DESPESAS IMPRÓPRIAS PARA MUNICÍPIOS

DESPESAS IMPRÓPRIAS PARA MUNICÍPIOS

Ivan Barbosa Rigolin
Gina Copola
(dez/2010)


I – Um tema sempre palpitante para os Municípios, de seu imediato interesse desde o raiar do primeiro dia do ano até o crepúsculo do último, é o relativo à licitude das suas despesas, ou seja a saber que despesas pode diuturnamente realizar, em oposição àquelas que não pode nunca, ou ao menos não deve por temerárias face à sua natureza.

Naturalmente não são apenas os Municípios que padecem dessa permanente incerteza sobre a legitimidade das suas despesas, porém são apenas os Municípios que humildemente procuram orientação, como elo mais frágil da corrente, aquele que sempre arrebenta ao lado dos que resistem.

Não se deve alimentar pretensão alguma de que os Estados, o Distrito Federal e a União, com suas estruturas gigantescas e imensamente complexas, dêem ouvido alguma vez a manifestações doutrinárias – ao menos as externadas em artigos, pois que os livros já tiveram efeito surpreendente, sobretudo na União.

Os Municípios entretanto - porque a corda invariavelmente arrebenta no ponto mais fraco -,  são bastante receptivos e atentos a quem se disponha a orientá-los e lhes indicar o resultado de sendas já trilhadas por outros, cientes de que vale ouro líqüido o relato da experiência alheia.  Assim, naturalmente o que aqui estiver consignado vale para todas as esferas de governo (1).

A preocupação, mais que evidente,  é com os Tribunais de Contas no apreciar as contas municipais. Este artigo apenas relaciona algumas freqüentes despesas praticadas pelos Municípios, tendo como fonte os apontamentos constantes com freqüência dos relatórios das auditorias e fiscalizações sobre as contas anuais tanto do Executivo quanto do Legislativo municipais,  na experiência profissional de defesa dessas comunidades junto aos mesmos TCEs. 

Com todo efeito, não pode haver fonte mais fidedigna nem mais real e imediata sobre o que se pode entender como irregularidades nas contas públicas, ao menos para um início de análise. Muita vez os apontamentos dos relatórios iniciais são revertidos com boa defesa, mas também amiúde, conforme cada caso,  ensejam a rejeição das contas específicas, a evidenciar que existem causas boas e causas ruins, não se tratando apenas de boa ou de má defesa mas de apontamentos defensáveis e de apontamentos indefensáveis até pelo mais iluminado causídico (2).

Deve-se ter presente, ao lado disso, que a licitação de muitas daquelas despesas em geral contribui grandemente para a sua legitimidade, porém é certo também que muitas despesas públicas, pela sua impropriedade essencial, nem mesmo licitadas são aceitáveis, de modo que não devem imaginar as autoridades que o simples procedimento licitatório prévio tem sempre condão de validar todos os gastos do poder público, porque isso nem sempre é verdade.  Deve-se atentar, antes, à natureza da despesa pretendida, a apenas após uma conclusão positiva sobre o interesse público que a cerca, aí, então, verificar-se se é caso de licitação ou de contratação direta.

E um derradeiro alerta introdutório diz respeito ao montante da despesa pretendida. A regra principiológica da economicidade, sinônima perfeita de razoabilidade, finalidade, motivação, proporcionalidade, ou, em outras palavras, modicidade ou austeridade, condiciona a despesa pública também à sua suportabilidade por cada erário, vale dizer: o que pode ter todo sentido para uma comunidade rica que se possa dar luxos casualmente impensáveis para outras comunidades,  carecerá por completo de sentido nessas últimas referidas, de parcos recursos e sempre à míngua de qualquer margem de conforto financeiro ou econômico. 

Economicidade constitui para a pessoa pública, portanto, a regra da relatividade entre necessidade e autonomia de vontade de um lado, e a simples possibilidade material do outro lado, equação essa que jamais pode restar desatendida ou desconsiderada pelo autorizador da despesa pública. Sinônimo nesse sentido de proporcionalidade, uma despesa plenamente aceitável em um Município rico e próspero torna-se pateticamente incoerente ou irrazoável em uma pobre comuna que mal sobrevive a cada ano que corre.

Assim, no intuito de prevenir desavisos e imprevidências, vejamos então algumas despesas municipais que têm sido julgadas inadequadas pelos Tribunais de Contas, quer por divorciadas do interesse público – o que implica desvio de finalidade, ou o détournement de pouvoir dos franceses -, quer porque realizadas de modo  formalmente imperfeito, quer por outros eventuais motivos.

II – Considerem-se despesas públicas impróprias, dentre muitas outras possíveis:

1) homenagens de qualquer natureza e a qualquer título.

Tanto no Executivo quanto no Legislativo a palavra homenagem, quando significar despesa paga com dinheiro público, deveria ser extirpada com brevidade máxima do elenco das imagináveis despesas.

Ainda que não conste essa palavra homenagem do evento, qualquer festividade ou festejo com caráter de celebração a alguma pessoa, viva ou morta, ou ainda alguma comemoração onerosa a datas e eventos, precisaria ser banida de vez do rol de despesas públicas.

