que encantem a algumas pessoas afeitas a comandar. O que neste caso pode ser operacionalmente difícil - e a final oneroso ao contratante - é exigir a validade da garantia por até três meses além do encerramento do contrato.

O inc. VII a nós parece que já exagera, e muito, no cuidado com o contratado quanto ao cumprimento de suas obrigações patronais. Repete ainda outra vez, e com requintes de detalhamento, tudo que o decreto já vinha impondo ao contrato como fiscalização ao contratado. É enfadonho e a esta altura tornou-se, data venia, chatíssimo. Faz o decreto, tematicamente, parecer o Samba de uma nota só, de Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim - que entretanto musicalmente nada tem de chato.

Manda que o ente contratante fiscalize o contratado quanto ao cumprimento de todas as obrigações trabalhistas e previdenciárias que, mais uma vez, enuncia. O   que se recomenda a quem redigir os contratos é simplesmente copiar o texto do decreto neste ponto, pois que se imagina que aquelas autoridades tenham mais o que fazer. Um remédio em demasia prejudica.

Agora, nos parágrafos deste art. 8º,  o nível técnico do diploma despenca. Antes tivesse o artigo terminado nos incisos !

O § 1º autoriza a retenção do pagamento ao contratado enquanto este não demonstrar haver cumprido aquelas obrigações patronais, proporcionalmente ao valor em aberto.

Ainda que possivelmente seja útil na prática, é de muita duvidosa constitucionalidade este dispositivo, que tenta juridicizar um procedimento - absolutamente antijurídico - que de resto já é praticado há nos pela Administração, que é o de reter o pagamento pelo trabalho já executado e entregue sob nota fiscal ou fatura,  enquanto o contratado não demonstrar, após já ter entregue o documento fiscal,  que mantém as condições de habilitação  que detinha na licitação.

Ou seja: para receber o objeto o ente contratante é o mais dócil possível, todo sorrisos e amabilidades, mas para pagar o que que recebeu e aceitou como bom a conversa muda...   e a isso se chama locupletamento ilícito, ou enriquecimento sem causa pela Administração.  Quem o pratica, que condição moral terá para acusar alguém de inidoneidade ?

O procedimento administrativo correto para casos assim em verdade é muito mais gravoso ao contratado: rescindir unilateralmente o contrato por inadimplemento de cláusulas e de condições pactuadas, com fundamento no art. 78, inc. I ou II, da lei de licitações. Mas um ente público deixar de pagar o que recebeu como bom é picaretagem institucionalizada. E não é decreto algum que legitimará essa atitude. Mas seja recordado que o contratado prefere a ilegal retenção do seu pagamento até regularizar sua situação fiscal, que em poucos dias consegue realizar,  à correta e duríssima rescisão do contrato. É o malandro que aceita levar uma surra da autoridade, mas por favor bata devagar...  este é nosso Brasil.

O § 2º remata a tragédia técnica do decreto neste ponto. Enfia o pé na jaca,  como muito apropriadamente se diz de alguém que pratica uma injustificável estupidez, ou comete um desatino.  E os §§ 3º e 4º, dos quais  se esperava que consertassem o estrago, enfiam o outro pé em outra jaca.  É simplesmente inacreditável !

O § 2º autoriza o pagamento pelo contratante público das verbas sociais que o seu contratado devia pagar e não pagou, caso o contratado não as pague em até 15 dias do vencimento.  E... quê mais ?  Deduz dos créditos do contratado ? Não, o artigo nada diz a respeito ...

Então o decreto está autorizado o poder publico a saldar débitos dos seus contratados inadimplentes, e o negócio fica por isso mesmo ?  O poder público dá dinheiro imerecido ao particular que contratou ...   isso acaso não caracteriza improbidade administrativa, que sujeita o seu autor a uma ação civil pública que seguramente o fará perder o rumo de casa ?  Ora, se o contratado deve obrigações sociais aos seus empregados, então o contratante que o persiga pelos meios próprios para que cumpra aquela obrigação, mas jamais pague aquele débito com dinheiro público, seja qual for a sua natureza e o seu montante !

E o contrato com quem não pagou as obrigações patronais, como fica ? Mantém-se ou precisará ser rescindido, como se imagina ?  O decreto não diz uma palavra sobre esse assunto, como se o pudesse deixar no ar.

