LICITAÇÕES E CONTRATOS NAS EMPRESAS ESTATAIS (9ª PARTE)

AS   LICITAÇÕES    NAS    EMPRESAS  ESTATAIS  PELA LEI     Nº 13.303, DE 30 DE JUNHO DE 2.016

 Ivan Barbosa Rigolin

(set/17)

 

Nona parte

Art. 67

Aborda-se e se disciplina aqui outro tema moderno, de informática dentro do direito, o catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, anunciado como fora no art. 63, inc. IV.

A padronização do que quer que fosse sempre foi uma excelente idéia onde quer que se desse, dentro do poder público ou fora dele, e provavelmente na maioria das sedes constitui não apenas uma idéia mas uma verdadeira necessidade funcional ou operacional, e estética. Imagine-se uma repartição destinada ao atendimento do público com cem cadeiras, uma de cada estampa, e com cada dependência pintada de uma cor, e com computadores um de cada marca ou modelo existente no mercado. 

Ou então se imagine uma polícia sem uniforme, ou as forças armadas sem padrão algum do que seja, ou os veículos policiais um de cada marca e cor, ou de outro modo qualquer outra situação virtualmente absurda e que se deva à falta de padrão técnico, estético e funcional.  Nada faria sentido, com todo efeito, a mera idéia parecendo brincadeira.

Se é uma vantagem e uma atitude desejável, então tudo o que se puder encetar em prestígio da padronização do quer que seja na estatal merece acolhida e incentivo, dentre o quê este catálogo eletrônico de padronização.

Nada mais constitui que o acervo eletrônico, ou a reunião, ou a listagem, dos bens, dos serviços e das obras que tenham sido padronizadas oficialmente pela estatal, por ato da sua diretoria que haja observado as regras internas da entidade quanto aos aspectos materiais, formais e de divulgação.  E   sobre tudo isso a estatal, como de resto qualquer repartição pública ainda em nosso país, é e sempre foi inteiramente livre quanto aos parâmetros a seguir e à sua operacionalização.

Ainda que a lei nada dissesse sobre este assunto não se imagina como pudesse a prática das estatais ser diferente. Existe hoje em dia algum cadastro, registro, catálogo ou listagem fora de um arquivo de computador ?  Não, e por bem ou por mal não mais se o concebe, como se fora um borrador de açougueiro ou um livro de contabilidade de um metro quadrado, a pesar duas arrobas e sob a diligente escrituração do contador debaixo de uma lâmpada pendurada sobre sua cabeça,  sob a viseira característica.

Falar-se em registro ou catálogo eletrônico hoje em dia já é estilo ultrapassado, pois que ninguém imagina possa haver algum que não o seja.  O garoto de três anos de idade aprende a escrever seu nome no computador, jamais na velharia do papel e daquela indecifrável caneta. Aos poucos as pessoas desaprendem de escrever a mão - e não se duvide disso.  Quanto aos médicos, entretanto, a idéia resulta excelente...

Nenhuma surpresa contém portanto a oficialização do catálogo eletrônico de padronização de produtos, serviços e obras, dentro do que  cada item contiver de  padronizável - sendo muito mais fácil compreender a padronização de bens, e de obras por seus projetos, que a de serviços, mas vale a idéia porque também alguns serviços, sobretudo contínuos e essenciais ao serviço da estatal, sempre repetidos exatamente iguais ao longo de anos, podem ser padronizados em sua descrição, para todos os fins.

O parágrafo único do artigo não prima pela clareza. Informa que o catálogo eletrônico de padronização poderá ser utilizado em licitações por menor preço ou maior desconto, e até este ponto nada há de novo, até porque o menor preço é a regra geral da licitação, rarissimamente excepcionada por outro critério, e não se imagina como bens padronizados pudessem ser licitados senão por menor preço: se o bem já está definido previamente, o único que variará na licitação será a dinâmica dos preços s serem propostos.

A parte que segue é que envolve o mistério: o catálogo "conterá toda a documentação e todos os procedimentos da fase interna da licitação, assim como todas as especificações dos respectivos objetos, conforme disposto em regulamento", e o destaque é nosso.

Que diabo disso seria aquilo em destaque ? Um catálogo de produtos padronizados é uma lista de produtos (bens, serviços ou obras) com suas suficientes descrições, para que de antemão os licitantes saibam o que está sendo licitado, e com isso saibam se têm o objeto para oferecer em licitação.

