DEFESAS NO TRIBUNAL DE CONTAS (4ª PARTE)

DEFESAS NO TRIBUNAL DE CONTAS

Ivan Barbosa Rigolin

(set/18)

Homenagem ao amigo Flávio Correa Toledo Jr., pai da idéia

Quarta parte


O pedido de reexame

XII - Último recurso listado na LOM do TCE, consta dos seus arts. 70 e 71, e, de configuração original do Tribunal,  não teve inspiração na legislação processual.

Destina-se a pedir a reforma do parecer prévio emitido sobre as contas do Governador ou dos Prefeitos paulistas, e tem efeito suspensivo, ou seja, uma vez interposto todo o processamento dos autos se suspende até a decisão desse recurso.

O pedido será formulado ao Conselheiro Relator do feito, que o instruirá conforme as regras regimentais e, após, o encaminhará ao Pleno para apreciação e julgamento, quando pautado pelo Presidente  do Tribunal.

Apenas uma vez poderá ser interposto, e o prazo para tanto é de 30 (trinta) dias - úteis, como todos os demais prazos - a contar da publicação do parecer prévio  no Diário Oficial.  Esse prazo é dilatado em razão de que o parecer prévio poderá eventualmente abranger inúmeros aspectos das contas anuais,  de que se recorra, o que sempre  demanda muito consideráveis tempo e trabalho.

Não se confunde em absoluto este último recurso com qualquer dos anteriores, e naturalmente seu conteúdo é recomendável que contenha, se não fatos e argumentos novos,  ao menos um enfoque original e até então não exercitado nos recursos anteriores, sabendo-se que se apenas repetir o que já fora terçado, por vezes insistentemente, em nada poderá ajudar a alterar o destino do responsável pelas contas.

Cada novo recurso em boa técnica deve conter novidades com relação ao que se escreveu anteriormente na defesa e nas justificativas, ou de outro modo não será pela reiteração dos mesmos argumentos que se logrará alterar o entendimento de nenhum julgador.

A ação de revisão

XII - Este Título IV cuida de duas ações administrativas que têm caráter de recurso: ação de revisão (arts. 72 a 75) e ação de rescisão de julgado (arts. 76 e 77).

O nomem ações impacta os profissionais da área jurídica  pois que evoca ações judiciais, o que seria estranho ao âmbito do Tribunal de Contas, porém essa é mera impressão já que se trata de procedimentos administrativos tanto quanto os recursos, apenas que (I) a revisão cabendo contra decisões transitadas em julgado e com determinados fundamentos, e (II) a rescisão cabendo em outras hipóteses, com fundamento diverso dos da revisão. Onde couber revisão, portanto, não cabe a rescisão, a primeira excluindo a segunda.

A revisão  pode ser pedida uma só vez em caso de decisões passadas em julgado, salvo se houver novas provas do alegado - quando poderá ser reiterada -, nas condições dos arts. 73 e seguintes.

O fundamento da revisão será um ou mais que um dentre os seguintes (art. 73):

inc. I - erro de cálculo das contas, a ser demonstrado pelo requerente pelos meios admissíveis em direito e nas normas de contabilidade;

inc. II - omissão ou erro de classificação de qualquer verba, na forma das regras de orçamento e de contabilidade públicos, também a ser demonstrado pela parte;

inc. III - falsidade de documentos em que se tenha fundado a decisão, igualmente a ser demonstrada pela parte requerente através de (I, art. 73, par. único) decisão judicial civil ou criminal definitiva, ou de (II, idem) dedução nos próprios autos da revisão, sempre assegurada ampla defesa a quem venha a ser acusado de alguma irregularidade.  Dessa prova, se afinal produzida no âmbito do próprio processo de revisão,  podem e devem resultar conseqüências civis e criminais muito pesadas aos responsáveis pela falsificação, crime que constitui, e

inc. IV - superveniência de documentos novos, com eficácia sobre a prova produzida. Inspirado diretamente no processo civil, este fundamento resguarda o direito da parte de ver a verdade esclarecida - ainda que depois de longo prazo - em seu favor. Os documentos podem ser realmente novos, ou seja produzidos após a decisão revisanda, ou antigos mas cujo acesso ao interessado só foi possível após pronunciada a decisão. Poderá o Tribunal, naturalmente, contestar a novidade ou o ineditismo do(s) documento(s), ou, de outro modo, a sua eficácia sobre a prova produzida e que gerou  a decisão revisanda, e tudo voltará a ser matéria de demonstração.