Então onde o rigor do decreto, se afinal o poder público resolve tudo com dinheiro público, pagando o débito do seu contratado sem ter sequer a expressa autorização para  compensar esse débito com a retenção de  um crédito equivalente ?  Em que mundo o decreto está ?

E os §§ 3ª e 4ª, que precisariam tampar o buraco  deixado pelo § 2º,  nem se referem a este assunto, perdendo-se em futilidades ou efemeridades como informar que o sindicato dos empregados deverá ser notificado para acompanhar aquelas transações (§ 3º), e que os pagamentos referidos no § 2º não caracterizam vínculo empregatício entre o ente contratante e os tungados empregados do contratado ...  tal qual  se isso fosse novidade !

O § 3º pressupõe que sempre existirão sindicatos, e  também que  o sindicato dos empregados da contratada, integrados  das mais diversas  profissões, fosse  apenas um!

O texto se desenvolve como se um decreto fosse hábil para assentar as bases do direito público, o que constitui rematada impropriedade a quem conheça os rudimentos de um estado constitucional de direito, sob regime político democrático.

Não se vislumbra a mínima nem a mais remota condição de alguma autoridade federal tentar aplicar a insânia que é a  parte final deste art. 8º, integrada por seus parágrafos - magnífica oportunidade desperdiçada de o texto se omitir. 

O que se augura, em desesperada urgência, é que o Executivo federal ou diretamente revogue ou  ao menos modifique aqueles parágrafos para transformá-los em  regras plausíveis e sensatas  em prol do interesse público e do, a esta altura esfrangalhado, direito público.  É conhecido o curioso  fenômeno dos parágrafos trágicos que pululam na legislação brasileira, e que muita vez comprometem  artigos que vinham bem.  Neste caso a tragédia apenas se repetiu.

Art. 9º  Os contratos de prestação de serviços continuados que envolvam disponibilização de pessoal da contratada de forma prolongada ou contínua para consecução do objeto contratual exigirão:

I - apresentação pela contratada do quantitativo de empregados vinculados à execução do objeto do contrato de prestação de serviços, a lista de identificação destes empregados e respectivos salários;

II - o cumprimento das obrigações estabelecidas em acordo, convenção, dissídio coletivo de trabalho ou equivalentes das categorias abrangidas pelo contrato; e

III - a relação de benefícios a serem concedidos pela contratada a seus empregados, que conterá, no mínimo, o auxílio-transporte e o auxílio-alimentação, quando esses forem concedidos pela contratante.

Parágrafo único.  A administração pública não se vincula às disposições estabelecidas em acordos, dissídios ou convenções coletivas de trabalho que tratem de:

I - pagamento de participação dos trabalhadores nos lucros ou nos resultados da empresa contratada; 

II - matéria não trabalhista, ou que estabeleçam direitos não previstos em lei, tais como valores ou índices obrigatórios de encargos sociais ou previdenciários; e

III - preços para os insumos relacionados ao exercício da atividade. 

Comentário
O decreto neste artigo, além de ser extremamente burocratizante  e amigo de papéis em cima de papéis - e a indústria papeleira ser-lhe-á eternamente grata - demonstra uma exagerada, quase ingênua, preocupação com riscos já mais do que equacionados anteriormente, e dispõe  de modo inábil e francamente contraproducente.

O caput, todo rebarbativo e redundante,  impõe algumas obrigações ao contrato de serviços continuados, quais sejam:

a) conter lista dos empregados que executarão o contrato, com salários. Pergunta-se: a cada troca de empregado, muda-se a lista? A cada variação salarial, muda-se a lista ? Se a empregada se casa e adota o nome do marido, muda-se a lista ?;

b) prova do cumprimento de acordos, dissídios ou convenções coletivas. Haja espaço para tanto papel ! E para quê serve, se não para encher mais e mais de trabalho improdutivo o contratado ? As precauções anteriores não seriam suficientes ?;

c)
relação dos benefícios devidos pela contratada a seus empregados, com no mínimo os auxílios transporte e alimentação, quando esses forem concedidos pela contratante (sic). Ora, são benefícios pagos pela contratada ou pela contratante ?  O decreto não se entende ? E outra vez, para quê ? Mais papel, apenas para se ter mais papel ?

