Artigo
LC 178/21 - ALTERADA A LRF – DESPESAS COM PESSOAL
LC 178/21 - ALTERADA A LRF – DESPESAS COM PESSOAL
Ivan Barbosa Rigolin
Colaborou Flávio Corrêa de Toledo Jr.
(fev/21)
I – O governo federal, de olho na questão do equilíbrio fiscal que permanentemente atormenta todos os países do planeta, vem de sancionar a Lei Complementar nº 178, de 13 de janeiro de 2.021, publicada no dia seguinte no DOU. Eis sua ementa:
Estabelece o Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal e o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal; altera a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a Lei Complementar nº 156, de 28 de dezembro de 2016, a Lei Complementar nº 159, de 19 de maio de 2017, a Lei Complementar nº 173, de 27 de maio de 2020, a Lei nº 9.496, de 11 de setembro de 1997, a Lei nº 12.348, de 15 de dezembro de 2010, a Lei nº 12.649, de 17 de maio de 2012, e a Medida Provisória nº 2.185-35, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.
De toda essa vastidão de objeto interessam para o momento apenas os arts. 15 e 16 da LC 178/21. O art. 15 dispõe mais ou menos autonomamente - porque são tantas as alusões à LRF que aquela autonomia é muito relativa - sobre redução de gastos, e o art. 16 introduz diversas modificações na LRF, a lei de responsabilidade fiscal.
São os seguintes esses mencionados dispositivos da LC 178/21:
DAS MEDIDAS DE REFORÇO À RESPONSABILIDADE FISCAL
Art. 15. O Poder ou órgão cuja despesa total com pessoal ao término do exercício financeiro da publicação desta Lei Complementar estiver acima de seu respectivo limite estabelecido no art. 20 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, deverá eliminar o excesso à razão de, pelo menos, 10% (dez por cento) a cada exercício a partir de 2023, por meio da adoção, entre outras, das medidas previstas nos arts. 22 e 23 daquela Lei Complementar, de forma a se enquadrar no respectivo limite até o término do exercício de 2032.
§ 1º A inobservância do disposto no caput no prazo fixado sujeita o ente às restrições previstas no § 3º do art. 23 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.
§ 2º A comprovação acerca do cumprimento da regra de eliminação do excesso de despesas com pessoal prevista no caput deverá ser feita no último quadrimestre de cada exercício, observado o art. 18 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.
§ 4º Até o encerramento do prazo a que se refere o caput, será considerado cumprido o disposto no art. 23 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, pelo Poder ou órgão referido no art. 20 daquela Lei Complementar que atender ao estabelecido neste artigo.
Art. 16. A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art.18. (...) § 2º A despesa total com pessoal será apurada somando-se a realizada no mês em referência com as dos 11 (onze) imediatamente anteriores, adotando-se o regime de competência, independentemente de empenho.
§ 3º Para a apuração da despesa total com pessoal, será observada a remuneração bruta do servidor, sem qualquer dedução ou retenção, ressalvada a redução para atendimento ao disposto no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal.”
“Art. 19. (...) §1º (...)
VI - com inativos e pensionistas, ainda que pagas por intermédio de unidade gestora única ou fundo previsto no art. 249 da Constituição Federal, quanto à parcela custeada por recursos provenientes: (...)
c) de transferências destinadas a promover o equilíbrio atuarial do regime de previdência, na forma definida pelo órgão do Poder Executivo federal responsável pela orientação, pela supervisão e pelo acompanhamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos. (...)
“Art. 20. (...) § 7º Os Poderes e órgãos referidos neste artigo deverão apurar, de forma segregada para aplicação dos limites de que trata este artigo, a integralidade das despesas com pessoal dos respectivos servidores inativos e pensionistas, mesmo que o custeio dessas despesas esteja a cargo de outro Poder ou órgão.”
“Art. 23. (...) § 3º Não alcançada a redução no prazo estabelecido e enquanto perdurar o excesso, o Poder ou órgão referido no art. 20 não poderá: (..._
III - contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao pagamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal. (...)
