IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. INCLUSÃO DA MULTA CIVIL. ILEGALIDADE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. INCLUSÃO DA MULTA CIVIL. ILEGALIDADE.

 Gina Copola *

 

I – A multa civil constitui uma das sanções previstas no art. 12, da Lei federal nº 8.429, de 1.992, sendo que na hipótese do art. 9º - atos de improbidade por enriquecimento ilícito – a multa civil prevista é de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial; no caso do art. 10 – atos de improbidade por dano ao erário – a multa civil prevista é de até duas vezes o valor do dano, e, por fim, na hipótese do art. 11 – atos de improbidade por afronta aos princípios da Administração – a multa civil prevista é de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente.

É de império ter presente que “na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”, conforme reza o parágrafo único, do art. 12, da Lei nº 8.429, de 1.992, ou seja, a multa civil, assim como as demais penas da LIA, não pode ser aplicada de forma desmedida ou exagerada.

II – Ademais, a constitucionalidade da multa civil sempre foi questionada, uma vez que tal previsão legal extrapola a previsão contida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que, a seu turno, não previu a pena de multa civil.

Com todo efeito, reza o indigitado dispositivo constitucional:

“Art. 37 (....)

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (Grifamos)

Ou seja, o que se esperava é que a Lei nº 8.429/92 apenas cuidasse da forma e gradação das penas previstas na Constituição Federal, e não que previsse uma nova espécie de pena não prevista no texto constitucional.

Nesse exato diapasão, ensina Mauro Roberto Gomes de Mattos[1], ao prelecionar que a Lei deveria penas graduar as sanções previstas pelo art. 37, § 4º, da Constituição Federal, e nada mais que isto.

III – Ocorre que é extremamente comum a propositura de ações de improbidade administrativa com pedidos de medida liminar – ou tutela antecipada – de bloqueios de bens dos requeridos, e o pedido formulado pelo autor, via de regra, inclui o bloqueio do valor do suposto dano acrescido do valor pedido a título de multa civil, cujo montante deverá ser a final arbitrado pelo Juiz, e não determinado pela parte autora.

O fato é que o valor da multa civil, que tem caráter punitivo e não indenizatório, não pode integrar o valor da causa, nem tampouco integrar o valor a ser eventualmente bloqueado por medida antecipatória, conforme decidiu de forma cristalina esse egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos do Agravo de Instrumento nº 2144682-29.2014.8.26.0000-São Paulo, relator Desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, 1ª Câmara de Direito Público, em julgado de 18/11/2014.

Vejamos a ementa:

“Impugnação ao valor da causa. Ação de Responsabilidade Civil por atos de improbidade administrativa – Pleiteada, entre outras cominações, a declaração de nulidade do procedimento licitatório e dos contratos e aditamentos deles decorrentes – Correto o embasamento sobre o valor dos contatos – Multa civil que não possui natureza indenizatória, mas punitiva, não podendo ser considerada como proveito econômico pretendido – Recurso provido em parte.”

 IV – E no mesmo diapasão é o r. acórdão proferido pelo e. TJSP no Agravo de Instrumento nº 0026565-50.2013.8.26.0000-São Paulo, rel. Desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, 1ª Câmara de Direito Público, em julgado de 10/12/2013, com a seguinte ementa:

“Agravo de instrumento – Ação civil pública – Improbidade Administrativa – Impugnação ao Valor da Causa – Hipótese que permita a formulação de pedido genérico não caracterizada – Adequação do valor da causa, que deve corresponder tão somente ao valor do contrato, afastada de seu montante a inclusão de multa civil em seu patamar máximo – Impossibilidade de autorizar o pagamento das custas e taxas processuais ao final com fundamento em analogia – Recurso parcialmente provido.”

E consta do venerando voto condutor:

“Por outro lado, assiste razão à agravante quando reputa excessivo o montante total fixado para o valor da causa, que contém, além do valor do contrato, a multa aplicada em seu patamar máximo antes mesmo do processamento da ação de improbidade, ou seja, antes da devida análise da gravidade da conduta sob o crivo do contraditório.”

Tem-se, portanto, e ante a jurisprudência aqui colacionada que a multa civil, que tem caráter sancionatório, não pode integrar o valor da causa, e, portanto, tal valor excessivo não pode servir de parâmetro para o bloqueio de bens dos requeridos.

V – Nesse sentido, decidiu recentemente o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Agravo de Instrumento nº 2081578-58.2017.8.26.0000, rel. Desembargador Marcos Pimentel Tamassia, 1ª Câmara de Direito Público, julgado em 23 de outubro de 2.017, com a seguinte ementa:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - Ação de improbidade administrativa - Decisão recorrida que decretou a indisponibilidade e o bloqueio dos bens, bem como suprimiu a fase processual de defesa prévia – (....) Decreto de indisponibilidade de bens  - Possibilidade  - Limitação - Exclusão da multa civil - Decisão reformada parcialmente - Recurso provido em parte”

E consta do v. voto condutor:

“Por consubstanciar medida voltada à garantia da plena efetividade do futuro julgado portanto, visando à manutenção de situação material à execução de eventual título executivo judicial , há que se reconhecer os seus limites, precisamente, no dano suportado pelo Erário.