O dinheiro público tem e sempre teve destinação necessariamente melhor que a de homenagear quem quer que seja, ainda que de mérito notório e incontestável, porque é preciso considerar a essencial futilidade dessa despesa pública quando confrontada com despesas necessárias à população, para as quais as autoridades foram eleitas e cumprem seus mandatos.

Trata-se quase da conhecida cortesia com chapéu alheio; com todo efeito, quem deseje homenagear alguém pode e deve fazê-lo se atende a um imperativo de sua consciência, mas sempre observando o detalhe de arcar com a despesa respectiva. Não se condena a parceria com a iniciativa privada que custeie a despesa, mas o que não faz sentido, repita-se, é a despesa pública apta a homenagear pessoa alguma, e também se repita, por mais extraordinários que tenham  sido os méritos dessa pessoa.

Tenha-se sempre presente que o poder público dispõe de meios e modos verdadeiramente magníficos para manter viva e exalçada a memória de suas personalidades notáveis, como denominação de próprios e de logradouros públicos; denominação de eventos do calendário cultural; a confecção de obras de arte como estátuas e quadros – e aqui existe a efetiva possibilidade de o poder público as custear, sem dúvida, porque o patrimônio público cultural se enriquece ipso facto -, e outros ainda, os mais variados e freqüentes.

O que não convence é a simples e fugidia homenagem onerosa, prenhe de discursos, medalhas, placas de prata, condecorações, colares de mérito, comendas, bandeiras, coquetéis e foguetórios, em cerimônias que muito custam mas que não ficam, transitórias e ligeiras como a brisa, e, pior,  assaz de vezes puramente eleitoreiras e oportunísticas.

2) Patrocínio de eventos particulares não incluídos no calendário oficial, ou custeio de interesses de entidades particulares.

Aqui é preciso separar a Câmara da Prefeitura Municipal.  A Prefeitura, poder executivo do Município ao qual incumbe governar e administrar a comunidade, tem um calendário cultural ou turístico oficial, outro esportivo, outro cívico, outro de eventos e realizações sociais, e ocasionalmente outros ainda, sempre intimamente vinculados e a serviço da tradição local, quando não ao costume nacional e ao regional.

Tais calendários são repletos e de eventos e realizações que não podem ser tidos como fúteis nem desprezíveis, eis que encarnam ou representam a própria tradição do lugar, definidores da suas características, suas tônicas diferenciadoras  com relação às demais localidades da região  ou do país, e por isso merecedoras de toda atenção das autoridades, e inquestionavelmente de dispêndios públicos, que se justificam plenamente.

Sem dizer do proveito financeiro que muitos eventos culturais ensejam às comunidades – citem-se os festivais de música, de teatro e de encenações religiosas, as festas locais, os eventos como de São João a durar um mês inteiro em algumas cidades nordestinas, o carnaval folclórico de outras cidades, os eventos gastronômicos, as cavalhadas, os rodeios e as festas de artesanato e de produtos locais -, o que só em si já justificaria a despesa pública inicial que é amplamente compensada a seguir, o fato é que tais eventos representam a própria notoriedade do lugar que os promove, por vezes há alguns séculos, s a sua história mesma ao longo do tempo.

Não é desses eventos que falamos, ao qualificá-los impróprios. Impróprios são aqueles patrocínios de eventos particulares que poderão ocasionalmente oferecer algum interesse ao público em geral; aquelas promoções de entidades privadas, como associações, sociedades, sindicatos, ordens ou conselhos profissionais, clubes ou sociedades, que apresentem uma faceta de interesse geral, mas não suficiente para que tais eventos sejam inscritos nos calendários oficiais acima referidos – porque essa inscrição justificaria, já em si, a despesa pública envolvida.

Exemplificando, não é porque uma exibição de instrumentos musicais, ou de flores, ou de móveis, ou de objetos de decoração, ou de veículos, ou de utilidades domésticas, ou de animais, ou do que lá seja, possa ocasionalmente oferecer algum interesse à população local que se legitima a despesa pública de seu patrocínio integral ou majoritário, ou seja aquele do qual dependa o evento, integral ou parcialmente,  para ser realizado.

Se o evento é de real e inegável interesse coletivo, de apelo coletivo imediato e evidente, então o que se recomenda ao poder público é que o inscreva em calendário oficial de eventos daquela natureza, com isso emprestando-lhe oficialidade, como de resto é comum em incontáveis Municípios.

A Oktoberfest de Munique na Alemanha, ou de Blumenau no Brasil, e as diversas outras festas municipais no Estado de Santa Catarina, ou o carnaval de Olinda em Pernambuco, ou o inteiro mês de São João em Campina Grande na Paraíba, o Círio de Nazaré em Belém do Pará, a festa do peão de boiadeiro em Barretos, no Estado de São Paulo, todas essas e muitas outras ainda são festas locais de inegável apelo junto à população não apenas local como por vezes nacional – ou internacional -, a justificar pesados aportes financeiros públicos como os que já existem há tempo.

