OS VINTE E CINCO ANOS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. UMA REFLEXÃO SOBRE OS TEMAS DE RELEVÂNCIA.

OS VINTE E CINCO ANOS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. UMA REFLEXÃO SOBRE OS TEMAS DE RELEVÂNCIA.

Gina Copola

(publicado no Boletim de Administração Pública Municipal, Fiorilli, ago./17, assunto 323; Síntese Direito Administrativo – Edição Especial, set./2017, p. 33

I – Em 2 de junho de 2.017 a Lei federal nº 8.429, de 1.992, a chamada Lei da Improbidade Administrativa, completou bodas de prata, e tornou-se, sem dúvida, um dos instrumentos importantes pelo combate à corrupção e também instrumento de luta contra as odiosas práticas que vilipendiam o erário público, porém com o terrível e temível viés de ser o fundamento legal (ou ilegal) de inúmeras condenações por ato de improbidade administrativa sem a necessária existência do dolo, ou, ainda, sem a demonstração do efetivo prejuízo aos cofres públicos ou do enriquecimento ilícito, tudo isso com a aplicação de duras e rigorosas penas que lamentavelmente estão absolutamente divorciadas do princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade.
Isso porque a própria Lei nº 8.429/92, a chamada LIA, é de péssima técnica e padece de inconstitucionalidade.
Sim, porque a LIA não conceituou a expressão improbidade administrativa, nem tampouco a delimitou, fazendo apenas constar em seu art. 1º – que é tipo bastante aberto, conforme a doutrina tem reiteradamente ensinado – que os atos de improbidade serão punidos na forma da lei.
Com efeito, o legislador misturou alguns conceitos, além de redigir artigos de caráter excessivamente aberto, imprecisos e impróprios, para através deles cominar as rigorosas e duras penas que prevê.

II - A LIA já foi apelidada de Babel Jurídica, conforme ensina a Promotora de Justiça no Espírito Santo, dra. MARLUSSE PESTANA DAHER , por conter dispositivos de diversas áreas do direito, todas misturadas.
E isso tudo enseja, como não poderia ser de outra forma, aplicações equivocadas dos dispositivos da LIA, além de ocasionar condenações que não encontram fundamento no sistema jurídico brasileiro, uma vez que diversas decisões judiciais que envolvem tal controvertido tema decorrem de interpretações de um texto legal incongruente, lacunoso, e absolutamente mal elaborado.
TOSHIO MUKAI em célebre artigo intitulado Fantasmagórica ameaça das ações de improbidade administrativa, tivera ensejo de dizer que:
“Como vêem, Srs. Prefeitos e administradores, sob o ponto de vista jurídico-constitucional, a tal ação de improbidade administrativa é, na verdade, um fantasma que, tal como o “chupa-cabras”, anda assustando a todos os administradores públicos, probos, ímprobos ou intermediários.”
Assiste razão ao nobre professor, uma vez que se observa que as condutas meramente irregulares ou culposas têm sido condenadas com rigor e de forma severa, e reputadas como atos de improbidade administrativa, em injustificável exagero.
E, ainda, a aplicação inadequada da Lei de Improbidade Administrativa recebeu críticas também do eminente Desembargador Federal SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA , ao prelecionar que:
“Nós temos que nos lançar de corpo e alma contra a improbidade, mas dentro dos princípios, da técnica e da ciência jurídica, porque, fora disso, nós é que seremos ímprobos no cometimento de graves injustiças contra aqueles que, inocentes, sejam acusados de improbidade.”

III - Trazemos à colação excerto do Procurador de Justiça licenciado e Deputado Estadual FERNANDO CAPEZ que com brilhantismo e lucidez ímpares assim decretou:
“A ânsia desmesurada em punir o administrador público com uma pena exemplar é resultado da pressão da mídia ou da opinião pública, o que tem tornado a Lei de Improbidade Administrativa um perigoso instrumento de vingança, cuja incidência, com menoscabo a garantias individuais, produtos de uma árdua e longa conquista histórica, constitui grave retrocesso ao Estado Democrático de Direito.”
O ilustre professor resume nesse trecho transcrito a essência de nosso entendimento a respeito do relevante tema ora em foco: as duras condenações por ato de improbidade administrativa afrontam os mais comezinhos princípios do direito, e, sobretudo, violam o Estado Democrático de Direito.
E tudo isto ocorre porque a LIA contém dispositivos de caráter excessivamente aberto, e também padece de inconstitucionalidade em alguns de seus dispositivos, conforme já tivéramos oportunidade de demonstrar em obra intitulada A Improbidade Administrativa no Direito Brasileiro, ed. Fórum, Minas Gerais, 2.011.

