DEFESAS NO TRIBUNAL DE CONTAS (2ª PARTE)

DEFESAS NO TRIBUNAL DE CONTAS 

Ivan Barbosa Rigolin

(set/18)

Homenagem ao amigo Flávio Correa Toledo Jr., pai da idéia

Segunda Parte


A sustentação oral

V - Um muito  importante instrumento de defesa de teses - pró  alguém e contra alguém dependendo do caso e do lado em que o sustentador esteja - é a sustentação oral, que não consta da LO mas sim do RI, art. 104, caput e § 4º, e art. 208, inc. V.    É de tradição em todos os tribunais permitir a sustentação oral tanto pela acusação quanto pela defesa dos indiciados, e não faria diferente o TCE - SP.

A primeira imagem que acorre às pessoas quanto a defesa de alguém em tribunais, aliás, é a sustentação oral, que em matéria criminal tem importância máxima mas que na área civil e na esfera  administrativa também desfruta de grande relevância, e que, por vezes, simplesmente resolve a questão.

Não se imagina produzir prova nova apenas na sustentação oral, porém um discurso adequado e percuciente pode reavivar a atenção dos julgadores para fatos constantes dos autos, porém já não tão presentes na memória, ou mesmo, e mais importante ainda, para permitir aos julgadores que não tiveram contato com o processo saberem de certos fatos, para que  se for o caso  peçam vista dos autos e possam emitir reservadamente seu voto, com maior conhecimento de causa e com a serenidade que nem sempre é viável no calor da sessão - o que pode influir  drasticamente, e não raro influi,  no resultado do julgamento. 

A experiência ensina que jamais se deve desprezar a oportunidade de produzir sustentação oral nos julgamentos, porque o seu resultado pode surpreender.

 VI - É curto o disciplinamento regimental do TCE - SP sobre a sustentação oral, resumindo-se como acima se viu em apenas dois artigos regimentais, e  o segundo deles apenas remetendo ao primeiro, a saber:

Artigo 104 - No julgamento ou apreciação dos processos, os interessados poderão fazer sustentação oral, por si ou por seu advogado, desde que o tenham requerido ao Presidente da sessão.

§ 1o - Na hipótese deste artigo, o interessado ou seu advogado falará antes ou depois do Procurador da Fazenda, conforme o caso, pelo prazo de 15 (quinze) minutos, sem apartes.

§ 2o - No caso de advogado de mais de um interessado, aplica-se o prazo previsto no parágrafo anterior.

§ 3o - Havendo mais de um interessado com advogados diferentes, o prazo previsto no § 1o deste artigo será duplicado e dividido em partes iguais entre estes.

§ 4o - Se no mesmo processo houver interesses opostos, observar-se-á, relativamente a cada parte, o disposto nos parágrafos anteriores quanto aos prazos para sustentação oral.

§ 5o - Quando se tratar de julgamento ou apreciação de processo em sessão reservada, os interessados terão acesso à sala de sessões ao iniciar-se a apresentação do relatório e dela deverão ausentar-se antes de começar a votação.

(...)

Artigo 208 - A defesa dos direitos dos interessados nos processos é assegurada pela forma seguinte, além de outras modalidades constantes deste Regimento Interno: (...)

 V - sustentação oral perante o Tribunal Pleno ou às Câmaras, na forma estabelecida no artigo 104 deste Regimento Interno.

Assim, de início seja registrado que não se compreende no caput do art. 104  a menção à apreciação do processo como a comportar sustentação oral, porque a única apreciação que a admite é aquela que ocorre na própria sessão de julgamento, sabendo-se que o processo sofre  uma longa apreciação em diversas divisões do Tribuna antes de ser submetido ao Conselheiro Relator, cada qual delas sob um enfoque próprio e observada a hierarquia interna.

Desse modo na forma do caput do art. 104,  requerendo-o por escrito ao presidente da sessão e por ele sendo deferida, a sustentação oral poderá ser produzida pelo interessado responsável pela conta em julgamento, sendo advogado ou não,  ou por advogado que constitua, e apenas por uma dessas pessoas, não cabendo duas sustentações orais na mesma sessão sobre o mesmo caso, ainda que a sessão não se tenha completado em um só dia porque, por exemplo,  um Conselheiro pediu vista do processo.

Poderá o presidente indeferir o pedido de sustentação oral por diversos motivos, como o de o recurso em causa não admitir sustentação, ou por haver excesso de inscritos - o que recomendaria adiar aquele julgamento ao qual o pedido se refere para não se cercear a defesa do requerente -,  ou porque a sessão já foi iniciada e o relator já votou, ou ainda por outras eventuais razões.

Ou seja:  o direito à sustentação oral não é imediato, absoluto ou incondicionado, mas apenas será exercido  se deferido o pleito pelo presidente da sessão de julgamento. Os motivos do indeferimento são escassos, é bem verdade, mas  o deferimento é requisito ao exercício daquele direito.

O presidente será um Conselheiro  designado na forma regimental nos julgamentos pela Câmara, e será o presidente do Tribunal se for o órgão Pleno a julgar, tudo de acordo com a fase do processo.

