Artigo
UMA NOVA ERA DO DIREITO E DA ADVOCACIA. O FUTURO CHEGOU.
UMA NOVA ERA DO DIREITO E DA ADVOCACIA. O FUTURO CHEGOU.
Ivan Barbosa Rigolin
(mar/19)
Introdução ao delicado tema
I – A quem como nós milita há quarenta anos no direito público - direito administrativo em destaque, e previdenciário porque dele é indissociável -, ou mesmo a quem nesses ramos se envolveu há trinta anos ou até um pouco menos, o conjunto dos acontecimentos que se precipitam num tropel alucinado evidencia que novos tempos chegaram. Quem se recusar a ingressar no novo modus operandi mude de profissão – recomenda-se - o mais breve que conseguir.
O horizonte, o universo, o panorama amplo e abarcante dos profissionais do direito administrativo, e neste particular momento mais ainda o do direito previdenciário, já é completamente outro com relação ao clássico e tradicional ordenamento segundo o qual nós já dotados de cãs – os que ainda retêm cabelos - fomos escolarizados, e dentro do qual, com muito denodo e sacrifício, evoluímos e nos desenvolvemos.
Pouco resta, e cada vez menos resta, daquele ambiente constitucional e mesmo legal do passado, de décadas anteriores.
Aquele quadro institucional da Administração já havia sido drasticamente revolucionado pela Constituição de 1.988, portanto há pouco mais de trinta anos, porém, se se considerar o que veio depois com as intermináveis emendas e reformas constitucionais e legais, a Constituição na sua origem, vista com os olhos de hoje, parece um ingênuo marco do passado, algo como as brincadeiras que preencheram nossa infância querida, ou como os folguedos tão saudosos de tempos mais leves, que entretanto eram muito mais humanos, e muito mais sérios, que os de hoje.
A selvageria que tomou conta definitivamente do planeta – e de nosso terceiro mundo sempre antes – por evidente refletiu no direito, e de outro lado a todo tempo informa o novo direito que se produz. Não se esperaria direito diferente, proveniente de gente selvagem e que parece nitidamente involuir na medida em que se multiplica
(1). Em verdade evolui rapidamente, porém para trás.
O direito que se produz, assim e então em nosso país, não seria diferente, na medida em que ninguém dá o que não tem. O mundo inteiro, sabe-se, está ruim, mas por aqui andamos, e isso é invariável, um pouco pior. E o direito de cada país, em desespero, corre atrás dos infortúnios que o assolam, na ânsia de os conter e prevenir. A forma de fazê-lo, entretanto, já nada mais tem com a forma de poucas décadas atrás, e os recursos de que dispõe não têm nem o mais remoto precedente na história.
II – O tom sombrio desta introdução entretanto não traduz a constatação e a mensagem que visamos transmitir. Não se tece este curtíssimo artigo para lamentar os horrores de cada dia - até porque nenhum escrito é necessário para isso -, mas para permitir uma breve reflexão sobre a metamorfose que o direito administrativo sofreu e sofre nos últimos tempos, e junto dele, hoje em maior destaque e com maior premência, o direito da previdência social. Ao veterano profissional do direito que vislumbra, entre aturdido e desconcertado, em quê se transformou a comunicação jurídica, imaginando-se porventura sozinho e largado à própria sorte, são estas rápidas palavras provindas de um igual.
Se o mundo de hoje pouco lembra o de há trinta anos; se a realidade que se apresenta aos jovens e a todos jamais foi sequer imaginada nem mesmos poucas décadas atrás; se neste mundo virtual, em que um Presidente da República vence uma eleição na internet e na rede social, e no qual antes vale a versão que o próprio fato, então num panorama tal como imaginar, com todo efeito, que a conformação do direito, ou a matriz das disciplinas jurídicas, se mantivesse nos velhos moldes, no ancien régime ou no old fashioned way, que de resto tanto confortava a anciãos como este escriba ?
