Artigo
LICITAÇÕES E CONTRATOS NAS EMPRESAS ESTATAIS (12ª E ÚLTIMA PARTE)
AS LICITAÇÕES NAS EMPRESAS ESTATAIS PELA LEI Nº 13.303, DE 30 DE JUNHO DE 2.016
Ivan Barbosa Rigolin
(set/17)
Décima segunda e última parte
CONTRATOS NAS ESTATAIS - LEI Nº 13.303/16
Ivan Barbosa Rigolin
Quarta parte
Seção III
Das Sanções Administrativas
Art. 82
Este artigo abre a Seção de sanções administrativas da lei das estatais, quanto aos contratos. Fá-lo com técnica estranha entretanto, eis que no caput determina que os contratos deverão contemplar sanções por atraso injustificado na execução, e prossegue informando que o contratado ficará sujeito a multa de mora na forma do contrato ou do próprio edital.
De onde o legislador extraiu esta técnica ? Se o contrato deve prever sanções por atraso, então a) não será o edital que o poderá fazer, e b) para quê informa o caput que o contratado ficará sujeito a multa de mora ? Não é o contrato que deve prever essa sanção ? Terá querido dizer o caput que além da multa de mora o contrato deverá prever outra sanção, cumulável com a multa ? O legislador consegue ser prodigiosamente confuso em espaço bastante apertado.
A nós parece que o contrato precisa prever multa de mora por atraso, sem necessariamente estabelecer outra penalidade, apenas podendo estabelecer outra, cumulável com a multa, se quiser a estatal.
O que não se admite é que apenas o edital estabeleça multa ou outra penalidade, ainda que eventualmente integre o contrato, porque a lei interna entre as partes é o contrato e não o edital. Dividir a matéria penal administrativa entre edital e contrato é de técnica indescritivelmente ruim, a se evitar a todo custo, ou de ouro modo em dada altura da execução o contratado poderá não saber se atende o contrato que celebrou ou o edital do qual aquele se originou.
O § 1º é de uma bisonhice equivalente à do caput, e informa a obviedade de que pode haver multa mais outra penalidade aplicadas contra o contratado, e que a aplicação dessa penas não impede a rescisão do contrato. Espantoso ! Alguém imaginaria que a estatal estaria impedida, dentro de qualquer circunstância imaginável durante a execução, de rescindir o contrato, caso para isso existisse motivo ?
Rescisão não é penalidade, tenha-se sempre presente. Seja ela unilateral pela estatal, seja acordada entre as partes, seja judicialmente determinada por provocação de qualquer das partes, e contra tudo o que possa parecer, jamais constitui penalidade, mas tão-só uma providência que, ou a estatal isoladamente ou as partes em conjunto, entenderam necessária diante do quadro ocorrido ou gerado durante a execução.
É evidente, assim sendo, que essa possibilidade sempre está à disposição da estatal ou das partes, independentemente de ser caso de a estatal aplicar alguma penalidade ao contratado ou não.
Os §§ 2º e 3º vistos em conjunto, inspirados como são na lei das licitações, estabelecem que a multa será deduzida da garantia prestada pelo contratado, e em caso de insuficiência será deduzida dos pagamentos devidos pela execução, ou cobrada administrativamente, ou executada.
Isso pressupõe que o contratado prestou garantia, o que na prática e em verdade nem sempre acontece. Os demais dispositivos dos parágrafos são também mais ou menos óbvios, sabendo-se que em qualquer caso no mundo dos negócios o devedor paga por bem ou paga por mal.
Após esgotada sem sucesso a ampla defesa que deve ser deferida ao contratado acusado de ter incidido no tipo penal da multa, então a ordem legal das fontes de recurso para o pagamento é aquela: garantia, se prestada e suficiente; depois, dedução dos créditos contratuais, se existentes e suficientes; depois, cobrança amigável, e por fim, se todo o anterior malograr, ação judicial de cobrança, na qual o contratado, naturalmente, poderá exercer sua defesa com todos os meios aceitos em direito, podendo até mesmo obter a anulação da multa.
É natural, por fim, que o contratado, apenado e inconformado com a autuação e a cobrança, poderá ingressar com ação judicial a qualquer tempo ou tão logo notificado da autuação, pleiteando anular, ou mesmo reduzir, a penalidade.