Que diabo, repita-se a luciferiana indagação, tem então a ver uma lista de objetos padronizados com toda a documentação e todos os procedimentos da fase interna da licitação

Que catálogo de padronização seria esse, que elenca documentos habilitatórios na licitação ?

Desde quando se podem padronizar documentos habilitatórios, se os objetos das licitações variam ao infinito, mesmo que estejam padronizados ?

E como pode um catálogo de bens, obras e serviços conter documentação de habilitação em licitação ?

A lei nessa parte não faz o menor sentido, e o legislador, nesse ponto,  parece um iniciante no primeiro dia de aula sobre qualquer coisa, em que não conhece absolutamente nada do que virá. Não se compreende um disparate  como este, que deve ser simplesmente ignorado pelo aplicador, porque nenhum catálogo de bens padronizados, seja eletrônico, seja impresso, seja manuscrito em escrita cuneiforme, deve conter outra coisa senão a lista dos produtos padronizados, sejam bens, sejam equipamentos, sejam obras por seus projetos, sejam serviços - mas nada de documentação, por favor  !

Catálogo eletrônico de padronização não é  edital de licitação, o qual deve, esse, sim, conter toda a exigência documental da licitação. Se para demonstrar que o seu produto atende a padronização constante do catálogo o licitante precisará apresentar algum documento, então que o edital o diga com todas as letras.

Mas nunca se pode baralhar conteúdo de um catálogo de bens padronizados, que é uma simples lista de bens com suas descrições, todos previamente padronizados pela estatal, com documentos sejam quais forem. O catálogo é de bens padronizados, não de documentos do que quer que seja. Se estes são necessários junto com os bens em licitações, então que cada edital de licitação o informe, preservando o objeto do catálogo de invasões de matéria estranha e de poluições documentais.

O parágrafo menciona ainda a vulgar, absolutamente desprestigiada, banal e desprezível fórmula "conforme disposto em regulamento". O que se sabe é que com regulamento, sem regulamento ou apesar de algum regulamento a regra legal é sempre  a mesma, e quase sempre só em si já dá todos os meios para a perfeita execução da lei, sendo raros os casos em que a eficácia da ;lei fica de fato contida até a expedição de um regulamento.

O regulamento se tornou no Brasil  algo como a pedra na sopa da jocosa narrativa, segundo a qual com pedra ou sem pedra a sopa é rigorosamente a mesma. 

Um só exemplo da absoluta desprezibilidade dos regulamentos é o caso do registro de preços, previsto na lei de licitações. O  art. 15, § 3º, da Lei nº 8.666/93 prevê que o sistema de registro de preços será regulamentado por decreto. A lei é de 1.993, e o primeiro regulamento sobre o tema foi o Decreto n 3.931, de 18 de setembro de 2.001, editado portanto oito anos após a lei, sendo que desde 1.993 sempre se realizou registro de preços na Administração pública brasileira, mesmo sem o anunciado regulamento.

Aqui a história se repete, e por diversas vezes dentro desta lei das estatais, o que justifica o inconformismo de Millôr Fernandes: é certo que a história se repete, mas precisava se repetir tanto ?

 

À GUISA DE CONCLUSÃO

Estes são os artigos da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2.016, sobre licitações nas entidades estatais, que são as empresas públicas e as sociedades de economia mista, de todo nível governativo e de toda natureza.

Recapitulando,  a lei se torna de obrigatório cumprimento pelas estatais em 24 meses a contar da sua vigência, as quais estatais nesse prazo precisarão adaptar seus regulamentos de licitações às  regras da lei, ou seja: fazer reger suas licitações por normas internas - como regimentos ou regulamentos - que se conformem com as da Lei nº 13.303/16. A estatal que não o fizer, que então siga a própria lei, sem maior cerimônia.

A lei contém, a nosso ver, defeitos técnicos bastante sérios, francamente evitáveis se o legislador, de um lado,  fosse bem assessorado como parece não ter sido, e de outro lado, mesmo que o tenha sido mais do que parece, tivesse ouvido a assessoria e - talvez, porque é sempre assim -  não tivesse permitido alterações deletérias do texto ao longo do processo legislativo, as quais transformam projetos de leis por vezes razoáveis em monstros de sete cabeças - como é a lei de licitações.