O horripilante artigo conclui no mesmo diapasão,  com seu parágrafo único de qualidade equivalente. Este informa - como se isso, que é dos alicerces do direito público, fosse matéria para decreto !! - que a Administração pública não se vincula a acordos e convenções coletivas que tratem de participação nos lucros, matéria não-trabalhista e preços para os insumos do exercício da atividade.

Ora, então por oposição se os acordos ou as convenções forem sobre outros  temas, nessa hipótese a Administração a eles se vincula ?  Como se vincula ? Qual é a natureza da vinculação ?   Não sabe o autor do decreto que a Administração pública somente se vincula a qualquer     instituto se por lei,       ou por contrato na forma da lei, ou ainda por algum outro instrumento de compromisso expresso ? A que espécie de vinculação o dispositivo quer se referir ?  Lembra conversa de compadres.

O decreto tenta construir a teoria da Administração pública brasileira !  Não se limita a regular a lei trabalhista para o âmbito do Executivo federal em tema de contratação de empresas terceirizadas, mas procura  remodelar o direito administrativo brasileiro!   

Longe de  qualquer subversão, duvida-se de que possa produzir, neste ponto, algum resultado, se não, possivelmente,  o de emperrar ainda mais o funcionamento dos entes públicos terceirizadores até um nível insuportável.  E onerar e infelicitar o terceiro contratado com novas inutilidades.

Que seqüência melancólica, com tudo isso disposto, está tendo a reforma trabalhista !..

Art. 10.  A gestão e a fiscalização da execução dos contratos compreendem o conjunto de ações que objetivam:

I - aferir o cumprimento dos resultados estabelecidos pela contratada;

II - verificar a regularidade das obrigações previdenciárias, fiscais e trabalhistas; e

III - prestar apoio à instrução processual e ao encaminhamento da documentação pertinente para a formalização dos procedimentos relativos a repactuação, reajuste, alteração, reequilíbrio, prorrogação, pagamento, aplicação de sanções, extinção dos contratos, entre outras, com vistas a assegurar o cumprimento das cláusulas do contrato a solução de problemas relacionados ao objeto.


Comentário
Ora, mas que fantástico ensinamento nos oferece o decreto ! Ensina-nos o que significa a gestão  dos contratos !   Algum iniciante na Administração pública deve dar-se tratos à bola para saber como os gestores de contratos fizeram antes do decreto, e como se conseguiam desincumbir de seu trabalho de acompanhamento e de gestão!

Ministramos aulas e seminários  há mais de duas décadas, de um dia inteiro de duração, sobre gestão de contratos, com roteiro de três robustas páginas formulado a partir das poucas regras da lei de licitações, e de muita experiência relatada.  E o resultado informado pelos participantes de todo o país foi sempre animador.  Possivelmente a partir deste decreto precisaremos repensar e rever toda a matéria...

Art. 11.  A gestão e a fiscalização de que trata o art. 10 competem ao gestor da execução dos contratos, auxiliado pela fiscalização técnica, administrativa, setorial e pelo público usuário e, se necessário, poderá ter o auxílio de terceiro ou de empresa especializada, desde que justificada a necessidade de assistência especializada. 


Comentário
Na esteira do ultrarridículo artigo anterior este art. 11 não faz por menos, ao oferecer ao mundo jurídico brasileiro a messiânica revelação de que a gestão e a fiscalização do contrato competem ao gestor do contrato!

E mais: confirma o que a Lei nº 8.666, de 1.993, já havia anunciado: que o gestor pode ser auxiliado por terceiros, pessoas físicas  ou jurídicas, no seu mister ficalizatório      !  Vinte e cinco anos após a lei de licitações autorizá-lo, agora o decreto o autoriza !   Que técnica fabulosa !      
Pode então agora  a autoridade trabalhar despreocupada para  contratar assessoramento para os gestores de seus contratos, porque o Decreto nº 9.507, de 2.018, o permitiu!  

 A lei de licitações, no art. 67, já o admite há um quarto de século, mas - sabe o leitor como é ... - em nosso país é sempre bom podermos contar com um decreto que nos permita cumprir a lei...  ainda que vinte e cinco anos depois, já que antes tarde do que nunca. A partir de agora a autoridade poderá, talvez,  trabalhar em paz.

