A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O TEMA 897, DO E. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O TEMA 897, DO E. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Gina Copola

Publicado no Boletim de Administração Pública Municipal, Fiorilli, jan./17, assunto 308; Fórum Administrativo, mar./2017, p. 45; Boletim de Administração Pública e Gestão Municipal, ed. Governet, jul./17, p. 1005

I – Conforme é cediço em direito tramita perante o e. Supremo Tribunal Federal o Tema nº 897, que versa sobre a prescrição da pretensão de ressarcimento ao erário por ato de improbidade administrativa, com leading case 852475, relator Ministro Teori Zavascki.

O tema é tormentoso, e que tem causado dissenso entre os aplicadores do direito.

Isso porque existem aplicadores do direito que defendem a absoluta imprescritibilidade das ações de improbidade administrativa de ressarcimento ao erário, com fulcro no art. 37, § 5º, da Constituição Federal.

II - Ocorre, porém, que a imprescritibilidade em ações de ressarcimento ao erário pode ser conferida apenas ao ente público lesado, e não ao e. Ministério Público, que, conforme é sabido, possui legitimidade extraordinária, conforme ensina Mauro Roberto Gomes de Mattos[1]. Vejamos:

“Por outro lado, no caso das ações de ressarcimento ao erário, consideradas pelo art. 37, § 5º, da CF, como imprescritíveis não se pode deixar de observar que mesmo elas não se vinculando ao lapso do tempo, o Ministério Público por possuir a legitimação extraordinária terá a contagem de prazo para exercer o seu múnus público nos cinco anos legais. Após o transcurso deste prazo, somente o ente público lesado é que terá a legitimidade ativa, em tese, para ingressar perante o Poder Judiciário, vindicando que retorne ao erário o que lhe foi subtraído de maneira ilegal e imoralmente.” (com itálicos nossos)

E conclui o autor, com habitual acerto:

“Entender a regra constitucional inserta no art. 37, § 5º, como a consagração de uma imprescritibilidade, por mais relevante que seja coibir a lesão ao erário, é subtrair o Estado de Direito em que vivemos.”

III - Nesse mesmo exato diapasão, já decidiu o e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no Agravo de Instrumento nº 34716/2008, 9ª Câmara Cível, julgado em 27 de janeiro de 2.009, com o seguinte excerto:

“Assim, no caso de ação de ressarcimento ao erário, mesmo não se vinculando a um lapso de tempo, o Ministério Público por possuir a legitimação extraordinária terá a contagem de prazo para exercer o seu múnus publicum no prazo fixado na Lei 8.429/92, de cinco anos. Após o transcurso deste prazo, somente o ente público lesado é que terá a legitimidade ativa, em tese, para ingressar perante o Poder Judiciário, reivindicando o ressarcimento do erário.”

IV - Sobre o tema, traz à colação irrepreensível estudo do professor George Louis Hage Humbert[2], intitulado A prescrição na ação de ressarcimento ao erário nas ações de improbidade administrativa: comentário à jurisprudência do STJ, cuja conclusão pedimos vênia para transcrever em sua íntegra, por ser deveras elucidativa:

“A matéria em debate é controvertida na doutrina e na jurisprudência pátria. Apontamos que a ação de ressarcimento ao Erário é prescritível, ao menos por cinco fundamentos desenvolvidos supra e abaixo sintetizados:

(i) a Constituição, quando declara a imprescritibilidade de ações, sempre o faz de forma expressa, o que não é o caso das ações de ressarcimento ao Eerário;

(ii) a ressalva contida na parte final do art. 37, § 5º, da Constituição se refere à lei aplicável à espécie. Não previu nesta hipótese – porque necessário o fazer de forma expressa e clara – a imprescritibilidade;

(iii) se lesões ao Erário, como o não pagamento de tributo, além do próprio ato de improbidade administrativa e ofensas dele decorrentes são prescritíveis, a lesão ao Erário (uma das possíveis decorrências do ato de improbidade) também deve ser, sob pena de se violar o princípio da igualdade;

(iv) uma ação de natureza indenizatória e de efeitos exclusivamente patrimoniais não pode ser imprescritível sem ofensa ao princípio basilar da segurança jurídica e da garantia da ampla defesa;

(v) a questão possui natureza essencialmente constitucional e deve ser decidida através da manifestação do órgão juridicamente competente, para em última análise, interpretar a Carta Magna: o Supremo Tribunal Federal.”

O artigo do professor George Louis Hage Humbert dissipa qualquer dúvida sobre e tema, e joga pá de cal sobre o tema, e invoca de forma percuciente os mais importantes princípios jurídicos, que são o da segurança jurídica e o da ampla defesa, que devem se sobrepor a qualquer outro, em nosso singelo entendimento.

E mais: o irrepreensível artigo aqui citado invoca exatamente a manifestação do e. Augusto Sodalício, a quem está submetida a apreciação do Tema nº 897, que determinará a diretriz a ser adotada em tais casos.

