AS SÚMULAS DE JURISPRUDÊNCIA SOBRE LICITAÇÃO, DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (1ª PARTE)

AS SÚMULAS DE JURISPRUDÊNCIA SOBRE LICITAÇÃO, DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO

Ivan Barbosa Rigolin

(jul/17)


I - Escrevemos há doze anos o artigo Cláusulas restritivas em licitações - as Súmulas 14 a 30 do TCE-SP, logo em seguida à sua publicação por aquele Tribunal.

Todas aquelas súmulas comentadas versavam sobre licitação e restrições à competitividade que os editais poderiam praticar, fosse casualmente, fosse de caso pensado, e o Tribunal, visando desde logo permitir evitarem-se  vícios não raro invalidantes de todo o procedimento, sumulou seu entendimento sobre diversos importantes assuntos dentro da licitação - e com isso em muito contribuiu para o aperfeiçoamento dos editais.

Em 14 de dezembro de 2.016, através da sua Resolução nº 10/2016, o TCE atualizou aquele seu repertório e (I) cancelou as Súmulas nº  5, 7, 14 e 19, além de (II) editar as novas Súmulas nºs 31 a 51. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo constitui-se, quase que naturalmente e sem trabalhar especificamente para isso, em modelo a todos os tribunais de contas brasileiros, tanto por sua alentada estrutura quanto pelos resultados que obtém de sua atividade institucional, dentre os quais, por excelência, o de orientação aos entes fiscalizados.

Este artigo atualiza aquele  anterior estudo sobre as Súmulas 14 a 30, transcrevendo inalterados os comentários ainda aplicáveis, eliminando os comentários às súmulas agora canceladas e comentando as novas súmulas relativas a licitação.  Mas de novidade, alargando um pouco o objeto do estudo anterior, agora se comentam também as Súmulas 9 a 13, que direta ou indiretamente envolvem licitação, ou evocam o tema.

Não se comentam súmulas sobre outros temas, como remuneração de Vereadores, repasses ao terceiro setor  ou adiantamentos a agentes políticos, e desse modo foram excluídas de comentário as Súmulas nºs 1 a 8; 40 e 41, e 44 a 46.

II - Passa-se, desse modo, ao comentário às súmulas TCE - SP sobre licitação e contratação, dentre as nºs 9 a 51.

SÚMULA Nº 9 - As aquisições de obras de arte ou de valor histórico devem ser precedidas de laudo de autenticidade e avaliação.

Observe-se de início que jamais se falou em licitação neste caso, e não se falou porque não tem sentido licitar obra de arte, que é o objeto mais singular, ou personalíssimo, que pode existir no mercado de bens adquiríveis, inclusive pelo poder público. 

A lei de licitações, art. 24, inc. XV, dispensa licitação para a aquisição de obras de arte, desde que autênticas e - agora o bestialógico se inicia - "desde que compatíveis ou inerentes às finalidades do órgão ou entidade". Essa última parte, entre aspas, é fruto da mais absoluta bisonhice, incultura, grosseria intelectual e primitivismo institucional do legislador, para o qual apenas o museu público, a pinacoteca oficial ou os demais setores culturais da Administração podem adquirir obras de arte. Uma praça pública só pode ter estátuas se forem adquiridas pela secretaria de cultura, que em geral não dispõe de verba nem para pagar sua conta de luz.

Felizmente isso não é levado a sério pelos entes de fiscalização, que se recusam a reduzir seu discernimento ao nível cavernícola deste dispositivo da lei, obra de trogloditas travestidos de legisladores.

Mas quanto à avaliação e à autenticidade da obra de arte nada é mais correto nem necessário, pois sendo paga com dinheiro público é de se exigir que a obra seja tanto autêntica, conforme certificado por quem tenha competência institucional ou profissional para isso - como o próprio autor, por exemplo - quanto previamente avaliada, de modo a evitar o superfaturamento artístico, e por mais difícil que seja avaliar uma obra de arte e dar o correto preço de uma estátua renascentista que ninguém valoriza nem preza diante de um dos pedaços de lixo contemporâneos vendidos a milhões de dólares. Desses que ao se entrar na bienal  não se sabe se são a obra de arte exposta ou um resto de construção por descuido ainda não recolhido à caçamba do lixo.

De qualquer modo, algum preço de mercado todas as obras têm, até mesmo a calamitosa arte contemporânea, e esse preço num atestado é requisito à validade da sua aquisição pelo poder público, pena de, uma vez detectada,  ver-se rejeitada a respectiva conta.

SÚMULA Nº 10 - O preço final dos produtos ofertados pelos proponentes deve incluir os tributos e demais encargos a serem suportados pelos ofertantes.

Boa e correta orientação para os editais, estabelece que o poder público não deve aceitar preços do que licita  fora os encargos.  Todos os encargos legais dos produtos ofertados (obras, serviços e bens) devem estar compreendidos no preço proposto, conforme o edital deve assim determinar aos concorrentes, sob pena de desclassificação da proposta que os exclua do preço proposto.

O poder público não deve nem pode ter a preocupação de saber quanto terá de pagar de encargos pelo produto que adquire, como de resto qualquer cidadão com relação ao que quer que compre. Imagine-se alguém comprando uma televisão e depois apressando-se para pagar os impostos dessa aquisição ...

Existem entretanto exceções a essa regra, como por exemplo na aquisição, por empresas contratadas pelo poder público para essa função, de bens ou serviços de origem estrangeira. Não é lógico que se atribua ao importador o ônus de pagar encargos que o poder público não paga, como imposto de importação, de modo que o edital pode informar que em casos assim as guias de importação serão emitidas em nome do ente público, fazendo com isso baixar o preço a ser arcado pela empresa que importa, e com isso, a seguir, o preço ao ente público.

Não se tratando de exceções muito pontuais e pouco comuns, entretanto, vale a boa regra da súmula.

 SÚMULA Nº 11 - Não basta o simples tabelamento de um produto para dispensar a administração pública de adquiri-lo mediante o competente certame  licitatório.