A lei se constitui de uma colcha de retalhos ou um pasticcio de diversas outras leis, como a das licitações, a do pregão, a do infame e asqueroso regime diferenciado de contratações, e outras ainda, esporadicamente. De vez em quando o legislador-compilador acertou e o dispositivo saiu tecnicamente adequado, mas lamentavelmente não foi essa a tônica de toda a lei nesta parte de licitações, que deixa muitíssimo a desejar.

Não é com esta lei - nesta parte de licitações, que tem momentos inegavelmente bons - que a qualidade média da produção legislativa brasileira terá evoluído, muito lamentavelmente.  Quanto à qualidade de nossas leis não se experimenta avanço nenhum no país há décadas, porém uma piora que até a jejunos e a neófitos no ramo chama à atenção.  A lei das estatais não escapou desse atro destino.

Augura-se que correções do texto - e atenção: não se fala de aperfeiçoamentos nem de acabamentos, mas de essenciais correções, no sentido chão e cru da palavra -  sejam encetadas de modo drástico, mas desta vez, se não for esperar demais,  sendo entregue o trabalho a profissionais do ramo e não a agentes do Executivo e a parlamentares que  um dia são arrojados na função legislativa e, sem noção do que significa,  produzem o trabalho que se nos apresenta.

Não seria por certo uma lei como esta que o país ansiava desde a promulgação da Carta de 1.988, e pela qual tanto se clamou. Elaborada, discutida, aprovada  e promulgada como talvez o tardio desencargo de uma obrigação do Legislativo, na parte de licitações mantém entretanto a marca do essencial alheamento do autor acerca do tema, como nos últimos anos se vem  alheando o Congresso de quase tudo que lhe compete institucionalmente realizar, sob o invariável desapontamento do cidadão e do eleitor.

Valeu o esforço, e muito pouco mais quanto ao resultado.

 

CONTRATOS NAS ESTATAIS - LEI Nº 13.303/16

 Ivan Barbosa Rigolin 

Primeira parte

 Este artigo completa os comentários a toda a matéria relativa a licitações e contratos existente na assim dita lei das estatais, a Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2.016, tendo sido publicada a parte de licitações, compreendendo os arts. 28 a 67,  em dez artigos, ou em dez partes.  Seguem agora os comentários aos arts. 68 a 84.

Até pelo número de artigos já se denota que a  parte sobre contratos da lei das estatais é sensivelmente menor que a sobre licitação,  e, a par disso,  se ateve de modo ainda mais apertado à lei de licitações, arts. 54 a 80.

Muita vez a LE apenas  abreviou e resumiu aqueles artigos inspiradores integrantes da lei das licitações, quando não,  acolhendo aquelas regras tradicionais e amplamente conhecidas, pura e simplesmente  reproduziu alguns sem alteração.

 A matéria portanto, dentro do direito brasileiro, praticamente nada tem de original, representando, antes, uma muito importante simplificação do disciplinamento dos contratos com relação àquele constante da Lei nº 8.666/93 - cujos comentários em matéria de contratos servem em grande parte à LE.

O que resultou de mais importante em questão de contratos das estatais, entretanto, é a seguinte constatação, que se extrai já da primeira leitura: os contratos das estatais são  civis, comuns, e não contratos administrativos.

Com  efeito, todas as cláusulas e descritivos legais constantes da lei das licitações para os contratos da administração direta, autárquica e fundacional foram cuidadosamente evitados na lei das estatais.

A lei das estatais na sua parte de contratos cuidou atentamente de retirar toda e qualquer caracterização daqueles ajustes como contratos administrativos,  excluindo mesmo alguma simples ou eventual menção a contratos administrativos. 

Ou seja:  qualquer  matéria equivalente aos arts. 54; 57, § 1º, incs. I a VI;  58, 65, 78 e 79, todos da lei de licitações, na LE simplesmente inexiste, descaracterizando por completo qualquer mínima possibilidade de  configuração de contrato administrativo.  Apenas confirmou que, também em sede de contratos, não há mal que sempre dure.

Andou nesse passo muitíssimo bem  a lei, e consagrou o que a melhor doutrina sempre defendeu, uma vez que não se imagina, em sã consciência do direito, que empresas possam celebrar contratos de uma natureza que que apenas faz sentido  quando o contratante  é o próprio poder público, seja por entes do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais de Contas, das autarquias que não sejam corporativas especiais e das fundações públicas.

