PRESCRIÇÃO DE ADINs – SE ADIN NÃO É AÇÃO DE RESSARCIMENTO, ENTÃO PRESCREVE

PRESCRIÇÃO DE ADINs – SE ADIN NÃO É AÇÃO DE RESSARCIMENTO,  ENTÃO PRESCREVE

Ivan Barbosa Rigolin 

I – ADIn é a sigla de ação direta de inconstitucionalidade, por vezes abreviada apenas por ADI. É a tradicional ação pela qual o autor pleiteia obter a declaração judicial de que uma lei, ou um decreto, ou  um ato administrativo normativo, é inconstitucional, quer totalmente, quer parcialmente.  Assim, se obtiver êxito, o autor consegue fazer retirar do mundo jurídico um texto normativo,  por o Poder Judiciário entender que contraria a Constituição Federal, ou a Constituição do Estado conforme o caso e o objeto. 

A Constituição Federal, que dá o modelo para  as Constituições dos Estados, indica quem são os possíveis autores das ADIN ([1]), e traça as linhas mestras do processo, que depois é minuciado em lei federal que disciplina a propositura de ADINs ante o Supremo Tribunal Federal ([2]).

De outro lado, o art. 37 da Constituição reza em seu §º 5º que a lei estabelecerá o prazo de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento (destaque nosso). 

A impressão corrente de que as ações de ressarcimento de valores ao erário são imprescritíveis foi muito recentemente confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, em 8 de agosto de 2.018 (RESP nº 1.089), de modo que, enquanto predominar esse entendimento, se uma ação é de ressarcimento de valores ao erário, então não prescreve.

Uma ação de ressarcimento pode, assim, ser proposta 120 anos depois de acontecido o fato, talvez contra os tetratataranetos dos responsáveis pelo negócio público, o que contraria toda a teoria geral do direito  existente no planeta em todos os tempos, e provocou a indignação do Min. Marco Aurélio em seu voto por ocasião daquele julgamento, no qual afirmou que não tem o mais remoto cabimento a idéia de existir ação patrimonial imprescritível.

Mas é o que a suprema corte decidiu, e assim está posto o direito hoje em dia. Então, se uma ação é de ressarcimento, não prescreve.

 II – Que é uma ação de ressarcimento ao erário público ? É aquela pela qual o ente público que pagou algo a terceiro pede de volta aquele valor, por entender indevido o pagamento.

Ressarcir é devolver, restituir, dar de volta,  retornar, reembolsar, reaver.  Somente quem pagou pode mover ação de ressarcimento, porque quem não pagou não tem do que se ressarcir – di-lo a lógica mais primária.  Se alguém que nada pagou a  ninguém pleiteia a devolução de valores ao ente que pagou, então a isso não se pode denominar pleito de  ressarcimento, mas uma ação de cobrança, ou de indenização, movida por estranho ao negócio realizado e em nome de quem pagou – mas isso não é ressarcimento.

Não se ressarce nenhum valor a quem não pagou valor nenhum, na medida em que não se devolve algo a quem não seja  o seu titular.

O objeto da ADIn é declarar a  inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

O objeto da ação de ressarcimento é fazer quem pagou receber de volta o valor que pagou a terceiro.

Nenhum ponto em comum têm as duas ações, cujos objetos são absolutamente distintos e apartados.

Se por mero acaso a declaração de inconstitucionalidade implicar em alguma devolução de valores de alguém para algum ente público, isso precisará constar da decisão que declarou a referida inconstitucionalidade – porque o objeto da ADIn não foi, porque não pode ter sido, ressarcimento nenhum.

E em geral quando leis que concedem vantagens a servidores públicos são declaradas inconstitucionais os servidores que se haviam beneficiado daquelas vantagens não são obrigados devolver valor nenhum ao ente público que os pagou por força daquela lei, porque os receberam de boa-fé, porque prestaram os serviços e porque não participaram da formação da mesma lei, nem foram responsáveis pela sua existência, nem pela das próprias vantagens – e assim os acórdãos com toda freqüência o declaram com todas as letras.

Quando ADIn for o mesmo que uma ação de ressarcimento, então uma ação de retificação de loteamento será o mesmo que uma ação renovatória inglesa, e uma ação de despejo equivalerá a  uma de anulação de casamento nuncupativo.

 III – Estamos profissionalmente envolvidos na defesa de uma lei de Município paulista, declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado, movida pelo sr. Procurador Geral de Justiça e julgada procedente naquela instância originária.