V - Há quem entenda, porém, que o prazo prescricional de cinco anos serve apenas para a aplicação das penas de suspensão de direitos políticos, perda da função pública, e proibição de contratar com o poder público, mas não para a pena de ressarcimento de danos ao erário, que é imprescritível.

Nesse sentido, já decidiu o e. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1067561-AM, Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 05/02/2009, e publicado em Dje de 27/02/2009, com a seguinte ementa:

"ADMINISTRATIVO - AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – SANÇÕES APLICÁVEIS - RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO PÚBLICO - PRESCRIÇÃO.1. As punições dos agentes públicos, nestes abrangidos o servidor público e o particular, por cometimento de ato de improbidade administrativa estão sujeitas à prescrição quinquenal (art.23 da Lei nº. 8.429/92).2. Diferentemente, a ação de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário é imprescritível (art. 37, § 5º, da Constituição).3. Recurso especial conhecido e provido.”
Não concordamos, porém, com tal entendimento, vez que o art. 23, da LIA, não elabora qualquer distinção nesse sentido, e impõe a prescrição qüinqüenal para todas as penas previstas no art. 12, da mesma LIA, e, respeitosamente, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo, conforme reza o célebre adágio.

VI - O e. STJ, porém, em outro julgado, decidiu que o art. 23, da LIA, regulamentou somente a primeira parte do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, e, desse modo, ao ressarcimento de danos ao erário incide a prescrição vintenária, e não a qüinqüenal. É o que se lê do Recurso Especial nº 960926-MG, Ministro Carlos Meira, Segunda Turma, julgado em 18/03/2008, e publicado in Dje de 01/04/2008, com o seguinte excerto da ementa:

“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO. MULTA CIVIL. DANO MORAL. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. 1. Afastada a multa civil com fundamento no princípio da proporcionalidade, não cabe se alegar violação do artigo 12, II, da LIA por deficiência de fundamentação, sem que a tese tenha sido anteriormente suscitada. Ocorrência do óbice das Súmulas 7 e 211/STJ.2. "A norma constante do art. 23 da Lei nº 8.429 regulamentou especificamente a primeira parte do § 5º do art. 37 da Constituição Federal. À segunda parte, que diz respeito às ações de ressarcimento ao erário, por carecer de regulamentação, aplica-se a prescrição vintenária preceituada no Código Civil (art. 177 do CC de 1916)" – REsp 601.961/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 21.08.07.”
Não podemos concordar com tais ilações, vez que o prazo prescricional para a propositura de qualquer ação de improbidade administrativa, contendo qualquer pedido contido no art. 12, da LIA, é de cinco anos, conforme se lê do art. 23, inc. I, da LIA – a não ser que exista previsão  de prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego, nos termos do inc. II, do mesmo art. 23 -, e tais disposições não colidem com o art. 37, § 5º, da Constituição Federal, que, a seu turno, prevê a imprescritibilidade das ações contendo pedido de ressarcimento ao erário, porém desde que seja qualquer ação judicial movida pelo próprio ente lesado.

VII - Sobre o tema já decidiu de forma elucidativa o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação nº 994.09.296271-5, relator Desembargador Ferraz de Arruda, 13ª Câmara de Direito Público, julgado em 09/06/2010, com a seguinte ementa:

“Ação Civil Pública - Improbidade administrativa - Cumulação do cargo eletivo de vereador e função de confiança na administração municipal - Ocorrência de prescrição - Inteligência do art. 23, I, da Lei 8.429/92 - Fluência a partir da data em que o réu deixou de exercer a função pública comissionada – Recurso provido - Declarando a lei que prescreve o direito de levar a efeitos as sanções nela previstas, está prescrito também o ressarcimento, enquanto sanção decorrente da imputada improbidade, que já não mais pode ser reconhecida nesta demanda.” (grifos originais)

Com todo efeito, a sanção de ressarcimento do ato de improbidade administrativa – mesmo que seja o ressarcimento – prescreve em cinco anos, assim como o direito de argüir e fundamentar em Juízo.

VIII – Diante de tais argumentos é forçoso concluir que a decisão sensata a ser adotada pelo e. Supremo Tribunal Federal no caso que aqui se enfrenta – prescrição da pretensão de ressarcimento ao erário em ação de improbidade administrativa movidas pelo e. Ministério Público – é a de se decretar a prescritibilidade de tais ações nos termos do art. 23, da Lei federal nº 8.429, de 1.992, sob pena de patente afronta aos princípios da segurança jurídica e da ampla defesa, que não podem sequer periclitar.

É nosso singelo entendimento.

[1] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de, O limite da improbidade administrativa, 4ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2.009, p. 714/715.

[2] HUMBERT, George Louis Hage, São Paulo: IOB de Direito Administrativo, maio/2010, p. 184.