IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DUAS QUESTÕES ATUAIS E RELEVANTES

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DUAS QUESTÕES ATUAIS E RELEVANTES.  
1. AÇÃO NÃO RECEBIDA POR FALTA DE VIABILIDADE DO PEDIDO FORMULADO PELO AUTOR
2. 
INDEFERIMENTO LIMINAR DE BLOQUEIO DE BENS ANTE A INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTOS QUE O FUNDAMENTAM

Gina Copola *

 

  1. Breve introdução

É cediço em direito que é necessário o enquadramento dos requeridos em ação de improbidade administrativa nos tipos contidos na lei, com descrição dos fatos e da conduta questionada e supostamente praticada por cada um dos requeridos, tudo isso acompanhado da prova de convencimento do autor.

Não basta, portanto, a simples indicação do dispositivo legal supostamente violado, sendo imperiosa a cabal demonstração de que a conduta dos requeridos, um a um, enquadra-se no tipo da lei. O que deve ser realizado de forma expressa e objetiva pelo autor.

E, nesse sentido, tivemos contato recentemente com uma irrepreensível r. sentença de primeiro grau, que julga extinta ação de improbidade administrativa sem julgamento do mérito, sendo que o d. autor em tal ação não elaborou prova robusta de seu convencimento, conforme se verá abaixo.

Trata-se da r. sentença proferida na Ação Civil de Improbidade Administrativa nº 1029879-91.2017.8.26.0405, da 1ª Vara da Fazenda de Osasco, que será abaixo transcrita.

Outra situação: pedido excessivo de indisponibilidade de bens que foi indeferido em primeiro grau em razão da inexistência de argumentos a favor da constrição. É o que ocorreu na Ação de Improbidade Administrativa nº 1031519-32.2017.8.26.0405, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Osasco, que também será abaixo transcrita.

 

  1. A ação de improbidade administrativa e a necessidade de argumentos que enquadrem efetivamente a conduta

A ação civil por ato de improbidade administrativa é fundamentada pela lei da improbidade administrativa – Lei federal n° 8.429/92 – e segue um procedimento todo especial, em tudo diverso do de outras ações.

Tal ação só pode ser proposta se o autor detiver prova ou indício suficiente da existência do ato de improbidade administrativa, o que deve ser comprovado cabalmente na peça exordial conforme determina expressamente o art. 17, § 6°, da Lei n° 8.429, de 1.992, com a redação que lhe foi dada pela Medida Provisória n° 2.225-45, de 4 de setembro de 2.001.

O autor deve apresentar na peça inicial aquela prova cabal, ou ao menos algum indício suficiente, da existência de ato de improbidade administrativa por parte do requerido.

A petição inicial não pode ser lacunosa e omissa quanto às suas demonstrações e conclusões acusatórias, e o autor precisa indicar expressa e objetivamente em qual artigo se enquadra a conduta de cada um dos requeridos.

Reza o indigitado § 6°, do art. 17, da Lei n° 8.429, de 1.992:

“Art. 17 – A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.  (.....)

§ 6 A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil” (Grifamos)

Conforme se lê desse dispositivo legal a inicial da ação civil por ato de improbidade administrativa deve ser muito bem fundamentada, e, ainda, ser instruída com documentos que demonstrem a existência, se não de prova concreta, ao menos de indícios suficientes da ocorrência do ato de improbidade.

Não basta ao autor, portanto, externar suposições e ilações sem demonstração e comprovação.

É imprescindível que o autor descreva minuciosamente a conduta de cada um dos requeridos, e comprove a afronta aos dispositivos legais invocados, para que a ação tenha formal cabimento com o taxativo, correto e adequado enquadramento legal dos requeridos pelo autor.

E se o autor não observa o disposto no dispositivo supratranscrito eiva de morte toda a ação, vez que nesta espécie de procedimento a descrição dos fatos inquinados de ilegais deve sempre ser robustamente fundamentada, e também acompanhada de documentos comprobatórios do alegado.

Na ação civil por ato de improbidade administrativa, o convencimento do autor deve ser comprovado, vez que não resta suficiente a simples alegação de que o fato constitui improbidade administrativa.