Empresas, constituídas como são sob a forma do direito privado - ainda que com participação de dinheiro público em percentual ou na totalidade do capital social -, não deixam de ser empresas e de se reger pelo direito empresarial e não pelo direito público. Não é o dinheiro público inicial que transforma uma empresa em outra coisa.

As empresas tradicionalmente não sabem, não querem saber e, possivelmente, têm muita raiva de quem saiba o que são contratos administrativos - afinal são empresas, e não Prefeituras, Tribunais ou autarquias.

Se o Estado, na sua incansável criatividade, inventa autarquias, depois fundações públicas, depois empresas públicas, depois sociedades de economia mista, depois organizações sociais, depois parcerias público-privadas, depois consórcios públicos,  uma após a outra sem cessar, então precisa saber o que é e o que significa cada  uma dessas entidades, e saber que são essencialmente diferentes entre si, e saber exatamente quais são essas diferenças institucionais, jurídicas, operacionais, técnicas, financeiras, contábeis e de quantas outras naturezas possam existir.  Não se concebe ao inventor desconhecer as características do ser que inventou.

Se o poder público institui empresas, nesse passo abre mão do regime de direito público que seria aplicável caso fossem, por exemplo,  autarquias. Se necessita agilidade, dinamismo empresarial, velocidade operacional, maior liberdade de negociação - ou em suma se precisa de gestão empresarial e não de letargia pública -, e se para isso cria empresas, então que doravante observe e respeite a natureza do ente que criou. 

Se ingressou no, e avançou pelo,  mundo empresarial quendo não precisava fazê-lo,  então que vista a camisa  da realidade institucional da empresa, que em quase tudo, para seu gáudio,  refoge ao regime do direito público.  Condenar uma empresa a ter regime de direito público seria o mesmo que negar a identidade da mesma empresa, como matar o boi para livrá-lo do berne.

Assim sendo a realidade, os contratos das estatais serão tudo menos, felizmente para todos os habitantes do universo, administrativos ([1]).

 Art. 68

Confirmando o anunciado, a só leitura deste artigo, que só tem o caput, já evidencia que os contratos das estatais são civis ou privados, e não administrativos ou sob regime de direito público. Desfaz-se um mal-entendido que durou um quarto de século, desde a Lei nº 8.666/93 que arrojou as estatais no balaio das entidades do estado sem diferenciação com relação aos entes verdadeiramente públicos, integrantes da Administração direta e indireta. A LE, quanto aos contratos, repõe as coisas no lugar e na ordem jurídica adequada.

Reza que os contratos das estatais regulam-se pelas suas cláusulas. pelo disposto nesta lei e pelos preceitos de direito privado. Em momento algum tangenciou-se o regime administrativo dos contratos, uma vez que eles na melhor técnica jamais foram concebidos nem concebíveis para empresas públicas nem para sociedades de economia mista, nem muito menos para empresas que em dado momento passam a paetencer ao estado.

Se a lei das licitações tratou os contratos das empresas estatais com grosseria jurídica tal que as pareou com os entes públicos, fê-lo por incúria e desmazelo exemplares, que sempre foram combatidos com veemência pela doutrina toda uníssona desde o primeiro momento, em 1.993. Parece que a partir desta LE o problema se resolve.

É evidente que em primeiro lugar se deve ter a lei como fiundamento do contrato, seja a LE, seja principalmente a legislação civil, a começar pelo Código Civil. Depois da lei, e dentro da lei,  a seguir  entram em cena as cláusulas do contrato, as quais, repitam, devem conformidade apertada ao que a lei permite, sendo esse o limite - portanto legal -  de discricionariedade imposto às partes. Dentro da lei em princípio os contratantes são livres para dispor e depois para negociar.

No mais, em surgindo demanda, prebenda ou disputa que não se possa resolver nem pela lei nem pelo contrato, então as partes deverão aplicar os princípios de direito civil, ou de outro direito privado como é o comercial quando for o caso, para tentar dirimi-la da melhor forma.

O direito público ficou de fora, o que resulta juridicamente perfeito em se tratando de negócios empresariais, ainda que com empresas do estado. Em direito como na vida, cada macaco em seu galho.