 Ora, como se disse aquela nunca  foi uma ação de ressarcimento, porque o autor não pediu ressarcimento de valor algum, que o seu órgão não pagou. Trata-se do Ministério Público pedindo devolução de valores a um Município, como se fora advogado desse Município. E, curiosamente, fê-lo contra a vontade do próprio Município, que respondeu à ação e a contestou em suas informações.

Tanto o Executivo quanto o Legislativo local contestaram a ação, o que converte o episódio num curioso caso de advocacia contra a vontade do cliente...

Assim, tratando-se de uma ação de inconstitucionalidade de lei municipal, e se com a ação o Município autor da lei não concorda, então resta evidente que não se trata de uma ação de ressarcimento, porque, repita-se:

a) o autor, Ministério Público, não pediu ressarcimento de nada, porque não pagou nada a lhe ser ressarcido, e ressarcimento significa devolução a quem pagou alguma coisa a alguém, e

b) jamais poderia pedir ressarcimento numa ADIn, porque o objeto dessa ação é ver declarada inconstitucional no caso uma lei, e apenas isso.

 Seria aliás muito atípica e processualmente arrevesada a idéia de uma ação de ressarcimento contra a vontade de quem aprovou a lei e que, portanto, não quer ressarcimento nenhum...

Reitere-se: uma possível ação é a de ressarcimento de valores públicos  movida pelo ente público que pagou aqueles valores; outra ação, absolutamente diferente e que nenhuma relação guarda com aquela, é a ação direta de declaração die inconstitucionalidade de lei, cujo único propósito é retirar do ordenamento jurídico um exto normativo, para que no presente e no futuro não mais produza efeito.

Os objetos, o conteúdo, o processo, os fundamentos das ações, e os seus respectivos pedidos, são rigorosamente diversos entre si.  Ação de ressarcimento será ou uma ação ordinária, regida pelo CPC, ou uma ação civil pública, regida pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1.985.

Já a ADIn é regida pela Lei federal nº 9.868, de a 10 de novembro de 1.999.

Nunca uma ADIn c pode ser tratada como se fora uma ação de ressarcimento, pelos dois motivos já alinhados acima. Formal e materialmente, nada tem uma ação com outra.

Tanto uma ADIn não é ação de ressarcimento que

a) o autor nunca pede nenhum ressarcimento de coisa alguma ao Município autor da lei, e

b) o Tribunal de Justiça de São Paulo, coerentemente com o único pedido da ADIn, não condenou ninguém a devolver coisa nenhuma.

 IV – E nenhuma estranheza existe em que decisão de inconstitucionalidade opere ex-tunc, ou seja retroativamente desde o nascedouro da norma, como decidiu o Tribunal de Justiça. Ilógica seria uma solução diferente, porque uma lei não pode ser declarada inconstitucional a partir da data tal ou qual, se nada mudou na Constituição-referência nesse meio tempo

 Toda lei declarada inconstitucional o é, sempre, desde seu nascedouro, mas só isso não significa que os casuais beneficiários de outrora terão de devolver coisa alguma ao ente autor da lei,  porque isso não consta nem do pedido da ação nem, portanto,  da decisão do  Tribunal.

E realmente não deveriam  devolver coisa alguma em hipótese nenhuma, porque

a) são terceiros de boa-fé, como o v. acórdão reconheceu, com em geral reconhece tendo sido pedido esse reconhecimento ou não;

b) não têm responsabilidade pela lei, e ainda

c) trabalharam porventura, mais de um quarto de século, percebendo o benefício que uma lei municipal lhes atribuiu. E aí reside o real motivo deste curto artigo.

V- O que até este momento não se informou é a  que a lei municipal declarada inconstitucional data de 1.992, e a ADIn foi proposta em 2.018, vinte e seis anos depois portanto.

Reza o art. 205 do Código Civil:

Art. 205   A prescrição ocorre em 10 (dez) anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Dormientibus non succurrit jus, reza o conhecido adágio jurídico.  E não é porque se trata de uma ADIN que o seu prazo prescricional pode ser desrespeitado ou ignorado.

Esta ação está portanto, pelo Código Civil à falta de qualquer disposição diversa em outras fontes de direito,  prescrita desde 2.002.

Com todo efeito, se não se trata de ação de ressarcimento a que se refere o art. 37, § 5º, da Constituição, então está prescrita esta ação já no nascedouro, porque nem a Constituição Federal nem a lei que rege a ADIN, nenhuma delas   contém nenhuma exceção ou ressalva à regra do Código Civil sobre prescrição de ações.