A doutrina é nesse exato sentido, conforme se depreende da leitura de lição do mestre Cássio Scarpinella Bueno. Vejamos:

“o § 6° do art. 17 da Lei 8.429, de 1992, parece querer deixar bem claro que tudo o que for passível de prova já com a petição inicial deve ser produzido de plano.  O que não for deve ser justificado por que não está sendo desde já apresentado, dando-se aplicação escorreita, destarte, ao comando do art. 282, VI, do Código de Processo Civil, isto é, pugnando-se e justificando-se, na inicial, pela produção de outras provas, que, por uma razão ou por outra, não puderam ser apresentadas com a petição inicial (rectius: ser pré-constituídas).  Tudo – até em função da remissão expressa aos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil – em nome de uma maior seriedade na propositura de ações de improbidade administrativa, coibindo-se, assim, o que a praxe denomina de “aventuras processuais”.    (.....)

Daí que a petição inicial da ação de improbidade administrativa deve ser proporcionalmente mais substancial do que a das outras ações que não têm esta fase preliminar de admissibilidade da inicial em contraditório tão aguda.  Nestas condições, a delimitação dos fatos, da causa de pedir, e a produção da correspondente prova (quando disponível de imediato) devem ser impecáveis, sob pena de comprometer, já de início, o seguimento da ação e, até mesmo, sua rejeição com apreciação de mérito.”  (In Improbidade administrativa – questões polêmicas e atuais, ed. Malheiros, SP, 2.001, p. 144/5, com itálicos originais e negritos nossos).

No mesmo diapasão ensinam Fernando Dodorico Pereira e José Marcelo Vigliar em artigo intitulado Efetivação imediata de sanções por improbidade pode gerar dano irreparável, publicado no Consultor Jurídico, de onde se lê:

“Dada a natureza tipicamente sancionatória da ação civil pública por ato de improbidade administrativa (Lei 8.429/92), é absolutamente necessário que a conduta de cada réu seja minuciosamente delineada. Isso porque com eventual condenação, direitos políticos podem ser suspensos; proibição de participação em concursos públicos pode ser imposta; é possível a condenação ao pagamento de multa civil; o ressarcimento de eventual prejuízo causado ao erário pelo suposto ato realizado pode ser cominado; além da proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios e incentivos fiscais ou creditícios.

Para um conjunto de sanções desse porte e natureza, a realização da ampla produção de provas é essencial, pois a Lei nº 8.429/92 integra o denominado Direito Administrativo Sancionador” (grifos originais)

Conforme se depreende da doutrina transcrita, portanto, a petição inicial da ação civil por ato de improbidade administrativa deve ser bem fundamentada, com impecável e minuciosa descrição dos fatos, e com a juntada de robusta documentação.

 

  1. A r. sentença proferida na Ação Civil de Improbidade Administrativa nº 1029879-91.2017.8.26.0405, da 1ª Vara da Fazenda de Osasco

Lê-se da irrepreensível r. sentença:

“Necessário citar isso porque, com o devido respeito, o julgamento do TCE é assim, uma lista de supostos descumprimentos de normas e a inicial vai na mesma linha. A inicial faz uma subsunção simples: descumpridas as normas, como apontado pelo TCE, há improbidade e despeja uma verdadeira carga pesada de pedidos de penalidades e sanções. Não se aponta dolo algum, não se diz qual foi o prejuízo para a Municipalidade eis que, na visão da inicial, o prejuízo é presumido. Não atentou para o fato, apontado pela requerida de que ninguém reclamou ou impugnou as normas do edital ou tempo do certame” (Grifamos)

Ou seja, a inicial não contém a prova de convencimento do d. autor, nem tampouco a prova da ocorrência do elemento subjetivo do dolo, motivo pelo qual a ação foi julgada extinta sem julgamento do mérito em irrepreensível sentença.

É de relevo destacar, portanto, que o d. autor deve prova em sua inicial a ocorrência do elemento subjetivo do dolo.

Sem a figura do dolo e da má-fé resulta e é virtualmente impossível a caracterização de improbidade em ato algum de autoridade ou de contratado pela Administração.

Com todo efeito, tanto na doutrina quanto sobretudo na jurisprudência superior é pacífico e convergente o entendimento de que a ação de improbidade administrativa deverá ser manejada para os casos em que fica inequivocamente demonstrado que o agente público utilizou-se de expediente que possa ser caracterizado como de má-fé, com a nítida intenção de beneficiar-se pela lesão ao erário, e apenas assim.

O elemento subjetivo dos tipos contidos da LIA é o dolo e apenas o dolo, decorrente da vontade do agente público em locupletar-se às custas do erário, enriquecendo-se em detrimento do Poder Público.

E a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça é nesse exato sentido.

