DEFESAS NO TRIBUNAL DE CONTAS (1ª PARTE)

DEFESAS NO TRIBUNAL DE CONTAS 

Ivan Barbosa Rigolin

(set/18)

 Homenagem ao amigo Flávio Correa Toledo Jr., pai da idéia


SUMÁRIO: Escopo. Competências. Elenco dos recursos. A sustentação oral. O recurso ordinário. O pedido de reconsideração. O agravo. Os embargos de declaração. A ação de revisão. A rescisão do julgado. Título V. Uniformização de jurisprudência. Incidente de inconstitucionalidade. Prejulgados. Súmulas. A importância de uma correta e atenta defesa. A defesa nos relatórios anuais da fiscalização. A defesa nas denúncias (casos específicos). Defesa prévia, produção de provas e defesa final. Irregularidades graves.

Escopo

I - Este tema é de  permanente interesse a tantos quantos, advogados ou não,  militem junto aos Tribunais de Contas na defesa de seus constituintes, sejam estes diretamente pessoas de direito público, sejam autoridades de variado nível e dos diversos Poderes ou de suas entidades vinculadas, todos  em geral contratantes, sejam ainda,  de outra parte, clientes particulares contratados, conveniados ou  em outras associações  negociais com o poder público. 

Os negócios que o poder público celebra estão, como contas públicas que são,  natural e invariavelmente sujeitos à apreciação dos Tribunal de Contas a que cada ente este contratante vinculado, e por vezes a mais de um, conforme seja a verba remuneratória provinda de ouro nível de governo. Se uma despesa de um Município é paga em parte com recursos municipais e em parte como federais, então dois são os Tribunais que apreciarão essa conta, o do Estado e o da União, em principio independentemente.

Talvez fosse idéia originária dos Tribunais de Contas a cada exercício apreciar todos os contratos públicos de cada ente sujeito à sua jurisdição. Isso materialmente jamais foi possível, porque mesmo que cada Tribunal tivesse estrutura dez vezes maior dificilmente daria conta desse recado, algo virtualmente muito acima da capacidade operacional mesmo das maiores organizações da fiscalização. 

Trabalham os TCs, assim sendo, ou por amostragens ou atendendo a denúncias, que cada dia são mais freqüentes, de irregularidades em c editais de licitação, em licitações, em contratos, ou já mesmo na  execução de contratos. Tal é o volume das denúncias aliás, por vezes  em escala quase industrial, que se conhecem episódios de profunda irritação  das autoridades dos Tribunais, quando ficou evidente o abuso e  a só persecução a adversários e a inimigos do denunciante, em peças desprovidas de conteúdo técnico.

Natural que assim seja, já que em um estado sério de direito não se admite a existência do alegre denunciante, execrável figura que prejudica a tudo e a todos, e faz por desacreditar da própria atitude de denunciar.

II - É absolutamente usual  e  freqüente que os mais variados negócios do poder público em dado momento  sejam apontados como irregulares pelo Tribunal de Contas, quer por aquelas denúncias de maior, menor ou nenhuma respeitabilidade, quer por fiscalizações de rotina, sem que esse fato só em si represente detrimento ou implique culpabilidade por parte de quem quer que seja, como de resto é de regra em qualquer processo contraditório. É apenas ao final do processo administrativo - que por vezes consome longos anos -  que ficará estabelecida aquela culpabilidade, total ou parcial, ou a inocência do acusado.

Mas por evidente os procedimentos de defesa, de peticionamentos  e de requerimentos aos Tribunais de Contas não podem ser exercitados informal ou despreocupadamente como num passatempo, mas apenas segundo normas estritas e austeras, todas estabelecidas na lei orgânica de cada Tribunal e, complementar e operacionalmente,  em cada  respectivo regimento interno

Somente desse modo podem desenvolver-se validamente as postulações defensivas,  porque mesmo o sagrado direito ao contraditório e à  ampla defesa, garantias basilares da Constituição tanto no processo judicial quanto no administrativo,  jazem debaixo de  regras procedimentais estritas - e nem se imaginaria algo diferente ante o principio da formalidade dos atos administrativos, como da solenidade que cerca o seu julgamento.

Existe  no país uma sólida cultura de contas, reciprocamente adotada e reciclada, e sempre realimentada,   pelos TCs dos três níveis de competência,  e que, tirante  particularidades locais,   por estudado consenso vigora  qual um  norteamento  institucional entre todos,  e o qual   muito  os  auxilia no próprio embasamento do seu trabalho tanto   judicante quanto  administrativo interno.

