REGRA ESPECÍFICA AFASTA REGRA GERAL – TAMBÉM EM LICITAÇÕES

REGRA ESPECÍFICA AFASTA REGRA GERAL – TAMBÉM EM LICITAÇÕES

 

Ivan Barbosa Rigolin

 

I - Existe em direito, na arte da interpretação das leis, um princípio  de ouro, que de tão importante se tornou praticamente uma regra hermenêutica,  essencial para  a aplicação  das regras escritas na vida prática do cidadão e do estado, segundo o qual a lei  específica derroga a lei genérica. Também se o pode referir como  a regra específica derroga a regra geral – a questão é que a regra que gera o impasse quase sempre  é uma lei.

Na sua consagrada forma latina lex specialis derogat legi generali, este princípio-regra tem aplicação em todos os ramos do direito, e orienta em definitivo o aplicador das regras ante uma possível conflitância entre duas ou mais de duas normas sobre o mesmo assunto, seja em maior grau de detalhe, seja em menor grau.

Se existe uma norma específica sobre um assunto, evidentemente o seu campo de incidência é menor que o daquela eventual genérica a ampla norma sobre o tema.  Se a regra é específica, então apenas foi concebida para normatizar casos  específicos, situações particulares, casuísmos ou circunstâncias peculiares -  e não para servir como “norma geral” dentro de algum imenso e indiscriminado terreno que o direito queira disciplinar.

Será tão misterioso esse mecanismo ? Absolutamente não, e integra a lógica mesmo de uma criança, um neófito ou um jejuno em qualquer área do conhecimento.

II – Tangenciando a  ciência médica, é notório que, se existe um remédio específico para uma doença, será sempre preferível  a medicações genéricas e de amplo espectro -  que serviam e que eram melhores do que nada quando inexistia a terapêutica específica, mas que quando essa última apareceu  perderam a preferência e foram bem  logo abandonadas.

Se existe um aparelho científico específico para medir com exatidão os batimentos cardíacos de alguém, então quem preferirá confiar no instinto do médico, por mais aguçado,  durante uma cirurgia delicada ?  Se existe uma unidade de terapia intensiva para situações demandantes de cuidado extremo, ininterrupto  e multidisciplinar, então como se imaginar substituir isso por um tratamento doméstico à base de chazinhos da vovó ?

Se já surgiram medicações providas de nanotecnologia para combater este ou aquele  específico tumor, então quem ainda se manterá fiel ao tratamento genérico, que muita vez de um lado salva   mas  que de outro lado,  pelos efeitos colaterais,  quase estraçalha o paciente  ?

Se um antibiótico específico foi meticulosamente engendrado para combater dada infecção, então alguém que o saiba preferirá, para o mesmo fim curativo,   submeter-se a uma pajelança

Seja o que for, e seja integrante do assunto que for, o genérico somente existe, e somente sobrevive, enquanto o específico ainda não existe. 

Repete-se: a quem nada tem, o genérico é muito bem-vindo, sabendo-se que quem está para se afogar agarra-se até a uma navalha; mas para  quem já detém o específico, o genérico perde lugar, vez e oportunidade.

E como em tudo na vida, no  direito ocorre exatamente assim: quem dispõe de específico dispensa solenemente o genérico – quando, aliás,  sabe que existe.

III – A doutrina e a jurisprudência não demonstram a menor vacilação quanto à afirmatividade do adágio latino que reconhece  a prevalência da regra específica sobre eventual regra geral a respeito do mesmo assunto.

No artigo Os princípios que orientam o Direito e outras considerações, de José Alberto Vasconcellos, in site O Progresso – Digital, assim se lê:

(...) Há outros mais, que dispensamos, para nos concentrar num deles, aquele que realmente nos interessa: “O específico derroga o genérico.”

Para as pessoas jejunas na ciência do Direito, explica-se que o princípio quer dizer que, havendo um dispositivo legal específico para determinada prática, nenhuma outra lei, decreto-lei, decreto, portaria ou o que quer que seja, pode modificar-lhe o conteúdo e a conseqüência jurídica daí decorrente. (Destaque nosso).