Existem produtos - eventualmente até mesmo serviços - cujos preços são tabelados pelo governo. Essa foi uma prática mais prestigiada no passado, em que a inflação chegou a 87% no mês, do que é atualmente, época de inflação controlada e, para os nossos padrões, baixa. Preços tabelados no dia de hoje em nosso país, pode-se afirmar, constituem exceção à regra do livre comércio e da livre estipulação de preços ao consumidor.

Mas existem ainda alguns, como de gás de botijões, e significam um preço máximo e não obrigatório - porque constituiria a mais rematada estupidez a ideia de que o preço tabelado não pudesse sofrer descontos pelo fornecedor.

Assim, se o preço é tabelado pelo máximo, sempre podem existir fornecedores do que quer que seja - absolutamente do que quer que seja - que ofereçam desconto sobre o preço tabelado.  Instaura-se, desse modo, a possibilidade de competição, tanto quanto se o preço não fora tabelado. Como tal fato em princípio não significa aviltamento da qualidade do produto com desconto, então natural se faz que se instale a ;licitação entre interessados, que abra ao poder público a possibilidade de adquirir, a preço menor que o tabelado, o que precisa.

Não fora assim, então a licitação se resolveria possivelmente por sorteio entre os participantes, todos com preço igual, e aquela vantagem em favor da Administração poderia se esvair num jogo de resultado previamente conhecido.

Não existe motivo por que não licitar em caso semelhante, ainda que se reconheça que esta é uma postura que afronta o disposto no inc. VI do art. 24 da lei de licitações, fruto de uma convulsionada época de tabelamentos de preços - entre demagógicos e desesperados -  e de terrorismo comercial, o que já está há décadas superado e desatualizado em nosso país. É que não se pode esperar da paquidérmica e antediluviana lei de licitações que se atualize de acordo com o correr do tempo e as transformações da economia.

Muito mais razão, hoje, assiste à súmula que ao inc. VI do art. 24 da lei de licitações, pensamos. Que bicho isso irá dar, o tempo dirá.

 SÚMULA Nº 12 - Depende de licitação  a aquisição de combustíveis e derivados de petróleo pelos órgãos e entidades da administração pública estadual e municipal, direta e indireta, aí incluídas as fundações instituídas pelo poder público e empresas sob seu controle, não podendo eventual dispensa fundar-se no disposto no inciso  VIII do artigo  24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1.993.

Outra disposição da lei de licitações que sofre oposição do e. Tribunal de Contas do Estado. Todos os brasileiros sabem perfeitamente, a esta altura da história, que  nem tudo que é estatal é bom. A Petrobrás, orgulho nacional mais do que justificado, foi a empresa protagonista do maior escândalo de corrupção estatal registrado até onde a visão da história alcança.

As empresas estatais são com toda freqüência apanágio dos bandidos da pior espécie que povoam o planeta, ratos famintos do erário, pilhadores e saqueadores das finanças públicas de extraordinária capacidade laboral, o que desacredita por completo a antiga idéia da presunção de idoneidade dos entes públicos. Hoje essa presunção simplesmente não existe.

Outro exemplo de picaretagem oficial: as fundações criadas por universidades públicas para, principalmente,  poder contratar diretamente, sem licitação, com entes públicos, esmagando deslealmente a concorrência privada que no mais das vezes trabalha melhor que elas, constituem um escândalo que em geral passa desapercebido da imprensa, do Ministério Público, dos próprios tribunais de contas - e o do Estado de São Paulo combate conhecidamente essa prática - e da população. 

Com fulcro no descrédito absoluto dos entes estatais  o TCE editou esta súmula - e já há doze anos - para colocar a Petrobrás no mesmo patamar das empresas privadas fornecedoras de combustíveis, para todos os efeitos.

Preço da Petrobrás nunca foi preço oficial, porque preço de empresa não é preço de governo; então, não se invoque privilégio em favor dessa estatal nesse assunto que nada tem de estatal, nem de estratégico, nem de prioritário: qualquer comerciante vende gasolina, e a da Petrobrás não é melhor que a dos postos sem proteção do estado - ainda que como regra geral cuide da qualidade do que vende, e do atendimento que empresta ao público.

Mas a súmula tem o condão de dificultar a concorrência predatória, sob o manto do estado, sem motivo algum na natividade comercial que o justifique.

Não cremos que haja problema entre súmula e lei de licitações, 24, VIII, até porque a súmula já tem doze anos, e não se os conhece. Ninguém tente justificar compras diretas de combustíveis, portanto, apenas porque está diante da Petrobrás.

 SÚMULA Nº 13 - Não é lícita a contratação pelas Prefeituras Municipais de terceiros, sejam pessoas físicas ou jurídicas, para revisão dos Índices de Participação dos Municípios - DIPAMs, a qual deve ser feita d por servidores públicos  locais, valendo-se do auxílio da Secretaria Estadual da Fazenda.

Assunto um tanto ultrapassado, é clara no seu enunciado a súmula, a impedir  a esperteza muito em voga no passado de diversas empresas que ofereciam esse serviço aos Municípios, e que obtinham resultados não raro apontados como prodigiosos, mas que a fiscalização indicou que se valiam de artifícios e de artimanhas, bem à maneira brasileira, para obter aqueles resultados, sempre com grande custo ao erário.

Existe grande dose de romantismo na súmula, a uma por imaginar que a grossa maioria dos servidores locais sabe ou quer realizar o serviço, e a duas por prever auxílio da Secretaria da Fazenda, algo irrealizável e que evoca poesia, sobretudo em uma época em que o Estado vende o almoço para comprar o jantar, e  extingue órgão após órgão, orquestra após orquestra, serviço após serviço, e vive de um plano de desligamento voluntário após outro nos quadros que ainda mantém,  na tentativa de sobreviver para cumprir seus compromissos mínimos.