Jamais somente o direito resistiria à evolução institucional do planeta, como em hipótese nenhuma se manteria ilhado em meio ao torvelinho assustador das novas formas de comunicação, de armazenamento e de acessibilidade às infinitas informações, sobre tudo. de que o mundo dispunha e dispõe – mas cujo acesso, quando possível, era muito mais penoso.
Jamais o direito permaneceria incólume ou infenso a essa espantosíssima precipitação para o futuro que é a tônica do mundo de hoje, e que já transformou a ficção na realidade do dia-a-dia em cada casa e para cada criança – que só conhece esse mundo e que com muita freqüência nem sequer desconfia de que o mesmo mundo tem uma longa história passada, antes de se ver reduzido, como hoje, ao que se passa em uma tela.
Se de um lado é embaraçoso e preocupante observar que os jovens que nascem são outra espécie de seres ou de terráqueos – porque de fato o são -, de outro lado logo se dá conta o observador lúcido de quão patético é tentar resistir a essa unitária realidade para apegar-se ao passado e às suas formas, risco de, talvez, morrer de fome.
O direito de hoje não poderia, num semelhante quadro disseminado por todo o planeta, ser formal nem materialmente como foi o do passado, até recente. E o direito público brasileiro, apenas um ramo dentro do grande ordenamento jurídico, naturalmente evolui junto, ao sabor da onda e na mesma toada, cônscio da lição antiga de que para manter-se o mesmo é preciso que se renove a todo tempo, sem parada e sem descanso.
Contemplemos então alguns institutos, algumas posturas e algumas instâncias nas províncias jurídicas de nossa auriverde nação tupiniquim, como hoje se apresentam – e o panorama é muito semelhante dentro de todo o direito, a evidenciar que o profissional, querendo ou não, vive outro até há pouco insuspeitado ambiente de trabalho, repleto de facetas assustadoras de ficção científica, em meio a comodidades deslumbrantes que só a tecnologia permite – e nesse momento deixem-se os sustos para depois...
Desde já se adverte que, mesmo nesta cornucópia eletrônica e virtual em que todos vivemos, quem souber pensar e articular suas idéias; quem souber o que escrever e o que produzir ao invés de apenas saber como inserir seu trabalho nos meios de comunicação, esse profissional continuará detendo a natural liderança de seus semelhantes na atividade que for, e conduzindo a confraria ao melhor destino que possa ter.
Como escrever em um computador é tarefa francamente acessível a qualquer pessoa, até a mais acomodada à sua provecta idade e às suas dores lombares, e sob esse pretexto a mais refratária à tecnologia; o que escrever, entretanto, é o que diferencia as pessoas na profissão.
Livro, objeto estranho e pouco compreensível. A crescente desimportância da doutrina.
III – Iniciando sobre as estranhezas de nossa época, uma em especial embasbaca o clássico profissional jurídico que tenha visão panorâmica de uma década e meia: qual o papel dos livros hoje em dia ?
O que nestes dias que correm os livros representam para a fundamentação do direito que se constrói, da advocacia, do pensamento jurídico, da atividade jurídica do Estado, do trabalho jurisdicional dos tribunais?
Até há poucas décadas os livros constituíam a base fundamental e o sustentáculo primeiro, e por excelência, de todo o direito que havia e que haveria. Pilastras do direito positivo e diretrizes do pensamento jurídico voltado ao futuro, os livros davam as fundações de toda construção jurídica, quer nas cortes, quer na universidade, quer nas bancas de advocacia, quer no Ministério Público, quer nos, mais recentes, tribunais de contas, quer onde mais fosse que houvesse algum bafejo do direito.
Não se cogitava criar muito na atividade jurídica que não estivesse solidamente atado a fundamentos encontrados... nos livros, antes de em qualquer outro acervo de informação. Sábio em direito era o grande jurista, de cuja obra todas as demais atividades do direito se hauriam e se abeberavam para só então desenvolver seus pressupostos e suas estatuições, por sobre fundamento muito sólido. Ninguém quer sentir-se totalmente isolado mesmo em empreitadas marcadas pelo pioneirismo, nem de se aventurar sozinho por território inexplorado... portanto, vejamos: que dizem os livros ? - é como se pensava.