A prescrição desta ADIN é a mais comum que existe em nossa legislação processual, incidindo neste caso o art. 205 do Código Civil, que é de 10 (dez) anos porque a lei da ADIn não estabeleceu prazo prescricional algum, e porque o art. 206 do Código Civil, que enuncia as prescrições, nunca se refere à ADIn.

A prescrição incide sobre qualquer ação, salvo a se a Constituição disser diferente, como fez quanto às ações de ressarcimento, no art. 37, § 5º.

E ação direta de inconstitucionalidade não é nem nunca foi ação de ressarcimento.

E tanto neste caso não é que o v. acórdão decidiu:

Considerando, no entanto, que a vantagem é concedida há longos anos, ressalva-se a não repetição das parcelas recebidas de boa-fé até a data deste julgamento, em homenagem ao princípio da segurança jurídica.

Nesse mesmo sentido:

“A inconstitucionalidade aqui proclamada embora produza efeitos ex tunc, comporta a seguinte observação: com fundamento na segurança jurídica, e, em respeito ao princípio da boa-fé, resta assegurada a irrepetibilidade das parcelas pagas até a data deste julgamento.” (v.g. ADIn no 2.073.282-81.2016.8.26.0000 p.m.v. j. de 17.08.16 Rel. Des. AMORIM CANTUÁRIA).

Daí a procedência da ação, declarando-se a inconstitucionalidade dos arts. (...) com efeitos ex tunc,  assegurada a não repetição dos valores percebidos de boa-fé até a data do presente julgamento.  (Destaques nossos)

Ora, se se tratasse de ação de ressarcimento, e triunfante como até este ponto foi, então jamais  poderia comportar uma tal decisão de não mandar ninguém devolver nada, corretíssima de resto, que preservou de devolução os valores percebidos com inteira boa-fé pelos servidores municipais beneficiados em 1.992.

Se, tendo sido a ação julgada procedente como foi, não mandou os beneficiários devolverem valores, então por forçado raciocínio é porque não se trata de ação de ressarcimento.

E assim, em não sendo ação de ressarcimento, então incidem os prazos prescricionais do Código Civil e os decadenciais da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1.999 - como se examinará em tópico adiante.

VI - Nessa direção é ainda o r. acórdão proferido pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, numa ação civil pública, nos autos da Apelação nº 636.047.5/5-00, datado de 12/9/07, e do qual se lê o seguinte excerto:

“Ementa: Administrativo – Ação Civil Pública – Procuradores do Município - Equiparação salarial concedida sem respaldo legal – Ilicitude ou improbidade não demonstradas – Ato que gerou efeitos no campo de interesse individual dos servidores – Impossibilidade de anulação devido ao tempo decorrido – Prescrição ocorrente – Precedentes dos Tribunais Superiores – Improcedência que se decreta – recurso passivo provido, desprovido o outro. (...)

Ocorre que, embora de rigor a anulação perseguida, o fato é que transcorridos quase dez anos entre a concessão da benesse (maio/1.996 – fls. 53 e 55) e o ajuizamento da ação (agosto/2.005 – fls. 02), achando-se já decorrido o lapso de cinco anos do Decreto 20.910/32, aplicável aqui por não se cuidar de direito real. (...)

Destarte, é reformado o r. decisório, para, diante da prescrição, julgar-se improcedente a ação, nos termos do art. 269, IV, da lei processual civil, invertidos, em consequência, os ônus sucumbenciais e observado o valor da causa como base de cálculo dos honorários.

Dá-se provimento ao recurso passivo, negando-se ao outro.

IVAN  SARTORI - Relator Designado”   (grifos originais).

De tal sorte, o direito subjetivo de arguir, do recorrido, está há muito tempo prescrito, e, por isso, aquela ação proposta, vista  temporalmente, não tem o menor cabimento em face da prescrição ocorrida.

 VI - Mas não é só.

Além da verificação da prescrição decenal, e no mesmo exato diapasão, denota-se que o ilustre autor decaiu do direito de anular artigos de uma lei municipal (Lei nº 2.458) datada de 25 de março de 1.992, por força do disposto no art. 54, da Lei federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1.999, que reza:

“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.” (Grifamos)

Dessa vez, decadência e não mais prescrição, não mais se fala em 10 (dez) anos, mas apenas em 5 (cinco) anos.