Neste quadro de absoluto descalabro financeiro, institucional moral, político, administrativo e técnico, esperar que a Secretaria da Fazenda auxilie Municípios a preencher DIPAMs é pouco realístico; talvez mais factível fosse aguardar Papai Noel fazê-lo.

Resta da súmula a proibição, que só em si se justifica; o que segue lamentavelmente nada mais representa, e não se sabe por quanto tempo.

SÚMULA Nº 15 - Em procedimento licitatório, é vedada a exigência de qualquer documento que configure compromisso de terceiro alheio à disputa.

Absolutamente correto e oportuno se revela este texto, porque nada na lei de licitações autoriza - como dificilmente se imagina que poderia autorizar - que o edital da licitação exija que o licitante ofereça proposta ou documentação habilitatória com condão de comprometer algum terceiro no certame, ou seja obrigar pessoa estranha à competição junto à Administração licitadora.

Não se concebe que um negócio entre a e b possa comprometer c sem a sua expressa anuência e sem que a regra do jogo o preveja, porque isso contraria a própria teoria geral do direito nos seus elementos mais essenciais, na medida em que ninguém se vincula a negócio algum, público ou privado, se não voluntariamente ingressar nessa relação.

A súmula por seguro se originou do exame de alguns editais que exigiam do licitante que estabelecesse aquela triangulação sem a prévia adesão do terceiro, o que desde logo deve ter chamado a atenção pela clamorosa antijuridicidade – até porque um terceiro, distante das questões de habilitação e das propostas dos licitantes, dificilmente tem acesso aos negócios públicos licitados.

Uma derradeira e subjacente lição se pode ocasionalmente extrair da súmula, a de que o edital não pode permitir que algum licitante vise esquivar-se de assumir algum compromisso no certame, e com isso algum risco, repassando-o a terceiro.

 SÚMULA Nº 16 - Em procedimento licitatório, é vedada a fixação de distância para usina de asfalto.

Esta pontual súmula se refere a um declarado casuísmo, ou seja uma particularidade bem caracterizada: usina de asfalto e a distância a que se situa com relação à obra em licitação.

Não pode o edital exigir que a usina, que o edital considere necessária à obra da pavimentação asfáltica que se licita, se localize a uma distância máxima ou mínima determinada, porque isso constituiria clausula restritiva à competição do maior número possível de licitantes, como por exemplo no caso de um licitante ter usina a cinco quilômetros do palco de execução do contrato, e outro a vinte. Não é esse só fato que desqualifica o segundo, porque mesmo que se localize a maior distância a sua usina, pode ocorrer que esse demonstre ter maior capacidade operacional que o primeiro, cuja usina é próxima.

Não sendo objetivamente diferenciador da capacidade operacional dos proponentes a distância das usinas ofertadas, então não pode o edital fixar distância máxima ou mínima para aceitar a usina, bastando ao proponente que indique dispor da usina, e também, no máximo quanto a isso, onde se localiza, para que a exigência esteja satisfeita.

Algo reste muito claro, entretanto, sobre o tema: sendo casuística esta súmula, é apenas a usinas de asfalto que a proibição de o edital determinar distâncias se refere, e não a outros equipamentos, edificações ou requisitos. Ou seja: o edital não está proibido de fixar distâncias máximas para por exemplo postos de abastecimento de combustível, ou de pronto-socorros, ou de hospitais, pois que esses equipamentos, se a distância muito grande da sede de usuários, poderão perfeitamente não interessar à Administração que licita a sua utilização.

Um posto de gasolina a 50 Km da sede, por exemplo, pode simplesmente deixar de interessar à Administração que licita, e o edital pode assim prever que propostas de postos a mais de 10 Km serão desclassificadas, ou que postos de assistência urgente a mais de 15 Km também não sejam aceitos.  A súmula, por motivos que o Tribunal por certo conhece bem, se refere apenas a usinas de asfalto, e toda extensão analógica do seu teor é proibida, na medida em que restrições ou proibições não se ampliam por vai de interpretação.

 SÚMULA Nº 17 - Em procedimento licitatório, não é permitido exigir-se, para fins de habilitação, certificações de qualidade ou quaisquer outras não previstas em lei.

Esta súmula seguramente vem a propósito, sem o dizer de modo expresso, dos comuns e usuais certificados ISO, de numeração variada conforme a codificação da atividade atestada.

Já nos manifestamos nesse exato sentido quanto a isso em consultas e artigos, pois que, tanto quanto o e. TCE-SP, pensamos que tais certificações de qualidade – sejam ISO, sejam quaisquer outras expedidas por quaisquer institutos particulares – podem ocasionalmente significar um efetivo e palpável diferencial qualitativo em favor de quem as detém, como igualmente podem pouquíssimo significar sob qualquer ponto de vista.

É bem certo que com freqüência se inverte o papel desses certificados, que de uma mera conseqüência de bom trabalho realizado pela empresa passam muita vez a constituir ou a serem vistos como um objetivo ou uma meta da empresa. Nessa hipótese, esta empresa a partir de dado momento passa a preocupar-se apenas, antes que em trabalhar bem, em única e exclusivamente obter a certificação – como se ela só em si lhe assegurasse um salto de qualidade ou uma conquista inesperada e extraordinária.

Sabe-se que na realidade a só obtenção da maioria daqueles certificados em muito pouco altera, quando altera,  a qualidade dos serviços prestados ou dos produtos oferecidos pela empresa que se certificou, daí a justa objeção do e. TCE quanto à sua exigibilidade em editais de licitação.

Mas algo reste bastante claro: não se confundem atestados de qualidade criados e oferecidos por entidades particulares, em geral onerosos e que representam negócio comercial para os certificadores,   com atestados oficiais de aprovação ou de  suficiência, emitidos por entidades governamentais ou órgãos estatais, em geral sociedades de economia mista ou empresas públicas de caráter técnico ou científico, as quais sempre podem – ou mesmo devem quando for o caso - ser exigidos.  Atestações públicas nada têm, nesse sentido, com particulares.