IV – Pois bem.
O art. 3º, da LIA, reza que comete ato de improbidade administrativa todos aqueles que “mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”, e observa-se que tal dispositivo tem caráter aberto, e lacunoso, ensejando a aplicação da lei de forma injusta, uma vez que possibilita a inclusão em seu raio de atuação de qualquer um que tenha o mínimo contato ou ligação com o suposto ato de improbidade administrativa, causando com isso insegurança jurídica.
E, por esse motivo, defendemos posição no sentido de que o indigitado art. 3º, da LIA, somente pode ser aplicado se a inicial for instruída com documentos ou justificativas de indícios suficientes da existência do ato de improbidade, conforme reza o art. 17, § 6º, da Lei nº 8.429/92. Assim sendo, se o particular não praticou ato sobre o qual existam documentos e indícios suficientes e comprovados através de provas admitidas em direito, a ação de improbidade não pode sequer ser recebida pelo e. Poder Judiciário, e precisa ser arquivada liminarmente.

V – Os art. 9º, 10 e 11, da LIA, cuidam dos tipos de atos de improbidade administrativa.
O art. 9º, da LIA, versa sobre os atos de improbidade que causam enriquecimento ilícito ao rezar em seu caput que:
“Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:”
Em seguida, o dispositivo elenca 12 (doze) condutas em rol meramente exemplificativo, uma vez que o caput reza em “notadamente”, sendo que o ato de improbidade administrativa que importa em enriquecimento ilícito é aquele em que ocorre qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida do agente.
O art. 10, por sua vez, cuida dos atos de improbidade que importam em dano ao erário, ao rezar que:
“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:”
E mais uma vez o dispositivo legal traz rol exemplificativo de 15 (quinze) condutas que podem causar prejuízos aos cofres públicos.
E, por fim, o art. 11 versa sobre os atos de improbidade que afrontam os princípios da Administração Pública, e preceitua que:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:”
E, portanto, também o art. 11 contém rol exemplificativo contendo 7 (sete) condutas que causam afronta aos princípios da Administração.
Observa-se mais uma vez, portanto, que os art. 9º, art. 10, e art. 11, todos da LIA, contém tipos excessivamente abertos, o que revela verdadeira temeridade, porque tem causado a aplicação da lei de forma absolutamente desmedida e desproporcional, e totalmente divorciada do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade.
Isso ocorre porque o termo “notadamente” constante dos três tipos contidos na LIA enseja o enquadramento de condutas meramente irregulares ou ilegais – saliente-se que improbidade e ilegalidade não são sinônimos, conforme a jurisprudência tem decidido de forma reiterada, a exemplo do r. acórdão proferido pelo e. STJ, em sede de RESP nº 1.038.777-SP, rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 03/02/2011, com sustentação oral realizada pela autora deste artigo – como atos de improbidade administrativa, que são punidos com as duras e excessivas penas da Lei nº 8.429/92.

VI – O art. 12, da LIA, cuida das penas aplicáveis aos responsáveis por ato de improbidade administrativa, independentemente das sanções civis, penais ou administrativas aplicáveis, o que evidencia o caráter multidisciplinar ou híbrido da LIA, uma vez que a própria lei não define se suas sanções têm natureza civil, penal ou administrativa.
Os incisos do art. 12 versam sobre as penas aplicáveis por ato de improbidade que causa enriquecimento ilícito (inc. I), que causa lesão ao erário (inc. II), e que causa afronta aos princípios da Administração (inc. III).
O art. 12, da LIA, prevê penas duras e excessivas penas que não observam o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade.
Além disso, é sabido que a inconstitucionalidade material da Lei nº 8.429/92 é discutida entre os aplicadores do direito.
Tal inconstitucionalidade é encontrada em parte do art. 12, da Lei federal nº 8.429/92, que prevê a aplicação de penas não previstas no art. 37, § 4º, da Constituição Federal.
Isso porque o art. 12, da LIA prevê penas de multa civil; de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios; e também de perda definitiva de bens, sendo que a Constituição Federal, em seu art. 37, § 4º, não prevê tais penas.
Com todo efeito, cabia à Lei federal nº 8.429/92 apenas e tão-somente graduar as sanções previstas pelo art. 37, § 4º, da Constituição Federal, e nada mais que isto, conforme ensina MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS .
Assim, é forçoso concluir que as penas supracitadas e não previstas na Constituição Federal restam absolutamente inconstitucionais, porque extrapolam o contido no indigitado dispositivo constitucional.

