Artigo
PREÇO MÁXIMO E PREÇO MÍNIMO NA LEI Nº 14.133/21
PREÇO MÁXIMO E PREÇO MÍNIMO NA LEI Nº 14.133/21
Ivan Barbosa Rigolin
(mai/22)
I – Uma questão pacificada na Lei nº 8.666/93 pode agora ser reventilada em face da Lei nº 14.133/21, que será a única em vigor sobre licitação e contrato administrativo a partir de 1º de abril de 2.023: fixação pelo poder público de preço mínimo e preço máximo para os objetos das licitações.
A atual lei 8.666/93 no art. 40, inc. X, expressamente permite o preço máximo e proíbe o preço mínimo, e nesse sentido se pacificou o tema, após históricas vacilações anteriores quanto ao preço mínimo. Com efeito, pareceu ao legislador que não se deveria facultar ao edital que fixasse preços mínimos, se afinal praticamente toda licitação no país se dá à procura do menor preço.
Toda tentativa de parametrar ‘propostas inexequíveis’ naquela lei sempre se revelara um fracasso absoluto pela essencial subjetividade que tal julgamento implicava, até o advento dos §§ 1º e 2º do art. 48 por força da Lei nº 9.648/98, quando ao menos para obras e serviços de engenharia, licitados por menor preço, o preço inexequível passou a ser claro e objetivo. Bastava fazer as contas.
Quanto porém aos demais objetos, ou aos demais critérios de julgamento, o preço mínimo continuava (e continua pela Lei 8.666/93) simples e taxativamente proibido, e a conversa mole para boi dormir constante do inc. II do art. 48 continua representando um conto da carochinha para os seguidores de duendes, de papai-noel e de chupa-cabras. Uma gracinha legislativa !
II – E na, por ora, nova Lei nº 14.133/21, qual o panorama desta questão ?
Reza a lei:
Art. 18 (...)
§1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos: (...)
VI - estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação;
(...)
Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que: (...)
III - apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação;
IV - não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração; (...)
§2º A Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto no inciso IV do caput deste artigo.
§3º No caso de obras e serviços de engenharia e arquitetura, para efeito de avaliação da exequibilidade e de sobrepreço, serão considerados o preço global, os quantitativos e os preços unitários tidos como relevantes, observado o critério de aceitabilidade de preços unitário e global a ser fixado no edital, conforme as especificidades do mercado correspondente.
§4º No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração.
Não existe portanto nenhuma menção a preços mínimos mas apenas à exequibilidade das propostas, e isso com técnica e objetividade muito maiores que as empregadas na Lei nº 8.666/93.
Ponto para a nova lei, inquestionavelmente.
III - Diante da omissão da nova lei quanto a preços mínimos – e virtualmente sua proibição -, novas sendas se abrem ao aplicador, em boa hora.
Se ninguém é obrigado nem a fazer nem a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude lei – CF, art. 5º, inc. II , e se a nova lei não proíbe que o edital fixe preços mínimos do objeto (total ou parcial) das licitações, então temos de concluir, forçosamente, que pela Lei nº 14.133/21 o edital pode fixar preços mínimos, abaixo dos quais as propostas respectivas serão desclassificadas.
O assunto não é tão sério quanto possa parecer, nem deve despertar muita apreensão, senão pela questão: qual o interesse do poder público em estabelecer preços mínimos ?
Se as licitações são em geral – quase sempre – pelo critério do menor preço, então por que motivo o edital estabeleceria preços mínimos, para desclassificar propostas que não os atendam ? Que propósito teria o preço mínimo ?
III – Não é difícil responder.
O que se visa é tão só desclassificar propostas inexequíveis de obras ou de serviços, e para isso todo o aparato da lei.
Inexequível é o que não pode ser executado, por uma razão ou por outra. Nos círculos da engenharia se costuma afirmar que não existe problema que a engenharia não resolva. Basta o interessado ter o dinheiro suficiente.
Então, esse é o principal impasse da exequibilidade: existirem recursos materiais com que executar a proposta. Se alguém propõe realizar algo que o preço que propõe não cubra, isso é uma proposta inexequível, e não pode ser prestigiada pela Administração pública porque se trata de algo irresponsável.
Não se falou em compras porque estas supostamente já estão executadas, nas prateleiras dos fornecedores à espera de comprador, excepcionando-se aqueles objetos que ainda precisarão ser fabricados, hipótese em que, de tão cara a produção com relação ao material a ser empregado, muita vez atraem a classificação do objeto como como de serviços e não de compras. E nesse caso se pode cogitar inexequibilidade, sim.
O que já está executado obviamente não é inexequível; inexequível só pode ser algo ainda a ser executado, e em geral as compras já estão previamente executadas pelo fabricante. O problema da inexequibilidade se dá, com todo efeito, quanto a obras e a serviços, sejam quais forem.