 SÚMULA Nº 18 - Em procedimento licitatório, é vedada a exigência de comprovação de filiação a Sindicato ou a Associação de Classe, como condição de participação.

Eis algo que, a se ter presente a lei nacional de licitações e contatos administrativos, dificilmente se poderia imaginar que algum ente público ainda exija em seus editais de licitação.

Com efeito, custa crer que algum autor de edital ainda consiga imaginar exigível a filiação do licitante a alguma entidade particular e não pública como uma associação ou um sindicato, como condição para ser habilitado.

Se pela Constituição, art. 8º, a filiação sindical ou a associação profissional são facultativas e livres,  e não obrigatórias, então não resta nem um pouco razoável conceber que o edital exija dos licitantes o que a Constituição declara um direito facultativamente exercitável por particulares.

Nada o justificaria a partir da só leitura da Carta – e nem se precisa invocar a predominância da lei atual de licitações sobre a legislação anterior que acaso permitisse uma tal exigência -, daí a adequada e inatacável previsão desta súmula. 

SÚMULA Nº 20 - As contratações que objetivem a monitoração eletrônica do sistema de trânsito devem ser precedidas de licitação do tipo "menor preço", vedada a delegação ao particular de atividades inerentes ao Poder de Polícia da Administração, bem como a vinculação do pagamento ao evento multa.

Esta súmula contém três ordens a oferecer três distintas lições, sendo uma mandamental positiva e duas mandamentais negativas, ou proibitivasPrimeira: licitações para aquisição de equipamentos de monitoração do trânsito são do tipo menor preço e não de outro tipo; segunda: o poder público não pode repassar ao particular funções privativas de Estado, ou que lhe sejam inalienáveis por força de sua natureza, e terceira: não pode ser instituída a participação do particular no produto da arrecadação das multas de trânsito.

Pela primeira ordem, de extrema oportunidade e acerto, evidencia o TCE-SP que, em princípio, nas suas fiscalizações apontará a irregularidade de licitações do tipo técnica e preço, ou do tipo melhor técnica, instauradas para a aquisição de equipamentos de monitoração eletrônica do trânsito, como radares fixos ou móveis, e fotográficos ou não, lombadas eletrônicas, inibidores eletrônicos de altura excessiva, e outros ainda dentro da vasta gama de produtos eletrônicos que hoje existem.

A licitação correta é sempre a do menor preço, e a súmula oportunamente deve desencorajar empresas, associações e mesmo, ocasionalmente, sindicatos que pretendem diverso, ou seja que, por se tratar de equipamentos de informática, a licitação deve ser a de técnica e preço, com base no § 4º, do art. 45, da lei nacional de licitações. 

Essa francamente bisonha e corporativa idéia não em o menor cabimento, e se radar de trânsito for equipamento de informática apenas porque contém um circuito eletrônico e inteligente – mais inteligente, aliás, que a idéia -, então com o mesmo fundamento são também equipamentos de informática aviões, automóveis, navios, ônibus e submarinos, pois que todos contêm circuitos de informática e computadores de bordo, além de máquinas fotográficas e filmadoras, telefones, cartões de crédito com chips, aparelhos de som, televisores, rádios e infinitos outros aparelhos que dia após dia se lançam no mercado, somente por serem providos de circuitos inteligentes.

Já tivemos a redobrada alegria de derrotar, em ação judicial, uma pretensão dessa natureza, e são conhecidas inúmeras decisões superiores nesse sentido, ainda que não se possa proclamar pacífica a jurisprudência ([1]).

Quanto à segunda questão, deve ter vindo a propósito da comum e freqüente tentativa de o poder público transferir para particulares, ou “terceirizar” determinadas atividades que em verdade são inalienavelmente suas, como por exemplo certas fiscalizações ou autuações, serviços esses próprios do Estado e que juridicamente não faz sentido pensar em delegar, repassar, privatizar ou sob qualquer outra denominação  transferir ao particular, à iniciativa privada, por evidente desvio de finalidade.

Se pode se revelar mais cômodo ao poder público expedir multas de trânsito, o fato é que essa é atividade que somente o Estado realiza de modo constitucional e legítimo, pois que somente o Estado detém poder de polícia público ou oficial, capaz de sujeitar indistintamente todos os particulares, e jamais o particular pode desfrutar desse poder estatal primário.  Assim, qualquer tentativa pelo Estado de fazê-lo para desonerar-se da (geralmente pesada) obrigação, ainda que pudesse revelar-se amplamente proveitosa ao poder público, revela-se inconstitucional e sem sentido ante o direito, daí a súmula enfatizá-lo.

[1] Nesse sentido nosso artigo Licitação – três prosaicos temas: (...) 2) Radar de trânsito jamais foi equipamento de informática; (...) in Revista IOB de direito administrativo, jan./06, p. 12; Boletim de administração municipal, Fiorilli,  nov./05; Revista jurídica de administração municipal, nov./05, p. 19; Fórum de contratação e gestão pública, dez./05, p. 6.450; Revista Gazeta Juris – Doutrina, 2ª quinzena/jan./06, p. 32.


E a terceira ordem contida na súmula constitui uma derivação para o plano privado de antigas regras legais federais e estaduais, quando não também de alguns Municípios – algumas das quais sem dúvida ainda em vigor -, pelas quais era proibido ao agente público participar do produto da arrecadação de mulas de trânsito, ou ocasionalmente de outras multas.

A razão da proibição é escancaradamente evidente, e salta aos olhos: se for dado ou ao agente público ou ao particular contratado ter participação na arrecadação das multas que estes ajudarem a impor aos particulares, nesse momento se terá instaurado a mais extraordinária produção industrial do planeta, a decantada indústria das multas, sustentada a pão-de-ló com vista exclusivamente ao enriquecimento, de preferência rápido,  do agente “multador”, e apenas por isso. Esse cidadão será então capaz de autuar a própria mãe, devidamente ou não, no exclusivo afã de arrecadar sua parte da penalidade  – e quem disser diverso há de crer piamente, pelo mesmo fundamento,  em Papai Noel, no monstro de Loch Ness, no chupa-cabras ou no prosaico e delicioso ET de Varginha.

