TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS NA UNIÃO (PRIMEIRA PARTE)

TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS NA UNIÃO - DECRETO Nº 9.507, DE 21 DE SETEMBRO DE 2.018 -  BREVES COMENTÁRIOS

Ivan Barbosa Rigolin

(out/18)



Neste artigo se comenta brevemente, artigo por artigo, o recente Decreto n 9.507, de 21 de setembro de 2.018, que dispõe sobre a contratação de serviços pela União, por seu Executivo, suas autarquias, fundações e empresas estatais.

Tratando-se de um simples decreto executivo que não exerce nenhuma competência delegada por lei alguma ao Presidente da República, não se aplica aos demais Poderes da União. Também não se aplica a Estados, Distrito Federal e Municípios, pelo mesmo motivo. O assunto é local e interno ao Executivo federal, e, nessa esteira,  às  entidades  institucionalmente vinculadas àquele Poder.

Caso entretanto algum Estado ou algum Município queira encostar no decreto e dele valer-se para disciplinar suas terceirizações de serviço - como é usual praticar-se em nosso país quanto às mais variadas matérias que a União disciplina para o seu âmbito -, naturalmente pode fazê-lo, indicando-se esse fundamento de modo expresso sempre que for o caso.

Mas cada Estado e cada Município pode também, como fez a União, regrar este tema das terceirizações para o seu respectivo âmbito, sem nenhum necessário paralelismo ou simetria com a União, devendo observar apenas as leis nacionais - e não apenas aquelas federais para a União - existentes sobre esta matéria.

Transcreve-se todo o texto do Decreto, sem no entanto se repetirem os soltos e alegres subtítulos em negrito que constam da publicação oficial no site Planalto, e cuja explicação é mais difícil que a presença de Pilatos no Credo. Após cada artigo inteiro seguem os comentários.

A razão de ser deste decreto prende-se seguramente às recentes decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a licitude de quaisquer terceirizações de serviço, contratadas tanto pela iniciativa privada quanto pelo poder público, e sejam as atividades contratadas aquelas diretamente respeitantes às finalidades institucionais do ente que contrata, sejam apenas atividades-meio, sem relação com as primeiras e que sempre são necessárias a qualquer empresa, como limpeza, conservação, manutenções, vigilância e outras.

A antiga regra de proibição de inúmeras terceirizações de serviços, consagrada na jurisprudência trabalhista que vigorava,  foi invertida com a chamada reforma trabalhista, que foi uma profunda modificação da CLT deflagrada em 2.017, e a qual ensejou ações judiciais contrárias e de resistência àquelas modificações. O STF, suscitado para dirimir a prebenda, já em 2.018 declarou a constitucionalidade das novas regras da reforma trabalhista, que permitem a ampla terceirização.

Diante disso, o Executivo federal por certo entendeu necessário disciplinar,  para o seu plano, este tema das terceirizações, e com esse fim editou o decreto organizativo. 

Se não o tivesse feito a administração interna do Executivo federal seria mais ou menos exatamente a mesma, e o decreto se afigura de certo modo  como a pedra na sopa do anedotário popular, com a qual ou sem a qual  a sopa restaria tal e qual. Entretanto, já que existe, merece alguns comentários.


Decreto nº 9.507, de 21 de setembro de 2.018

Dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no § 7º do art. 10 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, e na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993,  DECRETA: 

CAPÍTULO I - DISPOSIÇÕES PRELIMINARES 

Art. 1º  Este Decreto dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.


Comentário
Nada de novidade, a esta altura. O artigo apenas expõe o escopo do decreto, que somente a ementa resumiria com perfeição. Execução indireta é o mesmo que terceirização: serviços executados por terceiros, que não integram o corpo funcional do ente público.

São apenas serviços de que se trata, porque se não forem realizadas pelo pessoal próprio as  obras são sempre terceirizadas, e as compras, obviamente, também, já que ninguém compra algo de si mesmo. Os serviços, ou terceiro setor da economia, são o grande fulcro da preocupação de todos desde algumas décadas.

Art. 2º  Ato do Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão estabelecerá os serviços que serão preferencialmente objeto de execução indireta mediante contratação.

Comentário 
Dispositivo de rematada inutilidade, é tão profícuo quanto aparelhos de ar condicionado para esquimós. Se qualquer Ministro estabelecer quaisquer prioridades sobre serviços  a serem terceirizados,  ou se não o fizer, o resultado para a Administração será virtualmente o mesmo. Prioridades em nosso país, se não forem para idosos em filas, são sempre de escassa serventia. Lembram sermões na igreja.

