PROGRAMA DE INTEGRIDADE (COMPLIANCE) E LICITAÇÕES

PROGRAMA DE INTEGRIDADE (COMPLIANCE) E LICITAÇÕES 

Gina Copola *

 

I – O termo programa de integridade – ou compliance – passou a ser amplamente citado e invocado no Brasil a partir da edição do Decreto federal nº 8.420, de 2.015, que regulamentou a Lei federal nº 12.846, de 2.013, a chamada Lei Anticorrupção.

Em inglês, to complay significa assentir, concordar, adequar-se, cumprir, obedecer, ou, em outras palavras, estar de acordo com as leis aplicáveis, ou, ainda, agir conforme todas as normas que envolvem a atividade empresarial.

O Decreto federal nº 8.420, de 2.015, em seu art. 41, conceitua o Programa de Integridade nos seguintes termos:

Art. 41.  Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Ou seja, o programa de integridade ou compliance significa um manual de boas condutas, de ética, de boa intenção objetivando minimizar a prática de atos ilícitos e de corrupção praticados contra a administração pública.

Sobre o tema, ensina Arnaldo Quirino de Almeida[1] que:

“A ausência de um Programa de Integridade efetivo e eficaz pode se converter em importante elemento ou indício de responsabilidade da pessoa jurídica por atos fraudulentos ou de corrupção cometidos por seus empregados e dirigentes (ou mesmo terceiros que com ela mantenham negócios).”

II - E o art. 42, do mesmo Decreto, prevê os parâmetros de avaliação do programa de integridade, que são os seguintes:

I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;

II - padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos;

III -  padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;

IV - treinamentos periódicos sobre o programa de integridade; 

V - análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade;

VI - registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica;

VII - controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica;

VIII - procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões;

IX - independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento;

X - canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé;

XI - medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade;

XII - procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados;

XIII - diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;

XIV - verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas; 

XV - monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5o da Lei no 12.846, de 2013; e

XVI - transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos.

Tais preceitos previstos pelo Decreto federal servem como critérios de avaliação dos programas de integridade.

 Conforme se lê do inc. IX, a empresa deve instituir uma instância interna responsável pela aplicação e fiscalização do programa de integridade, com independência, estrutura e autoridade, ou seja, com total autonomia.

Além disso, o programa de integridade deve conter um controle interno que assegure a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica, conforme se lê do inc. VII.

E o programa de integridade deve contemplar a elaboração e a implantação de códigos de ética e conduta, contendo canais de denúncia de irregularidades, e mecanismos de proteção de denunciantes de boa-fé, conforme se lê do inc. X, acima transcrita.

É de relevo destacar que as empresas que optam por implantar um programa de integridade que atenda a todos os requisitos da lei, além de precaver-se de danos financeiros, conseguem agregar maior credibilidade à marca ou segmento, com transparência e responsabilidade, porque tais programas passam por rígido controle.

Além disso, a legislação anticorrupção prevê a aplicação de multa como sanção administrativa às empresas que não estiverem de acordo com tais normas, sendo que no caso de a pessoa jurídica comprovar que possui e aplica um programa de integridade, a multa pode ser reduzida em um a quatro por cento, conforme reza o art. 18, inc. V, do Decreto federal nº 8.420/15, o que pode revelar boa vantagem financeira à empresa.

O fato é que empresas que instituem o compliance passam a ter maior valor de mercado e maior confiabilidade, e ainda, o fortalecimento da marca.

Professa  Arnaldo Quirino de Almeida[1] que:

“O “Compliance Program” ou “Programa de Integridade” converte-se em importante mecanismo de prevenção e, inclusive, punição aos empregados e dirigentes (ou terceiros) no âmbito da pessoa jurídica, pelo cometimento de atos fraudulentos ou de corrupção em face da Administração Pública”

Mas o programa de integridade deve ser efetivamente instituído e observado, porque programas meramente formais ou “de fachada” não garantem qualquer benefício ou direito à empresa, e a comprovação da efetiva implantação do sistema pode ocorrer através da troca de e-mails, ofícios, elaboração de relatórios, memorandos, gravações de conversas devidamente autorizadas, ou qualquer outro que demonstre a regularidade do programa. 

III – Diante de tais argumentos é de relevo destacar que às empresas que participam de licitações é aconselhável que instituam programas de integridade, e os cumpram fielmente, uma vez que tais programas constituem uma espécie de atestado de idoneidade.

Os programas de integridade, conforme consta do art. 42, inc. VIII, do citado Decreto, devem contemplar procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, e, portanto, a empresa que institui e cumpre o programa, consequentemente adota na prática atos e procedimentos no sentido de prevenir as fraudes em licitações, motivo pelo qual a eventual contratação de tais empresas revela-se desejável pela Administração Pública, porque são empresas com condutas anticorrupção.

O que não nos parece permitido, porém, é a exigência de tal programa de integridade como documento de habilitação em licitação, porque tal documento além de não constar do rol exaustivo dos arts. 27 a 32, da Lei nº 8.666/93, pode acarretar a quebra do princípio da isonomia, e afastar possíveis interessados em participar do certame, e, com isso, a Administração deixa de contratar a proposta mais vantajosa.

É nosso singelo entendimento.

 

* Advogada militante em Direito Administrativo. Pós-graduada em Direito Administrativo pela FMU. Ex-Professora de Direito Administrativo na FMU. Autora dos livros Elementos de Direito Ambiental, Rio de Janeiro: Temas e Idéias, 2.003; Desestatização e terceirização, São Paulo: NDJ – Nova Dimensão Jurídica, 2.006; A lei dos crimes ambientais comentada artigo por artigo, Minas Gerais: Editora Fórum, 2.008, e 2ª edição em 2.012, A improbidade administrativa no Direito Brasileiro, Minas Gerais: Editora Fórum, 2.011, e co-autora do livro Comentários ao Sistema Legal Brasileiro de Licitações e Contratos Administrativos, coautora, pela ed. NDJ – Nova Dimensão Jurídica, São Paulo, 2.016, e, ainda, autora de diversos artigos sobre temas de direito administrativo e ambiental, todos publicados em periódicos especializados.

[1] Programa de Integridade (Compliance Program) na Lei Anticorrupção e Culpabilidade Empresarial, Revista Síntese Direito Administrativo, out./17, p. 68.