“Art. 31. (...) § 1º (...)
I - estará proibido de realizar operação de crédito interna ou externa, inclusive por antecipação de receita, ressalvadas as para pagamento de dívidas mobiliárias; (...)
“Art. 32. (...) § 7º Poderá haver alteração da finalidade de operação de crédito de Estados, do Distrito Federal e de Municípios sem a necessidade de nova verificação pelo Ministério da Economia, desde que haja prévia e expressa autorização para tanto, no texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou em lei específica, que se demonstre a relação custo-benefício e o interesse econômico e social da operação e que não configure infração a dispositivo desta Lei Complementar.”
“Art. 33. (...) § 3º Enquanto não for efetuado o cancelamento ou a amortização ou constituída a reserva de que trata o § 2º, aplicam-se ao ente as restrições previstas no § 3º do art. 23. (...)
“Art. 40. Os entes poderão conceder garantia em operações de crédito internas ou externas, observados o disposto neste artigo, as normas do art. 32 e, no caso da União, também os limites e as condições estabelecidos pelo Senado Federal e as normas emitidas pelo Ministério da Economia acerca da classificação de capacidade de pagamento dos mutuários. (...)
§ 11. A alteração da metodologia utilizada para fins de classificação da capacidade de pagamento de Estados e Municípios deverá ser precedida de consulta pública, assegurada a manifestação dos entes.”
“Art. 42. (VETADO).”
“Art. 51. (...) § 1º Os Estados e os Municípios encaminharão suas contas ao Poder Executivo da União até 30 de abril.
§ 2º O descumprimento dos prazos previstos neste artigo impedirá, até que a situação seja regularizada, que o Poder ou órgão referido no art. 20 receba transferências voluntárias e contrate operações de crédito, exceto as destinadas ao pagamento da dívida mobiliária.”
“Art. 59. O Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público fiscalizarão o cumprimento desta Lei Complementar, consideradas as normas de padronização metodológica editadas pelo conselho de que trata o art. 67, com ênfase no que se refere a:
Passemos a comentá-los.
II – O art. 15 da LC 178/21, abrindo o seu Capítulo IV, fixa no caput, de modo abrangente e amplo, que o Poder ou o órgão cuja despesa total com pessoal, em 31 de dezembro de 2.021, tiver superado o limite dado pelo art. 20 da LRF precisará eliminar o excesso em ao menos 10% por exercício a partir de 2.023.
Para tanto deverá valer-se das medidas elencadas nos arts. 22 e 23 da mesma LRF, de modo enquadrar-se no limite até no máximo 2.032.
Em primeiro, veja-se que não é apenas o órgão público que se submente à regra, mas todos os Poderes, aos quais os órgãos pertencem. A saraivada limitadora se dá no plano graúdo e no miúdo, portanto.
Em segundo, ainda que se reconheça que reduzir despesas com pessoal muita vez é dificílimo ante o plexo de direitos adquiridos pelos servidores, e as incorporações e as consolidações remuneratórias as mais diversas – inclusive amiúde obtidas judicialmente e não apenas por dádivas legais ou administrativas –, o fato é que esta previsão lembra a anedota segundo a qual um cidadão que praticava libidinosidades é advertido pelo cidadão que as sofria de que tinha 24 horas para parar com aquilo.
Ora, os limites da LRF são arquiconhecidos há mais de vinte anos pelas autoridades, pelos servidores e pelos cidadãos do país. Todo o tempo do mundo foi dado aos entes públicos para que reduzissem aquelas despesas com pessoal até os limites da lei de 2.000, e os prazos para que o fizessem já se esgotaram há mais de uma década e meia.
Diz-se que nosso país, tanto quanto com as vacinas, tem leis que pegam e leis que não pegam. A LRF parecia ter pegado, porque o seu efeito foi imediato e decisivo nos anos seguintes à sua vigência; mas neste momento, vinte anos após, o efeito parece não ter sido tão decisivo, porque esta LC 178/21 renova o prazo para a redução dos excessos em 12 (doze) anos !