E no artigo Antinomia jurídica, publicado na  Wikipédia, a enciclopédia livre:

(...) Critério Específico: baseia-se na supremacia relativa a uma antinomia da normas mais específica ao caso em questão. Desta forma, no caso da existência de duas normas incoerentes uma com a outra, verifica-se se ao dispor sobre o objeto conflituoso, uma delas possui caráter mais específico, em oposição a um caráter mais genérico. Diferente dos outros critérios, este possui certo grau de subjetividade, pois se em muitos casos é possível detectar facilmente o par "genérico/específico", em número significativo esta diferença se encontra difusa e difícil de localizar. Denomina-se também "lex specialis derogat legi generali", ou lei especial derroga leis genéricas.

As referências bibliográficas deste artigo são as seguintes:  FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994.   BOBBIO, Norberto. Coerência do Ordenamento. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994.

Lê-se ainda da doutrina extraída de fonte acessível a todas as pessoas:

Princípio da Especialidade

O princípio da especialidade revela que a norma especial afasta a incidência da norma geral. Lex specialis derogat legi generali. A norma se diz especial quando contiver os elementos de outra (geral) e acrescentar pormenores. Não há leis ou disposições especiais ou gerais, em termos absolutos. Resultam da comparação entre elas, da qual se aponta uma relação de espécie a gênero. A norma será preponderante quando especial. (In site Jusbrasil, verbete Princípio da especialidade)

IV - A jurisprudência prestigia por igual o princípio milenar e essencial de hermenêutica.

O e. Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região já decidira, no Proc. nº 00248338820145240005:

PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. NORMA ESPECIAL PREVALECE SOBRE NORMA GERAL. O art. 123 da Lei n. 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro), determina que é obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo, no prazo de 30 dias. Tratando-se de lei especial, deve prevalecer sobre a regra geral insculpida no art. 1.226 do Código Civil.

(TRT-24 00248338820145240005, Relator: AMAURY RODRIGUES PINTO JUNIOR, Data de Julgamento: 11/03/2015, 2ª Turma)

E o e. Tribunal de Justiça de São Paulo,   sobre o tema aplicado a embargos de terceiros, na Apelação Cível no Proc. nº 1008648-10.2017.8.26.056, 19ª Câmara de Direito Privado, assim decretou:

 Dúvida não há remanescer no sentido de que se faz impositiva a aplicação ao caso da regra específica que preconiza que o terceiro adquirente deverá ser intimado para, se quiser, opor embargos de terceiro, no prazo de 15 dias (CPC, 792, § 4º), norma que deve prevalecer sobre a disposição genérica contida no artigo 675, caput, do Código de Processo Civil.   (Destaque nosso).

Observa-se que é em qualquer âmbito jurídico que a máxima segundo a qual o específico afasta o genérico se aplica. 

O direito, todo ele, não pode dispensar este assentamento, pena de os maiores conflitos sobre a  incidência dos comandos legais se instaurarem na vida pública e privada das nações institucionalizadas – o que, de resto e por fim, é perfeitamente evitável.

V – Ingressemos agora no terreno das licitações e dos contratos.

A lei nacional nº 8.666, de 1.993, é a lei das normas gerais de licitações e de contratos administrativos do Brasil. Ela assim o declara já ao seu art. 1º, a seguir e por essa razão dizendo-se aplicável a toda a Administração pública brasileira.

Ocorre que em 17 de junho de 2.002 foi sancionada a Lei federal nº 10.520, que instituiu a modalidade licitatória do pregão presencial, inexistente na lei de normas gerais de 1.993, e que portanto passou a ser a lei específica do pregão.

Assim, o que a lei de 2.002 previu especificamente para a nova modalidade passou a ser a regra única do pregão

- a uma, porque  pela pura e primitiva lógica jurídica, se passou a existir regra específica para o pregão, então  não mais  cabe falar em regra genérica, da lei de normas gerais, sobre os assuntos do pregão que a lei específica criou e esgotou, e

- a duas, porque o específico sempre  derroga, afasta e exclui o genérico sobre o mesmo tema. Se aparece norma específica sobre um assunto, então não mais tem vez a ampla e, agora tornada vaga e  imprecisa, regra anterior.