São eventos dos calendários locais mantidos pela população e pelo poder público, sem que mal algum resida nessa destinação de dinheiro público – devendo-se considerar mesmo que o retorno pecuniário ao próprio poder público só em si já remataria a justificativa da despesa, e talvez o maior exemplo dessa lucrativíssima indústria turística seja o evento da troca da guarda real em Londres, que atrais multidões do mundo todo e gera rios de divisas à Inglaterra e ao próprio Reino Unido, sabendo-se que o turismo constitui uma das atividades mais rentáveis dentre todas as que existem.  Ninguém se olvide de que a família real inglesa constitui, além de um suntuário capricho nacional de ancestral tradição, uma extraordinária fonte de divisas ao país, a servir no mínimo como exemplo e fonte de inspiração para o incremento do melhor e mais desejável turismo.

A orientação que daqui se extrai, portanto, para os Executivos locais, é a de que tão-logo se dêem conta da relevância cultural do evento local inscreva-o em seu calendário oficial, de modo a oficializar a expectativa da despesa pública correspondente – que em geral trará retorno, mesmo financeiro,  dos mais consideráveis.

Quanto ao Legislativo, pouquíssimo disso afirmado se aplica, revelando-se em geral impróprias as despesas correlatas com eventos, porque não é matéria própria da Câmara Municipal o seu custeio, face à finalidade institucional dos Legislativos.

3) Adereços, enfeites, adornos, decorações ou embelezamentos não vinculados a eventos consagrados, clássicos ou tradicionais.

O tema veio a propósito – como tudo na  existência, cuja grande inspiração é a realidade acontecida, e a necessidade do dia-a-dia – de certas despesas que na vida profissional nos vemos com freqüência obrigados, por dever de ofício, a defender e a justificar, muita vez com fortes embargos de digeribilidade.

Temos aqui casos de algumas despesas aceitáveis para o Executivo e inaceitáveis para o Legislativo, em face das atribuições e das funções institucionais de cada Poder.

Começando pela Câmara, em princípio são inaceitáveis despesas com enfeites e adornos tanto para o prédio do Legislativo quanto para localidades externas como vias e logradouros públicos, porque não se vislumbra qualquer relação entre a função da Câmara e adornos ou decorações tanto internas quanto externas. Não cabe ao Poder que edita leis enfeitar dependências próprias ou do Município a custa do seu orçamento, em tese e como regra. 

Nessa esteira deve ter-se por excepcional qualquer  gasto de Câmaras com tal espécie, sendo que, repita-se, os encontradiços quadros de ex-Presidentes, as estátuas ou os pequenos museus relativos ao Legislativo (e naturalmente sua completa manutenção ao longo do tempo), todos históricos e eminentemente culturais, e propiciadores da formação da memória nacional, jamais se podem considerar despesas impróprias ou inadequadas. Inversamente, são elogiáveis e faltam grandemente a nosso país, que não tem por hábito preservar bens e valores históricos adequadamente.

Quanto ao Executivo entretanto não parece possível ser tão rigoroso, uma vez que não se pode divorciar da tradição local em comemorar datas e eventos nacionais, regionais ou locais, e isso pode incluir despesas como decoração de Natal, anúncios de festas locais de tradição, cartazes, dísticos, publicidade gráfica, televisiva, radiofônica, eletrônica e de quantas outras naturezas exista, tudo legítimo se em termos razoáveis e ponderados, em termos médios.

A festa da uva, do morango, do pêssego ou do caqui, ou a do peão, ou a do gado, ou a da cerveja, ou a do tiro, ou a do marreco, ou qualquer outro evento tradicional dos que inclusive fazem reverter grandes somas ao comércio do Município com reflexo tributário em favor do erário, podem ser divulgadas com dinheiro público, e adornos, enfeites ou alusões a esses eventos, de qualquer natureza, também o podem.  Tais despesas constituem, praticamente sempre, um bom negócio ao erário público, sem dizer do possível dever de o Executivo prestigiar a tradição local independentemente do resultado financeiro.

Combate-se o exagero desmedido, a despesa mirífica e despautada, mas não a divulgação que é de esperar até mesmo do poder público.

4) Hospedagens, diárias, alimentação, incluindo buffet, coquetéis e café da manhã, e transporte de particulares,  sem interesse público evidente ou demonstrável.

Não existe diferença, quanto à licitude dessas despesas, entre Prefeitura e Câmara Municipais.

É razoável e aceitável o pagamento, precedido de contrato ou não, de despesas de hospedagem, transporte e alimentação de autoridades convidadas para prestar algum serviço público e ou de interesse público no Município, combatendo-se apenas o abuso dessa possibilidade pela utilização de meios incomuns de transporte (aviões particulares, helicópteros, passagens internacionais de primeira classe), em geral inacessíveis até mesmo às autoridades locais.  Se o seu uso for excepcional – como para inspeção de áreas flageladas a exigir urgente socorro, ou na impossibilidade de utilização de meios comuns de transporte -, então a própria excepcionalidade, devida ao estado de necessidade, legitima tais despesas.

 Se assim é quanto ao transporte, não se justifica pagamento de diárias de viagem senão a servidores do próprio ente que realiza a despesa, porque essa indenização não tem função fora da repartição.

A alimentação há também de ser enquadrada em termos razoáveis e não abusivos, e quanto a isso é tradicional a objeção dos Tribunais de Contas ao pagamento de bebidas alcoólicas mesmo a autoridades locais, e em qualquer circunstância, por motivos que não é difícil vislumbrar.  Os coquetéis e as despesas com recepções estão assim, por regra, proscritas quanto ao poder público, sendo costumeiramente julgadas irregulares essas despesas quando pagas pelo erário.