Não existe proibição mais moral e moralizante que a última enunciada por esta súmula, a traduzir uma indispensável regra de conduta para a Administração, porque fomentar indústria de multas, divorciada e desprovida do papel educativo que devem ter as multas,  constitui prática delinqüencial.

SÚMULA Nº 21 - É vedada a utilização de licitação do tipo "técnica e preço" para coleta de lixo e implantação de aterro sanitário.

Esta súmula pretende golpear o tipo de licitação técnica e preço, restringindo, com a proibição que enuncia, o campo de sua aplicação.

Não existe pior técnica, na legislação brasileira, que a utilizada para a concepção atual do tipo licitatório da técnica e preço. Houve demorado trabalho de elaboração do tipo, mas não poderia ter sido pior o resultado.

 Os arbitrários critérios que alei de licitações, no art. 46, evoca para definir esse tipo não permitem que nem o autor do edital nem o avaliador das propostas durante a licitação trabalhem com a mínima nem mais remota objetividade, e esse fato contraria o princípio do julgamento objetivo, da impessoalidade, da igualdade e da isonomia, pelo menos.

Ninguém pode demonstrar a objetividade de, para obter média ponderada,  fixar peso 3 para a técnica e peso 2 para o preço. Se os pesos forem o inverso serão tão arbitrários quanto aquilo, e se um for dez vezes maior que outro, idem.  Além disso, os fatores de julgamento estão, na técnica da lei para a elaboração do edital, abertos aos mais disparatados rompantes da Administração, sem que jamais alguém possa provar porque são estes e não aqueles ou aqueloutros.

O que se nota, infelizmente, é que os editais de técnica e preço aparecem na Administração sem que ninguém saiba de onde se originaram, sem que ninguém explique de onde provieram os fatores, os pesos, as ponderações, os elementos de maior representatividade.  Simplesmente surgem do nada, sem paternidade, sem autoria conhecida – e o principal, sem que ninguém seja responsabilizável  pelo trabalho.

Desse modo, sem mensuração possível da conveniência para a Administração daqueles fatores rigorosa e totalmente subjetivos, o resultado final costuma ser o de que a Administração acaba por declarar vencedor alguém que não sabe se de fato representa o melhor negócio que se poderia obter, uma vez que os fatores editalícios porventura caíram do céu.

Sendo a lei como é, o mínimo que se pode afirmar sem medo de errar é que todo edital de técnica e preço é, em princípio e para início de discussão, profundamente suspeito de ter sido elaborado com cartas marcadas, já que os referidos fatores e elementos técnicos costuma ser por completo estranhos aos hábitos,. às práticas, às rotinas e às necessidades conhecidas da Administração que licita.

O § 3º do art. 46, longe e de esclarecer para que objetivamente servem essas licitações, apenas agravam a obscuridade intrínseca e essencial do tipo.

A súmula declara que o serviço de coleta de lixo e mantença de aterro sanitário não contêm requintes tecnológicos ou intelectuais suficientes para recomendar licitação no mínimo tão misteriosa quando a da técnica e preço.  Nada têm aqueles serviços, em verdade, que não possa ser especificado minuciosa e completamente numa simples lista de requisitos para a proposta, os quais, insatisfeitos pelo proponente, ensejem a sua sumária desclassificação.

Aquelas empreitadas sempre podem ser, e à perfeição,  licitadas por menor preço, de modo a permitir julgamento objetivo e a se eliminarem fatores cunhados por manipuladores da realidade ou extraídos da algibeira de mágico, que misteriosamente e amiúde aparecem reunidos em editais de origem igualmente imprescrutável.

Corretíssima a súmula, como corretíssimas estarão, sem dificuldade, 99 % das alegações contra o atual tipo de licitação da técnica e preço, tenham o teor que tiverem –vez que é bem sabido o futuro de pau que nasce torto.

 SÚMULA Nº 22 - Em licitações do tipo "técnica e preço", é vedada a pontuação de atestados que comprovem experiência anterior, utilizados para fins de habilitação.

Intimamente vinculada  à súmula anterior e versando sobre o mesmo tema, esta declara proibido que entre os fatores de avaliação e julgamento das propostas técnicas, nas licitações de técnica e preço, o edital consigne que atestados de desempenho anterior sejam fator diferenciador entre os proponentes.

Absolutamente correto o texto, eis que o simples fato de alguém demonstrar, numa licitação, deter ou reunir mais experiência na execução do objeto, ou de parte dele, só em si não o qualifica além de outros proponentes que acaso não detenham tanta experiência.

Ninguém precisa exercitar inúmeras vezes sua capacidade técnica para ter qualificação inquestionável, podendo demonstrá-la por outros meios que não a mera soma de atestados de desempenho anterior, ou de capacidade técnica. 

A quantidade de experiências anteriores que compõem o acervo técnica dos licitantes,  ainda que seja sempre respeitável como demonstrativo de qualidade, não pode ser erigida como fator diferencial entre licitantes, e um exemplo desse fato é o de que por exemplo uma construtora nova, pertencente ao maior grupo construtor mas que não tenha experiência anterior, não pode somente por isso ser  tida como tecnicamente inferior a antigas  empreiteiras, porque existem outros meios para novas entidades demonstrarem sua qualificação.

E o edital, desse modo, está proibido de direcionar a demonstração da qualidade apenas à soma de atestados, pena de dirigismo injustificável.  Ninguém precisa construir um grande prédio duas vezes, ou prestar mais de uma vez o mesmo complexo serviço, para evidenciar seu preparo para novos intricados objetos em disputa pública.

SÚMULA Nº 23 - Em procedimento licitatório, a comprovação da capacidade técnico-profissional, para obras e serviços de engenharia, se aperfeiçoará mediante a apresentação da CAT (Certidão de Acervo Técnico), devendo o edital fixar as parcelas de maior relevância, vedada a imposição de quantitativos mínimos ou prazos máximos.