Não são doze meses ou dois anos, mas doze anos, apenas para se voltar ao patamar que todos deveriam ter atingido há mais de quinze anos. E nada assegura que após os doze anos não será concedido novo prazo aos entes públicos – coitadinhos !.. – para nova tentativa de adaptação... Quanta austeridade !
As medidas previstas nos arts. 22 e 23 da LRF são inúmeras, duras e radicais. Não se as transcreve porque ao interessado basta lê-las na fonte. Somente se lastima que afinal não sirvam nem tenham servido para nada, neste país do carnaval, do samba e da preguiça. Abençoada seja a nação brasileira !
III – O § 1º deste art. 15 prossegue na ofensiva legislativa iniciada no caput, informando que o descumprimento da redução “no prazo fixado” sujeita o infrator às penas do § 3º do art. 23 da LRF, que são a vedação (I) de receber transferências voluntárias. (II) de obter garantias públicas diretas ou indiretas, e (III) de contrair empréstimos (com entes públicos ou sob aval público - a lei não diz mas resulta evidente), salvo se estes forem destinados a refinanciamento da dívida imobiliária ou à própria redução das despesas com pessoal, hipóteses em que são admissíveis.
A locução acima grafada entre aspas se refere a um prazo, no singular, porém o caput consigna dois prazos, um anual para redução parcial de 10%, e outro para a redução total até o final de 2.023. Entenda o aplicador como quiser, porém se existem dois prazos o de esperar é que ambos precisem ser observados, o que parece se confirmar pela leitura do § 2º.
No papel tudo parece bem e em absoluto não se duvida da boa-fé do legislador, porém a esta altura da história faz-se impossível acreditar, a médio prazo, em qualquer efeito destas restrições.
Se falharam grosseiramente na previsão da LRF na virada do milênio como esta LC 178/21 evidencia nestes arts. 15 e 16 – pois que se tivessem dado resultado as limitações originais, de 2.000, simplesmente não precisariam existir estes dois artigos -, então por que motivo se deve crer que desta vez, em 2.021 e ainda diluidamente por doze anos, darão certo ?
As autoridades serão cobradas pela fiscalização – não reste dúvida, e nenhuma delas descuide -, porém dentro de alguns anos é de esperar, neste Brasil brasileiro, que tudo se arremate em deliciosas pizzas de multifário sabor. Com muita tristeza se afirma isso, neste humor amargo e sem esperança.
O § 2º, sem inovar quanto à sistemática da LRF, fixa que será a cada último quadrimestre de cada exercício a verificação do cumprimento dos limites e dos percentuais restritivos, e diz mais: observado o art. 18 da LRF.
Quanto a essa última observação pergunta-se ao legislador se acaso poderia ser diferente. Poderia neste momento não ser observado o art. 18, ou qualquer outro artigo, da LRF ?
IV – O § 3ª deste art. 15, profundamente histriônico, informa que ficam suspensas as contagens de prazo previstas no art. 23 da LRF, sabendo-se que são as penas do mesmo art. 23 que incidem sobre quem descumprir as regras e os prazos do caput deste art. 15, em 2.021.
Indaga-se se e se está diante de um dispositivo sério, institucional e que deve ser observado. Nada faz sentido, nesta nova lei que ajuda a envergonhar o cidadão consciente dentro do ordenamento jurídico que o cerca, como uma charneca rodeia o andante perdido ou desorientado, à noite nas ilhas britânicas. Trata-se de dispositivo da mais exígua qualidade, que serve tanto quanto uma gripe ou uma pneumonia a quem está são.
O § 4º contribui com o non-sense que o precede. Considera cumprido o art. 23 da LRF pelo ente público que atender ao disposto neste artigo. A indigência jurídica destes dispositivos, que parecem dar um último lenitivo a um condenado à morte, não merecem uma linha de comentário – se é que os seus autores se lembram de que porventura o escreveram.