VII – O art. 16, da LIA, cuida da decretação de seqüestro de bens do agente ou de terceiro, nos seguintes termos:
“Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.”
Ocorre que a decretação de seqüestro de bens em ação de improbidade administrativa deve ser precedida de contraditório e da ampla defesa do acusado, e, ainda, se o provimento for concedido em sede de medida liminar, devem estar presentes os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora, objetivamente demonstrados, tudo isso conforme ensina a mais autorizada doutrina pátria, o que, lamentavelmente não tem sido observado na prática.
Não concordamos de forma alguma com bloqueios realizados em valores superiores aos questionados nos autos dos processos de improbidade, incluindo valores de multa civil, e realizados “na calada da noite”, o que se tornou prática comum sobretudo em comarcas pequenas.
Com todo efeito, o seqüestro de bens pode ser decretado apenas após o devido processo legal, nos termos do art. 5º, inc. LIV, e inc. LV, da Constituição Federal, sob pena de afronta ao direito de propriedade e também ao direito de defesa, constitucionalmente garantidos.
E mais: o seqüestro de bens só pode ser efetivado sobre os adquiridos posteriormente aos supostos atos de improbidade, conforme já decidiu o e. Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial nº 196932/SP, 1ª Turma, Relator Ministro Garcia Vieira, julgado em 18/03/1999, e publicado em DJ de 10/05/1999.

VIII – O art. 23, da LIA, cuida do instituto da prescrição, ao rezar que:
“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.”
Observa-se, portanto, desde já, que a Lei nº 8.429/92 art. 23, inc. I fixa como regra geral a prescrição qüinqüenal para a propositura de ação por ato de improbidade administrativa, com exceção feita somente para as hipóteses em que lei específica prevê prazo diverso, conforme se depreende da leitura do inc. II, do art. 23, da LIA.
Tema tormentoso, e que tem causado dissenso entre os aplicadores do direito, é o da imprescritibilidade das ações de improbidade administrativa de ressarcimento ao erário, com fulcro no art. 37, § 5º, da Constituição Federal.
Ocorre que a imprescritibilidade em ações de ressarcimento ao erário pode ser conferida apenas ao ente público lesado, e não ao e. Ministério Público, que possui legitimidade extraordinária para a propositura de tal ação.
Ensina MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS .:
“Entender a regra constitucional inserta no art. 37, § 5º, como a consagração de uma imprescritibilidade, por mais relevante que seja coibir a lesão ao erário, é subtrair o Estado de Direito em que vivemos.”
Sobre esse tema, é o irreparável artigo de lavra do professor GEORGES LOUIS HAGE HUMBERT , contendo a seguinte conclusão:
“A matéria em debate é controvertida na doutrina e na jurisprudência pátria. Apontamos que a ação de ressarcimento ao Erário é prescritível, ao menos por cinco fundamentos desenvolvidos supra e a seguir sintetizados:
(i) a Constituição, quando declara a imprescritibilidade de ações, sempre o faz de forma expressa, o que não é o caso das ações de ressarcimento ao Erário;
(ii) a ressalva contida na parte final do art. 37, § 5º, da Constituição se refere à lei aplicável à espécie. Não previu nesta hipótese – porque necessário o fazer de forma expressa e clara – a imprescritibilidade.
(iii) se lesões ao Erário, como o não pagamento de tributo, além do próprio o ato de improbidade administrativa e ofensas dele decorrentes são prescritíveis, a lesão ao Erário (uma das possíveis decorrências do ato de improbidade) também deve ser, sob pena de violar o princípio da igualdade;
(iv) uma ação de natureza indenizatória e de efeitos exclusivamente patrimoniais não pode ser imprescritível sem ofensa ao princípio basilar da segurança jurídica e da garantia da ampla defesa;
(v) a questão possui natureza essencialmente constitucional e deve ser decidida por meio da manifestação do órgão juridicamente competente para, em última análise, interpretar a Carta Magna: o Supremo Tribunal Federal.
Cumpre alertar, por derradeiro, que, diante da existência de lei específica regendo o processamento da ação de ressarcimento ao Erário decorrente de ato de improbidade administrativa, aplica-se o quanto disposto pelo microssistema de tutela do interesse público composto pela Lei da Ação Popular, da Ação Civil Pública e da Lei de Improbidade Administrativa, sendo, portanto, de cinco anos o prazo prescricional aplicável às ações de ressarcimento ao Erário.”
Ainda sobre a prescrição, é cediço em direito tramita perante o e. Supremo Tribunal Federal o Tema nº 897, que versa sobre a prescrição da pretensão de ressarcimento ao erário por ato de improbidade administrativa, com leading case 852475.