Esta súmula precisa ser muito bem compreendida – ou de outro modo, se não foi esta a intenção dos seus autores, nem nós com ela concordamos...

Significa, para nós, que o CAT só em si, sem necessidade de mais demonstrativos de qualificação, é suficiente para evidenciar a qualificação da empresa proponente.  O CAT, nesse sentido, sempre precisa ser aceito pela Administração, porque contém abundância de elementos comprobatórios da qualificação técnica do licitante, que dispensam outros.

Assim, se o edital exige atestado(s) ou certificações, e o licitante apresenta seu CAT, deve ser dado como habilitado, é o que entendemos da súmula.

O que não se admite é que o edital exija CAT, que é um acervo oficialmente expedido e reconhecido pela entidade fiscalizadora do exercício profissional dos engenheiros e arquitetos, tem seu custo significativo e representa mais  do que uma simples soma de atestados.

Como a lei de licitações em seu art. 30 não admite exigir CAT dentre o rol de documentos que permite ao edital exigir dos licitantes,  e como é literal na lei e pacífico na doutrina que se trata, nos arts. 27 a 31,  de um rol máximo de exigibilidades, que não pode ser ampliado pelo edital sob pena de ilegalidade e ilegítima restritividade à competição, então temos para nós que o CAT simplesmente não pode ser exigido pelo edital.

Quem o tiver e quiser apresentá-lo, muito bem, que o faça e ele haverá de ser aceito, porém exigi-lo é vedado ao edital, por literal impedimento da lei de licitações.

Quanto à parte final da súmula, apenas reforça que o edital deverá fixar as parcelas de maior relevância, sobre as quais poderá o edital exigir certificação com prazos máximos ou mínimos e com quantidades máximas, sim, caso os atestados sejam da pessoa jurídica. O edital apenas não pode exigir prazos e quantidades em atestados em nome de pessoas físicas.

É o que se lê, de um lado (pessoas jurídicas – quantidades e prazos exigíveis),  do inc. II, do art. 30 da lei, e de outro lado (pessoas físicas – quantidades e prazos inexigíveis) do inc. I, do ap§ 1º, do mesmo art. 30.

SÚMULA Nº 24 - Em procedimento licitatório, é possível a exigência de comprovação da qualificação operacional, nos termos do inciso II, do artigo 30 da Lei Federal nº 8.666/93, a ser realizada mediante apresentação de atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes, admitindo-se a imposição de quantitativos mínimos de prova de execução de serviços similares, desde que em quantidades razoáveis, assim consideradas 50% a 60% da execução pretendida, ou outro percentual que venha devida e tecnicamente justificado.

Este texto em parte confirma o comentário à súmula anterior, quanto à exigibilidade de quantitativos e prazos nos atestados emitidos em favor de licitantes pessoas jurídicas, mas o que tem de mais importante como valiosa orientação aos autores de editais são os percentuais mínimo e máximo que recomenda como quantitativo razoável entre o objeto da licitação e o já realizado pelos licitantes.

Aquele percentual de 50 a 60% é ditado pela experiência, pelo consenso entre especialistas e, no mais, por um senso médio de razoabilidade que tanto a Administração quanto licitantes detêm.

Com efeito, se o edital estabelece que uma parcela relevante da obra que se licita é construir uma ponte de alvenaria sobre um rio, com 2 Km de extensão, 15 m de largura e resistência x, no prazo y, a todos tem parecido razoável que o mesmo edital exija demonstração de que o licitante já realizou, ou demonstre ter condição de realizar, ao menos 50%, ou como exigência  máxima 60%, daqueles quantitativos, no mesmo prazo.

Tais índices são tidos como razoáveis de modo quase unânime na generalidade  dos casos concretos, mas a própria súmula  ressalta que podem existir, e é certo que de fato existem, casos em que não é prudente a Administração se contentar com apenas 60% dos quantitativos, podendo exigir mais.

E o que se recomenda nessa hipótese é que o processo administrativo – não o edital, que não é documento para justificativas e explicações – contenha  a expressa justificativa do quantitativo que, de outro modo, seria excessivo, e que esta súmula considera excessivo se não tecnicamente justificado.

SÚMULA Nº 25 - Em procedimento licitatório, a comprovação de vínculo profissional pode se dar mediante contrato social, registro na carteira profissional, ficha de empregado ou contrato de trabalho, sendo possível a contratação de profissional autônomo que preencha os requisitos e se responsabilize tecnicamente pela execução dos serviços.

Aqui se traduz um assentamento que a doutrina de licitações desde longa data elaborou, ante o injustificável rigor literal da lei, art. 30, § 1º, inc. I, que menciona “quadro permanente” do licitante”, o que remete de imediato ao seu quadro de pessoal, contratado pela CLT para empregos permanentes e sem tempo determinado.  Como efeito, afora o contrato pela CLT, qualquer outro contrato de pessoal ou de servidores, ou de serviços pessoais de alguém, tem tempo predeterminado.

Seria tremendamente injusto, por discriminatório, para com organizações empresariais que pelo porte e faturamento são incapazes de manter quadro permanente de grandes e caros profissionais, aplicar a lei com  seu aparente “exclusivismo trabalhista” neste caso.

Com efeito, o fato de profissionais estarem vinculados a empresas por contratos outros que não pela CLT, como pelo Código Civil, ou mesmo pela CLT mas em contratos temporários e não permanentes, não os desqualifica, ou à empresa, nem remotamente. O trabalho e a qualificação do profissional contratado são tão bons se o contrato for pela CLT quanto pelo Código Civil, ou por qualquer outro eventual regime de ajuste.

Dessa forma, tanto as cortes de contas quanto os doutrinadores sempre abrandaram, em sua leitura,  o aparente rigor da lei quanto a isso, de modo que  os editais na prática correntia têm sido proibidos de exigir que o quadro permanente a que se refere a lei, dispositivo apontado, seja interado tão-só por empregados permanentes, bastando ao licitante, para cumprir a exigência editalícia, demonstrar que os profissionais a seu serviço, que o edital exigiu que tivesse,  estão contratualmente vinculados, e estarão quando da contratação.