Admite-se, apenas pelo texto do RI, uma sustentação quando do julgamento pela Câmara, e outra quando do julgamento pelo órgão Pleno. De qualquer modo será justificável o segundo se contiver novos argumentos, ou nova técnica defensiva que não seja mera repetição da primeira.

Pelo § 1º, caso o Procurador da Fazenda estadual queira sustentar, fá-lo-á antes do defensor orador, ambos pelo prazo máximo de 15 (quinze) minutos - o que é muitíssimo considerável, e mesmo, caso haja por exemplo vinte sustentadores autorizados, imagine-se o tempo que  consumirá.

Até por isso, compreensivelmente não há apartes nem réplicas - muita vez extremamente desejáveis pelo defensor -, e o presidente pode simplesmente cortar o som amplificado do  orador que  exceda o tempo da defesa, o que não costuma realizar sem antes cortesmente adverti-lo.

Pelo § 2º,  se o mesmo advogado defender dois ou mais interessados  o tempo continuará sendo de até 15 (quinze) minutos. E pelo § 3º se houver mais de um interessado com mais de um defensor inscrito o prazo será duplicado e dividido entre os defensores - mesmo que haja mais de dois, pois que o RI não permite outra leitura.  Trinta minutos é o tempo máximo admissível, portanto, para a sustentação oral com mais de um defensor e mais de um  interessado.

E pelo § 4º aplica-se a regra do § 3º ainda que os interesses dos defendidos se oponha - o que é usual ocorrer:  o prazo total não excederá meia hora.

O § 5º menciona a sessão reservada, que é aquela em que se julgam contas em caráter sigiloso, os sejam aquelas cuja publicidade antecipada somente prejudica. Não é porque são reservadas as sessões que o indiciado é culpado, em absoluto; apenas não é prudente que seja público um julgamento cujo resultado poderá ser detrimentoso a alguém.

Todos os Poderes têm segredos, como o Judiciário tem o segredo de justiça como em casos de família, o Executivo tem  decretos secretos se envolvida a segurança nacional e o Legislativo tem sessões secretas, como em concessão de títulos de cidadania.  A idéia, própria de discurso de formatura de colegiais entusiasmados, de que não mais existe o segredo oficial no país é um conto da carochinha divulgado, repita-se, por jejunos desse assunto.

O art. 208, inc. V, como se lê acima, apenas remete a sustentação oral ao disciplinamento que lhe deu o art. 104, sem dispor autonomamente sobre a matéria.

VII  - Permitam-se  agora algumas recomendações a quem pretenda sustentar oralmente,  as seguintes:

a) a defesa das contas públicas é assunto técnico e basicamente frio, de modo que dificilmente cabem arroubos retóricos ou empolgamentos que de pouco em pouco, e quase certo,  afastam-se do tema em pauta, como  encenação teatral ou comício político que ninguém ali presente espera - nem merece - ouvir;

b) o foco da sustentação deve ser o conjunto dos fatos e sua justificativa, e não considerações sobre a pessoa do defensor ou sua carreira, ou ainda sobre a pessoa de algum julgador, porque de todo impertinente ao julgamento. Referências pessoais devem ser no máximo ao investigado, porém concisas e respeitantes à tese defensiva e não divorciadas do contexto probatório, nem com viés sentimental que, antes de exalçar a motivação e as virtudes do defendido, no mais das vezes o humilha e o degrada aos olhos dos presentes;

c) o tempo da sustentação deve ser distribuído com técnica e arte por todos os pontos a correr, de modo que um só ponto, ainda que o principal, não absorva quase todo o prazo da exposição e obrigue o defensor a encavalar os demais tópicos num furioso tropel que mutila e compromete a defesa - quando o presidente da sessão não se vê obrigado a cortar a fala do defensor... Administrar o tempo  é essencial ao defensor, tanto quanto controlar a respiração o é ao cantor;

d) o tempo do defensor de fato exige programação, pois  o que se visa é prestigiar a atenção dos julgadores, sempre abarrotados do que fazer e que nas sessões são mantidos  em concentração absoluta,  que no mínimo merece respeito e informação filtrada e não inflamadas apresentações cênicas,  de quê  algumas são desprovidas de qualquer racionalidade expositiva. 

É fato sabido que os julgadores de todo nível e esfera apreciam devidamente as boas sustentações, que a todos ensinam e ilustram, tanto quanto que se arrepiam com aqueloutras verdadeiras torturas fônicas, produzidas  por defensores de fraco senso crítico;

e) ainda quanto a tempo, no TCE - SP o prazo máximo para a sustentação oral é de 15 (quinze) minutos, conforme RI, art. 104, § 1º. Certos objetos de defesa são porventura simples ao extremo, constituídos de um só ponto e cuja tese é linear e explícita por completo.