Cada ente público precisa de serviços assim ou assado, e os contratará quando puder, e não será nenhum ato de Ministro, que em geral é nomeado para atender a indicação de partido que apoiou o Presidente da República n´algum momento de conveniência recíproca,  que inverterá essas necessidades.

CAPÍTULO II - DAS VEDAÇÕES 

Art. 3º  Não serão objeto de execução indireta na administração pública federal direta, autárquica e fundacional, os serviços:

I - que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle;

II - que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias;

III - que estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; e

IV - que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.

§ 1º  Os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de que tratam   os incisos do caput poderão ser executados de forma indireta,  vedada a transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou a tomada de decisão para o contratado.

§ 2º  Os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de fiscalização e consentimento relacionados ao exercício do poder de polícia não serão objeto de execução indireta.

Comentário
Enfim tem início o decreto, mas de forma tão embaraçosa que leva a considerar: se todo o decreto é assim, então de fato não precisaria existir. Além das platitudes habituais em regulamentos, indica que o autor - que obviamente não é quem o assina - não sabe exatamente o que se pretende proibir ou permitir, e com seus sós dois pés pisa em todas as canoas por perto, no afã de não desagradar a ninguém.

Seja permitido um comentário político: tal atitude de tentar conciliar opostos inconciliáveis, autêntica praga da política administrativa, é uma das que com urgência  precisa mudar na política brasileira. O atual Presidente da República empenhou-se até o fundo da alma para aprovar a reforma trabalhista que permitiu a ampla terceirização - e essa foi uma das suas melhores realizações -, porém com este art. 3º  parece dizer, bem à brasileira,  que não é bem assim, ou desculpe qualquer coisa, ou algo do gênero.  Imagine-se precisar desagradar alguém...

O caput parece indicar atividades que não podem ser terceirizadas, mas somente inventa a roda e repete o óbvio ululante, como se algum dia as atividades elencadas nos incs. I a IV pudessem ser desempenhadas por terceiros à administração: decidir quanto a planejamento institucional; planejar atividades estratégicas; poder de polícia e outorga de serviços públicos, e organização do pessoal do serviço público.

Algum dia alguém, ainda que em delírio ou ao menos fortemente alcoolizado, imaginou licitar serviços como de formular estratégias de governo ? De planejamento institucional ?  De organizar ou formular o poder de polícia ?  De deliberar como organizar o pessoal do serviço público ?  Para quê serve o Estado, senão para desenvolver essas e outras atividades essenciais e exclusivas do poder público, como são diplomacia, magistratura, ministério público, tributação, tribunal de contas ?  Quando se licitar a presidência da república, então isso também fará sentido.

Mas não cessa por aí a estranheza, porque o § 1º menciona que os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de que tratam   os incisos do caput poderão ser terceirizados. Pergunta-se: os serviços dos incs. I a IV são auxiliares, acessórios ou instrumentais ? Planejamento governamental é acessório e instrumental ? Formulação de estratégias de governos é atividade auxiliar ? Então o que seriam funções de Estado ? 

Observe-se que a redação do parágrafo não esclarece se  ¨dentro das atividades relacionadas nos a incs. I a IV os serviços que lhes forem acessórios ou auxiliares poderão ser terceirizados¨, ou algo assim, mas generaliza a todos como auxiliares, acessórios e instrumentais...   e de duas uma: ou a língua portuguesa continua desconhecida das autoridades ou o problema é mais grave, e pessoal das mesmas autoridades expedidoras do decreto.

E o aparente rigor do caput, para onde vai, e a quê se destina ?  Então se deverá concluir, a esta altura e vista a exceção, que aquelas atividades não podem ser terceirizadas, mas podem ?

O § 2ª supre essa falha redacional ao evidenciar que dentre os serviços vinculados ao  poder de polícia podem existir alguns acessórios, porém a relevância da norma é nenhuma, porque a proibição de os terceirizar já constava do caput.

Art. 4º  Nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista controladas pela União, não serão objeto de execução indireta os serviços que demandem a utilização, pela contratada, de profissionais com atribuições inerentes às dos cargos integrantes de seus Planos de Cargos e Salários, exceto se contrariar os princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade, tais como na ocorrência de, ao menos, uma das seguintes hipóteses:

I - caráter temporário do serviço;

II - incremento temporário do volume de serviços;

III - atualização de tecnologia ou especialização de serviço, quando for mais atual e segura, que reduzem o custo ou for menos prejudicial ao meio ambiente; ou

IV - impossibilidade de competir no mercado concorrencial em que se insere.