 SÚMULA Nº 26 - É ilegal a exigência de recibo de recolhimento da taxa de retirada do edital, como condição para participação em procedimentos licitatórios.

Oportunamente esta súmula informa o que a rigor já deveria ter estar incorporado há mais de uma década na cultura das licitações em nosso país.

O rol dos documentos de habilitação que constam dos arts. 27 a 31 da lei de licitações é, como se lê dos respectivos capit,  absolutamente exaustivo, fechado, exauriente de novas possibilidades, ou um numerus clausus como se o designa em latim.  Afora os específicos documentos ali mencionados nada se pode exigir do licitante para habilitação.

Em verdade, um único dispositivo daquele rol permite leitura mais ampla, e é o inc. IV do art. 30, que permite ao edital exigir “prova de atendimento de requisitos revistos em lei especial”, porém demonstração de ter comprado edital não constitui nada parecido com isso, e não pode ser exigido como de direito nunca pôde pela lei de licitações.

Ninguém jamais foi obrigado a comprar edital para poder licitar, e para isso é que a lei obriga que o edital seja  publicado em jornais, ou, quando não (caso do convite, que dispensa publicação na imprensa), deixado, com todos os seus elementos e anexos,  em local de acesso público nas repartições, absoluta e facilmente acessível a todos os cidadãos.  Quem quiser participar sem adquirir o edital pode copiá-lo até mesmo a mão.

Assim como é certo que se em dada licitação foram vendidos 50 editais isso jamais significou que haverá 50 participantes, também pode ocorrer de em outra licitação nenhum edital ser vendido e muitos licitantes acorrerem ao certame, sem nenhum haver adquirido o instrumento.  A exigência de compra de edital é absolutamente despropositada sob todo e qualquer ponto de vista, e merece impugnação – ou até mandado de segurança - se por acaso algum edital a contiver.

SÚMULA Nº 27 - Em procedimento licitatório, a cumulação das exigências de caução de participação e de capital social mínimo insere-se no poder discricionário do administrador, respeitados os limites previstos na lei de regência.

Em sentido oposto ao da súmula anterior, esta liberalizante súmula esclarece que não é proibido, ou seja é permitido  ao edital  exigir cumulativamente tanto a caução para participação no certame, prevista no inc.  III do art. 31 (limitada a 1% do valor estimado para a contratação) quanto determinado capital mínimo, conforme previsto nos §§ 2º e 3º do art. 31 da lei, limitado a 10% do valor estimado para o futuro contrato.

Caso ambas essas exigências  se contenham dentro dos limites máximos fixados na lei, acima mencionados, ambas podem ser  formuladas no edital ao mesmo tempo, de modo que o licitante precisará para habilitar-se atender a ambas, e se não o fizer quanto a pelo menos uma será ipso facto inabilitado.

Nada existe de abusivo na cumulação das exigências,  que constituem legítimas demonstrações de capacidade econômica – porém desde que o objeto da licitação, pelo seu porte e natureza comportem uma tal exigência. 

Assim, se é lógico e razoável exigirem-se ambas as demonstrações numa licitação de obra ou de complexo ou oneroso serviço, não fará sentido algum um edital de compra de mantimentos ou aparelhos eletrônicos conhecidos, em quantidade moderada e não imensa, para entrega de uma só vez, formular tais exigências, porque ninguém precisa ter um significativo capital mínimo para vender dez computadores, nem garantir a Administração com 1% do futuro contrato para lhe vender um caminhão de batata doce lilás.

Nesses dois exemplos a dupla exigência de capacidade econômica se revela abusiva e discriminatória somente em si, e totalmente inadequada ao singelíssimo objeto que qualquer fornecedor, mesmo que (regularmente) instalado ontem, pode fornecer com facilidade. O que a súmula visou assegurar à Administração é que nas licitações de objetos em que faça sentido a dupla exigência econômica ela pode ser efetuada pelo edital.

SÚMULA Nº 28 - Em procedimento licitatório, é vedada a exigência de comprovação de quitação de anuidade junto a entidades de classe como condição de participação.

Também oportuna, esta súmula contém um simples desdobramento da Súmula nº 26, e reitera o que já deveria ser de longa data sabido e invariavelmente praticado por toda a Administração pública brasileira – sabendo-se que a maioria dos órgãos já a pratica e não exige as quitações a que se refere a resenha.  Inobstante esse fato, são conhecidas, ainda nos dias de hoje, impugnações, oferecidas por sindicatos, a editais que não consignam aquela hoje anacrônica e arqueozóica  exigência – acredite-se se quiser.

A inspiração da súmula é antiga, do tempo em que a legislação trabalhista consignava uma disposição que proibia empresas em débito com as contribuições sindicais respectivas de participarem de licitações públicas.  Aquele dispositivo, protetor e guardião do erário sindical, já não mais tem sentido nem cabimento jurídico desde que publicada a lei nº 8.666/93 – para não ir além na pesquisa. 

A atual lei nacional das licitações e contratos não consigna nada sequer remotamente vinculado àquilo dentre toda a documentação que permite exigir do licitante, nos arts. 27 a 31, de modo que é simplesmente proibido que qualquer edital o exija, sendo essa proibição uma norma geral de licitação, imponível a todos os entes públicos brasileiros.

SÚMULA Nº 29 - Em procedimento licitatório, é vedada a exigência de certidão negativa de protesto como documento habilitatório.

Todo o comentário às Súmulas nºs 26 e 28 aqui devem ser aproveitados, no sentido de que o que a lei nacional de licitações e contratos não prevê nos arts. 27 a 31 como passível de ser exigido aos licitantes pelo edital, é simplesmente proibido exigir.