Não parece irregular, por fim, incluir tais despesas em contratos de serviços, ou mesmo de obras em certos casos, em favor dos contratados. A razoabilidade desses montantes sempre poderá ser objeto de fiscalização, e apenas o evidente abuso será objeto de coerção, com rejeição da respectiva conta.

5) Despesas (limitadas ou ilimitadas) com telefonia  (fixa e celular),  assim como franquia postal, e “verbas de gabinete”

De um tempo generalizou-se a destinação de verba pública para o pagamento de despesas com telefonemas (franquia telefônica) e com correio (franquia postal) a parlamentares federais, referidas em geral como algumas das “verbas de gabinete”, ou algo assim.  Não se trata de remuneração do trabalho  mas de adiantamento ou de ressarcimento, ou indenização, dessas despesas, até determinado limite fixado no ato autorizador – que dificilmente é lei, sendo em geral resolução ou ato da Mesa -, ao agente público que as realize.

Ainda são pagas em Brasília - e o conjunto das ditas  verbas de gabinete muita vez supera largamente o próprio subsídio parlamentar -, e daí o exemplo desceu até os Estados e, em pouco tempo a seguir, aos Municípios.

De tão malvistas pela sociedade acabaram sendo proscritas pelo Tribunal de Contas, de modo genérico e hoje peremptório, nos Municípios do Estado de São Paulo com relação às Câmaras Municipais, nas quais tais despesas são tidas e havidas por irregulares, uma vez que o TCE mantém insistente posição no sentido de que constituem remuneração disfarçada, sobre as quais desse modo incidem as limitações constitucionais quantitativas e qualitativas, como no § 4º do art. 39 da Carta de 1.988.

O que não se compreende bem é porque apenas os Municípios sofrem a restrição, que ou bem é para todos os níveis de governo ou para nenhum deles, em princípio não cabendo restrita aos Municípios apenas.

Não nos parece inteiramente adequada a posição do TC, entretanto, pela generalização que promove.  Nas numerosas e reiterativas defesas de Câmaras Municipais quanto a isso insistimos em que tais verbas jamais se podem considerar remuneratórias, eis que não constituem pagamento de trabalho algum dos beneficiários, refugindo portanto da categoria remuneratória (de  munus, trabalho, atuação, lavor. Remunerar é cobrir o munus com o estipêndio que lhe corresponda).  Esse ponto parece claríssimo, e se constituir o único fundamento da restrição tribunalícia, então merecerá nosso eterno inconformismo.

Seja como for, meritório ou não, justo ou injusto, esse é o assentamento atual do TCE-SP, ao que parece deitando raízes e influências por sobre outros Tribunais de Contas, que já vem julgando impróprias tais despesas, e determinando sua devolução ao erário sob penas variadas que constam das leis de organização dos Tribunais.

No Executivo municipal o problema, se existe, é de tão limitada monta que nem aparece, e o motivo principal para essa discrepância interpoderes é o de que em princípio as funções do Executivo são exatamente executivas, a justificar despesas imensas com correio e com telefonia, o que contrasta inevitavelmente com as funções dos parlamentares.

6)  Aquisição de brindes a serem distribuídos a agentes políticos do Município, como por exemplo agendas, objetos em couro, relógios personalizados, e outros similares

Se a palavra homenagem deve ser extirpada com vigor do receituário das despesas públicas,  então fica fácil compreender que também brindes o sejam em definitivo, e aí a restrição se aplica indiferenciadamente aos dois Poderes municipais.

Dinheiro público, fácil é ver, não se presta a brindar generalizadamente contingentes da população, porque isso constitui futilidade injustificável com algo cada vez mais escasso e mais necessário, o dinheiro público.

Não se quer referir aqui a premiação em concursos, certames ou competições de interesse público, mesmo que em dinheiro, porque esses eventos visam atender necessidade bem delimitada do poder público na sua função finalística de servir a população.

Uma medalha ou condecoração, uma honraria de outra natureza,  um brinde qualquer natureza a quem tenha vencido competição, ou prestado relevante serviço à comunidade, evidentemente não constitui esbanjamento de verba, nem desvio de finalidade, nem impropriedade administrativa alguma sob nenhum ponto de vista, mas tão-só o reconhecimento oficial do mérito publicístico de alguém, a merecer devida premiação, na forma de regra adrede estabelecida.

O que não se admite é o brinde, com os  lindos buquês de flores inclusos,  e a premiação puramente ufanísticos – em uma palavra pesada, politiqueiros –, por desmotivados ou desatrelados de qualquer interesse público, de contingentes  da população, porque boa aplicação de verba pública não é nem pode ser, e com invariável freqüência gera justa mas desagradável conseqüência nos TCs.

7) Locação de outdoors e confecção de painéis, placas ou cartazes  para inauguração de obras e benfeitorias

Ocorrem vez por outra despesas publicitárias pagas com dinheiro público relativas a cartazes, paredros, outdoors, banners, placas, grandes anúncios de inauguração de obras ou benfeitorias na comunidade.