Na forma do art. 74 o peido de revisão será direcionado ao Presidente do TC, em petição fundamentada e documentada, pelas pessoas que enuncia, sejam o dirigente, o responsável pela conta ou o ordenador da despesa, ou ainda por seus herdeiros ou sucessores, ou pelos seus fiadores, ou ainda pela Procuradoria da Fazenda do Estado, ou finalmente por membro do Ministério Público, atualmente o de Contas.

Pressupõe a lei que se é pedido de revisão deve existir documentação nova, inexistente ao tempo do julgamento ora revisando. E é ampla a pletora dos possíveis autores do pedido, como se lê do caput. O autor deverá naturalmente demonstrar que é uma das pessoas relacionadas no caput, pena de indeferimento liminar do pleito.

O § diz o que seria óbvio, que petição que desatgenda algum os requiito do artigo será desde logo indeferido pelo Presidente, porém melhor diria se previsse o desconhecimento do pedido e não o seu indeferimento, ato esse último que na tradição pressupõe o exame de mérito que na hipótese não ocorrerá.

O § 2º tenta sem sucesso remediar um pouco a situação, ao informar que ¨deferido, será o pedido processado, facultando-se a produção de novas provas¨ (destaque nosso).  Observa-se que a lei neste artigo quis de fato referir o conhecimento ou o desconhecimento do pedido, e não propriamente o seu deferimento ou indeferimento.  Má técnica sem dúvida alguma, que uma lei produzida hoje evitaria pois que não se admite confundir conhecimento com deferimento, diferença essa  que o próprio TCE deixa claríssima em seus julgamentos ao primeiro conhecer o recurso para só então julgá-lo.

O § 3º fecha este ciclo ao prever que o Pleno julgará o pedido de revisão, mantendo a decisão revisanda ou a modificando total ou parcialmente, sempre considerado o pedido como referência. Em qualquer caso determinará a seguir as providências demandadas pelo caso, sobretudo em caso de deferimento. Desnecessário enfatizar que qualquer descumprimento dessa ordem deve ser objeto de ação judicial, movida pelo interessado, visando assegurar o seu cumprimento.

O art. 75, encerrando o Capítulo, informa que o prazo para proposição da ação de revisão é de 5 (cinco) anos, contados do trânsito em julgado da decisão respectiva. Observa-se apenas por esse elemento quão diverso é o escopo do pedido de revisão daquele dos recursos, cujo prazo, diante deste qüinqüênio,  é exíguo.  É que a revisão comporta elementos até então estranhos ao processo e aos autos, e tem caráter reparador, ou restaurador, do direito já tido como definitivo de até cinco anos antes, transcendendo em muito o alcance dos recursos administrativos movidos no Tribunal.

 A rescisão de julgado

XIII - Outro tema de inspiração no processo civil - ação rescisória -, está contemplado nos arts. 76 e 77 da LO - TCESP.

Nos casos em que não couber pedido de revisão todas as inúmeras pessoas elencadas no caput  do art. 76, e que não são mais que os interessados incluindo Procuradoria da Fazenda estadual e  o Ministério Público,  podem ingressar com pedido de rescisão de julgado no TCE. E, tal qual no processo civil, é muito difícil que tenha êxito o pleito, tão árdua que se constitui a prova do que se irá alegar.

As hipóteses de cabimento são em caso de

- (art. 76, I) a decisão ter sido proferida contra literal disposição de lei - e já se percebe quão remota é na prática essa possibilidade, custando imaginar que o TCER decida contra lei expressa;

- (II) a decisão estiver fundada em falsidade não alegada quando do julgamento. Idem, ibidem. Na fria prática essa hipótese é quase fantasiosa, algo como a sonata quasi una fantasia de Beethoven, também alcunhada ao luar, op. 27, nº 2. É simplesmente muito improvável que uma falsidade conhecida tenha sido desprezada pela defesa do  interessado quando do julgamento, ou que, em outra hipótese, ele consiga provar que existiu, e

- (III) supervierem elementos novos, com eficácia sobre a prova produzida ou sobre a decisão proferida. Menos difícil de ocorrer que as duas primeiras, acontece quando o interessado consegue demonstrar a ocorrência de fatos novos importantes, que não existiam quando do julgamento mas que sobre ele muito provavelmente teriam influído.