O livro era e sempre foi, ainda que não infalível, o repositório natural do conhecimento humano gradativamente acumulado, o sistematizador da ciência e a testemunha irrespondível da evolução do pensamento, sem a qual ninguém ostentava muita certeza sobre coisa nenhuma. Sem conhecer a doutrina livresca poucos se arriscavam a empreender alguma coisa nova, em direito e em qualquer escaninho da atividade especulativa.
E o direito é apenas uma seção do conhecimento, bem verdade que uma criação humana mais artificial que uma nota de treze, mas que também sempre se valeu dos livros desde que se os inventou e antes de tudo, para permanecer e para se afirmar como disciplina intelectual.
Parece que o ambiente mudou.
III - As espantosas inovações tecnológicas da informação, como os sites de busca ou os bancos de dados (Google por excelência e antes de todos), as redes sociais (Facebook por excelência), os aplicativos que consentidamente espionam e devassam cada intimidade da pessoa durante as vinte e quatro horas do dia, e as mil e uma mandracarias cibernéticas que se multiplicam e se sucedem, toda essa imensa e nunca antes imaginada floresta de informações e consectariamente de espionagem ([1]) sobre todos os que a elas não resistam expressamente, alterou a mente dos seres humanos na sua avassaladora maioria. O homo ex-digito hoje é uma realidade...
E com isso nosso antigo herói, nossa referência indispensável, nossa primigênia segurança ante qualquer situação nova – o velho e bom livro – viu-se despencar de seu patamar único de majestosidade, que ocupou desde que Johannes Gutenberg engendrou a imprensa com tipos móveis, para um plano que parece menor a cada dia que passa, que definha a olhos vistos e que é confrontado crescentemente pela crescente indiferença que as novas gerações lhe devotam...
Algo muita vez tido como ultrapassado, demodé, antiquado e incômodo – pois que o exíguo espaço das atuais residências há de comportar objetos mais proveitosos como videogames, produtos de beleza, roupas, espelhos ou enfeites -, o velho livro nestes dias pede licença para sobreviver... e não será de estranhar que, como na velha piada, alguém agradeça o livro que recebe de presente com a gentil observação de que não era preciso, porque eu já tenho um em casa.
E não seria diferente no terreno editorial jurídico. Os editores escasseiam, como a se esconder de algum matuto que ainda sonhe em publicar obra jurídica... para quê, afinal, servem aqueles objetos, se toda a informação de que precisamos – assim pontificam aqueles extraordinários arautos do conhecimento humano -, está no Google, na internet, nas redes, nos aplicativos, tudo a alguns toques de dedo no celular ?
Se a tecnologia avançou até o inacreditável, é bem certo também que a cultura média e geral das pessoas regrediu e vem regredindo até o fundo das cavernas – e o alto e crescente desemprego que grassa em nosso país se deve principalmente a isto: os postulantes a emprego quase nada conhecem a respeito de coisa alguma, senão na mais tenra superfície de uma ou outra atualidade, em geral ditada pelos piores canais de televisão do universo.
História, por exemplo, é matéria que geralmente o jovem não sabe que existe, de maneira que, em sã consciência, não se imagina que espécie de futuro é para ele de esperar, salvo se, vencendo sua inanição, lograr uma especialização em tecnologia da informação, disciplina científica essa que parece resumir e absorver todas as outras matérias que existem. Nunca o meio foi tão finalístico.
Mas e nosso livro, que suscitou esta sensabória reflexão? Onde se acha ou se esconde, como fica nesse panorama, que destino o espera? E o livro de direito, de permeio entre seus pobres pares? Deve-se-lhe desejar uma morte serena e tranqüila?... – isto parece passagem macabra de filme de terror.
São amargas constatações de realidades que quanto a esse aspecto detestamos, mas é preciso saber que, tanto quanto todos os modismos, este de desprezar a cultura livresca e substituí-la pela cultura virtual há de passar e sem tardança. No momento em que o homem, enfastiando-se um pouco da tela, experimentar saudade de tempos bem diferentes que, por vezes, mal conheceu, ou imprecisa nostalgia de algo que não contatou senão de soslaio e de ouvir dizer, a moda será outra.