São tidas em tese como irregulares porque desde logo parecem imoderadas, excessivas, sabendo-se que bastaria a divulgação radiofônica, televisiva, na internet, impressa oficialmente ou mesmo extraoficialmente, para atender os reclamos de conhecimento público  dos eventos.

Além de esteticamente pouco recomendável segundo os cânones do urbanismo e da decoração das cidades, tais placas e cartazes vêm sendo rotineiramente classificadas como despesas públicas impróprias, pelo que se as desaconselha com ênfase – salvo, naturalmente, em casos de extrema necessidade e oportunidade, como em eventos de combates a graves endemias, calamidades, surtos, focos ou situações de grande apelo, e cuja solução se imagina demorada a ponto de justificar cartazes e placas que permanecerão por meses.

8) Divulgação em carro de som e  transmissão de eventos esportivos em telões e instalações de prédio público, ou  confecção de faixas e bandeiras para o mesmo fim.

Não se concebe que o poder público arque com despesas relativas a atividades esportivas privadas, porque é de supor que o dinheiro público merece aplicação mais condizente com interesse mais essencial das populações, voltado a atender reclamos e demandas efetivamente relevantes – por mais estima e gosto que tenha a população por aqueles eventos

Mesmo clubes e entidades regularmente estipendiadas pelo poder público não merecem essa cobertura, tida invariavelmente por imprópria e desviada de finalidade.

Quanto a carros de som, deveria o poder público, isto sim, combatê-los ao máximo como uma das mais insidiosas pragas dos tempos modernos – a começar pelos de carnaval, festividades religiosas, festas de peão  e outras ruidosas festividades que afrontam os mais comezinhos direitos do cidadão á paz e à tranqüilidade.  A despesa com tal atividade há de ser tida como imprópria a vários títulos, e alguém diria que antes pelo agressivo e grotesco mau gosto, e a incultura essencial que a rodeia e define, que pelo seu conteúdo em si.  Mas fiquemos na impropriedade em si dessa despesa.

9) Patrocínio de monumentos religiosos ou clubísticos 

Se é lícito ao poder público erigir e pagar estátuas e monumentos a pessoas ou eventos formadores da nacionalidade e do civismo,  não tem sentido que o sejam em favor de templos de qualquer culto ou mesmo a personalidades consagradas pelas religiões, se isso não se traduz em tradição local arraigada e comum aos cidadãos da localidade. 

A rigor não cabe ao poder público prestigiar e estipendiar eventos ou pessoas vinculadas a religiões, clubes, associações, agremiações e outras entidades privadas se não vinculadas estritamente a fatos históricos ou culturais relevantes e reconhecidos sem questionamento como ínsitos à tradição e à cultura locais. 

Em não sendo assim, e em não se vinculando o evento ou a pessoa prestigiada a uma tradição local evidente, então a despesa se configura como subsídio a particular e se   revela simplesmente inconstitucional,   a teor do disposto na Constituição, art. 19, incs.  I e III.

10) Distribuição de bebidas alcoólicas em  cestas de Natal para servidores

Se na França ou em alguns países europeus a cerveja chega a ser tributada como bebida não alcoólica, e beber vinho desde a tenra infância é tradicional há alguns milênios, entretanto no Brasil a realidade não é bem assim, e mesmo bebidas de fraco teor como a cerveja são tidas como alcoólicas, e invariavelmente apontadas como despesas públicas irregulares.

Existem curiosas exceções a essa regra, como as festas do chopp promovidas pelo poder público, pela administração direta ou por empresas estatais de objeto mais aproximado, as quais não podem ser tidas de modo algum por impróprias. Trata-se entretanto da tradição e da cultura local, e de eventos inscritos orgulhosamente no calendário cultural ou turístico de cada comunidade que o promove, contra os quais nada se pode argumentar.

O que não se costuma tolerar, muitas vezes com evidente exagerado rigor, é o pagamento de bebidas alcoólicas pelo poder público em eventuais festividades ou ocasiões incertas.  Um rançoso odor de moralismo perpassa entretanto esta prática condenatória, com o qual é impossível concordar, pois que sempre que inexiste abuso ou exagero no próprio evento - o que é sempre fácil constatar – não precisaria a conta ser reprovada apenas pelo ligeiro conteúdo alcoólico das bebidas servidas, que muito estrago, francamente, não podem ensejar.

Mas fica o alerta.

11) Apresentação de peças teatrais ou balés, ou concertos, infantis ou adultos

Aqui se pretende referir o gasto do Legislativo com esse empreendimento, e não do Executivo por seus órgãos de cultura ou turismo, mais do regulares imprescindíveis em países civilizados.

Na Câmara tem-se-o por impróprio em razão de que o Legislativo não tem essa função cultural ou turística, própria do Executivo. Vez que outra certos Legislativos, na  intenção de colaborar com a cultura local e prestigiar artes por evidente mais do que meritórias, incorrem em tais despesas, que em verdade ali estão desviadas de finalidade, sendo a função própria, repita-se, do Executivo.

A esta altura não se tem certeza de que esta separação tão rígida de atribuições, em matérias quais, se deveria  manter ou se se deve para lamentar, mas a realidade ainda é esta, sendo de imaginar que o futuro deverá apontar para uma aceitabilidade de tias despesas se praticadas pelos Legislativos, uma vez que tradição e cultura só em si não podem ser atributos exclusivos ou privativos de algum Poder do Estado.