O já muito vasto e extenso rol de documentos que aqueles artigos reúnem é o conjunto máximo de documentos que o edital pode exigir para a habilitação dos licitantes – e, mesmo assim, não são todos que o mesmo edital pode exigir de cada licitante, porque ali existem documentos excludentes de outros documentos do mesmo rol.

Exemplificando, como prova de habilitação jurídica (em verdade capacidade jurídica, matéria essa que é civil e não administrativa) o edital não pode exigir do mesmo licitante RG e CNPJ, pois que o licitante ou é pessoa natural e tem RG, ou é pessoa jurídica e tem CNPJ (na lei ainda constando o revogado CGC), um documento excluindo o outro. 

É muito freqüente, aliás, que do art. 28 apenas um dos cinco documentos que ali constam possa ser exigido do licitante, como por exemplo numa concorrência nacional para uma grande obra. Não tem sentido nessa hipótese exigir o documento do inc. I (cédula de identidade), do inc. II (registro de firma individual), do inc. IV (ato constitutivo de sociedade civil) e do inc. V (decreto de autorização de empresa estrangeira).  Apenas o documento do inc. III, ato constitutivo de sociedade comercial, ou industrial, compete exigir nessa hipótese, ou seja, menos documentos, do total da lei, podem ser exigidos, mais documentos nunca.

Mas serão exigidos, repita-se até a exaustão, no máximo os documentos que a lei expressamente menciona como exigíveis, dizendo conforme o caso (arts. 28 e 29), ouA  limitando-se a (arts. 30 e 31) – jamais algo além do que expressa e literalmente previsto e admitido no rol da lei, e a certidão negativa de protesto  ali não está escrita, com jamais esteve, de modo que ao edital é vedado exigi-la na licitação.

E remate o raciocínio  a seguinte observação: seria de um ridículo único que a lei admitisse exigir algo como essa certidão, que ao que consta somente existe no Brasil e jamais  significou  coisíssima alguma em direito material.

SÚMULA Nº 30 Em procedimento licitatório, para aferição da capacitação técnica, poderão ser exigidos atestados de execução de obras e/ou serviços de forma genérica, ficando vedado o estabelecimento de apresentação de prova de experiência anterior em atividade específica, como realização de rodovias, edificação de presídios, de escolas, de hospitais, e outros itens.

Esta súmula  se revela bastante útil no sentido de dissipar falsas exigibilidades editalícias, assim como de desencorajar alguns freqüentes rigorismos da Administração quando licita grandes obras ou complexos serviços.  É com efeito comum se verificarem vultosas e muito específicas exigências de atestações nesses casos, providas de um dirigismo técnico evidente o qual, com boa ou com má fé,  acabam por revelar-se enfim puramente desnecessárias, e com isso restritivas à maior competitividade possível no certame, que todos desejam.

O motivo de semelhantes exigências muito específicas (ponte de concreto protendido com vão livre mínimo de 200 m, largura de 15 m e resistência mínima de 12.500 Kg por m², ou uma alça com declividade x, raio y, extensão z, resistência w por m² e no material exatamente igual ao ora pretendido, tudo no prazo de cinco meses e dez dias, ou algo tão minuciosamente especificado quanto isso) sempre é, ao fim e ao cabo, o temor de exigir pouco do licitante e com isso fazer periclitar o interesse do ente público que licita. 

Nada mais enganoso !   Na imensa maioria das vezes, exigir muito é exigir mal, porque com muito menos exigências, di-lo a prática e a experiência,  a segurança da Administração estaria perfeitamente assegurada. O poder público, de resto,  detém a faca e o queijo nos negócios que firma, e com freqüência gera tremendas dificuldades aos contratados por lhes atrasar os pagamentos, exigir excessiva documentação e gerar a perniciosa burocracia que somente pode interessar a desavisados – para dizer o mínimo.  Tudo grossa ilusão.

O que ao edital convém sempre é, sendo curto e grosso, exigir pouco e bem, sabendo-se que também na arte editalícia o menos é mais, e o realmente difícil é ser sintético e inteligente.

O que a súmula enfatiza é que a atestação exigida, salvo exceção bem delimitada, observado o parâmetro técnico realmente mínimo necessário e justificável,  deve ser genérica o suficiente para não afastar os bons proponentes que por acaso não tenham executado exatamente aquela específica obra que ora se licita, ou aquela específica e exata parcela da obra ou do serviço ora desejado - o que seria demasiado esperar de um grande número de licitantes.

Exigência de atestações muito específicas afastam os desejáveis grandes volumes de interessados, e, regra geral,  resultam  enfim pouco significativas ante atestações mais genéricas que, porém,  espelhem acentuada capacidade técnica do detentor  - e essa é a regra de ouro na descrição das atestações a exigir, que a súmula em bom momento chama à baila.

O texto especifica alguns exemplos de usuais objetos de licitações, como realização de rodovias, edificação de presídios, de escolas e de hospitais, dentre tantos e tantos que facilmente poderia enunciar.  É que a edificação de presídios, por exemplo, constitui uma nítida especialidade da construção civil, tal qual a de hospitais, de usinas hidrelétricas ou atômicas, ou de metrô subaquático, ou de poços de petróleo em altas profundidades marinhas.

São essas, sem dúvida,  genuínas e bem caracterizadas especializações da indústria da construção como ninguém negará que sejam, porém, francamente, uma grande empresa construtora, que porventura ainda não tenha executado nenhuma dessas obras, nem por isso pode ser sempre descartada nas licitações dessas mesmas obras, porque sempre poderá vir a demonstrar grande capacidade técnica em parcelas genéricas, mas tremendamente árduas e exigidoras de qualificação, de outras obras não providas da mesma especialização – isso sempre será possível, repita-se.

Então, a particularização da  exigência nos atestados em casos assim, por restringir e apertar o potencial universo de participantes,  deverá atrapalhar imensamente, jamais auxiliar o poder público a escolher o melhor proponente dentre o maior contingente possível de fornecedores, num mercado quase que sempre abarrotado deles.