§ 1º As situações de execução a que se referem os incisos I e II do caput poderão estar relacionadas às especificidades da localidade ou à necessidade de maior abrangência territorial.

§ 2º  Os empregados da contratada com atribuições semelhantes ou não com as atribuições da contratante atuarão somente no desenvolvimento dos serviços contratados.

§ 3º Não se aplica a vedação do caput quando se tratar de cargo extinto ou em processo de extinção.

§ 4º  O Conselho de Administração ou órgão equivalente das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União estabelecerá o conjunto de atividades que serão passíveis de execução indireta, mediante contratação de serviços.

Comentário
A quem já iniciava a desconfiar da inutilidade deste decreto, este art. 4º fornece amplo material de convicção.  Não foi ainda desta vez que o Executivo federal aprendeu a escrever decretos.

Versado num enigmático administrativês de quem pensa que conhece pessoal do serviço público mas que ainda não sabe a diferença entre cargo (estatutário) e emprego (trabalhista), e que insiste na formulação plano de cargos e salários quando se sabe que cargo não tem salário mas vencimento ou subsídio, e que as estatais não têm cargos mas somente empregos, perde-se em contradições, contrassensos e atecnias de variado matiz.

O caput é tecnicamente trágico. A idéia que tenta expressar  não faz nenhum sentido  técnico em administração, nem de lógica redacional. Pretende proibir, nas estatais, terceirização de serviços de organização de pessoal quando as empresas contratandas tiverem profissionais da mesma carreira de algum servidor da estatal. Até este ponto o dispositivo, que deve ter inspiração n´alguma vaga idéia de  ¨protetividade das funções dos servidores das estatais¨,  é de suma infelicidade.

Uma só indagação o demonstra: se por exemplo o trabalho pretendido é de reorganização das carreiras da estatal dentro das diretrizes dadas pela estatal, e se no quadro da estatal existir algum emprego  de Administrador, ou de Técnico em Administração, então pelo caput a contratanda não pode ter em seu quadro nenhum Administrador e nenhum Técnico de Administração - sendo que esses são os profissionais que por excelência desenvolverão aquele trabalho, pois que a matéria é sua por excelência !  Qual a lógica desta idéia ?

Se o trabalho é de consultoria jurídica, ou de advocacia especializada, então a estatal que pretender contratá-lo não pode ter nenhum  Advogado - o que contraria firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, evidentemente,  não será atingida nem alterada por uma bobagem como esta ! 

E a lei de licitações, que expressamente admite aquelas contratações de terceiros em matéria jurídica sem jamais exigir que o ente público contratante não tenha profissionais da mesma área objeto do contrato,  estaria por acaso  revogada por esta, data venia,  indigência jurídica ?..

Mas não cessam por aí as impropriedades do caput. Após ¨proibir¨ contratações  nas circunstâncias acima, abre a seguinte exceção: exceto se contrariar os princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade, tais como na ocorrência de, ao menos, uma das seguintes hipóteses - e o destaque é nosso.

Por todas as deidades do Olimpo, que estaria  o caput pretendendo dizer ? Exceto se contrariar...  o que contrariar o que ? -  pergunta-se.   O que naquele enunciado poderia contrariar o que ?  A contratação da empresa ? A utilização, pela contratada, de profissionais com atribuições inerentes às dos cargos integrantes de seus Planos de Cargos e Salários - seria  isso que eventualmente poderia contrariar os princípios administrativos,  etc., etc. ?   O texto não fecha...  e deve integrar os chamados conceitos indeterminados, ou as normas jurídicas em branco...

Será que o autor do decreto compreende o que escreveu ?  E será que a presidência da república não dispõe de revisor, ou de assessoria técnica mínima que coíba uma degradação técnica desse porte ?

Absolutamente imprestável o caput, as quatro exemplificativas hipóteses que enuncia, como para permitir a terceirização dos serviços referidos, praticamente arrombam a restritividade que o caput pretendeu emprestar a estas terceirizações, pois que em alguma das hipóteses dificilmente qualquer  serviço deixaria de se enquadrar, bastando justificar.  Assim, a restritividade  que não tinha razão nenhuma de ser perde toda a eficácia... que já não tinha.