Sobre tal dispositivo, o e. Superior Tribunal de Justiça, nos autos da Mandado de Segurança nº 6.566/DF, julgado em 15/5/00, decidira, de forma irrepreensível, que

“PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – PORTUÁRIOS – ANISTIA – APOSENTADORIA EXCEPCIONAL DO INSS – CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO – DECADÊNCIA DO DIREITO – LEI 9.784, DE 29.01.99, E SÚMULA 473 DO STF “Após decorridos 5 (cinco) anos não pode mais a Administração Pública anular ato administrativo gerador de efeitos no campo de interesses individuais, por isso que se opera a decadência. Segurança concedida.” (com caixa alta original, e itálicos nossos).

Observa-se, portanto, e conforme é sabido, que qualquer autor decaiu do direito de anular atos de que decorreram efeitos favoráveis a alguém, mesmo que  esses atos sejam decorrentes de uma lei municipal.

Não é porque decorreram de uma lei local os efeitos benéficos a servidores locais que deixa de prevalecer para o caso, e de incidir sobre o caso, a disposição fulminante da Lei federal nº federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1.999, figurante de seu art. 54.

 VII - E, no sentido da aplicabilidade do art. 54, da Lei federal nº 9.784, de 1.999, ao caso presente, mesmo sendo norma federal, em face da sua ampla generalidade e abrangência esta foi a conclusão do sintético Parecer ACJ nº 388/04, de lavra do dr. Caio Marcelo de Carvalho Gianinni, no qual cita no mesmo sentido Celso Antônio Bandeira de Mello, verbis:

“Não é por outro motivo que o douto Professor Celso Antônio Bandeira de Mello é tão peremptório: o prazo de cinco anos adotado pela lei federal é aplicável a todas as esferas da Federação por força da própria Constituição Federal.” (Grifamos)

E, portanto, no caso presente o interregno de cinco anos também é o único aplicável ao caso presente, e, portanto, a presente ação direta de inconstitucionalidade precisa por esse motivo ser rejeitada desde já por esse e. Supremo Tribunal Federal. 

E, ainda, no mesmo sentido aqui defendido, leia-se r. acórdão do e. STJ, no Recurso Especial nº 628.524 – RS, proferido contra uma autarquia estadual gaúcha, o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul, por aplicação analógica daquela referida Lei federal nº 9.784/99, a lei do processo administrativo federal, e cuja ementa tem o seguinte teor:

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. FILHA SOLTEIRA MAIOR DE 21 ANOS. DEPENDÊNCIA. ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA.

  1. Não pode o administrado ficar sujeito indefinidamente ao poder de autotutela do Estado, sob pena de desestabilizar um dos pilares mestres do Estado Democrático de Direito, qual seja, o princípio da segurança das relações jurídicas. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, a prescritibilidade é a regra, e a imprescritibilidade exceção.
  2. Na ausência de lei estadual específica, a Administração Pública Estadual poderá rever seus próprios atos, quando viciados, desde que observado o prazo decadencial de cinco anos. Aplicação analógica da Lei nº 9.784/99.
  3. Recurso Especial não conhecido.” (Destaque nosso).

VIII - E não foi isolada aquela magnífica decisão do e. STJ, eis que o próprio acórdão cita diversos precedentes do mesmo Tribunal. Enumeremo-los:

1º) “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO INDEVIDA. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO. ANULAÇÃO DO ATO. DECADÊNCIA.

Não pode a Administração Pública, após o lapso temporal de cinco anos, anular ato administrativo que considera viciado, se o mesmo gerou efeitos no campo de interesse individual de servidor público ou administrado, incorporando-se ao seu patrimônio jurídico. Precedentes.

Recurso não conhecido” (Resp 515.225/RS, 5ª Turma, rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 20/10/2003);

2º) “PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO À SÚMULA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA. ART. 54 DA LEI Nº 9784/99. PRECEDENTES. LEI LOCAL. SÚMULA 280/STF.

I - Verbetes ou enunciados de Tribunais não equivalem à dispositivo de lei federal para fins de interposição do recurso especial. Precedentes.

II – Nos termos do art. 54 da Lei nº 9784/99, o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Precedentes.

III – O manejo do recurso especial reclama violação ao texto infraconstitucional federal, sendo defeso ao Superior Tribunal de Justiça reexaminar a aplicação de legislação local, a teor do verbete Sumular 280 - STF.

IV – Agravo interno desprovido” (AgRg no Resp 595.627/RS, 5ª Turma, rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 19/04/2004.)