IX – E nunca é demais iterar e reiterar que não existe ato de improbidade administrativa sem a necessária existência do elemento subjetivo do dolo.
Tem-se que a configuração do ato de improbidade administrativa necessita, obrigatoriamente, da ocorrência do dolo, não bastando, portanto, a culpa do agente, sendo que tal posicionamento doutrinário e jurisprudencial é o majoritário.
Com todo efeito, sem a figura do dolo é virtualmente impossível a caracterização de improbidade administrativa, porque o ímprobo é aquele que teve a vontade, a intenção, ou o animus de causar lesão ou prejuízo ao erário público, bem como aos princípios constitucionais que norteiam a Administração.
Tanto na doutrina quanto sobretudo na jurisprudência é majoritário o entendimento segundo o qual nas ações de improbidade administrativa deve ser demonstrado que o agente público – ou os terceiros que concorreram para a prática do ato - utilizou-se de expediente que possa ser caracterizado como de má-fé, com a nítida intenção de prejudicar o interesse público, e apenas assim, portanto, poderá ser alegada a improbidade administrativa.
O elemento subjetivo dos tipos contidos na LIA, de tal sorte, é o dolo e apenas o dolo, decorrente da vontade do agente público causar dano ou prejuízo à Administração Pública. Sim, porque a intenção do ímprobo é alcançar benefício próprio ou de terceiro, em detrimento do interesse público.
Com efeito, “a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil.”, conforme já decidiu o e. STJ, relator Ministro GARCIA VIEIRA, RESP nº 213994/MG, 1ª T., DJ de 27.09.99, p. 59.
Ninguém, portanto, é ímprobo por acaso, nem desonesto por imperícia, nem velhaco por imprudência, nem inidôneo se não quiser sê-lo ostensiva e propositadamente. Com todo efeito, sem o elemento volitivo presente; sem a vontade de delinqüir, de lesar, de tirar ilegítimo proveito, de locupletar-se indevidamente, de enriquecer ilicitamente, ninguém pode ser inquinado de improbidade, uma vez que essa pecha somente tem sentido técnico-jurídico, e mesmo lógico, se e quando imputada ao mal-intencionado, ao desonesto de propósitos, ao golpista, ao escroque. Quem não se enquadra n’alguma dessas infames categorias será tudo no planeta - menos praticante de ato de improbidade.
Improbidade é figura que, em direito penal, civil ou administrativo, exige a essencial intencionalidade delitiva, a vontade ativa e efetiva de praticar ato sabidamente não admitido pelo direito. Trata-se da má-fé plenamente caracterizada, é a má intenção do agente.
De tal sorte, ausente o elemento volitivo, então nenhuma improbidade jamais poderá ser imputada a ninguém.
A improbidade não pode ser atribuída a quem apenas esquece de mera formalidade, ou comete pequenas irregularidades, sendo que tais atos não têm, nem poderiam ter, o condão de causar lesão aos cofres públicos ou aos princípios constitucionais que devem reger a Administração Pública, e, por isso, não podem ser reputados como atos ímprobos.
A jurisprudência superior é vasta neste sentido, e fora colacionada em nosso artigo Jurisprudência comentada: A necessária existência do dolo para a configuração de ato de improbidade administrativa de afronta aos princípios da Administração, publicado no Boletim de Administração Pública Municipal, Fiorilli, jul./16, assunto 299; Juris Plenum, setembro 2016, p. 51; Revista Síntese Responsabilidade Pública, ago-set/2016, p. 202; Fórum Administrativo, set./16, p. 69; Síntese Responsabilidade Pública, ago-set./2016, p. 202; Síntese Direito Administrativo, nov./16, p. 199; Síntese de Licitações, Contratos e Convênios, fev.-mar./2017, p. 198