Cite-se, aqui, no mesmo sentido, outra r. decisão que foi proferida na Ação por ato de improbidade administrativa nº 0000326-54.2011.8.26.0428, da 1ª Vara de Paulínia, que indeferiu a ação, após a oferta da defesa prévia pelos requeridos, pelos seguintes fundamentos:

“Acolho o pedido apresentado em fls. 7314/7317, uma vez que os procedimentos descritos nos autos, inerentes a contratação de escritórios de advocacia, em razão do grau de especialização ou mesmo por mera confiança no profissional, o qual possui prerrogativas que são imperativas para o livre exercício da profissão, tratam-se de práticas regulares, que já vêm de algum tempo.

É cediço que, dado esse fato histórico comum, repise-se, de contratação direta entre Municipalidade e advogados, embora possa no presente caso serem reputadas como irregulares, pois o Município de Paulínia conta com quadro próprio de procuradores concursados, tal irregularidade não possui contornos de má-fé, o qual é essencial para a configuração do ato de improbidade administrativa.

Ou seja, a presente demanda carece de indícios do elemento subjetivo fraudulento.

Desse modo, acolho as defesas prévias apresentadas, para extinguir o feito sem a citação dos réus para apresentar contestação na segunda fase do procedimento.

Sem custas, despesas processuais e honorários advocatícios”

 

  1. O indeferimento liminar da indisponibilidade de bens ante a inexistência de argumentos que o fundamentam

Quanto à indisponibilidade de bens, tem-se que não pode ser em valor superior ao valor do suposto dano, e também a multa civil pretendida pelo d. autor não pode integrar o pedido de indisponibilidade de bens dos requeridos.

A multa civil constitui uma das sanções previstas no art. 12, da Lei federal nº 8.429, de 1.992, sendo que na hipótese do art. 9º - atos de improbidade por enriquecimento ilícito – a multa civil prevista é de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial; no caso do art. 10 – atos de improbidade por dano ao erário – a multa civil prevista é de até duas vezes o valor do dano, e, por fim, na hipótese do art. 11 – atos de improbidade por afronta aos princípios da Administração – a multa civil prevista é de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente.

É de império ter presente que “na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”, conforme reza o parágrafo único, do art. 12, da Lei nº 8.429, de 1.992, ou seja, a multa civil, assim como as demais penas da LIA, não pode ser aplicada de forma desmedida ou exagerada.

Ademais, a constitucionalidade da multa civil sempre foi questionada, uma vez que tal previsão legal extrapola a previsão contida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que, a seu turno, não previu a pena de multa civil.

Com todo efeito, reza o indigitado dispositivo constitucional:

“Art. 37 (....)

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (Grifamos)

Ou seja, o que se esperava é que a Lei nº 8.429/92 apenas cuidasse da forma e gradação das penas previstas na Constituição Federal, e não que previsse uma nova espécie de pena não prevista no texto constitucional.

Nesse exato diapasão, ensina Mauro Roberto Gomes de Mattos[1], ao prelecionar que a Lei deveria penas graduar as sanções previstas pelo art. 37, § 4º, da Constituição Federal, e nada mais que isto.

Ocorre que é extremamente comum a propositura de ações de improbidade administrativa com pedidos de medida liminar – ou tutela antecipada – de bloqueios de bens dos requeridos, e o pedido formulado pelo autor, via de regra, inclui o bloqueio do valor do suposto dano acrescido do valor pedido a título de multa civil, cujo montante deverá ser a final arbitrado pelo Juiz, e não determinado pela parte autora.

O fato é que o valor da multa civil, que tem caráter punitivo e não indenizatório, não pode integrar o valor da causa, nem tampouco integrar o valor a ser eventualmente bloqueado por medida antecipatória, conforme decidiu de forma cristalina esse egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos do Agravo de Instrumento nº 2144682-29.2014.8.26.0000-São Paulo, relator Desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, 1ª Câmara de Direito Público, em julgado de 18/11/2014.

Vejamos a ementa:

“Impugnação ao valor da causa. Ação de Responsabilidade Civil por atos de improbidade administrativa – Pleiteada, entre outras cominações, a declaração de nulidade do procedimento licitatório e dos contratos e aditamentos deles decorrentes – Correto o embasamento sobre o valor dos contatos – Multa civil que não possui natureza indenizatória, mas punitiva, não podendo ser considerada como proveito econômico pretendido – Recurso provido em parte.”