A confusão é tanta, entre novas exigências e perdões de quê não se sabe exatamente, e de remissões entrecruzadas que em seu conjunto não remetem a coisa nenhuma, que maior comentário será tempo e trabalho perdidos. O legislador precisa saber a hora de parar de escrever.
V – O art. 16 desta LC 178/21 modifica vários artigos da LRF.
O primeiro é o § 2º do art. 18 da LRF, a cuja redação originária foi apenas acrescida a locução independentemente de empenho. Parece a pedra na sopa, com a qual ou sem a qual a sopa é rigorosamente a mesma.
Desde quando, indaga-se, o só fato de a despesa com pessoal ter sido empenhada, ou não ter sido empenhada, altera o seu cálculo, e a apuração do seu montante ? Que tem a ver o valor total da despesa com o fato de ela, ou parte dela, ter sido empenhada, ou não ter sido ?
Empenha-se uma despesa tão só que ela possa ser paga, segundo a regra tradicional da Lei nº 4.320/64. Mas em quê o empenho interfere no cálculo da despesa ? Esta modificação, que mistura alhos e bugalhos, não tem nem lógica jurídica nem contábil.
Todo o § 3º foi acrescido ao art. 18 da LRF, também sem utilidade de monta. Informa o que compõe a remuneração dos agentes públicos para fim de se conhecer a despesa total com pessoal de cada ente, declarando que é a remuneração bruta que será considerada, sem qualquer dedução
ressalvada a redução para atendimento ao disposto no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal.
Que a remuneração a ser considerada é a bruta para evidente, porque mesmo que haja deduções nos holleriths do pessoal - como as do imposto de renda e da previdência - essa despesa pública existe, e precisa ser considerada.
Até este ponto nenhuma estranheza, desde que não se somem títulos indenizatórios no cômputo da remuneração, porque não a integram. Remuneração, reitere-se, é o pagamento do trabalho, não de indenizações por prejuízos ou por despesas que o servidor tenha de realizar para trabalhar, como são as diárias, a ajuda de custo, o auxílio-transporte ou alimentação, o auxílio-moradia e tantos outros títulos indenizatórios que existem no serviço público, os quais não se incorporam à remuneração e não integram o cálculo da remuneração.
O preceito curioso do dispositivo entretanto é aquele acima transcrito em bloco destacado, que parece mandar os entes públicos cumprirem a Constituição, e cortar remunerações que excedam o teto constitucional do art. 37, inc. XI.
Com todo respeito, só rindo !
Acredita mesmo o legislador que se a própria Constituição não é cumprida, como nunca foi na história jurídica do Brasil, ao fixar tetos remuneratórios para o pessoal do serviço público - pois que existem milhares de servidores, dos três Poderes do Estado, em geral respaldados por decisões judiciais, ganhando muito acima do teto – que será um remendo a uma lei federal, como este § 3º ao art. 18 da LRF, que fará a Administração cortar aquelas remunerações até o teto ?..
Põe-se então o leitor a imaginar que uma autoridade do Executivo, ou um parlamentar, qualquer deles ao redigir o projeto, tenha dito a um seu colega para incluir a previsão, pois quem sabe alguém cumpre ?
Está juridicamente correta a idéia, porém imaginar que somente para calcular a despesa total de pessoal algum Município, ou algum Estado, apenas após editada esta LC 178/21 vá se dispor a cumprir o teto constitucional remuneratório, e neste momento cortar as remunerações que o excedam, é ir longe demais na ingenuidade ou na credulidade !
Pretender que “agora vamos cortar pagamentos acima do teto” não porque a Constituição determina, mas por causa de a LC 178/21 furtivamente ter falado no assunto... ora, é atitude mais infantil que contar com a visita do bom velhinho natalino, ou da prosaica fada do dente.
Poderá dar certo – no dia em que o cidadão brasileiro for algo absolutamente diferente do que é e do que sempre foi até o dia de hoje, mas nessa inverossímil hipótese o país com segurança não precisará de leis que mandem cumprir a Constituição.