Pouco importa o motivo pelo qual apenas depois do julgamento  foi possível obter a prova desses fatos: demonstrando-os na petição, tem aí o interessado aberta a possibilidade de rescindir o julgado que  o prejudica. A lei apenas exige que, tal qual  na revisão, a demonstração da falsidade fundadora da rescisão se demonstre ou por decisão judicial ou nos próprios autos da rescisão (art. 76, par. único).

O art. 77 informa que a rescisão será julgada e decidida pelo Tribunal Pleno, e o prazo para o seu requerimento, tanto quanto o da revisão, é de 5 (cinco) anos,  contados da publicação do julgado rescindendo. São ambos prazos prescricionais porque referentes à ação, e não decadenciais que seriam se dissessem respeito a algum direito substantivo.

O pedido de rescisão (art. 77, § 1º) não suspende a execução do julgado rescindendo, vale dizer: não tem efeito suspensivo. É considerado um pedido autônomo, não incidental ao, nem integrante do, processo principal, que contém a decisão rescindenda.

O § 2º, que encerra  o Capítulo, Informa que somente diante de autorização do Tribunal poderá ser revisto administrativamente o ato que deu causa ao pedido de revisão. Aparentemente confuso, em verdade está perfeito o dispositivo, porque se refere ao fato de que, mesmo que procedente a rescisão e anulada a decisão rescindenda, pode acontecer de o ato que deu fundamento  à decisão, que depois se demonstrou indevida e foi rescindida, permaneça em vigor.   Se isso ocorrer, então serão de esperar novas ações de rescisão sobre o mesmo tema que já fora decidido, o que será altamente antitécnico e contraproducente.

Então a lei fixa que, supostamente se houver  pedido do autor da rescisão - ou mesmo que não haja, e o Tribunal atue ex officio - , o ato que ensejou a decisão que depois foi rescindida poderá ser revisado, ou seja alterado, para no mínimo se evitarem novas e rebarbativas ações rescisórias.

Sim, porque existem julgados rescindidos que se basearam em um ato emanado apenas para aquele efeito individual, e existem julgados rescindidos fundados em atos gerais e não para efeito sobre um indivíduo ou um caso específico - e  para esses últimos  foi concebido o § 2º deste art. 77.

Título V

XIV - Os arts. 78 a 84  compõem o Título V, da uniformização de jurisprudência, dos incidentes de inconstitucionalidade, dos prejulgados e das súmulas de jurisprudência.

Trata-se (I) de incidentes tribunalícios como os dois primeiros, e  de (II) outras atividades próprias de cortes e auxiliares aos julgamentos, como as de interpretar normas ou procedimentos administrativos, e também de sumular, ou seja resumir em apertadas sínteses o entendimento da corte sobre questões colocadas em julgamento de modo reiterado, e esses  são os dois últimos assuntos (prejulgados e súmulas).

Toda a matéria do Título naturalmente é importante, porém as súmulas de jurisprudência, dentro daquele conjunto, assumem de todos aqueles temas o papel mais relevante na orientação dos julgamentos do Tribunal, uma vez que cada uma sintetiza o entendimento da Corte acerca de algum específico problema que sempre se repete.

 E  tal ponto são julgadas questões sobre matérias sumuladas que é raro haver sessão do Tribunal em que não se exercite ao menos alguma súmula, diferentemente dos demais incidentes que o Título abarca, os quais apenas eventualmente são suscitados e colocados em pauta.

Vejamos um a um.

Uniformização de jurisprudência

XV - De inspiração direta nas regras do processo civil, este incidente é em geral suscitado antes pela parte interessada do que pelo Conselheiro singular na sua Câmara. É que em geral aparece o interesse da parte que o do Conselheiro, por razões as mais compreensíveis: se a parte não persegue seu direito será de esperar menos interesse por quem quer que seja, inclusive pelo julgador.

O Conselheiro suscita o incidente de uniformização de jurisprudência (art. 78) quando observa, por iniciativa própria ou por provocação, que alguma decisão foi tomada, ou por Conselheiro singular ou por uma Câmara,  que contraria a jurisprudência de outra Câmara. Suscita então o incidente antes de pronunciar seu voto, e requer ao Presidente do Tribunal que o processe em caráter preliminar ao julgamento, para que o Tribunal decida qual a jurisprudência a adotar,  e já a utilize nesse mesmo julgamento,  como  doravante.

Se for a parte a suscitante deverá fazer prova da divergência por certidão do acórdão divergente, ou então  indicar as referências do  acórdão  n´algum repertório oficial de jurisprudência do próprio Tribunal, pena de merecer improvimento a provocação.