Recorde-se como exemplo o caso das atuais TVs Câmara, Senado e outras estaduais e municipais, prenhes de ótima programação cultural em nada relativa a processo legislativo e instrução eleitoral à população –  excelentes quanto a isso porém, muito respeitosamente, intragáveis quanto à programação institucional de transmissão de discursos parlamentares, cada um dos quais, imagina-se, assistido tão-somente pela família do discursador, se esta nada de mais proveitoso tiver a realizar no momento.

12) Participação de servidores e agentes políticos em congressos e conclaves, sem a comprovação de presença

Custa crer possa isso ocorrer mas já ocorreu e ocorre, o que confirma que a realidade supera qualquer ficção.  Fala-se aqui principalmente do Legislativo, mas ao Executivo também se aplica a restrição.

Conhecem-se contas de agentes políticos do Legislativo, e de servidores dos dois Poderes, relativas a participação em congressos e eventos fora do seu Município (passagens, hospedagem, alimentação, transportes), que foram rejeitadas mesmo que o TC não apontasse descompasso entre o objeto dos conclaves e a função dos agentes municipais participantes, mas apenas pela prosaica razão de que aqueles agentes simplesmente não conseguiram demonstrar que efetivamente participaram!

Nenhuma prova da inscrição, nenhuma lista de presença assinada, nenhuma fotografia no evento, nenhum material didático distribuído, nada, coisa alguma que demonstrasse a  simples participação existia, nem mereceu atenção dos agentes, que acabaram condenados a devolver, corrigidas, as despesas públicas efetuadas.

Uma desatenção tal, um descaso dessa dimensão com o dinheiro público não poderia resultar senão em rejeição das contas respectivas, e o problema ocorre com tal freqüência que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo já tem pronunciado reiterados julgamentos nesse exato sentido reprobatório,  por estes motivos que saltam à vista.

Observe-se que nem sequer se cogita, neste passo, de eventos realizados em destinos fortemente turísticos, com maravilhosas praias ou apetecíveis ambientes montanhosos a ensejar forte suspeita,  ou de eventos com objetos apenas indiretamente relacionados com as funções institucionais ou as atribuições profissionais dos agentes participantes – nada disso aqui ocupa a atenção. Trata-se apenas de alertar para a imprescindibilidade de se comprovar documentalmente a participação do agente nos referidos eventos, que constitui o mínimo de esperar.

13) Compra de ingressos para festividades municipais

É comum a municipalidade, na ânsia de auxiliar festividades e eventos locais de ampla tradição, ou campeonatos esportivos de que participem agremiações locais em estádios locais, pense em adquirir grandes lotes de ingressos, para os distribuir à população, agradando com isso a gregos e troianos.

Não se justifica semelhante benesse com dinheiro público entretanto, e o julgamento dessa conta será muito possivelmente desfavorável ao seu ordenador, por certo imbuído da melhor intenção e do mais honesto propósito.

É preciso, urgentíssimo a quem ainda disso não se deu conta, de que o agente político não deve envidar todo seu esforço e sua energia em agradar imediatamente a quem dele mais esteja próximo, se a  conseqüência disso for a rejeição da conta respectiva, uma ano após,. no Tribunal de Contas – quando não em ações judiciais pesadíssimas e extremamente sérias.

Um consultor ou um assessor sério  e compenetrado evitará propiciar ao agente ordenador das despesas expor-se a situações juridicamente insustentáveis apenas para agradar num primeiro momento a seu eleitorado mais próximo, que lhe demanda favores sem conta e sem medida a todo tempo e lugar, resguardado na certeza de que por eles não responderá em caso algum. De nada serve um favor que depois sairá caríssimo ao seu autor e ao ordenador da despesa; o beneficiário estará longe, de todo protegido e provavelmente nem sequer se recordando da benesse recebida.

Assim é a compra de ingressos ou o patrocínio público, informal e rapidamente decidido, de eventos locais sem finalidade pública imediata, apenas para prestigiar o empreendedor local – por mais querido ou meritório que seja. Evitem-se atitudes assim, sabendo o bom consultor que o amigo verdadeiro evita ou previne lágrimas, em vez de as enxugar após o evento arrependível.

14) Pagamento de combustível sem controle pela Administração, e despesas correlatas com veículos

Não se admite o descontrole ou a ilimitação de despesas públicas com o que quer que seja, por mais meritórias ou indispensáveis que se aparentem, uma vez sendo certo que o dinheiro público é limitado e tem fim á vista.

O descontrole com pagamento de combustível, lavagem, manutenções e gastos usuais com veículos, somente por ser  descontrolado, não pode ser aceito, nem tem cabimento.

Não se questiona, por evidente, que os veículos precisam ser abastecidos e mantidos, e que isso consome bom dinheiro;  o que não se tolera é a ilimitação desses gastos, o despautério sem controle e sem ponderação, o incondicionamento dessa despesa.

Abastecimento de veículos é apenas um incidente comum nas Administrações, porém vale a observação para toda e qualquer despesa pública, por mais relevante como as relativas à saúde, à educação, à segurança, ao transporte, ao trânsito, ao que for.  Tudo tem parâmetros e limites, sobretudo se pago com verba pública.