A quem de boa vontade se dispõe a comentar um diploma regulamentar é constrangedor precisar trabalhar com um texto desse nível.


CAPÍTULO IV - DA REPACTUAÇÃO E REAJUSTE 

Art. 12.  Será admitida a repactuação de preços dos serviços continuados sob regime de mão de obra exclusiva, com vistas à adequação ao preço de mercado, desde que:

I - seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos para os quais a proposta se referir; e

II - seja demonstrada de forma analítica a variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada.


Comentário
Este artigo reformula e abrevia o instituto da repactuação de contratos, instituído pelo Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997 - que este decreto expressamente revoga no art. 16 -  a nosso ver sem muita acuidade técnica, já que essa matéria de finanças públicas, que implica aumento de despesa pública, deveria ser objeto de lei e não de simples decreto. O princípio da legalidade da despesa pública sai ao menos arranhado.

Aquela repactuação colocou-se por decreto ao lado de institutos legais clássicos e consagrados como a revisão, que é um alteração do contrato, e o reajuste, que não altera o pacto e apenas repõe, na forma do que foi contratado, a corrosão dos preços.  A revisão consta do art. 65, inc. II, al. d, e o reajuste do art. 40, inc. XI, todos da lei de licitações. 

Mas a repactuação não veio por lei nenhuma, repita-se, e apenas por decreto - o que é no mínimo profundamente esquisito, mas que facilitou enormemente a administração dos contratos, isso é inquestionável;

Utilizada amplamente pela União e sobretudo por suas empresas estatais, agora foi simplificada neste decreto, e ficou reduzida às seguintes regras:

- serve para recombinar os preços nos contratos de serviços continuados sob regime de mão de obra exclusiva, ou seja aqueles cujo objeto é realizado apenas pela empresa terceirizada e não repartido entre terceirizados  e servidores do ente contratante;

- não pode se dar antes de decorrido um ano da data dos orçamentos em que se basearam as propostas na licitação ou mesmo na contratação direta, se as houve. Se não houve aqueles orçamentos, então entendemos que se deve observar o intervalo ânuo da data da própria proposta.  

Isso tem característica de reajuste, que não se pode dar antes de um ano do último concedido, ou, se o primeiro, da data do orçamento em que se baseou a proposta, na forma atual da legislação brasileira;

- seja analiticamente demonstrada, e com isso justificada, a variação dos preços com que o contratado arca na execução - e essa é uma característica do instituto da revisão, que altera o contrato e não observa periodicidade nenhuma.

Os modos de demonstração são todos os válidos em direito, e dificilmente o pedido deixará de ser do contratado, porque custa imaginar que o conjunto dos custos da execução de serviços continuados baixe, o que ensejaria uma repactuação proposta (ou propo-imposta...)  pelo ente contratante.

Art. 13.  O reajuste em sentido estrito, espécie de reajuste nos contratos de serviço continuado sem dedicação exclusiva de mão de obra, consiste na aplicação de índice de correção monetária estabelecido no contrato, que retratará a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais.

§ 1º É admitida a estipulação de reajuste em sentido estrito nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano, desde que não haja regime de dedicação exclusiva de mão de obra.

§ 2º  Nas hipóteses em que o valor dos contratos de serviços continuados seja preponderantemente formado pelos custos dos insumos, poderá ser adotado o reajuste de que trata este artigo. 


Comentário
Outro artigo messiânico e redentorista que retira das trevas os juristas brasileiros ao lhes ensinar o que é o reajuste...   algo que lembra a passagem relatada pelo Barão de Itararé ao submeter-se  exame de habilitação, no Rio de Janeiro e na década de 40, e ao qual a primeira pergunta do examinador foi se o candidato se sentia apto a dirigir.  - Mais ou menos, respondeu o Barão. Vim guiando de Recife.

Que seria de todos nós se o decreto  federal de 2.018 não nos houvesse iluminado com a revelação do que vem a ser o reajuste ? 

Conhece-se-o, aplica-se-o diariamente, aperfeiçoam-se e se requintam os índices, as formas, a periodicidade e toda a teoria do reajuste entre nossa população, para não exagerar,  desde o tempo do Brasil-colônia, e atualmente não existe uma criança, habituada às lamentações da mãe nos supermercados,  que desconheça o que seja, e que disso não converse  com seus coetâneos.