O livro, respeitáveis leitores, um dia voltará a ser mais importante que o – de resto maravilhoso, se mantido no seu lugar – Google. Esses bancos de dados são, como é o dinheiro, ótimos escravos e péssimos patrões.
E o professor, e o autor-literato verdadeiro, e o jurista, todos voltarão a ser respeitados, mesmo que porventura não confirmados pelo Google!
Tratados de direito, para quê servem? Compêndios de legislação e de jurisprudência – inutilidade anacrônica e medieval.
IV – Não existe fotografia mais constrangedora, nem cena mais melancólica, que aquela do orgulhoso jurista à frente de sua biblioteca, que lhe consumiu décadas de dedicação e rios de dinheiro para ser reunida, se acaso os livros são aquelas intermináveis e augustas coleções de legislação e de jurisprudência do passado, justo orgulho de quem as conseguia adquirir e sustentar, e que de tão desejáveis eram amiúde legadas a seus descendentes !
Nestes dias de hoje uma tal cena é não menos que patética, quando se sabe que dificilmente alguém se disporá a abrigar um trambolho histórico daqueles, útil no passado mas atualmente tão proveitoso quanto manter alguns elefantes no escritório, à espera de que alguém lhes descubra alguma utilidade.
Sim, porque toda lei existente, completa e atualizada, e toda sorte de jurisprudência, de qualquer nível e natureza, se obtém com alguns toques no teclado, nos sites governamentais adequados e de facílimo acesso ...
Esse quadro é ruim ? Jamais ! Isso é ótimo, tão bom que seria inimaginável até bem recentemente.
É tão fantástico o mundo dos acervos virtuais de informação jurídica que rapidamente contribui para a obsolescência do livro – e aí o perigo. Se compêndios ou coleções de leis e de jurisprudência são coisas sepultadas no passado – algo como automóveis a gasogênio ou mimeógrafos a gelatina –, entretanto não poderia nem pode dar-se jamais o ocaso dos livros de doutrina, pois que Google algum, ou engenhoca outra que se conceba ou se crie um dia, substitui nem substituirá o incomparável manancial de informações sistematizadas, de reflexões muito bem organizadas, como de lucubrações e de cogitações da mais elevada concepção, que os livros de criação jurídica reúnem.
Aí o possível exagero, o radicalismo nefasto de muitos, pois que nem todo livro se substitui por um artefato de computador; as vetustas coleções de leis, de julgados, de normas mais ou menos altas, nem teriam lugar hoje, e resulta perfeita a sua substituição por acervos eletrônicos. Nem se concebe, hoje, diferente.
A doutrina verdadeira, porém, original e aprofundada no tema a que propõe, capaz de orientar as pessoas na escuridão inicial, e apta a alicerçar o seu pensamento e a sua formação profissional e pessoal, tudo isso fora dos livros será bastante difícil que exista, pois ao que se saiba ninguém ainda conseguiu incorporar os bancos eletrônicos de dados. Não se trata de passadismo, de refratariedade ao progresso ou de antievolucionismo, longe disso. É que certas coisas são valiosas, e francamente maravilhosas, no velho estilo, sem bossa nova...
Ora, e o livro digital, fantástica invenção dos cibernéticos ? Maravilhoso, para quem gosta de chupar balas sem tirar o invólucro, ou fazer carinho em sua namorada com luvas de couro. Sabemos que os existem.
Parece que a novidade não chegou ao livro jurídico, e que com isso os editores ainda estão se poupando do ridículo. Não que o livro digital seja propriamente ruim. É apenas horrível, algo mais ou menos como o pregão eletrônico, traquinagem de preguiçoso incorrigível e que provoca um tremendo estrago na Administração. Mas para as pessoas que batem portas na cabeça porque adoram quando param decerto servirão, ambos.