Prevê o art. 79 que o RI dará as normas procedimentais para o processamento do incidente, e o RI  dispõe sobre o assunto nos arts. 115 a 119.

Informa por fim o art. 80 que da decisão plenária sobre o incidente de uniformização de jurisprudência cabe apenas o recurso do embargo de declaração, cujo objeto é esclarecer obscuridade, omissão ou dúvida na decisão, sem efeito modificativo salvo em circunstâncias muito especiais que conduzam os Conselheiros a decidir pela modificação parcial do que decidiram.  Assim é também no Poder Judiciário.

Não é essa a regra entretanto, e mesmo que circunscrito ao seu objeto não costumam ser providos os embargos, por não concordarem os julgadores com a presença da falta alegada pelos recorrentes.

Incidente de inconstitucionalidade

XVI - Previsto unicamente  no art. 81, este incidente ocorre quando em um julgamento por alguma Câmara esta der-se conta da inconstitucionalidade de alguma lei ou algum ato do poder público jurisdicionado, naturalmente com efeito sobre o caso, e que pode ter sido objeto de representação ou denúncia por terceiro, como pode ter sido detectado por iniciativa da própria Câmara.

Nesse caso se suspende o julgamento e os autos são remetidos ao Pleno para que preliminarmente decida sobre o incidente, sendo fácil concluir sobre a relevância dessa deliberação para o caso e até mesmo como precedente para casos análogos. Uma declaração de inconstitucionalidade naturalmente altera por completo o enquadramento de qualquer situação lastreada ou vinculada ao ato inconstitucional, e a seqüência do julgamento não pode ser a mesma que seria sem a irregularidade.

Tendo o Pleno recebido os autos gravados com o incidente, na primeira sessão o Relator exporá o caso e o Tribunal ali mesmo deliberará sobre o suscitamento, que pode ser confirmado ou rejeitado. E apenas após ter sido proferida  e publicada a deliberação plenária os autos serão devolvidos à Câmara de origem para que prossiga o julgamento, agora sob nova matriz de fundamento se alguma inconstitucionalidade foi declarada, ou sem novidade alguma se não o foi.

Essa eventual declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal de Contas produz efeito no âmbito administrativo mas não faz coisa julgada verdadeira e erga omnes, na medida em que a jurisdição do Tribunal de Contas é apenas administrativa. Poderá uma tal declaração ser contestada no Poder Judiciário, e eventualmente até mesmo declarada sem efeito se provida uma competente ação movida pelo interessado.

Sempre pesa na consciência e no julgamento por quaisquer autoridades uma declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Tribunal de Contas através de seu Órgão Pleno, porém existe esta mencionada e natural limitação dos seus efeitos.

Prejulgados

XVII - Os arts. 82 e 83 tratam dos prejulgados do Tribunal.  A inspiração parece ser da Justiça do Trabalho, que ao longo da história tem derivado de súmulas para prejulgados, e daí para enunciados, e vez que outra transforma um enunciado  em súmula como recentemente quanto à Súmula TST nº 331, tudo aparentemente ao sabor da moda do momento e das cambiâncias do gosto institucional. 

Nesse sentido anda meio fora de moda o prejulgado, que dá a impressão de julgamento antecipado ou preconcebido, o que, também segundo o discurso da moda,  é insuportável numa democracia pluralista e consolidada como a nossa - ao menos até a moda mudar.  Com efeito, se mesmo nas democracias ninguém resiste à ditadura da moda, por que somente o direito resistiria ?

Seja como for, a LO do TCE - SP mantém a figura do prejulgado, que na forma do art. 82 é a pronunciação do Pleno que dê  a interpretação de norma jurídica ou procedimento administrativo sobre o qual ou o Presidente do Tribunal, ou alguma Câmara, ou um Conselheiro singular suscita divergência de entendimento entre Câmaras e julgadores singulares.

Em outras palavras, é o resultado da interpretação oficial do Tribunal sobre matéria controvertida entre Câmaras e julgados singulares, tendo sido suscitada por qualquer daqueles órgãos ou o Conselheiro singular.

Se o suscitante for o Presidente do Tribunal será o relator da matéria, segundo o parágrafo único do art. 82.

E o art. 83 fixa que o RI disporá sobre este o procedimento da Corte quanto a este tema, e o RI o faz de fato nos seus arts. 122 a 124,  contemplando inclusive sobre a revogação do prejulgado e sobre a figura do Auditor de Contas, inexistente ao tempo da edição da LO.


 (prossegue)