 Art. 69

Equivalente ao art. 55 da lei das licitações porém convenientemente mais curto e objetivo, este dispositivo elenca os coneteúdos necessários dos contratos celebráveis pelas estatais, nos seus incs. I a X. Os incs. I a IX são praticamente cópias dos equivalentes incisos do art. 55 da lei das licitações, e apenas o inc. X, obrigando que exista a matriz de riscos, é que inova.

O inc. I manda que o contrato contemple o objeto, com seus elementos característicos.  É que mesmo o óbvio em direito geralmente precisa estar escrito com todas as letras, como aqui ocorre. Um contrato sem objeto será como um homem sem cabeça, ou um objeto sem corpo.

O objeto deve estar ao menos sinteticamente descrito no  articulado do contrato, e tão minuciosamente quanto necessário nos  anexos daquele instrumento. Os  anexos se prestam muito mais adequadamente para detalhamentos e minudenciamentos que o corpo principal  do contrato, ao qual se recomenda sobriedade e concisão.

Para completas descrições de objetos é que existem os anexos nos editais e, sendo o caso, nos contratos, recordando-se sempre que aqui, tal qual na lei das licitações, ao início o contrato integra o edital, e no segundo momento é o edital, completo, que integra o contrato.

Parece despiciendo enfatizar que qualquer objeto lícito e adequado ao direito é permitido aos contratantes, seja ou não licitado o contrato. A natureza e o escopo de cada estatal é que determinará a sua conformação e todas as suas características, dentro de cada ocasional necessidade e conveniência.

O inc. II prevê que o contrato indique o regime de execução (em se trtando de obras ou de serviços) ou a forma de fornecimento (caso seja de  compras o objeto). Os regimes de execução das obras e dos serviços de engenharia são aqueles previstos nos incs. I a VI do art. 43, e quanto aos demais serviços a lei nada diz, porém nada impede a aplicação de algum daqueles seis regimes mesmo que o contrato seja de outros serviços que não de engenharia, porque em essência nada têm de incompatível uns com outros, exigindo-se apenas pequenas adaptações lógicas.

O art. 42 define os regimes, e norteadamente por aquelas definiçòes o regime de cada contrto de obra ou de serviço haverá de ser o escolhido, conforme a conveniência de cada momento.

O inc. III reproduz o inc. III do art. 55 da lei de licitações. Deve o contrato prever preços e condições de pagamento, critérios, data-base e periodicidade de reajustamentos, e os fatores de atualização monetária entre a data do vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento. Naturalmente não poderia o contrato deixar de estabelecer preço e condições de pagamento, nem, se houver, data e fator de reajuste, já que essas são cláusulas essenciais.

Está entretanto desatualizada, tendo perdido toda importância, a previsão de atualização das parcelas pagas com atraso, em face da pouca inflação - oficial - que se veirifca no país nos últimos anos. Se esse fator já era menosprezado mesmo com a inflação galopante ao início da lei de licitações, hoje em dia costuma ser desprezível, e simplesmente ignorado em editais e em contratos, sem reclamação de quem quer que seja.

O inc. IV também repete matéria da lei de licitações, e informa que o contrato deve conter previsão de todos os prazos a cumprir pelas partes, como os de início, de etapas distintas de execuçào, de observação,  de entrega e de recebimento, sempre que cabíveis.  Se ainda existirem outros prazos a observar, é também por força deste inciso que o contrato os deverá consignar expressamente - ou de outro modo simplesmente inexistirão, eis que o contrato é, como se sói afirmar, a lei entre as partes. A previsào é igualmente essencial à perfeição formal doc ontrato.

O inc. V cuida das garantias que a estatal contratante acaso exija, "observado o disposto no art. 68"- e confessamos não saber o que isso significa, já que nada tem o art. 68 com garantias. Então, parece que a menção àquele art. 68 constitui um simples erro, já que o dispositivo a ser corretamente observado é o art. 70, este, sim, a disciplinar a questão das garantias, e o fazendo semelhantemente ao que fez a lei de licitações.

O inc. VI também lida com matéria essencial, relativa aos direitos e as responsabilidades das partes contratantes, assim como alude às eventuais infrações na execução e suas correspondentes penalidades, sobretudo multas, tudo isso a ser obrigatoriamente estabelecido no contrato dentro do que contiver de previsível - pois que amiúde ocorrem infrações e irregularidades, inimagináveis com antecedência, na execução.