O abastecimento de veículos há de ser rigidamente controlado a cada nova e mínima operação, vez que, de outra forma, o risco de desvio, de peculato ou de fraude, em proveito dos espertalhões que pululam a cada esquina e a cada metro de terreno em todo lugar -  porém com responsabilização de alguma autoridade certa e conhecida – resultará inevitável.

Será condenado todo descontrole nessa questão, tenha certeza a autoridade ordenadora desta despesa.  É necessário que existam mecanismos de controle rígido da despesa com combustíveis, e que ao mesmo tempo seja inteligente, quer dizer que pondere necessidade e gasto efetivo. 

Quilometragem é sempre, neste tema, o primeiro fator a ser considerado, mas existem outros diversos que não podem ser afastados, e que em seu conjunto devem prender a atenção do ordenador – ou de outro modo ele, ano que vem, saberá por quê.

15) Publicidade sem conotação educacional, informativa ou institucional

Neste caso não se trata de despesa apenas imprópria, inadequada ou desviada de finalidade pública, mas simplesmente ilegal - e melhor seria dizer inconstitucional, porque afronta a restrição imposta pela Constituição, art. 37, § 1º, à publicidade oficial.

Por essa conhecida regra constitucional a “publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou  imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”, o que exige algum comentário.

Em boa parte tem caráter infelizmente subjetivo esta ordem constitucional, característica essa que  sempre constitui o  pior azar, o maior infortúnio e o grande opróbrio do agente público, na medida em que se cada cabeça profere uma sentença ele jamais pode sentir-se seguro de ter praticado a ação correta, ou o procedimento adequado na sua conduta pública.

Quantas e quantas ações administrativas e judiciais se desenvolvem contra agentes absolutamente bem-intencionados que realizaram atos de publicidade que alguém, dotado de poder coercitivo, entendeu afrontarem a austeridade constitucionalmente exigida !...  Quanto dissabor se causa a autoridades e a servidores de rigorosa boa-fé que efetuam publicidade de seus atos porém nos termos anteriores à regra constitucional de 1.988 e sem estas atuais restrições, sem dúvida justas e corretas porém que nem sempre se revelam de contornos claros e explícitos, muito ao contrário.

Uma marca gráfica da atual administração é muito comum que seja tida como propaganda pessoal de autoridade, porém ao mesmo tempo em determinados locais essas marcas são pacificamente aceitas pelos entes de controle e de fiscalização. Tal inconstância no comportamento das autoridades controladoras instabiliza por completo a noção do que pode e do que não pode ser matéria de publicidade oficial, em prejuízo direto das autoridades responsáveis, lançadas amiúde  nesse inferno astral da dúvida que o subjetivismo da Constituição acarreta.

Uma placa de inauguração de obra pública que identifique as autoridades envolvidas ora é tida como aceitável, ora como publicidade pessoal.  Um cartaz de obra em andamento, idem. Uma campanha publicitária em rádio, TV e internet, ibidem.

Assim são os conceitos subjetivos, porém onde fica, num quadro assim, o sacrossanto princípio da segurança jurídica, norte e baluarte de toda pessoa viva, autoridade ou não ?

Diante de julgamentos subjetivos e variáveis ao infinito de situações iguais ou similares,  então onde fica a segurança do administrador público que por vezes, sem saber se pode ou não fazer isto ou aquilo em publicidade, apenas imita seu colega ou seu vizinho que mereceu aprovação da fiscalização, e se dá muito mal Quem afinal tem razão ?

Só o que se pode aconselhar a autoridades municipais – e, repetimos, ainda que valha a regra para qualquer nível de governo os Estados e a União se crêem acima do bem e do mal, de modo que não esperdicemos tempo com esses níveis governamentais – é austeridade máxima com gastos publicitários oficiais, com a permanente e invariável aplicação da síntese inglesa do in doubt, don’t, ou seja, na dúvida, não.

Resistam essas autoridades, tanto quanto possam,  ao natural impulso humano de identificar seus feitos e suas obras. Só pelo fato de ser dinheiro público que as custeia a Constituição - mais ou menos, ninguém sabe ao certo – parece proibir semelhantes identificações, como se pudera alguma realização ser anônima, apócrifa ou caída do céu, obra de arcanjos ou presente divino.

Não vale o risco, pois que o fiscal poderá vir de uma noite mal dormida ou de uma frustração recente, e alguém precisará pagar por isso.

16) Excesso de cargos em comissão

Eis outro assunto polêmico ao extremo, e que no ano 3.000 ainda será objeto de viva discussão.

Matéria inscrita quase que por inteiro no terreno da mais desabrida subjetividade, carece do mínimo parâmetro de impessoalidade ou objetivismo.  Cada fiscal entende uma coisa, seja ele pertencente à área que for.

São freqüentes até mesmo ações judiciais visando declarar nulas certas leis locais que criam cargos em comissão, não pela função nem pela denominação porém pelo seu número, considerado excessivo e desproporcional à necessidade pelos autores daquelas ações.  O que conforta um pouco é que tais ações são muita vez julgadas improcedentes já em primeira instância, à tese de que não cabe senão à autoridade eleita dizer o número dos postos em comissão de que seu Poder necessita. 