VI - Existem em direito, e naturalmente, assuntos que comportam a manutenção da ampla regra anterior, sempre que não interfira com a regra específica nova. Se de algum interferir, então – adeus, regra antiga.

Um só exemplo o esclarece: documentação habilitatória. A lei do pregão, art. 4º, inc. XIII,  estabeleceu muito poucas exigências documentais para a habilitação dos participantes do pregão, relativas a regularidade fiscal e previdenciária, e deixou aberta a utilização das exigências documentais relativas a qualificação técnica e econômica figurantes da lei de normas gerais.

Dessa forma e então,  o edital do pregão presencial deve  exigir o especifico e obrigatório da lei do pregão, e, se quiser, pode exigir também o genérico da lei de normas gerais.

Pode, porque simplesmente o geral nesse caso não interfere nem prejudica o específico, o geral não conflitando com o específico.

Mas, por favor e por tudo que é sagrado em direito, não pode o edital do pregão conter exigências da lei do pregão e da lei geral se essas exigências conflitarem entre si, ou se uma excluir a outra por incompatibilidade.

VII – A matéria penal administrativa nas leis de licitações é o assunto que mais desperta a atenção para os fins deste breve artigo.

Trata-se de um subtema do grande tema das licitações, e precisa estar bastante  elucidado ao poder público que aplica as penas, ou de outro modo com facilidade se entroniza o caos institucional, e não raro a ruína e a destruição, absolutamente imerecidas e injustas, de empresas contratadas pela Administração.

Tal qual  se desferisse um raio em céu aberto, o poder público é suscetível de, num só passo, destruir quem auxiliou a construí-lo; a desmoronar o edifício privado que serve como base ao grande edifício público;  de arruinar a quem diuturnamente participa do fortalecimento da instituição pública, e da gestão pública, e dos negócios públicos.

O poder do Estado é gigantesco, monumental, incomparável, e, se for utilizado com falha ou descuido na ânsia de proteger o interesse público e o erário, fatalmente destruirá quem não merece destruição, arruinará quem não merece a ruína, e destroçará quem por vezes, dentro das suas possibilidades,  tudo fez por erguer a Administração pública.

Refere-se aqui especificamente um caso real, em que uma Prefeitura Municipal aplicou cumulativamente a uma empresa contratada por pregão presencial as penas de a) suspensão do direito de licitar no Município cumulada com b) impedimento do direito de contratar com o Município,  cumulada ainda com c)  declaração de inidoneidade para licitar e para contratar com a Administração pública brasileira.

Sem ingressar no mérito  da apenação, o problema técnico daquela deliberação não teria acontecido pela simples  aplicação do princípio até aqui referido, de que o específico exclui o genérico.

Pelo visto não tendo sido aplicado, então o caso permite as seguintes conclusões:

- a pena de declaração de inidoneidade, que é da Lei nº 8.666/93 das normas gerais e não da Lei nº 10.520/02 do pregão, não poderia e não  pode ser aplicada, porque é o dispositivo genérico de uma lei que conflita com, e absorve e amplifica, o dispositivo específico da lei aplicável, que é a lei do pregão presencial;

- sendo absolutamente inaplicável o genérico da lei geral  (declaração de inidoneidade) quando o específico da lei específica (impedimento ou suspensão) já esgota o assunto, temos que mesmo na lei específica ou se aplica a suspensão de licitar, ou se aplica a proibição de contratar com o Município;

- ambas essas últimas penas são incompatíveis entre si e inacumuláveis, e a quem contraponha que se mesmo suspenso de licitar o apenado puder ser contratado então estará livre a contratação direta sem licitação, a essa tese se rebate com o simples raciocínio de que o ente público jamais contrataria diretamente algum fornecedor que estivesse impedido de licitar !  

Jamais o faria! Se o comerciante está impedido até mesmo de licitar, então como se concebe que fosse contratado diretamente, sem licitação, pelo mesmo ente público que o puniu com a suspensão ?  Na prática, e na lógica, a suspensão de licitar engloba a proibição de contratar.