VI - O art. 19 da LRF, na sequência, foi modificado pela LC 178/21. Modificaram-se o seu inc. VI e sua al. c, e foi acrescido o § 3º ao artigo.
Em seu conjunto o novo inc. VI e sua al. c informam que o gasto com inativos e pensionistas não são computados na verificação do atendimento aos limites da despesa com pessoal com relação às transferências equilibradoras do sistema atuarial do sistema, porém dependentemente de norma dada pelo Executivo respectivo.
Técnica absolutamente péssima, porque se não existir essa última regra de nada valerá toda a norma legal. E como a norma legal é excludente, então se e enquanto faltar a regra local como ficaremos: ficará excluída a exclusão ? E nesse estranho momento acaso devem ser computadas as despesas que a regra legal visa excluir ? É o que dá depender de iniciativas locais numa lei que centralizadamente organiza todo o país... simplesmente não faz sentido.
O legislador demonstra elogiável iniciativa organizativa porém parece morrer de medo das realidades locais, e de eventualmente ferir aquelas autonomias locais, já que ser acusado de antidemocrático é pior que a morte... quando não é disso que se trata.
Com efeito, se se está numa lei nacional de organização econômica, financeira e contábil para todos os entes integrantes da federação como é esta LRF, então por que motivo tantos dedos, tanto cuidado e tanto acanhamento do legislador federal ? Numa lei nacional e não apenas federal as regras se impõem nacionalmente, ou de outro modo o legislador legisla apenas para a União...
O novo § 3º, acrescido pela LC 178, proíbe “a dedução da parcela custeada com recursos aportados para a cobertura do déficit financeiro dos regimes de previdência” no cômputo das despesas para a fiscalização do limite legal.
Dispositivo lógico e forçado – e custa crer mesmo tenha sido necessário escrevê-lo... -, pois que se no ente de referência ingressaram recursos para cobrir déficit previdenciário, então resta inimaginável que o déficit coberto seja considerado despesa com pessoal para o fim de apuração do limite.
Como entretanto em direito mesmo o óbvio precisa ser dito – vide princípios da legalidade e da formalidade -, então esta previsão, que, de resto e por fim, nos situa a pulga na região a traseira da campana auditiva: desde 2.000 (LRF) até o advento desta LC 178/21, aquela cobertura de déficit previdenciário porventura era computada na apuração das despesas com pessoal ?.. ([1])
VII – Foi acrescido o § 7º ao art. 20 da LRF, manda aos entes públicos referidos no artigo, para verificação dos limites dados pelo artigo, que apurem segregadamente, ou seja de modo separado, o total das despesas com inativos e pensionistas, mesmo que o custeio dessas despesas estejam a cargo de outro Poder ou órgão.
A organizativa intenção do dispositivo é separar a despesa com inativos e pensionistas da despesa com o pessoal ativo, como é nítido. Apenas o que não se admite é que a despesa com inativos, se onerou o cômputo do ente que os mantém, onere também o “outro órgão ou Poder” que custeia a despesa, porque, se também o onerar, então o mesmo numerário estará sendo contabilizado em duplicata, em prejuízo de algum ente público e da mais primária racionalidade.
VIII – O art. 23 da LRF, dentro das modificações de microscópica utilidade por esta LC 178/21, foi levemente modificado.
Informa que se não for obtida pelo ente público a redução de despesa dentro do prazo legal, e enquanto durar esse excedimento, o mesmo ente não poderá contratar operações de crédito, salvo se para pagar dívida imobiliária ou reduzir as despesas com pessoal.
A exemplo de dispositivo anterior, entendemos que as operações de crédito proibidas são apenas com entidades públicas, porque não se imagina proibir o Poder ou o órgão público de contratar empréstimo com um banco particular, em hipótese nenhuma. Tal seria interferir na autonomia constitucional daquele ente em questão de autoadministração ou de gerência, manietando sua autodeterminação em questões puramente civis – mesmo que cercada por limites constitucionais.
