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TERCEIRIZAÇÃO. O QUE RESTOU DA INFELIZ SÚMULA TST Nº 331?
TERCEIRIZAÇÃO. O QUE RESTOU DA INFELIZ SÚMULA TST N° 331 ?
Ivan Barbosa Rigolin
(set/18)
I - Foi ansiosamente esperada e provocou imenso impacto a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida dia 30 de agosto de 2.018, sobre a questão da terceirização de mão-de-obra pelas empresas e a favor dessa regra. Entretanto, fosse qual fosse o resultado do julgamento aquele impacto seria gigantesco por sobre o direito do trabalho e a vida empresarial, quer por manter o status anterior e contrariar a lei da reforma trabalhista como não mais se esperava, quer por manter a reforma e a terceirização ampla como aconteceu.
O Plenário, julgando a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324, e o Recurso Extraordinário nº 958252, decidiu por maioria de 7 a 4 que a terceirização de todas as atividades das empresas, sejam atividades-meio, sejam atividades-fim, sem exceção ou restrição, é constitucional e legal.
Confirmou-se assim a juridicidade da previsão da lei da dita reforma trabalhista, a Lei nº 13. 467, de 13 de julho de 2.017, a qual acresceu o art. 4º-A à Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1.974 (terceirização de serviços), e cujo teor é o seguinte:
Art. 2o A Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 4o-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.
Estava em discussão a constitucionalidade dessa previsão que acabou confirmada pelo e. STF, ante o inconformismo de sindicatos e de entidades de defesa de trabalhadores ([1]).
Naquela ação foi suscitada a repercussão geral da matéria, a qual afinal foi reconhecida e aprovada, e materializada no Tema 725 do Supremo Tribunal Federal, com a redação seguinte:
É licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
Diante dessa decisão, a questão que se coloca é: que restou da Súmula nº 331, do Tribunal Superior do Trabalho ?
E com relação à administração pública, quais são os efeitos ?
II - É o seguinte por enquanto, enquanto não se a reforma como deve ocorrer em breve, o teor da Súmula TST nº 331:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Vejamos cada tópico.
III - O item I da Súmula restou literalmente derrogado. Tornou-se insubsistente por completo, lá que o STF declarou legal a contratação de empresa interposta, ou terceirizada, por qualquer empresa e para realizar qualquer atividade que a contratante preste.
Não mais se distingue este serviço daquele, seja qual for o ramo de atividade da empresa. Se é uma atividade-fim, ou seja relativa ao próprio objeto da empresa, ou se é uma atividade puramente instrumental para que a empresa possa prestar a sua atividade-fim, isso pouco importa, pois que qualquer terceirização passa a ser regular e jurídica.
Quer-se dizer: da maneira seca e fulminante como está redigido este tópico, restou totalmente prejudicado. Observar-se-á à frente quem não se observando o cuidado patronal necessário poderá caracterizar-se a formação do vínculo diretamente entre o empregado terceirizado e a empresa que contrata a terceirizada; mas não da maneira como está redigido este tópico I, que pela sua secura e peremptoriedade não admite zona cinzenta e por isso restou inteiramente derrogado. Onde reza ¨ilegal¨ a regra agora se inverteu, e passou a ser ¨legal¨.
O TST deverá adaptar o texto da Súmula à nova realidade.
IV - O tópico II da Súmula destina-se à administração pública. Foi resultado do julgamento de uma ação direta de constitucionalidade (ADC) movida pelo Governador do Distrito Federal, cujo resultado (entendendo constitucional o art. 71 da lei de licitações, que dispõe sobre a terceirização e a responsabilidade solidária da administração contratante) obrigou o TST a revisar sua Súmula para dar-lhe esta redação.
O TST tem engolido sucessivas derrotas para manter esta Súmula nº 331 - que em boa hora poderia ser declarada insubsistente ou expressamente revogada, ou, o que seria melhor, definitivamente extirpada do direito brasileiro. Sua redação, além de remeter a um ultrapassado panorama juslaboralista, nos parece outro desses mistérios da jurisprudência trabalhista, muita vez rigorosamente indecifrável.