E no mesmo diapasão é o r. acórdão proferido pelo e. TJSP no Agravo de Instrumento nº 0026565-50.2013.8.26.0000-São Paulo, rel. Desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, 1ª Câmara de Direito Público, em julgado de 10/12/2013, com a seguinte ementa:

“Agravo de instrumento – Ação civil pública – Improbidade Administrativa – Impugnação ao Valor da Causa – Hipótese que permita a formulação de pedido genérico não caracterizada – Adequação do valor da causa, que deve corresponder tão somente ao valor do contrato, afastada de seu montante a inclusão de multa civil em seu patamar máximo – Impossibilidade de autorizar o pagamento das custas e taxas processuais ao final com fundamento em analogia – Recurso parcialmente provido.”

E consta do venerando voto condutor:

“Por outro lado, assiste razão à agravante quando reputa excessivo o montante total fixado para o valor da causa, que contém, além do valor do contrato, a multa aplicada em seu patamar máximo antes mesmo do processamento da ação de improbidade, ou seja, antes da devida análise da gravidade da conduta sob o crivo do contraditório.”

Tem-se, portanto, e ante a jurisprudência aqui colacionada que a multa civil, que tem caráter sancionatório, não pode integrar o valor da causa, e, portanto, tal valor excessivo não pode servir de parâmetro para o bloqueio de bens dos requeridos.

Nesse sentido, decidiu o e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Agravo de Instrumento nº 2081578-58.2017.8.26.0000, rel. Desembargador Marcos Pimentel Tamassia, 1ª Câmara de Direito Público, julgado em 23 de outubro de 2.017, com a seguinte ementa:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - Ação de improbidade administrativa - Decisão recorrida que decretou a indisponibilidade e o bloqueio dos bens, bem como suprimiu a fase processual de defesa prévia – (....) Decreto de indisponibilidade de bens  - Possibilidade  - Limitação - Exclusão da multa civil - Decisão reformada parcialmente - Recurso provido em parte”

E consta do v. voto condutor:

“Por consubstanciar medida voltada à garantia da plena efetividade do futuro julgado portanto, visando à manutenção de situação material à execução de eventual título executivo judicial , há que se reconhecer os seus limites, precisamente, no dano suportado pelo Erário.

Posto que os atos de improbidade sejam extremamente graves e vulnerem as balizas do Estado Democrático de Direito, não são eles suficientes à total supressão do direito de propriedade do agente ímprobo, de modo que o eventual decreto de indisponibilidade de bens deve se jungir ao dano apurado e/ou estimado, sem a inclusão da multa civil.

Isto porque a multa civil tem natureza sancionatória e não reparatória, e, assim, ela não pode ser incluída na indisponibilidade liminar, como já decidiu esta Corte Paulista:

Além disso, mesmo que, no curso do processo, fique demonstrada plenamente a ocorrência do dano moral difuso, o fato é o que seu dimensionamento quantitativo fica na dependência de arbitramento judicial, o que torna temerária a fixação, no início do processo, de qualquer valor que sirva de base para promover a indisponibilidade.

O mesmo se diga com relação à multa civil, que, se for o caso, ostentará valor cuja fixação deve observar os princípios da proporcionalidade e da individualização, ou seja, dependente inteiramente de elementos de convicção aferíveis apenas no curso de regular instrução processual”. (Agravo de Instrumento nº 0237351-09.2012.8.26.0000, Rel. Des. Maria Olívia Alves, j. 29.7.2013, v.u.)” (com negritos e itálicos originais)