IX - O art. 31 da LRF teve modificado o inc. I do seu § 1º, em disposição que parece contrariar o que se afirmou acima, quanto a operações de crédito particulares – que nos parecem lícitas em qualquer caso, e também neste caso.
Com todo o respeito e acatamento devidos à disciplinadora lei nacional, não parece constitucional que a lei interfira em atos da vida civil da Administração pública, como, neste caso, impedindo-a de contrair empréstimos do sistema financeiro particular, em operação interna nacional.
Que operações externas sejam restritas é compreensível, na medida em que dependem de autorizações federais, porém daí a estender a proibição e a limitação a operações com o banco da esquina, que há décadas atende a entidade pública... com todo efeito, não parece nem um pouco admissível do plano constitucional.
A autonomia administrativa estadual e a autonomia administrativa municipal - cada qual garantida pela Constituição em um momento: art. 25 e art. 30, inc. I, respectivamente –, não nos parece admitir uma semelhante ingerência.
A lei nacional de finanças públicas, voltada sobretudo como foi à contenção de despesas com o pessoal do serviço público, entretanto não parece capaz nem suficiente para ditar normas de administração financeira corriqueira, comezinha, e por vezes quase doméstica, a Estados e a Municípios – sob o argumento, o pretexto ou a justificativa que for.
Entre a autonomia administrativa dos entes federados – pilar e baluarte do estado democrático de direito – e a interventividade nas finanças locais ainda que respaldada na Carta, ficamos com a primeira sem a menor hesitação.
Ninguém se olvide da lição verbal de Geraldo Ataliba, assaz de vezes repetida em palestras e simpósios, de que, ainda que todas sejam normas constitucionais, inquestionavelmente algumas são mais importantes que outras.
***
Assim pensamos - e não por razões de planejamento econômico e de finanças públicas mas sob ótica exclusivamente jurídica -, porém é preciso registrar o abalizado entendimento em sentido diverso, agora vendo as coisas sob o prisma econômico e de planejamento financeiro público, de Flávio Corrêa de Toledo Jr., para quem
O limite para operações de crédito alcança bancos públicos e, também, os privados. Aqui, o que importa é (evitar) o engrandecimento, não sustentável, da dívida pública.
Se um Estado ou um Município der calote em bancos particulares como o Bradesco, o Santander ou o Itaú, então os representantes do ente público, ato contínuo, pedem socorro à União, ou de outro modo o futuro precatório comprometerá os próximos programas de governo. (Comentário pessoal, a nosso pedido).
Temos certeza, por fim, que prevalecerá o entendimento acima, de Flávio Toledo, sobre esta legislação voltada antes a atender prementes necessidades de planejamento financeiro público do que a constituir-se em referência formal-jurídica.
E é preciso reconhecer que resulta marcadamente difícil ao legislador fazer observar com rigor os princípios e as regras puramente jurídicas em matéria que corre ao lado de, e em paralelo ao, direito, que é a economia e a finança pública.
X – O art. 32 da LRF já sofrera modificação pela Lei Complementar nº 159, de 19 de maio de 2.017, a qual acrescera o § 6º ao art. 32 da LRF. Desta feita nova alteração, pela LC 178/01, que acrescentou o § 7º ao mesmo art. 32. Comentem-se ambos, então.
Reza o primeiro:
§ 6o O prazo de validade da verificação dos limites e das condições de que trata este artigo e da análise realizada para a concessão de garantia pela União será de, no mínimo, 90 (noventa) dias e, no máximo, 270 (duzentos e setenta) dias, a critério do Ministério da Fazenda.
Este dispositivo fixou prazos, que até então inexistiam, para a oficial verificação dos limites, e da correção das condições, das operações de crédito a que se refere o caput, em verdade em mínimo e máximo e não impondo um prazo certo e inegociável. O mínimo é de 90 e o máximo de 270 dias, a critério do Ministério da Fazenda, que a cada caso examinará a sua disponibilidade para a tarefa.