IV – Se não tem muito sentido desclassificar propostas de compras por inexequíveis – já que basta ao agente licitador em diligência verificar se de fato existem já prontas as compras -, o risco de inexequibilidade se dá, repete-se, quanto a obras e a serviços.
E quanto a obras e serviços de engenharia o problema está resolvido pelo § 4º do art. 59, que deu a fórmula, sintética, precisa e melhor do que a da Lei nº 8.666/93, do que a lei entende por proposta inexequível, a ser desclassificada se não atender essa fórmula.
O problema resta quanto a outras obras e outros serviços, ou a objetos que precisem ser executados após contratados.
Então, se não tem cabimento desclassificar propostas de compras – de bens já existentes – por inexequíveis, quanto a objetos ainda a serem executados essa desclassificação fará todo sentido quando o próprio edital indicar os mínimos que não podem ser desconsiderados pelo proponente, indicando-os de forma expressa e clara.
V – Os mínimos legais são bastante raros no Brasil, constituindo-se em valores obrigatórios, que precisam ser pagos pelo operador do negócio, inexistindo escapatória.
Exemplificando dentro do curto rol, o salário mínimo ao empregado; os encargos sociais (INSS, FGTS, seguro de acidentes de trabalho, contribuições sociais) envolvidos; os impostos decorrentes da profissão, ou inerentes ao exercício da atividade; as taxas que se saibam obrigatórias, esses são encargos, custos ou despesas incontornáveis para o exercício de atividades empresariais que envolvam empregados contratados pela CLT, licenciamentos ou outras atividades tributadas e onerosas.
Vale dizer: dessas despesas ninguém que preste a respectiva atividade escapa. Não existe possibilidade jurídica nem material de o empresário que tenha empregados escape ao pagamento dos encargos trabalhistas e sociais pertinentes ao seu ramo, e a isso aqui se denominam os mínimos legais.
Se por exemplo se licitam serviços que pelo contrato público empregarão 100 (cem) trabalhadores em tempo integral, então a Administração jamais pode aceitar e classificar uma proposta que não consigne valor suficiente para pagar ao menos o salário mínimo a cada empregado, e ainda todos os encargos trabalhistas e sociais inerentes ao negócio.
Proposta que pretenda escamotar-se dessas obrigações viola os mínimos legais, e precisa ser desclassificada. Será muito mais simples e fácil aquela desclassificação se o próprio edital tiver planilhado aqueles custos e aqueles encargos, o que torna objetiva a rejeição.
Sendo assim inquestionável a inaceitabilidade da proposta que viole os mínimos legais - sobretudo quando sinoticamente indicados no edital -, então a inexequibilidade se evidencia, e não há como classificar proposta nesses termos.
VI - Eis aí portanto um exemplo comum e corriqueiro de vantagem na fixação do preço mínimo, que pode se aplicar a obras ou a serviços.
Naturalmente existem outros exemplos, como o de compras que ainda precisem ser fabricadas; em certos casos existem onerosas autorizações que precisam ser dadas aos fabricantes, e se esse custo não for contemplado na proposta torná-la-á materialmente inviável.
Mesmo que o proponente demonstre deter toda a quantidade de insumos necessária ao fabrico do bem após ocasionalmente ser contratado – o que reduz drasticamente seu custo de produção para aquele caso -, mesmo assim, dos encargos legais ou de tributação pertinentes ele não tem como escapar.
E se, visando vencer a competição, mergulhar no preço e desconsiderar tais custos em sua proposta – como é tristemente frequente sobretudo em pregões -, então não merecerá, como tecnicamente não poderá, ser classificado.
Ou seja: o preço mínimo, estabelecido no edital, fez sentido. A Lei nº 8.666/93 não admite a fixação de preços mínimos, porém a nova Lei nº 14.133/21, ao silenciar absolutamente sobre essa matéria, não o proíbe.
Repete-se: ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, é o que reza nossa Carta no seu art. 5º, inc. II.
Afastem-se com vigor todos os miasmas e os abantesmas, falsamente jurídicos, que podem assombrar as mentes de desavisados, os quais imaginem que, apenas porque uma conduta até agora esteve proibida por uma lei, continuará sempre proibida.
Quantos e quantos milhares de comportamentos eram e estavam vedados até ontem, e hoje são a coisa mais trivial deste mundo ?
Quantos procedimentos eram proibidos, e neste momento, mais do que simplesmente permitidos, passaram a ser recomendados ?
O direito, como o mundo, é absolutamente mutável, evolutivo, dinâmico, operacional, na sua precípua função instrumental de servir a sociedade - da melhor maneira como pareça a cada momento ao legislador. Direito é meio e não fim, reitere-se à exaustão.
Se algum um procedimento simplesmente tem lógica – ainda que ontem fosse proibido mas que hoje não mais o é -, e se esse procedimento é útil ou necessário, então não faz sentido o aplicador negar sua condição de ser pensante para ali entrever obstáculos que não existem.