Art. 83
Artigo equivalente ao art. 87 da lei de licitações, contempla as três penalidades aplicáveis ao contratado pela estatal em caso de inexecução total ou parcial do ajustado, após exercida a ampla defesa do contratado, e são (inc. I) advertência, (inc. II) multa na forma do edital ou do contrato, e (III) suspensão por até dois anos do direito de participar de licitações na respectiva estatal, com impedimento de com ela contratar nesse período.
A advertência é penalidade escrita e que comporta todo o ritual de defesa constitucional e legalmente assegurado a todo e qualquer acusado.
A multa de mora, como se viu, deve estar prevista no contrato, e quanto à péssima ideia de estar fixada apenas no edital leiam-se os comentários anteriores.
A pena mais grave é a suspensão de licitações e de contratações, apenas com a respectiva estatal, que na estatal pode aplicar a seu contratado por até dois anos. Parece pueril insistir sobre a imprescindível fase da ampla defesa e do contraditório antes da efetivação da pena, direito esse que, por evidente, cresce em relevância à medida em que a penalidade se agrava dentro da escala.
Essa pena não extrapola jamais os limites da estatal que a aplicou, a uma porque essa é regra geral e natural nas suspensões, tal qual prevista na lei de licitações, e a duas porque nada nem remotamente na lei das estatais pretendeu ampliar o alcance dessa pena para extramuros da entidade aplicadora.
A lamentável vacilação jurisprudencial que em dado lastimável momento da história de nossos tribunais pretendeu emprestar alcance nacional à suspensão do direito de licitar está hoje - como se a lei de licitações não existisse ou não fosse para ser cumprida -, e afortunadamente, sepultada sob sete palmos de cal.
Nada como a formalmente execrável pena da declaração de inidoneidade aqui foi pretendido pela lei das estatais. Entenda-se bem: essa pena é material e substantivamente necessária, imprescindível mesmo, em caso de a Administração por infelicidade acabar contratando um bandido, um crápula corrupto ou um meliante de qualquer natureza, já que não detém bola de cristal que lhe permita preveni-lo, uma vez que aquela criatura na licitação houve-se com absoluta regularidade.
O que resulta horripilante naquela pena é a sua descrição, o seu núcleo, a competência para sua aplicação e as conseqüências que a lei das licitações, art. 87, estabelece contra o apenado, que na maioria das vezes não fecham de modo algum e que apenas de vez em quando dão certo, que atiram em toda direção e que não foram concebidas com o mínimo laivo de tecnicismo - a ponto de a redação do inc. IV, e o § 4º, ambos do art. 87 da lei de licitações, constituírem para nós uma grave inidoneidade legislativa, um ponto negro daquela lei que de resto já é tão pródiga em obscuridades e em atecnias de toda ordem.
Na lei das estatais, nada de parecido com a declaração de inidoneidade como previsto na lei de licitações, e esse tipo até faz falta - vide petrolão e os outros múltiplos escândalos de corrupção nas estatais -, porém jamais como consta da Lei nº 8.666/93.
Os §§ 1º e 2º encerram o artigo. O § 1º repete o § 3º do art. 82, e se já era ligeiramente óbvio ali, aqui o é mais ainda.
O § 2º, em má técnica, deveria informar às claras que pode ser aplicada multa cumulativamente ou com advertência ou suspensão. Do pasticcio que ali está escrito, entretanto, alguém poderá inferir que pode ser aplicada multa junto com suspensão e junto com advertência, o que é juridicamente absurdo, pois que a advertência e a suspensão se excluem reciprocamente, e ou se aplica uma pena ou se aplica outra, jamais as duas em conjunto ao mesmo contratado pelo mesmo fato.
A multa pode ser aplicada, portanto, junto ou com suspensão ou junto com advertência, mas a suspensão jamais convive com a advertência, se pelo mesmo fato, que em princípio se for leve ensejará advertência, e se for grave suspensão, carecendo de sentido cumular ambas essas penalidades.