A lei de licitações no citado art. 40, inc. XI, define o reajuste com as mesmas palavras deste decreto -  apenas poupando-se da ridicularia de mencionar reajuste em sentido estrito, uma vez que o direto jamais cuida de algum  reajuste em sentido amplo, ou algo similar que se oponha ao restrito.

O ridículo integral  abrange todo o caput  e metade do § 1º. A segunda metade se salva, ao prever que não existirá reajuste nos contratos de serviço continuado com regime exclusivo de mão-de-obra. Compreende-se: na forma do artigo anterior, para esse último caso aplica-se a repactuação, que o art. 12 disciplina, e não se admite reajuste. Assim deverão dispor os editais e os contratos.

O § 2, por fim,  somente faz sentido se se estiver referindo a contratos com dedicação exclusiva de mão-de-obra, para os quais o caput não admite reajuste.  Se indicar uma exceção  àquela limitação do caput - única razão material para existir desse § 2º -  então tem sentido, signifique o raio que for o referido sentido restrito que não tem nenhum outro sentido em contraponto  como referência.

E o ali mencionado custo dos insumos engloba materiais, equipamentos, instalações e produtos físicos necessários à execução do contrato, e eventualmente até outros serviços ¨quartizados¨, mas tudo com  exclusão do custo com o  pessoal da terceirizada -  é a única leitura para nós cabível  do dispositivo.


CAPÍTULO V - DISPOSIÇÕES FINAIS 

Art. 14.  As empresas públicas e as sociedades de economia mista controladas pela União adotarão os mesmos parâmetros das sociedades privadas naquilo que não contrariar seu regime jurídico e o disposto neste Decreto.


Comentário
Outra vez o decreto descobre o fogo e inventa a roda. Este artigo deve ter sido redigido pelo Conselheiro Acácio, ou por descendente seu.  Desde ao menos o Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1.967, que promoveu a reforma administrativa da União, é assim: as empresas do estado, como empresas que são, constituem-se segundo o, e seguem o figurino jurídico do, direito privado, porque não são órgãos públicos como os Ministérios, as autarquias ou as fundações públicas. Mais evidente impossível: uma empresa somente pode ter regime jurídico de empresa.

Tão fora de contexto está o artigo que simplesmente não se refere ao tema do decreto, que é regular terceirizações de serviços pelo Executivo federal. Dispõe sobre ¨parâmetros das sociedades privadas¨ controladas pela União, assunto absolutamente abstruso com relação ao objeto do decreto.

E mais: com a recente Lei federal nº 13.303, de 2.016, de 30 de junho de 2.016, que extensamente dispôs sobre o regime jurídico das empresas do estado, este artigo se torna patético. O que se lastima é que o autor desta mixórdia seja pago com dinheiro público...

Art. 15.  O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão expedirá normas complementares ao cumprimento do disposto neste Decreto. 


Comentário
Não somente expedirá como já expediu, como ao menos uma conhecida Portaria do Ministro. Mas se o principal, que é o decreto, já é de necessidade muitíssimo discutível - pois que com este decreto ou sem ele o direito não sofreu nenhuma alteração - e parece que foi editado apenas para cumprir tabela, imaginem-se instruções complementares a cargo de Ministérios... 

Compreende-se o teor do artigo, apenas não se lhe vislumbrando a mais remota utilidade.

Art. 16.  Os contratos celebrados até a data de entrada em vigor deste Decreto, com fundamento no Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997, ou os efetuados por empresas públicas, sociedades de economia mista controladas direta ou indiretamente pela União, poderão ser prorrogados, na forma do § 2º do art. 57 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e observada, no que couber, a Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, desde que devidamente ajustados ao disposto neste Decreto. 

Comentário
O Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1.997, antecessor deste decreto em comento em questão de contratação de empresas assim chamadas terceirizadas, não era propriamente fundamento de contrato algum, mas apenas ditava algumas regras para que os entes do, ou vinculados ao, Executivo federal observassem nas contratações que eram regidas pela lei nacional de licitações.  Um contrato público ou privado se rege por lei, e não por decreto.