Por motivos logísticos fáceis de enxergar, mas também porque  o muito bem estruturado Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, com sua sede central na Capital e suas 20 (vinte) Unidades Regionais distribuídas por todo o Estado,  costuma ser reconhecido por todos os TCs do Brasil como modelar e referencial, é a esse Tribunal e às suas instituições que nos referiremos neste curto trabalho.

 Competências

III - O TCE -SP rege seu trabalho de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado de São Paulo e de seus Municípios, excetuada a Capital, na forma da Lei Complementar estadual nº 709, de 14 de janeiro de 1.993, que desde logo fixa as competências da entidade no art. 2, incs. I a XXIX. 

Mas a história se inicia na Constituição Federal, art. 75,  parágrafo único, que  manda que as Constituições do Estados disponham sobre seus TCs.  Antes, fixou no art. 71, incs. I a XI,  as competências do Tribunal de Contas da União. Mas a Lei Orgânica do TCU, a Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1.992, ampliou o rol, e no art. 1º fixou 17 (dezessete) competências para o órgão.

A Constituição do Estado de São Paulo, arts. 31 a 36,  dá a regulação básica do Tribunal e lhe  fixa 14 (catorze) competências, mais portanto que as que a Constituição Federal  estabeleceu para o Tribunal de Contas da União.

E completando este arcabouço o Regimento Interno do TCE -SP, a Resolução nº 4, de 24 de novembro de 2.010, discrimina as competências por órgão, num elenco ainda maior.

Temos então:

-  Constituição Federal -  11 competências para o TCU;

- Lei Orgânica do TCU - 17 competências para o TCU;

- Constituição do Estado de São Paulo - 14 competências para o TCE - SP;

-  Lei Orgânica do TCE -SP - 29 competências para esse Tribunal;

-  Regimento Interno do TCE - SP - competências de cada órgão, analiticamente dispostas dentro daquelas fixadas para o Tribunal na LO.

Desde logo se percebe, nesse conjunto crescente de atribuições à medida em que desce o nível hierárquico do diploma fixador, que o elenco da Constituição Federal (para o TCU mas mandado aplicar aos TCs estaduais no que couber pela Constituição Federal) e também o elenco da Constituição do Estado restaram na prática mais ou menos decorativos, pois que pela sua generalidade pouco representam ante as outras duas listas de competências do Tribunal, as quais constituem a inquestionável fonte de direito para o próprio Tribunal. 

A Constituição pretendeu falar de todos os assuntos existentes - num papel sempre alardeado pela doutrina  como simplesmente ridículo, que dá a exata idéia do infantilismo do constituinte brasileiro, que já vitima o país há trinta anos  -, e bem por isso   na prática poucos se lembram sequer de que existem Constituição Federal e Estadual para este efeito.  É portanto institucionalmente na LO, e em nível operacional no RI, que se centra o próprio sistema de competências  do TCE.

 Elenco dos recursos

IV - A LO do TCE - SP  contém todo um alentado Título (III) sobre os 5 (cinco) recursos  existentes e exercitáveis dentro do seu âmbito, divisão essa que corre do art. 51 ao 71.

E não é só, porque a seguir outro Título (IV) disciplina as ações (administrativas) de revisão e de rescisão de julgados, nos arts. 72 a 77.  Portanto, não será por sonegar o  contraditório aos interessados que o TCE - SP será imolado no escrutínio da história.

Os recursos são os seguintes (LO, art. 52):  I - recurso ordinário; II - pedido de reconsideração; III - agravo; IV - embargos de declaração, e V - pedido de reexame.  A inspiração é nitidamente processual civil como se denota, no que atuou bem a LO.

Todos os recursos são necessariamente escritos, o que a lei entendeu despiciendo informar ante a obviedade; o princípio da formalidade o exige, já que também em sede de processo administrativo o que não está nos autos não está no mundo, princípio esse que existe em prol da segurança jurídica e da objetividade do julgamento.

Tal seria, aliás, que alguma alegação apenas oral pudesse produzir efeito probatório decisivo contra ou em favor de alguém nos processos, quando a própria formalidade se lastreia na certeza de que verba volant, scripta manent,  ou seja as palavras voam, e os escritos ficam.

Nos julgamentos judiciais, como nos de contas públicas, todos sabem que ninguém ganha a causa no grito, nada obstante que o dito jus sperneandi, expressão jocosa mas muito significativa em direito e materializado principalmente na sustentação oral,  seja sempre, repita-se, um apreciabilíssimo instrumento de argüição.

(prossegue)