A defesa prévia do contratado acusado a lei fixa em 10 (dez) dias úteis, porém sem qualquer embargo de juridicidade ante o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório a estatal pode deferir pedido de prorrogação desse prazo, se convencida da complexidade ou da dificuldade probatória a cargo do contratado, devendo nesse caso estabelecer o novo prazo de modo expresso.
Art. 84
Lamenta-se encerrar este estudo com um dispositivo como este art. 84.
O legislador perdeu outra excelente oportunidade de ir pescar, colocar o sono em dia, fazer compras na rua 25 de Março, em São Paulo, ou viajar em turismo gastronômico. Tudo seria preferível a escrever, inspirada como foi no art. 88 da lei de licitações, esta miserável lição de analfabetismo jurídico, institucional, penal e legislativo.
O legislador, no seu invariável abandono técnico, órfão de qualquer domínio do direito, deve ter imaginado estar plenamente seguro ao copiar regra de uma importantíssima lei nacional. É um retrato do Brasil: este país, sendo o que é e estando como está no mais fundo do poço desde o descobrimento em 1.500, possivelmente não poderia esperar legisladores melhores.
Nem uma só palavra do artigo faz nenhum sentido jurídico. O dispositivo é um descalabro de envergonhar estagiário de engenharia nuclear, ou de tecnologia de alimentos.
Imaginará acaso o legislador que se um dia ficar sabendo que um seu contratado fraudou dez anos antes o imposto de renda, ou um dia tentou frustrar uma licitação, não se sabe realizada por que ente público, ou ainda, a juízo da estatal ou de quem quer que seja pois que a lei não o esclarece, "não possuir idoneidade para contratar" com a estatal, então poderá aplicar-lhe a pena de suspensão do direito de licitar e contratar com a mesma estatal, de duas uma: ou não está sóbrio, ou é desprovido do mais remoto senso de institucionalidade.
O artigo dá a idéia de que se a estatal desconfiar de um seu contratado - quer já tenha sofrido pena, quer ainda não o tenha, pois que o artigo não esclarece -, então somente por isso já estará autorizada a suspender esse contratado.
Escrito como está, o artigo permite que fatos em nada relacionados com esta licitação atual, e este contrato atual, possam ensejar apenamento do contratado envolvido !
E também não menciona acusação, nem procedimento contraditório, nem defesa, nem instituto outro algum, imprescindível à punição de alguém pela Administração.
É a mendicância jurídica ao lado da indigência técnica, de braços dados, numa vergonhosa exibição de desqualificação do legislador brasileiro - que não precisava rebaixar-se até esse ponto.
Não merece, o artigo, que alguém sequer se lembre que existe. Constitui uma faca sem lâmina da qual se extraiu o cabo, e um de todo indesejável final de comentário. Trata-se do que se poderia denominar moralismo imbecil.
Um contratado que sofra ou que seja ameaçado de sofrer alguma penalidade com base neste artigo deverá obter liminar suspensiva em mandado de segurança por telefone, e derrubar a estulta pretensão punitiva da estatal com sobejante facilidade.
Sidney Bittencourt, citando Ribeiro Pontes e ambos com o proverbial cavalheirismo que falta a este escriba, assim comenta o dispositivo:
Sem muita inspiração, o legislador da LE copiou dispositivo de difícil aplicação da Lei Geral de Licitações. (...)
Na prática entendemos que o preceptivo carece de elementos que possibilitem a sua correta aplicação. Como leciona Ribeiro Pontes, "em toda lei sancionadora considera-se o dispositivo em si e a sanção. No âmbito do dispositivo em si, o legislador formula as condições de existência dos atos ilícitos. Na esfera da sanção, a pena deve ser aplicada ao que age ou se abstém nas condições pela lei determinadas." Logo, as condições devem estabelecer os pressupostos para o ato a ser sancionado. No caso, é patente a indefinição dos pressupostos da ação. (In A nova lei das estatais, citada, pp. 367/8)
O dispositivo não vale nada, nem a tinta e o papel gastos com a sua impressão.
Augura-se que as autoridades dirigentes das estatais saibam distinguir entre o bom e o aproveitável, dentro desta lei, da escória imprestável em má hora colhida de outras leis, que nem cá nem lá jamais deveriam ter sido escritas.