E, nessa lamentável esteira, os quatro parágrafos são incomentáveis. Nada dizem, não estabelecem regra alguma acerca de nada, não proíbem nada e não valem a tinta gasta na sua redação. Uma só demonstração disto é o § 2º, que reza: Os empregados da contratada com atribuições semelhantes ou não com as atribuições da contratante atuarão somente no desenvolvimento dos serviços contratados. 

Pergunta-se ao autor: a) atribuições semelhantes ou não ?  Serem semelhantes ou não serem dá no mesmo ? Onde o texto quer chegar ?; b) os empregados da contratada atuarão apenas no desenvolvimento das atividades contratadas.  Acaso o autor do decreto imaginaria que os empregados da contratada desenvolveriam outros serviços, a bel-prazer e alegremente, que não aqueles para os quais foram contratados ?    Varrer o chão da repartição ?   Manicure para as servidoras da estatal ?    Desinfetar as caixas d´água ?  Palestras ecológicas ?   Imagine-se a diretoria das estatais federais, em que palpos de aranha estarão enleadas se tentarem obedecer este decreto...

Curioso: toda a evolução institucional que a reforma trabalhista ensejou ao país decretos como este quase apagam da história. Considerando a história dos decretos brasileiros, talvez o direito nacional evoluísse à grande   se o Executivo  parasse de expedir decretos, na medida em que ninguém deveria realizar o que não sabe.

A parte final do inc. IV do art. 84 da Constituição faz por merecer uma revisão, até porque se a lei não puder ser executada somente pelo seu conteúdo, então pela experiência brasileira  não será mixórdia alguma de decreto, como este que se comenta e como a grande maioria dos decretos brasileiros, que poderá conferir-lhe aquela exeqüibilidade.

Art. 5º  É vedada a contratação, por órgão ou entidade de que trata o art. 1º, de pessoa jurídica na qual haja administrador ou sócio com poder de direção que tenham  relação de parentesco  com:

I - detentor de cargo em comissão ou função de confiança que atue na área responsável pela demanda ou pela contratação; ou

II - autoridade hierarquicamente superior no âmbito de cada órgão ou entidade.

Comentário
Dispositivo de fim moralizador e que visa impedir o tráfico de influência entre os contratantes entes federais e empresas dirigidas por parentes de autoridades federais.

Está substantivamente correto, porém na sua aplicação ensejará as dúvidas tradicionais sobre parentesco e sobre a referida área responsável pela demanda ou pela contratação. Quanto ao parentesco, volta à baila a definição jurídica de parente, dentro da complicadíssima classificação do Código Civil e mesmo fora dela, quando surgem questões como se cunhado é parente ou não, as quais questões muita vez apenas a jurisprudência superior resolve.

E quanto à área responsável pela demanda. na prática ela poderá ser o ministério, ou o departamento, ou a divisão, ou o setor, ou a seção, ou a subseção ou a unidade mais que existir, dependendo do critério empregado a cada o momento pelo ordenador da despesa.  Talvez se se deixasse em aplicação apenas o princípio da impessoalidade, singelamente referido no art. 37 da Constituição, o resultado seria mais controlável. 

Sim, porque, subjetividade por subjetividade, sejamos econômicos e fiquemos apenas com a enunciação do princípio - e o decreto neste momento, ainda que de propósito correto, atua como o instrutor que após explicar detalhadamente ao aluno algum assunto abarrota-o de dúvidas que ele antes não tinha.

Quanto ao inc. II, faltou informar que a autoridade superior o é com relação ao servidor indicado no inc. I, pois que de outro modo o inciso resta sem nenhum sentido.

Comentário final: de vez em quando o artigo dará certíssimo, de vez em quando meio certo, e de vez em quando instaurará um impasse que somente se resolverá por ordem do chefe. Quando todo o fundamento da regra é um princípio constitucional absolutamente subjetivo como é o da impessoalidade, natural que toda a sua aplicação  padeça da mesma subjetividade.

CAPÍTULO III - DO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO E DO CONTRATO 

Art. 6º  Para a execução indireta de serviços, no âmbito dos órgãos e das entidades de que trata o art. 1º, as contratações deverão ser precedidas de planejamento e o objeto será definido de forma precisa no instrumento convocatório, no projeto básico ou no termo de referência e no contrato como exclusivamente de prestação de serviços.

Parágrafo único.  Os instrumentos convocatórios e os contratos de que trata o caput poderão prever padrões de aceitabilidade e nível de desempenho para aferição da qualidade esperada na prestação dos serviços, com previsão de adequação de pagamento em decorrência do resultado.

