NEPOTISMO EM LICITAÇÃO?

Nepotismo em licitação?

Gina Copola

 

I – O parentesco com agentes públicos tem sido questionado como condição proibitiva de participação em licitações, sob a alegação de configurar nepotismo.

Ocorre que tal vedação não consta de dispositivo algum da Lei federal nº 8.666/93, sendo que reza o art. 9º da citada Lei – utilizado por alguns aplicadores do direito como fundamento para a citada proibição:

Art. 9o Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:

I - o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;

II - empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;

III - servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.

Observa-se, portanto, que o dispositivo legal não faz qualquer menção à proibição de parentes de agentes públicos participarem de processo de licitação, e, conforme é cediço em direito, onde a lei não distingue não cabe ao interprete fazê-lo.

Além disso, normas restritivas de direito devem ser interpretadas restritivamente, o que significa dizer que o intérprete não pode ampliar a interpretação em normas que restringem direito. E quando se trata de participação em licitações a interpretação restritiva de normas restritivas de direito dá atendimento ao princípio constitucional da isonomia.

II – Sobre o tema aqui em análise, assim já decidiu o e. Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário nº 423.560/MG, relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 29/05/2012:

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL. LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE BRUMADINHO-MG. VEDAÇÃO DE CONTRATAÇÃO COM O MUNICÍPIO DE PARENTES DO PREFEITO, VICE-PREFEITO, VEREADORES E OCUPANTES DE CARGOS EM COMISSÃO. CONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS MUNICÍPIOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. A Constituição Federal outorga à União a competência para editar normas gerais sobre licitação (art. 22, XXVII) e permite, portanto, que Estados e Municípios legislem para complementar as normas gerais e adaptá-las às suas realidades. O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as normas locais sobre licitação devem observar o art. 37, XXI da Constituição, assegurando “a igualdade de condições de todos os concorrentes”. Precedentes. Dentro da permissão constitucional para legislar sobre normas específicas em matéria de licitação, é de se louvar a iniciativa do Município de Brumadinho-MG de tratar, em sua Lei Orgânica, de tema dos mais relevantes em nossa polis, que é a moralidade administrativa, princípio-guia de toda a atividade estatal, nos termos do art. 37, caput da Constituição Federal. A proibição de contratação com o Município dos parentes, afins ou consanguíneos, do prefeito, do vice-prefeito, dos vereadores e dos ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança, bem como dos servidores e empregados públicos municipais, até seis meses após o fim do exercício das respectivas funções, é norma que evidentemente homenageia os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, prevenindo eventuais lesões ao interesse público e ao patrimônio do Município, sem restringir a competição entre os licitantes. Inexistência de ofensa ao princípio da legalidade ou de invasão da competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação. Recurso extraordinário provido.

Ou seja, o Pretório Excelso entendeu que o art. 9º, da Lei federal nº 8.666/93 tem caráter geral passível de complementação pelos entes da federação.

E, portanto, o que se depreende do entendimento do e. STF, se tal complementação não existe – estendendo os efeitos as parentes de agentes públicos – tal elasticidade da norma não pode ser simplesmente interpretada.

III – No âmbito do e. Poder Judiciário o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou a Resolução nº 7/2005, alterada pela Resolução nº 9/2005, para prever como nepotismo a contratação, independentemente da modalidade de licitação, de empresas que tenham em seu quadro societário cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade até o terceiro grau de juízes e servidores ocupantes de cargos de direção, chefia e assessoramento vinculados à área de licitação do tribunal.

IV – O e. Tribunal de Contas de Minas Gerais, em resposta à Consulta nº 862.735, relator Cons. Sebastião Helvécio entendeu que:

“EMENTA: CONSULTA — PREFEITURA MUNICIPAL — PROCEDIMENTO LICITATÓRIO REGULAR — VENCEDOR DO CERTAME — PARENTE EM LINHA RETA OU COLATERAL E POR AFINIDADE ATÉ TERCEIRO GRAU DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO — CONTRATAÇÃO — AUSÊNCIA DE ÓBICE LEGAL — LEI N. 8.666/93 — DEMONSTRAÇÃO DE RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA — POSSIBILIDADE.

Não há impedimento legal à contratação, decorrente de procedimento licitatório, de parentes próximos de servidores ou agentes políticos, devendo, nessa hipótese, acautelar-se o gestor quanto à demonstração nos autos da observância dos princípios da moralidade, isonomia, impessoalidade e da maior competitividade possível, entre outros” 

V - No mesmo diapasão, decidiu o e. Tribunal de Contas do Paraná, no Acórdão nº 3372/19 – Tribunal Pleno, relator Conselheiro Fábio de Souza Camargo, com a seguinte ementa:

“Representação da Lei nº 8.666/93. Pregão. Inabilitação. Inversão de fases. Proibição de participação da fase de lances. Parentesco. Sócio irmão de Vereador. Proibição indevida. Procedência parcial”

E consta do v. voto condutor:

“Com relação à inabilitação em razão de o sócio ser irmão de vereador daquele Município (parentesco colateral de 2º grau), fato este incontroverso nos autos, considero a inabilitação irregular.

Conforme destacado pela unidade técnica, não há no ordenamento jurídico regra ou norma que vede sua participação. A interpretação das normas e princípios não permite a exclusão de participantes nessa situação (...)

Ocorre que o fato do sócio da empresa ser irmão de vereador em nada altera a questão da moralidade e da isonomia, até porque todos os licitantes possuem a mesma condição de participação. (...)

Assim, tenho para mim que a norma restritiva não pode ser interpretada de forma ampliativa, ainda mais em desfavor do erário”

Essa decisão foi proferida em sede de pregão, modalidade de licitação prevista pela Lei federal nº 10.520/02, que também não contém qualquer restrição à participação de agentes públicos em processo de licitação.

VI – O e. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial nº 1.245.765, relator Min Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, entendeu que o fato isoladamente da empresa contratada ser pertencente a parente de Prefeito não constitui ato de improbidade administrativa. Vejamos trecho da ementa:

“7. Não há como afastar a conclusão da origem no sentido de que, isoladamente, o simples fato de a filha do Prefeito compor o quadro societário de uma das empresas vencedora da licitação não constitui ato de improbidade administrativa

A ilação que se retira, portanto, é no sentido de que não há vedação legal para a participação de parentes de agentes públicos – dentre eles os agentes políticos – em processos de licitação, e, dessa forma, qualquer vedação nesse sentido não tem fundamento no princípio da legalidade, sendo, por outro lado que devem ser observados os princípios da legalidade, da moralidade, da isonomia, da impessoalidade, da maior competitividade possível, e da probidade, como em qualquer certame.