Ainda na mesma esteira, decidiu o c. Superior Tribunal de Justiça, nos autos dos Embargos de Declaração em Recurso Especial nº 1313093/MG, Segunda Turma, Rel Min. Herman Benjamin, j. 05/11/2013, com a seguinte ementa:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PARCIAL PROVIMENTO PDO RECURSO ESPECIAL PARA DECRETAR A INDISPONIBILIDADE DE BENS, LIMITANDO-A, CONTUDO, AO VALOR NECESSÁRIO PARA ASSEGURAR O EFETIVO RESSARCIMENTO DO ERÁRIO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS QUE APONTAM OMISSÃO QUANTO À FORMA DE EFETIVAÇÃO DA MEDIDA NO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. INOCORRÊNCIA. 1. Contra o acolhimento parcial do Recurso Especial da União para Decretar a indisponibilidade de bens, limitando-a, contudo, ao valor necessário para assegurar o efetivo ressarcimento do Erário, a demanda opôs Embargos Declaratórios, apontando omissão do julgamento quanto à forma de efetivação da medida constritiva. 2. Nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal, ao Superior Tribunal de Justiça compete a uniformização da interpretação da legislação federal. No caso concreto, o julgamento restringiu-se ao exame dos dispositivos que disciplinam a indisponibilidade de bens (art. 7º, parágrafo único, e art. 16, §§ 1º e 2º, da Lei 9.429/92), exaurindo-se a competência do STJ com o pronunciamento sobre a correta exegese que deve ser dada àqueles preceitos legais. 3. Logo, não há falar em omissão se a matérias proposta pela embargante a forma como será materialmente efetivada a indisponibilidade na origem nem mesmo poderia ser enfrentada na estreita via do Recurso Especial, considerando a necessidade de examinar fatos e provas para identificar quais bens melhor guarnecem o interesse público tutelado pela ação de improbidade. Tarefa que cumprirá ao juízo de primeira instância desempenhar conforme as particularidades do caso concreto. Incidência da Súmula 7//STJ. 4. O julgamento do Recurso Especial foi claro ao decotar indisponibilidade os excessos que superem o valor atualizado do dano que se busca ressarcir, aí incluída a multa civil, de modo que os interesses da demanda já foram suficientes resguardados pelo julgamento embargado. 5. Embargos de Declaração rejeitados.”

Ainda no mesmo exato sentido são os v. acórdãos proferidos pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no AI nº 2067528-27.2017.8.26.0000, rel. Marcos Pimentel Tamassia, j. 04/10/2017 e AI nº 2038954-91.2017.8.26.0000, rel. Marcos Pimentel Tamassia, j. 25/07/2017, uma vez a multa civil tem natureza sancionatória e não reparatória, e, assim, ela não pode ser incluída na indisponibilidade liminar.

Tem-se, portanto, que o decreto de indisponibilidade de bens em ação de improbidade administrativa deve observar o fumus boni juris e o periculum in mora, e, ainda, recair somente sobre o valor principal sem incluir o valor a título de multa civil, que, por sua vez, tem caráter sancionatório e não reparatório.

E foi exatamente assim que decidiu o MM. Juízo de Osasco, nas referidas ações 1029879-91.2017.8.26.0405, e 1031519-32.2017.8.26.0405, ambas da 1ª Vara da Fazenda de Osasco.

Vejamos a seguir.

 

  1. A r. sentença proferida na Ação Civil de Improbidade Administrativa nº 1029879-91.2017.8.26.0405, e 1031519-32.2017.8.26.0405, ambas da 1ª Vara da Fazenda de Osasco

Consta da já acima transcrita r. sentença proferida na ACP nº 1029879-91.2017.8.26.0405:

“A situação muda muito de figura, no entanto, quando temos aqui, como em diversas outras ações intentadas, um pedido de bloqueio de bens que é massivo. O autor pede bloqueio de imóveis, de veículos e de numerário em valor suficiente para cobrir, não só o valor do principal, mas também o da multa, que é o dobro do valor do contrato. Isso representa um grande prejuízo para qualquer parte. Imaginemos alguém com um imóvel. Mesmo para uma separação judicial será preciso comunicar isso nos autos e pedir uma determinação que permita uma suspensão temporária do bloqueio a fim de ser averbada a partilha decorrente daquele ato. Mesma coisa no caso de alguém com vários imóveis. Há uma antecipação de diversos efeitos da condenação mesmo antes do formal recebimento da inicial, muito antes da sentença de primeiro grau e do trânsito em julgado de eventual sentença de procedência.

No caso de veículos, cuja venda em hasta pública já virou raridade, se a pessoa deseja trocar de carro, também será preciso pedir permissão ao Juízo. No caso de uma empresa, com vários veículos, em que a modernização da frota é um imperativo na busca de maior eficiência, também será preciso fazer isso. Qualquer desejo de expansão de atividades com uma pequena venda de ativos será uma tormenta, tudo na busca de uma liberação judicial que, como de praxe, deve ouvir o autor. E tudo isso acontecerá enquanto o feito não terminar. Quantos anos?

Assim, com o devido respeito, ouso divergir da jurisprudência que diz ser necessário um breve exame da causa. Com tantos efeitos patrimoniais severos podendo vir para as partes, necessário que o exame judicial seja mais rigoroso, analisando com mais propriedade a inicial e os seus argumentos” (Grifamos)

O magistrado deixa claro que analisou a inicial de forma acurada e não apenas superficial, e entendeu excessivo o pedido de indisponibilidade de bens formulado na inicial, que incluía a multa civil, e tudo sem qualquer sentença condenatória.