X - Outro tema de relevo com relação à LIA é o relativo à contratação de advogados.
Ocorre que a contratação de advogado sem prévia licitação não constitui, por si só, ato de improbidade administrativa.
Com todo efeito, decidiu o egrégio Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.192.332-RS, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, da 1ª Turma, julgado em 12/11/13:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS COM DISPENSA DE LICITAÇÃO. ART. 17 DA LIA. ART. 295, V DO CPC, ART. 178 DO CC/16. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ARTS. 13 E 25 DA LEI 8.666/93. REQUISITOS DE EXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. SINGULARIDADE DO SERVIÇO. INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO. NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR NA ESCOLHA DO MELHOR PROFISSIONAL , DESDE QUE PRESENTE O INTERESSE PÚBLICO E INOCORRENTE O DESVIO DE PODER, AFILHADISMO OU COMPADRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (....)
4. É impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do Advogado, pois trata-se de prestação de serviços de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade de competição.
5. A singularidade dos serviços prestados pelo Advogado consiste em seus conhecimentos individuais, estando ligada à sua capacitação profissional, sendo, dessa forma, inviável escolher o melhor profissional, para prestar serviço de natureza intelectual, por meio de licitação, pois tal mensuração não se funda em critérios objetivos (como o menor preço).
6. Diante da natureza intelectual e singular dos serviços de assessoria jurídica, fincados, principalmente, na relação de confiança, é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público, utilizar da discricionariedade, que lhe foi conferida pela lei, para a escolha do melhor profissional.”
O v. acórdão, portanto, deu provimento ao recurso especial interposto para julgar improcedentes os pedidos da inicial da ação civil por ato de improbidade administrativa proposta, e, com isso, portanto, reconhecer a absoluta legalidade da contratação de advogado de forma direta, por inexigibilidade de licitação, nos termos da Lei federal nº 8.666/93, art. 25, e art. 13.

