OPERAÇÃO FRATELLI

OPERAÇÃO FRATELLI.
ALEGAÇÃO DE COMPRAS DE EMENDAS E FRAUDE EM LICITAÇÕES.
GRAVAÇÕES TELEFÔNICAS ILEGAIS E ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Gina Copola

Publicado no Boletim de Administração Pública Municipal, Fiorilli, julho/17, assunto 321; Síntese Licitações, Contratos e Convênios, ago-set/2017, p. 217

I – É cediço em direito que o e. Ministério Público do Estado de São Paulo deflagrou a relevante OPERAÇÃO FRATELLI com o condão de investigar suposta organização criminosa com forte influência de parlamentares responsáveis para a liberação de emendas parlamentares aos Municípios visando, com isso, o repasse de verbas para os serviços de pavimentação, recapeamento asfáltico e colocação de guias e sarjetas, e a conseqüente fraude em licitações municipais para a realização de tais serviços, e para que determinado grupo sagrasse-se vencedor em tais certames.
Ocorre que, porém, para a consecução de tais investigações foram realizadas interceptações telefônicas que sofreram sucessivas prorrogações, e tais gravações foram autorizadas por decisão estereotipada com texto claramente padronizado, ou seja, por decisão destituída de fundamentação, conforme se lê da r. decisão proferida pelo egrégio Supremo Tribunal Federal nos autos da Reconsideração na Medida Cautelar no Habeas Corpus nº 129.646-São Paulo, Relator Ministro CELSO DE MELLO, julgado em 6 de março de 2.017, que apreciou o caso concreto ora comentado, e, colacionou vasta jurisprudência no mesmo sentido.
E mais relevante, ainda, é o fato de que as gravações que em geral são juntadas aos autos das ações judiciais com tal objeto não fazem a menor ou mais remota menção ao nome dos réus, razão pela qual é forçoso concluir que as interceptações telefônicas constituem prova inadmissível e que não pode ser aproveitada nos autos de cada processo movido por mais elogiável que seja a intenção ministerial de combater a corrupção em todos os níveis de governo.

II – Além disso, já foram proferidas decisões sobre o mérito de tais processos, com a decretação de improcedência de tais ações.
A primeira decisão é a da r. sentença proferida pelo MM. Juízo de Monte Aprazível, nos autos da Ação Civil por Ato de Improbidade Administrativa nº 0003642-53.2014.8.26.0369.
A r. sentença cuida de matéria idêntica à aqui comentada, que é a imputação, em decorrência da Operação Fratelli, de prática de ato de improbidade administrativa em razão da contratação de serviços de recapeamento e pavimentação asfáltica.
A ação foi julgada improcedente.
E isso porque inexiste nos autos indícios de prova de ato de improbidade administrativa.
As interceptações telefônicas juntadas aos autos não fazem a menor menção ao nome dos réus.

III - A segunda decisão é a r. sentença proferida pela Vara Única da Comarca de Monte Azul Paulista, nos autos da Ação Civil de Improbidade Administrativa nº 0000744-30.2015.8.26.0370, que também cuida de matéria idêntica à aqui comentada, que é a imputação, em decorrência da Operação Fratelli, de prática de ato de improbidade administrativa pela contratação de serviços de recapeamento e pavimentação asfáltica, e a ação também foi julgada improcedente.
E consta da r. sentença:
“A inicial não relacionou a referida conversa com qualquer das licitações apontadas na inicial, a indicar que teria sido realizada (a conversa) antes de qualquer procedimento licitatório, ou mesmo (antes) da contratação da empresa responsável pela prestação do serviço”
E, lê-se, ainda, da r. sentença:
“A questão, portanto, vai muito além da suposição pretendida pelo autor, já que a existência de diversas licitações para um mesmo serviço, mas relacionadas a locais diversos, depende de inúmeras variáveis – especialmente verba pública - , não tendo o autor demonstrado que cada uma das licitações poderia, física e jurídica, ser realizada num só procedimento.
O ônus da prova compete ao autor, e os réus não podem ser condenados justamente – e com base –, pela (na) ausência de prova da parte contrária, sob pena de inversão de valores e inadmissível inversão do ônus probatório, infactível em casos desse jaez”

IV – E ainda tem-se que o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo derrubou recentemente a tese de que o GRUPO SCAMATTI – que é o grupo investigado na aludida operação deflagrada – “comprava” emendas parlamentares para se beneficiar em licitações de obras públicas da região.
É o que decidiu o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos da Representação Criminal nº 2043115-52.2014.8.26.0000.
Não se quer aqui defender qualquer tipo de fraude em licitações, mas apenas e tão-somente deixar claro que qualquer investigação deve obedecer aos mais comezinhos princípios de direito, ao Estado Democrático de Direito, e todos os ditames legais aplicáveis ao caso.
E qualquer investigação civil ou criminal deve ter um prazo razoável, não podendo estender-se por tempo indeterminado por meio de sucessivas prorrogações sem plausível fundamentação, conforme consta do v. acórdão proferido na supracitada Reconsideração na Medida Cautelar no Habeas Corpus nº 129.646-São Paulo, da qual se lê:
“Todos sabemos que esta Suprema Corte tem admitido a possibilidade de o procedimento probatório da interceptação de conversações telefônicas sofrer sucessivas prorrogações, desde que demonstrada, no entanto, em cada renovação, mediante fundamentação juridicamente idônea, a indispensabilidade de tal diligência (HC 83.515/RS, Rel. Min. NELSON JOBIM – RHC 85.575/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RHC 88.371/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.), o que parece não ter ocorrido no caso ora em exame.”

V – E mais: para prosperar qualquer persecução por alegação de suposta fraude sob o enfoque do ato de improbidade administrativa é de relevo demonstrar a existência do elemento subjetivo do dolo, não bastando, portanto, a mera alegação de fraude, mas, sim, a cabal demonstração de que os acusados incorreram em ato doloso que tenha causado dano ao erário, enriquecimento ilícito, ou afronta aos princípios da Administração.
É cediço em direito que só existe e só se configura um ato de improbidade administrativa se nele existir o elemento subjetivo do dolo.
Sem a figura do dolo resulta e é virtualmente impossível a caracterização de improbidade em ato algum de autoridade.
Com efeito, tanto na doutrina quanto sobretudo na jurisprudência superior é pacífico e convergente o entendimento de que a ação de improbidade administrativa deverá ser manejada para os casos em que fica inequivocamente demonstrado que o agente público utilizou-se de expediente que possa ser caracterizado como de má-fé, com a nítida intenção de beneficiar-se pela lesão ao erário, e apenas assim.
O elemento subjetivo dos tipos contidos da LIA é o dolo e apenas o dolo, decorrente da vontade do agente público em locupletar-se às custas do erário, enriquecendo-se em detrimento do Poder Público, ou afrontar os princípios da Administração.
É correntio em direito, portanto, que para o agente ser condenado nas penas da lei de improbidade administrativa haverá de estar inequivocamente demonstrado o seu dolo, a sua má-fé e o prejuízo que ensejou ao erário.
Sim, porque ninguém é ímprobo por acaso, nem desonesto por imperícia, nem velhaco por imprudência, nem inidôneo por acidente, e se não quiser sê-lo ostensiva e propositadamente.
E, portanto, qualquer interceptação telefônica no caso deve ser realizada nos termos da lei e da Constituição Federal, com prorrogações devidamente fundamentadas, e de forma que demonstrem de fato a existência de dolo ou má-fé dos agentes eventualmente envolvidos, sob pena de se tornar prova inadmissível e que não pode ser aproveitada nos autos dos processos propostos.
É o que a jurisprudência tem decidido.