E foi no mesmo sentido que decidiu o MM. Juízo de Osasco na ACP nº 1031519-32.2017.8.26.0405:

“Vistos.

Indefiro os pedidos de indisponibilidade de bens dos requeridos. São vários os argumentos. Em primeiríssimo lugar, temos somente o pedido inicial, não sentença condenatória transitada em julgado. Em segundo lugar, temos que o valor da causa corresponde ao valor do contrato mais a multa civil desejada pelo autor, totalizando mais de cem milhões de reais.

O autor não sabe qual será o valor da condenação, tanto que a fls. 40 fala que o valor deverá ser apurado em liquidação de sentença. Fala que houve conluio entre os requeridos, mas não o demonstra em seu pedido inicial. A fls. 100, por exemplo, na defesa de um secretário não incluído no polo passivo, este cita o voto do Tribunal de Contas, base do pedido inicial, que diz que o ressarcimento do erário seria possível se constatado prejuízo de ordem econômica-financeira. De fato, o TCE limitou-se a analisar aspectos do contrato e do certame, sem apurar, no entanto, se, na execução do mesmo houve, de fato, prejuízo para o Município.

A inicial não esclarece se houve e quanto teria sido o prejuízo aos cofres públicos.

Aliás, isso fica mais do que claro pelo segundo parágrafo de fls. 32, quando diz que a empresa contratante tem o direito de receber pelos serviços efetivamente prestados, que deverão ser provados em ação autônoma.

A fls. 33, fundamentando o pedido de indisponibilidade de bens, diz que não é possível esperar que o agente ímprobo, "que lança mão do dinheiro público em atitudes ilícitas "espere "passivamente o comprometimento de seu patrimônio particular para ressarcir o dano que causou". Cito este trecho para tornar mais evidente que o autor vê a inicial, não como um pedido, mas como verdadeira condenação transitada em julgado. Assim, seria de esperar que indicasse, então, para prevenir injustiças e incorreções, os valores devidos e apurados por cada um dos requeridos. Não o faz. Como dito acima, fala em conluio dos requeridos, mas não o demonstra.

A necessidade de reparação para os cofres públicos não pode ser superior, primeiro, ao devido processo legal, segundo à necessidade de indicação da culpa de cada um. Necessário que se indique qual foi o proveito individual auferido, eis que, como dito antes, fala-se em conluio. No que teria consistido? Qual o proveito individual de cada um dos agentes?

Anoto que os argumentos dos requeridos, colhidos no bojo do inquérito civil, não oram alvo da devida análise e rebate quando do oferecimento da inicial. Cito, por exemplo, o último parágrafo de fls. 87, quando diz que não houve acréscimo de valores nos custos unitários. Cito o teor de fls. 89, que rebate o item "c" de fls. 10. A fls. 89 também aparece refutação do item"d" de fls. 11.

Por tudo isso, impossível deferir na presente fase processual a indisponibilidade de bens pedida.

Intime-se” (Grifamos)

Ou seja, o pedido de indisponibilidade de bens não pode incluir o valor da pretensa multa, e a inicial deve delinear a conduta de cada requerido, e quantificar os valores devidos por cada um deles, não sendo possível, portanto, uma ação sem robusta prova do convencimento e sem valores de acordo com a realidade do que se pretende ver como condenação, em atendimento ao princípio da razoabilidade.


* Advogada militante em Direito Administrativo. Pós-graduada em Direito Administrativo pela FMU. Ex-Professora de Direito Administrativo na FMU. Autora dos livros Elementos de Direito Ambiental, Rio de Janeiro: Temas e Idéias, 2.003; Desestatização e terceirização, São Paulo: NDJ – Nova Dimensão Jurídica, 2.006; A lei dos crimes ambientais comentada artigo por artigo, Minas Gerais: Editora Fórum, 2.008, e 2ª edição em 2.012, A improbidade administrativa no Direito Brasileiro, Minas Gerais: Editora Fórum, 2.011, e co-autora do livro Comentários ao Sistema Legal Brasileiro de Licitações e Contratos Administrativos, coautora, pela ed. NDJ – Nova Dimensão Jurídica, São Paulo, 2.016, e, ainda, autora de mais de uma centena de artigos sobre temas de direito administrativo e ambiental, todos publicados em periódicos especializados.


[1] Mattos, Mauro Roberto Gomes de, O limite da improbidade administrativa: comentários à Lei nº 8.429/92. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009, p. 487.