VIII – Então, visto tudo isso, como se pode admitir a imposição das três penalidades  acumuladamente, se uma é inaplicável porque é genérica da lei geral enquanto existem penas específicas da lei específica ?

E, ainda,  como se poderia admitir  aquela acumulação, se as demais penas, ambas da lei do pregão, art. 7º, também não podem ser acumuladas,  porque acumulação renega e  contradiz reciprocamente a natureza de cada uma delas, constituindo bis in idem em grave desfavor do apenado  ?

Na prática, repita-se, a suspensão de licitar implica inquestionavelmente na proibição de contratar – |porque Prefeito nenhum no Brasil contratará uma empresa que suspendeu do direito de licitar no seu Município !

Ou receberá  uma imediata ação civil pública pela sua incoerência administrativa. 

IX – Ninguém desconhece o teor do art. 9º da lei do pregão, que permite aplicar subsidiariamente a lei geral de licitações aos pregões presenciais. Não seria diferente numa lei tão curta quanto a do pregão, de 13 artigos quando a lei de licitações tem 126.

Mas por favor calma !  Vamos devagar com este delicado andor !..

Esta previsão não quer dizer que o poder público está obrigado a aplicar a lei do pregão e mais a lei geral inteira, lado a lado e concorrendo uma com outra como se fossem uma só !    Jamais !   A ninguém, minimamente conhecedor do direito público, acorre uma ideia como esta !

A aplicação subsidiária se dá quando, a critério do edital ou do pregoeiro, anunciadamente no edital  ou não, faltar alguma regra na lei específica, e essa regra existir na lei geral. Isto, sim, é aplicar adequadamente o direito !

Mas ninguém imagine que a legislação de licitação é uma disputa entre leis, vencendo a que chegar primeiro ou a que falar mais alto, como numa discussão de bar...  absolutamente.

O direito não é nem pode ser palco de competição entre normas bem definidas, altas, basilares, cada qual dispondo para o seu escopo e dentro do seu âmbito próprio. para o qual foi editada à exceção de outra. 

Apenas se cogita de  aplicação subsidiária de uma lei para a esfera de outra – o que é fenômeno comum em direito e em hermenêutica – quando faltarem regras indispensáveis à segunda, as quais precisam ser supridas pela primeira, geral e anterior, para se realizar o direito.

Na lacuna, na omissão da lei própria, então o aplicador, e o juiz, apelam para lei similar, sobre matéria correlata ou complementar, que contenha a regra faltante e c que com isso possa dar alguma solução,. melhor ou pior, para a questão surgida.

Assim como se aplicam os princípios gerais de direito na omissão de uma  lei que impeça a solução do problema suscitado; assim como nessa hipótese também se aplicam os precedentes judiciais  existentes na jurisprudência; assim como nas omissões legislativas também  entram em cena a equidade e a analogia – sobretudo entre leis -, e tudo isso na tentativa de suprir a omissão de uma lei,  também  é certo que a aplicação subsidiária de uma lei no terreno de outra somente se pode dar na omissão, na lacuna, no vácuo, na deficiência da lei de referência, e não a torto e direito ou ao livre alvedrio da autoridade.

X - O limite à ação da autoridade no aplicar leis e regras é a simples existência de norma diretiva na lei própria; em existindo, então não se há jamais de falar em soma de leis, ou em aplicação cumulativa das  leis, ou em qualquer ajuntamento ou associação de fundamentos e de cominações. O excesso de remédio, como sói acontecer, mata o doente.

Exemplificando o que se ventila, era  muito frequente em nosso país a edição de lei, pelos Estados, para servir como estatuto de funcionários dos Municípios que, tendo funcionários estatutários, entretanto não tinham sua própria lei estatutária.  Quando tais Municípios editavam sua lei imediatamente saía de cena o estatuto estadual, porque a lacuna era suprida.