Cinco minutos de fala objetiva e direta, em casos assim, costumam ser mais do que suficientes para esgotar de modo adequado o objeto da defesa, de modo que não se justifica nem sequer a utilização de todo o tempo regimental, pois que até onde se sabe nos Tribunais de Contas uma falácia repetida ad nauseam não se torna uma verdade...  de modo que não será a repetição maçante, nem mesmo adornada por eruditas citações, passagens e malabarismos oratórios que garantirá o êxito da defesa.  Não irritar o julgador, eis aí uma  idéia das mais oportunas;

f) amiúde nos discursos um adjetivo pesa um quilo, e um advérbio também. Como regra geral pouco dizem, e pouco acrescem à mensagem pretendida, pois que se os substantivos que descrevem os fatos não convencem só em si dificilmente os adjetivos o farão.

Os substantivos (nomes) e os verbos por outro lado  são informativos e precisos, e instruem de modo adequado e econômico a quem não dispõe de tempo para esbanjar. Não à toa a Canção do exílio de Gonçalves Dias, que a todos impacta pela limpidez  da mensagem, não contém um só adjetivo nem um advérbio. O substantivo e o verbo informam; o adjetivo muita vez cansa, quando não enfastia;

g) instruir-se o defensor adequadamente sobre o processo, de modo a que eventualmente possa responder perguntas dos julgadores - o que não é muito regimental mas que vez por outra ocorre -, é também fundamental. Um defensor pouco  preparado, claudicante e que evidencie não dominar os fatos de que fala, ou ainda um que confia por demais em seu senso de improvisação e em sua criatividade,  prejudica à grande o seu cliente.

O trabalho de preparar uma sustentação oral, cuja duração  máxima é em geral de 15 (quinze) minutos, pode levar um dia ou mais, debruçadamente em papéis e documentos os mais diversos. Quem defende um, diz-se, deve saber dez, e o profissional que não se julgar com discernimento e técnica mnemônica  suficientes para sustentar oralmente teses por vezes complexas e prenhes de detalhes, não deve aceitar esse encargo;

h) desaconselha-se, obviamente e com ênfase máxima, a qualquer defensor que, pelo motivo que for, patrocine clientes que sabe inidôneos em sua postulação, assim como teses ou documentação conhecidamente  falsas, falaciosas, erradas, temerárias ou inconfiáveis, pois que o mal que a sua defesa pode ensejar é de se esperar  que seja pior que a simples falta de sustentação. Trata-se daquelas oportunidades  de silenciar que por vezes se perdem.

Desnecessário enfatizar sobre o antiprofissionalismo absoluto que seria o de defender tese mentirosa, ilegal, antijurídica ou por qualquer  outro modo institucionalmente inadmissível.   Ao profissional, consultado sobre se realizaria algo assim, cabe recusar-se imediata e peremptoriamente a fazê-lo, pois que pode arruinar-se em uma só sessão toda uma reputação arduamente erigida ao longo de anos ou de décadas, sem se dizer da quase certa  mácula que advirá ao cliente;

i) a sustentação oral deve ser um prazer para quem fala e outro para quem ouve.  Há de ser desassombrada,   isenta de nervosismo patibular, sudorese em corredeiras, tremores convulsivos ou  descoloração cadavérica,  ou de despressurizações, hipoglicemias e hipotermias, bem assim de pânicos  ou  pavores em geral. 

Quem for suscetível a tais síndromes evite a tribuna até que pela prática (por favor, alhures) as domine a contento, pois que elas somente o atrapalharão em grande medida, e desservirão ao propósito defensivo, além de se revelarem simplesmente constrangedoras a quem assiste.

Quem não se sinta à vontade,  e mesmo  estimulado a iniciar sua sustentação, algo ainda precisa implementar ao seu ciclo de orador - tarefa  bem mais factível do que parece, como o é aprender a andar de bicicleta.

A sustentação, sem ser infantil ou simplória,  será desejavelmente coloquial, descomplicada na sua concepção e natural à fluência do orador tanto quanto possível.

Será leve em sua forma, transparente e linear em seu traçado, informativa em seu conteúdo, e indispensavelmente pronunciada em tom humilde e respeitoso - pois que isso apenas enaltece o defensor e não o inverso, mas sobretudo porque corresponde ao tratamento  sempre respeitoso que o Tribunal empresta aos defensores e aos jurisdicionados.  

Não deve ter pretensão à eternidade, nem a figurar em antologias de heróis da tribuna.  Existem palcos melhores para esse exercício - como por exemplo o júri, comícios políticos ou discursos épicos.

Precisa  acrescer, construir, organizar, sistematizar, reintegrar o direito do cliente, e lhe cumpre valorizar a ciência jurídica e a arte da administração. Sua função primeira é a de prestigiar cliente e Tribunal, e nada diferente disso.

Após uma sustentação oral as partes, segundo se espera,  não poderiam restar inalteradas nem muito menos  diminuídas no que quer que fosse, nem os julgadores sentir-se desafiados - e se assim se sentirem é porque algo saiu bastante errado na sessão. Um defensor que desafia os julgadores, de que ali depende e com cujo favor conta,  é uma espécie  peculiar de asno.

Em suma,  a sustentação oral não pode ser, nem pode ser tida como,  um fulgurante exibicionismo a serviço de um ego. Quem de antemão a enxergar assim desejavelmente, e por fidalguia, melhor fará   se permanecer bem longe do proscênio.

 
 (prossegue)