O tema não é muito fácil de disciplinar na lei senão deste modo genérico, uma vez  que cada contrato terá conteúdos próprios e específicos, a ensejar penalidades equivalentemente específicas por eventuais infrações, e multas na mesma esteira, sendo tudo isso, muita vez,  pontual e casuístico em grande medida, e com tanto intransferível de um para outro contrato.

O que se espera das autoridades elaboradoras dos contratos é moderação, bom-senso e equitatividade nestas fixações, que devem ser razoáveis e proporcionais em qualquer hipótese, jamais abusando a estatal de seus naturais poderes de parte forte na relação contratual - algo sempre repugnante seja qual for o ente público contratante.

O inc. VII manda que o contrato preveja os casos, ou as hipóteses, de rescisão. Perfeito e coerente, muito mais que a previsão idêntica que consta de lei de licitações, porque naquela lei existe um artigo que elenca as dezoito hipóteses de rescisão do contrato adminsitrativo, e, se existe, não tem muito sentido que o contrato também as preveja, quando a lei já esgotou o assunto.

Como esta LE não contém nada parecido com o art. 78 da lei de licitações, então faz todo sentido este inc. VII, e as hipóteses de rescisão poderão ser livremente elaboradas para cada contrato, obviamente dentro de parâmetros usuais e praticados nas empresas - muito mais do que nos entes públicos, advirta-se,  porque os contratos das estatais não são administrativos mas privados. A inspiração para o conteúdo rescisório dos contratos das estatais é portanto civil, não administrativista - com a graça das potestades celestes.

O inc. VIII reproduz o inc. XI do art. 55 da lei das licitações, e é de muito boa qualidade. Manda que o contrato estabeleça - em outras palavras - que o edital da licitação se houve, ou o termo de dispensa ou inexigibilidade se foi o caso, e sempre a proposta do contratado, tudo isso integre o contrato como se nele estivesse inteiramente transcrito.  Esta integração deve estar escrita no contrato, com todas as letras.

Ótimo, pois que não se admite nem se imagina como o edital poderia licitar uma coisa, e o contrato obrigar a outra. Esta regra impede  formalmente e desde logo qualquer discrepância entre edital e contrato, e viabiliza impugnações a editais que as contenham,  a tempo de serem corrigidas antes do certame.

O inc. IX é calcado no inc. XII do art. 55 da lei de licitações, é  outra previsão tida como muito útil à Administração - ao menos à sua fazenda e aos órgãos de arrecadação. O INSS está na sua origem, pelos motivos mais compreensíveis: se não bem fornido de dotação o órgão da previdência nacional, rui o país inteiro, com suas dezenas  de  milhões de aposentados e pensionistas. Não se imagina catástrofe maior, nem semelhante.

Serve a licitação e o contrato para garantir que ao menos os licitantes e os contratados estejam em dia com suas obrigações previdenciais, porém o escopo do inciso é maior, já que o edital pode estabelecer quais documentos habilitatórios deverão ser renovados a cada mês pelo contratado, como condição de regularidade do próprio contrato.

E dentro desse rol devem estar os documentos vencíveis no tempo e não outros, como atestados de desempenho anterior ou contrato social, que não vencem nem caducam. (Quem demonstrar ter construído as pirâmides do Egito ou as catedrais góticas francesas estará habilitado, em matéria de desempenho anterior,  per omnia saecula saeculorum). Mas o edital deverá indicar expressamente quais são esses documentos, não podendo silenciar ante questão tão relevante para o contratado.

E o tema inspira a consideração de que comk freqüência os entes públicos apenam o contratado que não renova seus documentos vencidos com a sanção de não os pagar enquanto não os atualizarem.

É o jeitinho brasileiro, sem qualquer amparo na lei mas que no frigir dos ovos resulta muito mais razoável ao contratado do que seria aplicar-lhe a lei no seu rigor: sim, porque se a lei manda que o contratado mantenha durante a execução contratual todas as condições de habilitação que demonstrou deter na licitação, e se mesmo assim ele não as mantém, então simplesmente descumpriu o contrato e, com tanto, merece as penas da inadimplência de sua obrigação.