Então este decreto já inicia errando, pois que os contratos que enuncia, regidos por um decreto federal,  a rigor de direito não existem. Mas sejamos elásticos: os contratos dos entes a que e se destina este decreto e que ao menos mencionaram o antigo Decreto nº 2.271/97 no seu preâmbulo, estes para serem prorrogados precisarão ser alterados, no que houver para fundamentar essa alteração, de modo a se adaptarem a este decreto em comentário.

Farão isso se existir matéria importante e diversa entre os dois decretos, do modo como alguém divisar comparando os dois textos - o que para nós representa algo como aparelhar uma equipe de caça a duendes e sair a campo. Simplesmente não existe objeto...  porque se os dois decretos cuidam apenas de informar quais podem ser os contratos de terceirização, então após celebrados os contratos o ente contratante já não mais deve consultar qualquer decreto, cuja função se esgotou com a celebração do ajuste.

O artigo visa apenas prestigiar este novo decreto, mas o faz da maneira mais atabalhoada imaginável, e tem a mesma utilidade que uma faca sem lâmina da qual retiraram o cabo. É outro conjunto vazio.

Os contratos serão prorrogados, ou não o serão se alguma parte não o quiser, segundo a lei que os rege, seja a de licitações, seja a das estatais, porque cada uma delas praticamente esgota o assunto a cada caso.

Art. 17.  Fica revogado o Decreto nº 2.271, de 1997


Comentário
O mais sintético decreto que regia este tema das regras pontuais para as terceirizações pretendidas pelo governo federal, ao tempo em que inexistia a dita reforma trabalhista e que portanto sofria a forte injunção da jurisprudência trabalhista da ocasião,   foi substituído por este Decreto nº 9.507/18.

Mais detalhado que seu antecessor, está longe entretanto   de ser um modelo de regulamento, como nesta rápida  resenha deve ter sido possível observar. E não deverá produzir resultado diferente, no plano das contratações  governamentais, do que seria de esperar caso simplesmente não existisse, à luz da, e com fulcro apenas na, assim denominada  reforma trabalhista de 2.017.

Os decretos em nosso país infortunadamente costumam ter, na maior parte de seu texto,  a relevância de horóscopos de jornal - ou de qualquer horóscopo já produzido -, ou dos bilhetinhos que os adoráveis papagaios dos realejos oferecem aos clientes do seu mestre. 

Um comentário sobre a última rodada do campeonato de futebol costuma ser mais proveitoso, na medida em  que para vigorar impositivamente a lei não precisa de decretos que a repitam, como é de nossa tradição imaginar, e fazer crer. Crendice pura, das mais baratas.  

O brasileiro ainda não sabe para que servem decretos,  nem como se os elabora para que tenham utilidade e não somente para o Executivo se desvencilhar dessa obrigação - que dizem que ele tem. Quanta importante regra de lei deixa de ser cumprida debaixo da alegação de que falta a sua regulamentação  !  

E quando vem enfim aquela regulamentação... quanta decepção, eis que nomais das vezes o edito apenas repete a lei, e, no que inova para orientar sobre como cumprir a lei, como regra geral não tem a mínima relevância, a configurar não mais que parolagem fácida para dormitar bovino, ou, referido de outro modo,  a pedra da sopa, com a qual ou sem a qual a sopa resta rigorosamente a mesma.

Se as muito em voga lendas urbanas se estendem ao mundo jurídico, então eis aí uma das maiores e mais expressivas: o valhacouto dos decretos.  Depois de estudarmos direito  passamos a detestar decretos, porém  cada novo decreto editado apenas  reforça aquela aversão. Não é possível que no resto do mundo civilizado a realidade seja também assim.

Art. 18.  Este Decreto entra em vigor cento e vinte dias após a data de sua publicação. 

Brasília, 21 de setembro de 2018; 197º da Independência e 130º da República. 

MICHEL  TEMER   Esteves Pedro Colnago Junior

Comentário
Tendo sido publicado no Diário Oficial da União em 24 de setembro de 2.018, este decreto entra em vigor no dia 22 de janeiro de 2.019. Até então permanece  em vacatio, valendo a regra anterior que é o Decreto nº 2.271, de 1.997.

Augura-se, cândida e inocentemente, que algumas modificações sejam  efetuadas desde logo sobre o texto, eis que o aperfeiçoariam à grande.  De esperança também se vive.