Observe-se a existência de farta jurisprudência sobre o tema, a evidenciar que já existe apascentado entendimento pela positiva aplicabilidade, mesmo que analógica, da regra da decadência quinquenal, contra a Administração pública, mesmo que indireta, do direito de anular atos administrativos benéficos aos administrados, se decorridos mais de cinco anos da sua prática, sempre em face da nacional abrangência do art. 54, da lei federal do processo administrativo.

IX - Mas o que é principal, a esta altura do relato, é que o próprio Supremo Tribunal Federal já se pronunciou de forma definitiva sobre esta questão, no MS nº 25.963 - DF, Rel. o Ministro César Peluso, julg. 4/5/07, in DJ  11/5/07, verbis (citado no já acima mencionado acórdão do TJSP, a Ap. nº 636.047-5/5-00, e que por sua vez cita outros precedentes):

“Não ocorrendo a má-fé dos destinatários do ato administrativo, ficaria a administração pública inibida de anulá-lo, assegurando, assim, a estabilidade das relações jurídicas, com base no princípio da segurança jurídica. Para essas situações, o art. 54 da Lei nº 9.784/99 deu a medida do que seria prazo razoável para influir no juízo de precedência do princípio da segurança jurídica sobre o da legalidade, no cotejo ou no “balancing test” entre esses dois princípios em face da prolongada inação da administração pública no que diz com o exercício do seu poder (que para nós é um poder-dever) de autotutela. (Destaque nosso).

Nesse mesmo sentido, aliás, alinharam-se além do precedente citado pelo autor, MS nº 22.357 (Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 5/11/04), também o MS nº 24.268 (Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para o acórdão Min. Gilmar Mendes, DJ 17/9/2.004), e a pet nº 2.900 (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 1/8/2.003). 

Leia-se, ainda, daquela decisão do Supremo Tribunal Federal (MS nº 25.963 – DF), este especial excerto:

“Não ocorrendo a má-fé dos destinatários do ato administrativo, ficaria a administração pública inibida de anulá-lo, assegurando, assim, a estabilidade das relações jurídicas, com base no princípio da segurança jurídica. Para essas situações, o art. 54 da Lei nº 9.784/99 deu a medida do que seria prazo razoável para influir no juízo de precedência do princípio da segurança jurídica sobre o da legalidade, no cotejo ou no “balancing test” entre esses dois princípios em face da prolongada inação da administração pública no que diz com o exercício do seu poder.”  (Grifamos).

Com todo efeito, quanto à observância da prescrição trata-se de observância do princípio da segurança jurídica, sendo que a estabilidade das relações jurídicas prevalece até mesmo sobre o princípio da legalidade estrita no balancing test, ou o confronto de predomínio, entre esses dois basilares e fundamentais princípios de direito.

X – A esta altura  fácil é perceber que uma ação direta de inconstitucionalidade de uma lei de mais de vinte anos é improcedente, porque:

a) o direito subjetivo de arguir a inconstitucionalidade da lei municipal em questão, que é de 1.992, está prescrito, porque já se passaram muito mais de 10 (dez) anos da sua edição, e ainda porque

b) se observa a decadência do direito do autor, de anular os atos que beneficiaram alguém, porque decorreram muitíssimo mais que 5 (cinco) anos desde a lei impugnada até a propositura desta ação, de modo que nos termos do art. 54, da Lei federal nº 9.784/99, não mais cabe discussão a respeito de tal matéria no  Poder Judiciário, vez que em caso assim também incide o prazo decadencial, menor ainda que o prescricional.

 XI - Em conclusão, deve o aplicador da lei e do direito  desde o nascedouro afastar a idéia de que apenas por se tratar de  uma ADIn essa ação  é imprescritível, como se um sagrado manto de sacralidade constitucional a abrigasse do fatalíssimo instituto da prescrição. Nada disso existe em nosso direito.

E deve ainda o homem do direito ter presente o instituto da decadência, que fulmina pretensões da Administração pública se decorreram mais de cinco anos da edição de atos de que resultem benefícios a alguém, ainda que se trate de leis.

 

[1] Cf. art. 103. E quanto ao § 2º desse artigo, é mais inútil que uma gripe. Não vale a tinta em que foi escrito. Os tribunais já de longa data, conhecendo a ineficiência e o ritmo paquidérmico do Legislativo brasileiro, consideram que o diploma declarado inconstitucional já está suspenso tão logo assim declarado, salvo se a decisão dispuser de outro modo. O Legislativo figura no processo como uma faca sem lâmina e sem cabo.

 

[2] Cf. Lei federal nº 9.868. de 10 de novembro de 1.999.