Faz menção ao inc. II do art. 37 da Constituição, o que parece indicar que um servidor público só o pode ser se por concurso público, e não por contratação de uma empresa terceirizada pela administração pública - e até aí está perfeita.
Mas o que não se compreende é o adjetivo irregular, como se pudesse existir contratação regular de servidor público daquele modo, por formação de vínculo em face da contratação pelo ente público de empresa terceirizada Nada faz o menor sentido ante o direito constitucional.
E também parece indicar o texto que se a contratação de empresa terceirizada for regular então o servidor da empresa se torna servidor público... o que é outro rematado absurdo.
Se é que algum dia fez algum sentido jurídico este tópico, hoje não parece fazer nenhum, como não se vislumbra sequer motivo para que continue a existir.
V - O tópico III da Súmula somente sobrevive na sua parte final: não forma vínculo de emprego com o tomador de serviço desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
Com efeito, essa regra permanece sempre. Se o tomador de serviço terceirizado, quartizado, quintizado ou sextizado cultivar uma relação de ascendência hierárquica com aquele trabalhador, talvez para demonstrar para si mesmo como é poderoso, e se com ele mantiver relação de individualização na atribuição de serviço, escolhendo este trabalhador ao invés daquele ou daqueloutro em face das características pessoais do primeiro - o que configura a relação de pessoalidade - então estará fadado esse empregador a ver reconhecida a relação de emprego quanto àquele empregado, se assim demandado na Justiça do trabalho.
Quanto a esse ponto nada mudou no direito brasileiro com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Um contrato de trabalho se configura se estiverem presentes (I) habitualidade, (II) dependência econômica, (III) subordinação hierárquica e (IV) pessoalidade.
Habitualidade e dependência econômica são inerentes ao próprio contrato, porque o empregado não é habitual nem dependente econômico se não estiver contratado, e com obrigação de comparecer ao trabalho diariamente; subordinação hierárquica é outra característica do contrato, porque nenhum empregado o é se não tiver um empregador a quem obedecer.
E pessoalidade na relação de emprego é algo de uma obviedade constrangedora, na medida em que não existe empregador impessoal, nem empregado que não seja uma pessoa de carne e osso. Assim, se um empregador, que é uma pessoa e assina a carteira de trabalho do empregado que admite, trata com seu empregado, que é outra pessoa, aí está configurada a relação de pessoalidade.
O empregador não é uma máquina nem o empregado é um comandado robô, de modo que uma relação de emprego entre duas pessoas precisa ser uma relação de pessoalidade, como uma criança o sabe. Tratar uma pessoa impessoalmente pode ser uma interessante figura de linguagem, mas é pouco factível na lida diária.
E não mais se fale nos casuísmos absolutos dos serviços de vigilância, de conservação e de limpeza, nem de outros serviços-meio - se é que alguém tem claro para si quais exatamente o são e quais não o são -, como se fossem diferentes de outros serviços para este efeito.
Atividade-meio e atividade-fim: que magnifico enigma a desafiar a argúcia dos maiores filósofos ! ..
VI - O item IV da Súmula é, processualmente, de uma obviedade absoluta.
Reza que se o juiz do processo judicial determinar a responsabilidade subsidiária do tomador de serviço em reclamações trabalhistas movidas contra a empresa terceirizada por seu empregado - e isso acontece quando juiz aceita o pedido do terceirizado reclamado de denunciação à lide do tomador que é o seu contratante -, então o tomador de serviço da reclamada terceirizada passa a ser também réu da ação, ou seja reclamado. A reclamação movida contra o terceirizado também atinge o tomador dos seus serviços.
Óbvio, porque se o Poder Judiciário determina, nos autos da ação, que existe responsabilidade subsidiária, então por evidente ela existe, ou de outro modo se estaria descumprindo ou ignorando uma determinação judicial - e ninguém necessita de súmula alguma a afirmá-lo.