Caso mesmo o prazo máximo seja ocasionalmente superado ou perdido pelos entes de controle, isso não impedirá a verificação extemporânea, uma vez que não se enxergam direitos prejudicados apenas pela inacuidade temporal, nem impedirá os efeitos de uma eventual rejeição, total ou parcial, do resultado daquela verificação.
O § 7º, acrescido pela LC 178/21, talvez pareça um daqueles dispositivos que não precisariam existir, porque as regras que expõe já parecem estar subsumidas nos fundamentos das leis orçamentárias, e nos da lei nacional de orçamento e contabilidade públicos. Mas quod abundat non nocet, terá pensado o legislador ([2]).
Reza que pode ser alterada a finalidade ou o objetivo da operação de crédito contraída por ente de qualquer nível de governo, sem oitiva do Ministério da Economia, desde que a) a lei orçamentária daquele ente, ou então a lei local que autorize a abertura de crédito adicional, ou então outras lei local específica, contenha essa autorização tredestinatória; b) que se demonstre o interesse social e econômico da mudança, e c) que a alteração não infrinja algum ouro dispositivo da própria LRF.
Trata-se portanto, além de que exista a autorização orçamentária e legal, de os setores competentes de cada ente que realizou operação de crédito demonstrar a presença dos elementos acima elencados em b e c acima, sobretudo em b que consigna uma obrigação positiva ou comissiva, uma obrigação de fazer.
Tudo isso, repetimos, parecia já implícito no regramento nacional de orçamento e finanças públicas, entretanto não é bem assim, entretanto, que as coisas ocorriam.
Ensina-nos Flávio Corrêa de Toledo Jr. que
Parece realmente chover no molhado, porém anteriormente se o Ministério da Economia e o Banco Central autorizassem financiamento para um Município comprar alguns tratores, e então a Prefeitura, autorizada para isso, resolvesse usar o numerário na reforma da sua estação rodoviária, então para tanto havia necessidade de nova autorização daqueles órgãos federais.
Agora, com esta nova regra, o próprio Município, mediante lei e cumprindo os demais requisitos do dispositivo, pode chancelar a mudança. (Comentário a nosso pedido).
Filiamo-nos, então, ao entendimento do especialista em finanças públicas, no sentido de que a alteração legislativa não foi sem motivo, e efetivamente facilitou as coisas para os entes que obtém aquela autorização de despesa.
XI – O art. 33 da LRF foi modificado, desta vez do modo mais ridículo que se possa imaginar, o que parece indicar que efetivamente faltava o que fazer ao legislador. É inacreditável que desperdice seu tempo desta maneira.
Acresceu a locução “de que trata o § 2º” ao § 3º do art. 33 da LRF, quando isso era evidente e forçado, sem leitura alternativa possível. Ninguém imaginaria que a reserva fosse outra. Se os subsídios dos legisladores – parlamentares ou agentes do Executivo – são pagos com dinheiro público para um serviço como este, estamos realmente mal.
O dispositivo da LRF a seguir alterado foi o caput do art. 40, artigo que também teve acrescido o § 11.
A modificação do caput foi para acrescer que as garantias dadas pelos entes públicos a operações de crédito deverão obedecer também a normas do Ministério da Economia sobre a classificação de capacidade de pagamento dos mutuários, e não apenas aquelas regras ditadas pelo Senado Federal, como era de praxe.
O controle se aperta para os entes que contraem empréstimos, ao que se sabe com carradas de razão e de motivo. Por mais que faça e tenha feito a lei de responsabilidade fiscal, os seus desideratos, as suas metas e os seus objetivos estão ainda tão longe de serem alcançados.
A austera mentalidade que tenta impor, e que em parte efetivamente foi imposta às autoridades quanto aos gastos públicos, ainda precisa avançar e consolidar-se, após tantas décadas – séculos ? – de inconsequência e impunidade como regras. Então, ainda que a burocracia seja incrementada neste passo, elogia-se a preocupação do legislador neste momento.