Comentário
Trata-se de artigo cujo caput é  absolutamente inútil por repetir um pressuposto de toda licitação, e que já consta enfaticamente da legislação licitatória há décadas. De proveitoso  o dispositivo contém o parágrafo único, a admitir que o edital da licitação da terceirização, e o contrato por conseqüência, fixe uma remuneração variável ao contratado, maior ou menor de acordo com o seu desempenho,  e assim com a  qualidade do serviço prestado e entregue ao ente público contratante. 

Os critérios aferidores desse desempenho, ou os fatores a serem avaliados, todos a serem estabelecidos no contrato e que podem variar de a a z  a depender da natureza do objeto,  devem ser rigorosamente  claros e objetivos, não cabendo nenhum personalismo para o seu exercício; se com eles não concordar o licitante que os impugne a tempo, ou que deles recorra judicialmente, jamais cabendo inconformar-se com a idéia depois de iniciado o jogo. 

A idéia provém possivelmente do RDC, o regime diferenciado  de contratação, que consigna instituto semelhante.

Art. 7º  É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos convocatórios que permitam:

I - a indexação de preços por índices gerais, nas hipóteses de alocação de mão de obra;

II - a caracterização do objeto como fornecimento de mão de obra;

III - a previsão de reembolso de salários pela contratante; e

IV - a pessoalidade e a subordinação direta dos empregados da contratada aos gestores da contratante. 

 
Comentário
O edital de licitação de cada terceirização está proibido de

a) nas alocações de mão-de-obra, utilizar índices gerais de preços para atualizar obrigações, sobretudo os pagamentos aos contratados. Assim, somente índices setoriais ou regionais podem ser eleitos para aquele fim. Índices que se iniciem com IG (índice geral), assim como alguns que se iniciam com IN (índice nacional), estão desde logo proibidos. A regra visa evitar injustiças financeiras de parte a parte, partindo do correto pressuposto de que o índice regional traduz mais fielmente que o geral a flutuação de preço dos insumos do objeto contratado, ou de parte relevante dele.

Esta previsão é tecnicamente elogiável, e não se compreende porque se aplica apenas a contratos de alocação de mão-de-obra e não a todo e qualquer contrato de terceirização. E, sem aprofundar no tema e apenas exercitando a futurologia jurídica,  já se prevê algum caso em que simplesmente não exista índice setorial ou regional para reajustar aquele objeto, hipótese em que forçosamente precisará ser utilizado um índice geral - e o edital, sabendo-o,  já deve indicar qual seja;

b) caracterizar o objeto como fornecimento de mão-de-obra. Na esteira da reforma administrativa e do correto equacionamento que teve esta questão de terceirizar mão-de-obra este inciso faz a sua parte, e contribui com a escorreição dos atos convocatórios e dos contratos de terceirização. É de desejar que todo este cuidado da regra não seja posto a perder pela incúria, pelo desinteresse e pelo despreparo de algumas autoridades locais, as quais ainda poderão permitir caracterizar-se o contrato de trabalho de empregados das empresas contratadas, por mais alertadas e que devessem a esta altura estar;

c) reembolso de salários (dos empregados das contratadas) pelo(a) contratante. É árduo imaginar como alguma autoridade federal poderia ser tão desavisada a ponto de ignorar que o ente público contratante, no esforço de evitar a caracterização do contrato de trabalho entre esse entes e os empregados das empresas contratadas, está terminantemente proibido de sequer cogitar pagar ou reembolsar salários àqueles empregados, que não são seus servidores nem mantêm qualquer relação empregatícia com quem apenas, e legitimamente, contrata o seu legítimo empregador.

Parece realmente piada imaginar o contrário, como o pareceria uma eventual recomendação para os pais não adicionarem raticida à mamadeira de seus filhos lactantes. Mas ninguém duvide da monumental e aparentemente insuperável imbecilidade humana, que historicamente  foi capaz de conduzir nosso país ao buraco em que está; e

d) permitir caracterizar-se a Este inciso completa os anteriores na ofensiva de reprimir toda e qualquer possibilidade de caracterização de vínculo empregatício entre empregados da ¨ terceirizada¨ e o ente público contratante. Nem o edital nem o contrato pode admitir, nem os gestores públicos podem propiciar, que os empregados da terceirizada sejam tratados como servidores do ente público, dando-lhes ordens hierárquicas e lhes impondo uma subordinação funcional que é própria apenas dos servidores do quadro da entidade pública. Isso é inteiramente impróprio e proibido.