Então, bastante cuidado com a verdadeira sanha, lamentavelmente muito encontradiça nos entes públicos, de reunir,   somar, cumular e amontoar as normas penais mais variadas e da fonte mais diversa, no trato com seus parceiros privados e seus fornecedores, como se isso fosse justo ou equânime.

Não é justo, nem nunca foi, o poderoso tripudiar sobre o mais fraco – antes traduz uma tremenda falta de caráter, que para o administrador público, de quem se espera exemplo de lisura, fica tanto mais grave.

Nunca a injustiça formal e material teve cabimento em direito, mesmo que sob a alegada proteção ao interesse público – porque não existe direito ou interesse público que arroste, ignore ou achincalhe direito e garantia individual, aqueles do art. 5º da Constituição Federal, que nem mesmo uma emenda constitucional tem poder para  prejudicar.

A ideia de que o direito coletivo predomina sempre sobre o individual, propagada com a boca mais fácil deste mundo por quem lamentavelmente não parou para refletir antes de falar,  precisa ser muito bem compreendida: sim, prevalece se não atingir direito e garantia individual, porque se atingir será  o direito e a garantia individual, cujo elenco é o do art. 5º da Constituição, que prevalecerá sempre.

Em direito e em garantia individual ninguém mexe nunca, nem emenda constitucional, a não ser para acrescer outros...  Somente uma nova Constituição tem esse poder – e nos dias que correm não será fácil exercê-lo... 

XI -    Já o interesse público – que ninguém enxerga onde exatamente se situa ou onde reside no corpo da Constituição -,  e, além disso, mesmo o conjunto  estrutural das normas constitucionais sobre a Administração pública, tudo isso a cada período é  uma coisa, não raro se invertendo no período seguinte. 

A Constituição jamais empresta segurança a quem queira definir ou delimitar o que seja o interesse público, a não ser aquele de plantão a cada  momento.

Com efeito, a concepção constitucional da Administração pública é conformada ora de uma maneira,  ora de outra, no compasso completamente errático da política.

Os cânones administrativos, que um dia parecem tão sólidos e consagrados, no dia seguinte se veem  revirados de ponta-cabeça, revertidos ao avesso, contorcidos, convulsionados e reordenados  ao sabor dos novos ventos e da ideologia governamental de plantão.  Até se tornarem, muita vez, irreconhecíveis frente ao direito precedente.

Nossa Constituição até o dia presente (fevereiro de 2.020)  em seus 31 anos sofreu mais de 100 (cem) emendas, de modo que ninguém consegue divisar com alguma precisão o que de fato seja nossa carta fundamental, qual a sua natureza, qual o seu escopo e onde quer chegar.  Resta mais fácil dedicar-se a entender o imposto de renda, com suas alterações anuais.  Se alguém pretender compreender o que seja uma Constituição, então fuja o mais rapidamente que puder de nosso país. 

XII - Então, em assim sendo o direito público, a aplicação subsidiária de uma lei na matéria própria de outra não pode ser arbitrária nem discricionária por autoridade nenhuma – nem o Presidente da República, nem o chefe de poder algum – se a segunda lei já contém  todos os suficientes elementos  à plena operacionalização do direito em causa e pretendido.

A muito frequente volúpia  das autoridades punidoras – a recordar os inquisidores do passado, justiceiros com sangue na boca  – deve ser contida até onde a regra jurídica permite avançar.  Vai longe o tempo do arbítrio do rei, que matava porque lhe dava na veneta.

A matéria penal, em destaque, é a que exige a maior técnica operacional dentre todas as províncias do direito, e não comporta ódios nem ranger de dentes absolutamente despiciendos, até porque eles, se existirem,  prejudicarão a eficácia da pretensão punitiva do estado, com muita probabilidade sendo no futuro anuladas ou desfeitas as penalidades que houverem sido estouvadamente aplicadas. Se em matéria civil e administrativa é preciso técnica, em matéria penal é preciso duas técnicas.

A raiva da autoridade é a maior aliada do indiciado que  processa, e a maior dificultadora da sua punibilidade, que de resto é muitas vezes merecida.

Vale aqui a máxima cunhada para o motorista sempre apressado: se quer chegar antes, então vá devagar.