Mas o precedente não deixa de preocupar, ainda que se conheçam, é preciso reconhecer, alguns evidentes abusos quantitativos em questões assim, sobretudo em Legislativos, nos quais resta mais fácil de se os identificar.

A recomendação a cabível é, outra vez, moderação, sobriedade e parcimônia na criação de cargos em comissão pelos Municípios, que devem verter atenção não apenas à sua natureza  conforme a Constituição, art. 37,  inc. V – lícitos somente os cargos de chefia, direção e assessoramento, ainda que a simples denominação possa não corresponder diretamente a isso -,  mas também à sua quantidade. 

O senso médio de consciência nacional sobre esse tema indica que como regra geral é aceitável e razoável exigir-se mais dos ocupantes de cargos em comissão, sem se necessitar aumentar-lhes o número.  Há honrosas e magníficas exceções, como quanto aos conhecidos carregadores de piano que amiúde levam a administração nas costas,  mas em nosso país ninguém em sã consciência negará  que em geral a produtividade “em comissão” poderia ser significativamente maior.

17) Confecção de cartões de visita ou outro material a ser distribuído aos eleitores

Evidencia-se a impropriedade da despesa pública na confecção ou elaboração de qualquer material a ser distribuído aos eleitores do Município. 

Não se cogita aqui do cartão pessoal da alta autoridade, o qual, ainda que se saiba que por vezes enseja apontamento ou mesmo rejeição da respectiva conta, a nosso ver jamais pode ser considerado despesa imprópria, pois que não se imagina um Prefeito ou um Presidente de Câmara tendo de pagar seus cartões pessoais que distribua, por vezes em retribuição, a altas autoridades que o visitem, ou que ele visite. 

Um selvagem teria vergonha de não ter cartões pessoais - que quase devem vir antes mesmo do “bom dia” e do aperto de mão – para trocar com quem antes lhos oferecesse os seus próprios. Mas não é justo nem exigível que pague por eles, se não é cartão profissional mas denotativo da autoridade.

O que jamais se concebe é o pagamento público de material eleitoral, já que, voltado ao interesse eleitoral pessoal e particular de quem o distribui, está por completo divorciado de qualquer fim de interesse público.  Uma coisa é cartão de autoridade distribuído para autoridades ou visitantes que pela circunstancia o mereçam , e outra é a distribuição de material eleitoral, rigorosamente inadmissível a qualquer título.

18) Assinatura de TV por satélite, e assinatura de revistas não vinculadas a assuntos específicos da Administração

Deve-se ser mais rigoroso quanto ao primeiro tema que quanto ao segundo, e os dois Poderes são atingidos pelas restrições.

A assinatura de empresas de televisão por satélite dificilmente se  justifica se paga pelo poder público, porque não se concebe qual seja o interesse público em algo assim, excelente para o entretenimento privado da família à noite – até como vereda da salvação à televisão aberta, espécie de flagelo ou possível espiação cármica a todas as infâmias praticadas pelo ser humano nas suas últimas dezenas de encarnações -  no recôndito do seu lar, mas sem vinculação alguma com o interesse comunitário. Por mais aberta e universalista que seja a mentalidade dos dirigentes públicos, para tudo existe limite, e uma tal contratação desbordaria o mais generoso.

Quanto a assinatura de revistas de noticiário, atualidades e interesse geral, ainda que menos divorciada do interesse público também não pode ser tida como das mais apropriadas despesas públicas, vez que se destinaria à leitura não pelo público que acorre à Administração mas naturalmente pelos servidores, no igualmente, em princípio, não se vislumbra interesse público.

Sendo a primeira (TV por satélite) imprópria a olhos vistos, a segunda, que não constituiria mal tão coercível é, no mínimo, muito recomendavelmente de evitar.

Estas são apenas algumas despesas públicas tão freqüentes nos Municípios quão combatidas pelos Tribunais de Contas nas suas fiscalizações de rotina.

Eventualmente ocorrem alguns visíveis excessos na fiscalização, quer quanto ao  grau de rigor, quer por constituírem isolados ou quase caprichosos casuísmos, imerecedores só em si de maior prevenção, quer por inconstância, incoerência ou divergência nos apontamentos – ontem assim e hoje  assado, e aqui de um modo, ali de outro e acolá de um terceiro. Se é certo que não se pode padronizar a consciência julgadora do fiscal, entretanto algum norte balizador da sua conduta, e algum denominador comum ao longo do tempo quanto às despesas públicas fiscalizadas, é imprescindível que exista e às claras.

O que é sempre indispensável, como a todo tempo nos ensina o dia-a-dia, repita-se o que se iterou ao início, é aprender com os próprios erros, tanto quanto com os erros alheios que se conhecem, de sorte a, em se podendo, jamais se os repetir.

Seja sempre recordada nesse sentido a magistral síntese de George Santayanna, de que quem não conhece a história está condenado a repeti-la.   E assim sendo, caro ordenador da despesa pública, antes de mais nada olhe sempre em volta...



(1) Mas quem deve se cuidar, reitere-se à exaustão, são os Municípios.

(2) Causas existem que nem todos os deuses do Olimpo, congregados em assembléia, levam a bom êxito. Nem por isso deixam de ter patronos, entretanto.