Fazendo-o, estarão desbaratando todo um vasto sistema institucional, obtido após encarniçadas batalhas campais no Executivo, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal, numa atitude que em sã consciência lembra sabotagem,  e que, se demonstrada, exige processo administrativo e pesada responsabilização.

Art. 8º  Os contratos de que trata este decreto conterão cláusulas que:

I - exijam da contratada declaração de responsabilidade exclusiva sobre a quitação dos encargos trabalhistas e sociais decorrentes do contrato;

II - exijam a indicação de preposto da contratada para representá-la na execução do contrato;

III - estabeleçam que o pagamento mensal pela contratante ocorrerá após a comprovação do pagamento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e para com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS pela contratada relativas aos empregados que tenham participado da execução dos serviços contratados;

IV - estabeleçam a possibilidade de rescisão do contrato por ato unilateral e escrito do contratante e a aplicação das penalidades cabíveis, na hipótese de não pagamento dos salários e das verbas trabalhistas, e pelo não recolhimento das contribuições sociais, previdenciárias e para com o FGTS; 

 V - prevejam, com vistas à garantia do cumprimento das obrigações trabalhistas nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra:

a) que os valores destinados ao pagamento de férias, décimo terceiro salário, ausências legais e verbas rescisórias dos empregados da contratada que participarem da execução dos serviços contratados serão efetuados pela contratante à contratada somente na ocorrência do fato gerador; ou
 

a) ao pagamento de salários, adicionais, horas extras, repouso semanal remunerado e décimo terceiro salário;

c) à concessão do auxílio-transporte, auxílio-alimentação e auxílio-saúde, quando for devido

d) aos depósitos do FGTS; e

e) ao pagamento de obrigações trabalhistas e previdenciárias dos empregados dispensados até a data da extinção do contrato.

 
§ 1º  Na hipótese de não ser apresentada a documentação comprobatória do cumprimento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e para com o FGTS de que trata o inciso VII do caput deste artigo, a contratante comunicará o fato à contratada e reterá o pagamento da fatura mensal, em valor proporcional ao inadimplemento, até que a situação esteja regularizada.
§ 3º  O sindicato representante da categoria do trabalhador deve ser notificado pela contratante para acompanhar o pagamento das verbas referidas nos § 1º e § 2º

§ 4º  O pagamento das obrigações de que trata o § 2º, caso ocorra, não configura vínculo empregatício ou implica a assunção de responsabilidade por quaisquer obrigações dele decorrentes entre a contratante e os empregados da contratada.

Comentário
Artigo desanimadoramente longo - de certo modo a recordar o  Guerra e paz de Tolstoi -, elenca exigências para os contratos de terceirização de que trata o decreto. Salvo pela impossibilidade material ou jurídica, a regra é de que todos os contratos contenham estas previsões dispositivas, à semelhança do que fez o art. 55 da lei nacional de licitações - que é aliás  uma oportuna evocação, porque, sendo federais os contratos de que trata o decreto, regem-se antes pela lei de licitações e depois, no que não a contrariar, por este decreto.  E não se trata de o específico afastar o geral, porque um decreto específico jamais afasta a incidência de norma geral constante de lei nacional. 

O que se deve ressalvar, neste contexto, é a questão das empresas estatais: uma vez que passaram a reger-se, e à  sua vida negocial, pela Lei nª 13.303, de 30 de junho de 2.016, a chamada lei das estatais, e que essa lei contém amplas disposições sobre contratos nos arts. 68 a 84, então o ambiente das estatais é outro. Daqueles últimos citados  o art. 69 equivale, no superior plano da lei das estatais, a este art. 8º do decreto em comentário.

Assim sendo, as estatais federais apenas cumprirão o decreto no que este não colidir com as regras da lei das estatais.  A lei das estatais, recorde-se,  afasta a incidência da lei nacional de licitações para as estatais em tudo quanto dispuser de novidade dentro do seu escopo - que é exatamente, na forma da Constituição Federal, o de dar o regime jurídico das estatais.

Então, em resumo:  

a) entes executivos federais, sujeitos à lei de licitações, obedecem o decreto em tudo que já não esteja resolvido na lei de licitações (supondo-se que o decreto não contraria a lei de licitações); e

b) estatais federais, em princípio não sujeitas à lei de licitações,  cumprem a lei das estatais em questão de contratos, e se do decreto restar algo que a lei das estatais não tenha resolvido, então essa parte  deverá também ser atendida pelas estatais - e já seja adiantado que  essa parte existe, mas essa é outra história, que ficará para outra ocasião.


continua