Se o juiz não acatar a denunciação à lide pelo réu terceirizado contra o seu tomador de serviço, então não se aplica este tópico IV, e a responsabilidade subsidiária simplesmente não existirá no caso.
E, em se tratando de responsabilidade puramente pecuniária, aplica-se esta regra à administração pública sem qualquer restrição.
VII - O item V da Súmula destina-se exclusivamente à administração pública. Resultado da reforma da Súmula e não da sua redação originária, não parece sequer necessário que exista, já que o tópico IV absorve sua matéria.
Repete que o poder público contratante responde subsidiariamente com a empresa locadora de mão de obra em caso de ter conduta culposa, isso significando aquela que faz configurar o vínculo empregatício, ou seja a configuração, além de dependência econômica e habitualidade - que estão presentes em qualquer contrato de trabalho com qualquer empregador -, a pessoalidade e a subordinação hierárquica direta do empregado terceirizado com o tomador público de seus serviços.
O que desta vez o tópico não menciona é que para ser configurada a responsabilidade subsidiária é preciso que o Judiciário assim a decrete nos autos da reclamação trabalhista, ou de outro modo inexistirá aquela responsabilidade
O último parágrafo do tópico evidencia isto que se afirma, ao referir que a responsabilidade subsidiária não decorre do mero descumprimento de obrigações trabalhistas, como são os pagamentos devidos e o atendimento de direitos trabalhistas outros, mas exatamente decorre do tratamento pessoal e hierarquizado dado pelo órgão público ao empregado da empresa terceirizada - o que faz repetir o tópico IV.
Este tópico V dá a idéia de que o TSE precisava escrever alguma coisa após o resultado da ADC que declarou constitucional o at. 71 da lei de licitações, e não lhe ocorreu nada de novo a declarar. É de uma redundância absoluta, e não merece outros comentários além daqueles tecidos para o tópico IV.
VIII - O derradeiro tópico da Súmula, VI, rematando a sua constrangedora repetitividade, inventa a roda ao declarar que ¨a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral¨.
Pretendeu estabelecer que a responsabilidade subsidiária abrange todas as verbas que estejam contempladas na decisão judicial que reconheceu a responsabilidade subsidiária ... e resta a pergunta: alguém precisa de jurisprudência assim, a qual afirme o óbvio ululante que jamais poderia ser diferente ?
Como alguma verba que não conste da decisão judicial poderia ser abrangida no quantum debeatur ? E como uma verba que conste da decisão judicial poderia ser ignorada ? Crime de desobediência ?..
IX - Em conclusão, agredir a já antes vergastada Súmula TST nº 331 a esta altura, e particularmente depois da decisão do Supremo Tribunal Federal que consagrou a terceirização trabalhista em todas as suas possibilidades, recorda a figura do chutar cachorro morto.
Não é uma atitude cavalheiresca nem recomendável a de se exercitar a virulência, mesmo verbal, contra seres inanimados oucontra instituições derrotadas, até porque é desnecessária quando a batalha já se havia encerrado.
Mas neste caso, considerando-se o prejuízo pesadíssimo que a Súmula sempre infligiu ao poder público brasileiro de todo nível que contratava serviço terceirizado e com freqüência máxima arcava com condenações injustas, monstruosas, nefastas, antipatrióticas e moralmente intoleráveis - a tal ponto que os administradores chegavam ao desespero financeiro, e, desses, um Governador moveu uma ação de constitucionalidade junto ao STF na ânsia de conter a sangria -, deixamos para lá os pudores alegáveis.
É preciso que o Brasil jamais admita a reedição de algum diploma - chamemo-lo assim - tão nefasto e de tão lamentável memória quanto a Súmula trabalhista que se vem de comentar.
Se o país quer ser alguma coisa no futuro, pode começar por aí.
[1] Não se espera recurso à ONU, ao Vaticano, ao Tribunal de Recursos Humanos de Haia, à Comissão da Verdade, à FIFA ou a outras entidades equivalentemente esotéricas em matéria de direito.