Tal seria imensamente mais gravoso e 'serio ao contratado, que receberia, sim, pelo que fez e entregou, e que foi bem recebido pela Administração, porém (I) teria resdcindido seu contrato; (II) seria provavelmente multado por inadimplemento de obrigação; (III) poderia sofrer outras penas como suspensão do direito de licitar e contratar com o seu contratante, sempre na forma dos arts. 82 a 84 desta LE.

 E nesse panorama  seja considerado que em boa hora esta LE não reproduziu a péssima penalidade da declaração de inidoneidade para licitar e contratar com o poder público, tão mal descrita na lei de licitações que constitui só em si uma inidoneidade contra o direito e a lógica jurídica.  Trata-se de um tipo penal ignominioso, de algum autor que ouviu cantar o galo e não sabe onde.

Então, assim sendo, questiona-se:  o que é materialmente pior para o contratado, segurar o pagamento  enquanto o contratado não regulariza sua situação fiscal,  ou aplicar a lei literalmente e rescindir o contrato, aplicar-lhe multas e outras penas ?  O jeitinho brasileiro é neste ponto, e contra tudo que formalmente se lhe contraponha,  um passo adiante em matéria penal. ([2])

O inc. X, por fim no elenco, obriga que o contrato contenha a matriz de riscos.  Novidade desta LE como já se disse, a matriz de riscos vem definida no art. 42, inc. X, desta LE. Trata-se da "cláusula contratual definidora de riscos e responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à licitação, contendo no mínimo as seguintes informações" (e seguem as alíneas a a c, que as indicam).

Assunto marcadamente técnico e de boa inspiração, será concebido e elaborado a cada edital para contemplar parâmetros necessários a cada objeto em licitação com vista a desde logo tentar já equacionar, dentro do possível, os riscos econômicos e financeiros envolvidos na própria execução, ou a ela inerentes.

A idéia é elogiável sob qualquer aspecto, vez que procura minimizar os fatores de riscos econômicos dos futuros contratos, que tanto instabilizam o seu preço e que, de resto e por isso, costumam gerar escândalos sem conta que a imprensa noticia diariamente, e os sobrepreços we superfaturamentos, e as mazelas de corrupção e de negociatas que em dado momento de nossa história quase passaram a ser a regra dos negócios públicos, degradando o país ao plano de um chiqueiro institucional.

Com efeito, antevendo-se os possíveis e prováveis riscos contratuais com antecedência, a vocação é reduzi-los ao mínimo previsível, o que todos na naçào anseiam a mais não poder - exceto os delinqüentes clássicos e tradicionais.

Tendo sido vetado o § 1º do artigo, o § 2º, que o encerra, obriga com todas as letras e às claras o procedimento de readequação das propostas vencedoras de licitações nas quais ocorreu o modo aberto de disputa. O pregão tornou-se hodiernamente a referência ou o exemplo clássico de modo de disputa aberto em certames lcitatórios, e essa parece ser a sua grande vantagem para a Administração, além da excelente inversão das fases de habilitação e julgamento das propostas.

Se houve disputa aberta, na qual os proponentes puderam cobrir suas iniciais propostas escritas, então é natural que ao final da disputa, tendo sido alterada a composição dos preços internos da proposta vencedora, o seu autor precise readequá-los ao valor vencedor, sempre mais baixo que o de início, para que seja coerente com a legislação e com os fatores fixos de custos, como impostos e encargos sociais, e com fatores variáveis de custo, como é o BDI, tudo de molde a equacionar os novos valores vencedores ao novo valor final vencedor. Agora esta obrigação, mais de que lógica e necessária, consta expressa e claramente da lei das estatais.

[1] Com grande desolação e consternação parece se  confirmar mais a cada novo dia que poucas realidades institucionais se acham tão falidas quanto a do estado, nesta quadra atual em que o poder público vive de épocas passadas, imprevidentes em grande medida  e absolutamente ultrapassadas.  Se o contrato administrativo vincula-se a algo assim, e se haure seus fundamentos nos cânones da Administração pública, então deve ser o que de pior existe  na matéria.  Além de ilógico seria injusto que a nova LE submetesse as estatais a um tal retrocesso - esse mesmo que ainda em 2.017 para elas é imposto pela lei das licitações, a qual grosseiramente não diferencia, para esse efeito contratual, uma Prefeitura de uma sociedade de economia mista.

[2] Algo com a fala que se atribui a Getúlio Vargas, para quem aos amigos tudo, e aos inimigos a lei.


(prossegue)