XI – E ainda no mesmo sentido decidiu o e. STJ, Recurso Especial nº 1.181.806-SP, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, da 1ª Turma, julgado em 7/11/2013:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. CONTRATAÇÃO DE ASSESSORIA JURÍDICA PELO MUNICÍPIO DE NHANDEARA/SP (CONTRATO 36/97). AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE EFETIVO DANO AO ERÁRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO DO CAUSÍDICO NA DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS EM DECORRÊNCIA DO PACTO 36/97, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO ENTE MUNICIPAL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO EXPANSIVO SUBJETIVO À PRESENTE DECISÃO, PARA EXCLUIR A CONDENAÇÃO DA PREFEITA NO ALEGADO ILÍCITO DE IGUAL NATUREZA (ART. 509 DO CPC).
1. A negativa de vigência ao art. 535 do CPC somente se vislumbra quando o Tribunal de origem incorre em omissão, obscuridade ou contradição sobre matérias elementares para o deslinde da controvérsia.
2. A condenação do Agente Público e de terceiros no ressarcimento ao Erário, via de regra, demanda a comprovação do nexo causal entre a conduta ilícita do Agente ou do terceiro (dolosa ou culposa) e o dano causado ao Ente Estatal, sendo insuficiente, portanto, a mera presunção do prejuízo ao Estado. Precedente: AgRg no AREsp 107.758/GO, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 10.12.2012.
3. In casu, restou incontroversa a prestação dos serviços de assessoria jurídica pelo Causídico, nos termos pactuados entre este último e o Ente Municipal no Contrato 36/97, de maneira que o Tribunal de origem impôs ao Advogado e à Prefeita a condenação de ressarcir ao Erário o valor acertado (R$ 18.600,00) sob o fundamento de não haver justificação para a estipulação da quantia e, ainda, por ter o Causídico elaborado, concretamente, apenas uma petição, interposto Recursos Especiais e impetrado Mandado de Segurança.
4. Contudo, apesar de o desenrolar das ações e dos procedimentos terem requerido, efetivamente, apenas as peças enumeradas pela Sentença, o fato é que o acompanhamento das ações e dos procedimentos foram, de fato e em conformidade com o Contrato 36/97, prestados, não servindo de parâmetro, para fins de apuração da razoabilidade do valor do Contrato, apenas as petições elaboradas pelo Advogado; e assim é, porque o desenvolvimento das ações e procedimentos elencados no Contrato 36/97 poderiam ter exigido outras atuações do Procurador, mas a sucessão dos fatos ocorridos na realidade demandou, apenas, os trabalhos deflagrados pelo Causídico.
5. Ademais, eventual ausência de justificação do valor estipulado entre o Causídico e o Município de Nhandeara/SP (R$ 18.600,00), por si só, não configura prejuízo ao Erário; o dano em comento, por ser concreto e auferível empiricamente, deve ser comprovado, não se admitindo presunções, nesse aspecto.
6. Recurso Especial provido, em que pese o parecer Ministerial em sentido contrário, para afastar a condenação ressarcitória imposta ao Causídico. Atribui-se efeito expansivo subjetivo à presente Decisão (art. 509 do CPC), para excluir a obrigação de devolução de valores ao Município, imposta à Prefeita.”
É de império destacar que o recurso especial foi interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil que tem se manifestado a favor dos advogados em lides como a presente, uma vez que o trabalho do advogado é intelectual, singular, e especializado o que torna impossível sua exposição em competição licitatória, conforme afirmou o Presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da seccional paulista, dr. RICARDO TOLEDO SANTOS FILHO.

XII – E no mesmo diapasão, decidiu e. TJSP, Apelação nº 0007304-74.2005.8.26.0196-Franca, rel. Des. MARIA OLÍVIA ALVES, 6ª Câmara de Direito Público, julgado em 16/12/13:
“APELAÇÕES. Ação civil pública – Improbidade Administrativa – Contratação sem licitação de escritório de advocacia para revisar judicialmente o relacionamento do Município com as concessionárias de energia elétrica – Sentença de procedência – Inocorrência de nulidade ou cerceamento de defesa – Reforma que entretanto se impõe – Presença dos requisitos legais autorizadores da contratação direta – Ausência de ilegalidade – Não caracterização da improbidade, ademais, em face da falta de prejuízo e na inexistência de qualquer lesão ao princípio da impessoalidade – Rejeição da matéria preliminar – Provimento dos recursos réus, prejudicado o recurso do Ministério Público.”
O v. voto condutor cita precedentes do e. STJ e do próprio TJSP:
“Parto da premissa, assentada já pelo Eg. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de que “a contratação de serviços de advogado por inexigibilidade de licitação está expressamente prevista na Lei 8.666/93, art. 25, II c.c art. 13, V” (REsp n. 1.285.378/MG, 2ª Turma, rel. Min. CASTRO MEIRA, j. 13.03.2012). (...)
No referente à singularidade do objeto, esta Colenda Câmara tem entendido que “o fato do ente público contar com quadro de Procuradores não obsta a contratação de auxílio externo para a realização de tarefas específicas (...), ainda que para não sobrecarregar seus funcionários.” (Ap. n. 0009041-61.2010.8.26.0318, rel. Des. EVARISTO DOS SANTOS, j. 04.11.2013).”
A única conclusão possível, portanto, é a de que a contratação de advogado notoriamente especializado por inexigibilidade de licitação e para a execução de objetos de natureza singular nos termos do art. 25, II, c/c o art. 13, V, da Lei federal nº 8.66/93 é perfeitamente legal, e, dessa forma, não constitui ato de improbidade administrativa, conforme se depreende da leitura do venerando acórdão ora comentado.