Posto que os atos de improbidade sejam extremamente graves e vulnerem as balizas do Estado Democrático de Direito, não são eles suficientes à total supressão do direito de propriedade do agente ímprobo, de modo que o eventual decreto de indisponibilidade de bens deve se jungir ao dano apurado e/ou estimado, sem a inclusão da multa civil.

Isto porque a multa civil tem natureza sancionatória e não reparatória, e, assim, ela não pode ser incluída na indisponibilidade liminar, como já decidiu esta Corte Paulista:

Além disso, mesmo que, no curso do processo, fique demonstrada plenamente a ocorrência do dano moral difuso, o fato é o que seu dimensionamento quantitativo fica na dependência de arbitramento judicial, o que torna temerária a fixação, no início do processo, de qualquer valor que sirva de base para promover a indisponibilidade.

O mesmo se diga com relação à multa civil, que, se for o caso, ostentará valor cuja fixação deve observar os princípios da proporcionalidade e da individualização, ou seja, dependente inteiramente de elementos de convicção aferíveis apenas no curso de regular instrução processual”. (Agravo de Instrumento nº 0237351-09.2012.8.26.0000, Rel. Des. Maria Olívia Alves, j. 29.7.2013, v.u.)” (com negritos e itálicos originais)

VI – Ainda na mesma esteira, decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça, nos autos dos Embargos de Declaração em Recurso Especial nº 1313093/MG, Segunda Turma, Rel Min. Herman Benjamin, j. 05/11/2013, com a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PARCIAL PROVIMENTO PDO RECURSO ESPECIAL PARA DECRETAR A INDISPONIBILIDADE DE BENS, LIMITANDO-A, CONTUDO, AO VALOR NECESSÁRIO PARA ASSEGURAR O EFETIVO RESSARCIMENTO DO ERÁRIO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS QUE APONTAM OMISSÃO QUANTO À FORMA DE EFETIVAÇÃO DA MEDIDA NO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. INOCORRÊNCIA. 1. Contra o acolhimento parcial do Recurso Especial da União para Decretar a indisponibilidade de bens, limitando-a, contudo, ao valor necessário para assegurar o efetivo ressarcimento do Erário, a demanda opôs Embargos Declaratórios, apontando omissão do julgamento quanto à forma de efetivação da medida constritiva. 2. Nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal, ao Superior Tribunal de Justiça compete a uniformização da interpretação da legislação federal. No caso concreto, o julgamento restringiu-se ao exame dos dispositivos que disciplinam a indisponibilidade de bens (art. 7º, parágrafo único, e art. 16, §§ 1º e 2º, da Lei 9.429/92), exaurindo-se a competência do STJ com o pronunciamento sobre a correta exegese que deve ser dada àqueles preceitos legais. 3. Logo, não há falar em omissão se a matérias proposta pela embargante a forma como será materialmente efetivada a indisponibilidade na origem nem mesmo poderia ser enfrentada na estreita via do Recurso Especial, considerando a necessidade de examinar fatos e provas para identificar quais bens melhor guarnecem o interesse público tutelado pela ação de improbidade. Tarefa que cumprirá ao juízo de primeira instância desempenhar conforme as particularidades do caso concreto. Incidência da Súmula 7//STJ. 4. O julgamento do Recurso Especial foi claro ao decotar indisponibilidade os excessos que superem o valor atualizado do dano que se busca ressarcir, aí incluída a multa civil, de modo que os interesses da demanda já foram suficientes resguardados pelo julgamento embargado. 5. Embargos de Declaração rejeitados.”

VII – Ainda no mesmo exato sentido são os v. acórdãos proferidos pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no AI nº 2067528-27.2017.8.26.0000, rel. Marcos Pimentel Tamassia, j. 04/10/2017 e AI nº 2038954-91.2017.8.26.0000, rel. Marcos Pimentel Tamassia, j. 25/07/2017, uma vez que Isto porque a multa civil tem natureza sancionatória e não reparatória, e, assim, ela não pode ser incluída na indisponibilidade liminar.

Tem-se, portanto, que o decreto de indisponibilidade de bens em ação de improbidade administrativa deve observar o fumus boni juris e o periculum in mora, e, ainda, recair somente sobre o valor principal sem incluir o valor a título de multa civil, que, por sua vez, tem caráter sancionatório e não reparatório.

É nosso entendimento fundamentado na jurisprudência.


* Advogada militante em Direito Administrativo. Pós-graduada em Direito Administrativo pela FMU. Ex-Professora de Direito Administrativo na FMU. Autora dos livros Elementos de Direito Ambiental, Rio de Janeiro: Temas e Idéias, 2.003; Desestatização e terceirização, São Paulo: NDJ – Nova Dimensão Jurídica, 2.006; A lei dos crimes ambientais comentada artigo por artigo, Minas Gerais: Editora Fórum, 2.008, e 2ª edição em 2.012, A improbidade administrativa no Direito Brasileiro, Minas Gerais: Editora Fórum, 2.011, e co-autora do livro Comentários ao Sistema Legal Brasileiro de Licitações e Contratos Administrativos, coautora, pela ed. NDJ – Nova Dimensão Jurídica, São Paulo, 2.016, e, ainda, autora de mais de uma centena de artigos sobre temas de direito administrativo e ambiental, todos publicados em periódicos especializados.

[1] Mattos, Mauro Roberto Gomes de, O limite da improbidade administrativa: comentários à Lei nº 8.429/92. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 487.