O § 11 foi também acrescido ao art. 40, porém, diferentemente do caput, agora de modo demagógico e eleitoreiro.
O parágrafo, que obriga audiência pública para discutir um assunto pelo qual as pessoas dificilmente se interessam e cujos contornos ignoram por completo, serve tanto quanto as audiências públicas previstas na lei de licitações, art. 39, para grandes contratos que o ente público pretenda celebrar: absolutamente nada, senão talvez para políticos discursarem com vistas à eleição subsequente.
As audiências públicas da legislação brasileira são uma faca sem lâmina da qual extraíram o cabo, ou algo como a pedra na sopa da picaresca narrativa, com a qual ou sem a qual a sopa resulta inalterada.
XII – Prosseguindo na leitura, tendo sido vetado o novo art. 42 da LRF com a redação que o projeto da, afinal, LC 178/21 pretendia, então, o resultado dessa providência foi manter inalterado o art. 42 da LRF, como se não tivera sido objeto de qualquer cogitação mudancista.
Uma coisa é certa, como adverte Flávio Corrêa de Toledo Jr.: sem o art. 42, com a redação que tem ou com outra pouco diferente mas semelhantemente eficaz, o país não podia nem pode ficar, tal é a sua importância no controle das finanças públicas e do comprometimento financeiro dos entes federados. No Estado de São Paulo em específico, o art. 42 é o fundamento de enorme percentual de pareceres desfavoráveis à aprovação de contas municipais.
XIII - Segue a LC 178/21 modificando o art. 51 da LRF, operando com boa qualidade.
O novo § 1º unificou as datas para Estados e Municípios encaminhar suas contas para a União, que eram duas em inútil burocracia.
O § 2º, também racionalmente, trocou “refinanciamento do principal atualizado” por pagamento. Poderia essa mentalidade simplificadora e diretista impor-se de vez na fatura das novas leis e das novas regras jurídicas de qualquer nível e natureza.
A mentalidade burocratizante sem maior utilidade mas viciante atrasa o país imemorialmente, e precisaria ser extirpada com estilete dos novos textos. Simplicidade e singeleza são ferramenta para poucos e refinados pensadores, enquanto que o culto da complicação pela complicação é o refúgio dos inseguros, dos hesitantes e dos claudicantes autores do que quer que seja, seres em geral mais pesados do que creme de papaya.
O último dispositivo da LRF alterado pela LC 178/21 é o caput do art. 59, que teve acrescido o trecho “consideradas as normas de padronização metodológica editadas pelo conselho de que trata o art. 67”, mantido todo o texto restante.
Trata-se de ouro dispositivo que se não existisse não faria a mais pálida diferença, indetectável por microscópio eletrônico de varredura ou pelo cálculo infinitesimal – cuja autoria é disputada por Leibnitz e por Newton.
Alguém deve ter reclamado ao legislador que o conselho previsto no art. 67 estava sendo negligenciado – naturalmente pelos que sabiam que ele existia, e desse modo a LC 178 chamou a atenção para a sua existência no caput de um artigo antecedente, na esperança de que talvez e doravante venham a ser consultadas as suas “normas de padronização metodológica”.
Lamenta-se que o conselho do art. 67 precise de uma esmola institucional como esta, que de resto dá a exata dimensão da sua importância e da sua relevância na “política de operacionalidade da gestão fiscal” ali referida, e seja lá isso o que for.
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Com tudo isso, a LC 178/21 não contribui senão muito pouco para a evolução técnica do nosso ordenamento jurídico, nesta específica matéria de controle da despesa pública e planejamento econômico-financeiro dos entes integrantes da federação.
Não existisse, então muito possivelmente o saldo institucional resultaria favorável.
[1] O que evoca a passagem bíblica segundo a qual a serpente, por haver traído o criador, foi condenada a rastejar permanente e eternamente. Esta passagem não resiste à pergunta de Pitigrilli: como ela se movimentava antes ?
[2] O que abunda não prejudica.