XIII – Cite-se, ainda, o v. acórdão da 1ª Câmara de Direito Público do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sessão realizada no dia 7 de outubro de 2.014, nos autos da Apelação nº 0000987-97.2011.8.26.0439-Pereira Barreto, tendo como relator o Desembargador LUIZ FRANCISCO AGUILAR CORTEZ, com o voto nº 16177, e acórdão registrado nº 2014.0000631203, com a ementa:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Contratação de escritório de advocacia sem licitação – Possibilidade – Artigos 13, V, e 25, II, e § 1º, da Lei nº 8.888/93 – Ajustes com natureza singular – Precedentes – Ilegalidade afastada – Honorários e forma de pagamento regulares – Prática de ato de improbidade não caracterizada – Sucumbência indevida – Recurso provido em parte.”
Não se olvide, ainda, da recomendação expedida pelo órgão máximo do e. Ministério Público, que é o Conselho Nacional do Ministério Público, que aprovou, por maioria de votos, nos autos do Processo 171/2014-42, a recomendação que define que a contratação direta de advogado ou escritório de advocacia por ente público, por inexigibilidade de licitação, por si só, não constitui ato ilícito ou ímprobo.
E conforme consta da notícia publicada no próprio site do CNMP, de onde se lê:
“O objetivo da recomendação é garantir a inviolabilidade e o exercício profissional do advogado recomendando-se aos membros do Ministério Público de se absterem de adotar medidas contrárias ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que, de acordo com os artigos 13 e 25 da Lei 8.666/93, autoriza o ente público a contratar advogado por inexigibilidade de licitação”. (Grifamos)
Tais relevantes decisões precisam ser observadas com mais detença pelos d. órgãos ministeriais.

XIV – Cite-se, ainda, MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS , com sua habitual lucidez e acerto:
“Portanto, encontrando a sustentação na jurisprudência e na própria Lei de Licitações, não há que se falar em improbidade administrativa do advogado contratado diretamente e nem do administrador público que lhe confiou importante e indelegável missão de bem servir à coletividade e ao Estado.”
Tenha-se, presente, ainda, que tramitam perante o egrégio Supremo Tribunal Federal os Recursos Extraordinários nº 656.558 e nº 610.523, cujo objeto é a contratação de escritório de advocacia – ou advogado particular – pelo Poder Público por inexigibilidade de licitação tendo em vista a notória especialização do contratado, sendo que ambos recursos estão sendo julgados em conjunto.
Na recente sessão realizada em 14 de junho de 2.017, após o voto do Relator, dando provimento aos recursos, o julgamento foi suspenso.
E o v. voto condutor do Ministro DIAS TOFFOLI reafirma o já prescrito na Lei federal nº 8.666/93, ou seja, é constitucional a regra contida no inc. II, do art. 25, da referida lei, que prevê a inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13, da mesma Lei, prestados por profissionais de notória especialização para serviços de natureza singular.
E, ainda, o v. voto condutor decidiu que o preço contratado deve estar de acordo com o praticado no mercado.
E, ainda, conforme o voto condutor, para a configuração de improbidade administrativa é de império a existência do elemento subjetivo, tudo isso reafirmando a posição que já vem sendo adotada pelos e. Tribunais Superiores.
E foi admitida a repercussão geral da matéria em exame, tendo sido submetida ao Tema nº 309.
Tem-se, para concluir até aqui que a contratação de advogado sem licitação não é, nem poderia ser ato de improbidade administrativa, conforme a jurisprudência e a orientação do Conselho Nacional do Ministério Público, sendo que o que se espera e deseja é a simples observância do que consta da Lei federal nº 8.666/93, arts. 13 e 25, que autorizam a contratação direta de advogados, sem licitação, desde que notoriamente especializados e para a execução de trabalhos de natureza singular.

XV – Observa-se, portanto, para concluir, e ante todas as disposições lacunosas, inconstitucionais, e de caráter aberto constantes da LIA que sua aplicação tem gerado grandes injustiças, e insegurança jurídica, em patente violação ao Estado Democrático de Direito, fato que precisa ser observado e corrigido pelo e. Poder Judiciário, sob pena de adoção de atitudes injustas e desproporcionais.