Sites, aplicativos, blogs, portais, logins, senhas, e-mails, bluetooth, wire fire, links, podcasts, roaming, clouds, atualizações, IDs, touch screen, slides, start ups, downloads, deep internet...
V – É custoso imaginar que a advocacia, e o próprio direito exercido profissionalmente fora do ambiente contencioso, possa conviver e valer-se a todo tempo, e mesmo a depender das criações do mundo da eletrônica, cuja origem gira em torno de 100% é norte-americanas. Os Estados Unidos, com efeito, não contribuem com mais que 100% de tudo quanto nesse terreno se inventou.
Um advogado de sessenta anos atrás, se por fantasiosa hipótese acaso visse em que está mergulhado o mundo do direito de nossos dias, e se tivesse contato com um processamento eletrônico de peça advocatícia, provavelmente não saberia nem de que matéria se trata, se direito, arquitetura, medicina ortomolecular ou treinamento para submarino atômico.
Foi tão radical a transformação dos meios de comunicação humana, inclusive jurídica e processual, que em dado momento o profissional jurídico de hoje tende a atribuir mais relevância à forma, ou ao meio, que ao conteúdo material do seu trabalho – neste momento em que o meio vem, mais e mais como se disse, ganhando o lugar do fim.
Se o advogado não for um hábil escaneador valerá profissionalmente tanto quanto o profissional que varre o seu escritório, ou o guardador de carros em dia de futebol. O seu trabalho advocatício pode ser lastimavelmente ruim, daqueles de envergonhar a categoria, porém se não tiver sido adequadamente escaneado como arquivo eletrônico para o Judiciário, sendo cada página um arquivo, muito pior, porque simplesmente não terá existido, e será trabalho nenhum. Então, melhor um trabalho ruim que um não-trabalho...
Saber direito é muito recomendável ao profissional da área jurídica, como pontificaria o conselheiro Acácio. Saber escanear, e saber informática, entretanto, hoje em dia é indispensável. Um cidadão alheio e impermeável ao mundo da eletrônica, nos dias que correm, equivale a um cidadão analfabeto – esse conhecido prodígio da sobrevivência. E, por fim, quem não se der bem com a língua inglesa...
As fontes irresponsáveis e inconfiáveis do direito, utilizadas sem confirmação.
As matérias apócrifas e anônimas, de larga veiculação.
O império das fake news e o direito.
VI – Nesta selva escura e tenebrosa da eletrônica, que de um lado é estupenda pelas inéditas facilidades que criou, de outro lado revela-se perigosíssima por esse mesmo motivo – porque o ser humano, muito semelhantemente, oscila desde uma semidivindade cultural, artística ou científica até o mais inacreditável dejeto da evolução no planeta, que uma lata de lixo hospitalar, se pudesse, rejeitaria e cuspiria fora. E, em sendo precisamente assim uma considerável parte da população do mundo, essa se dedica tão só a empreender o mal, a ruína, a miséria, o descalabro, a desinformação, a deturpação da verdade e, com tudo isso, o rebaixamento da dignidade humana e institucional.
Testemunhamos esse quadro diariamente em nossa casa e em nosso trabalho, a receber enxurradas diárias de detritos da comunicação – classificados adequadamente como lixo nos programas de computador e quase sempre anônimos porque o crime não tem pai -, mas sempre profundamente perturbadores a quem ainda imaginou dedicar-lhes alguma atenção. E perturbadores sobretudo porque em pleno século vinte e um da era cristã um grosso excipiente da espécie humana se integra de semelhantes vermes morais.
VII - E o direito, acaso escapa àquela sanha ?
Não, a resposta é negativa e não escapa, porém a atenuante é que os profissionais da área jurídica em geral detêm menos tempo para dedicar-se a atrapalhar a vida alheia, a inventar acontecimentos e a veicular a primeira patacoada que recebem.
Se bem que menor o problema dentro da seara do direito, as matérias que se encontram em pesquisas dificilmente merecem maior atenção senão para informar alguns números e algumas referências, mas rarissimamente enriquecem o pensamento jurídico. Não se dispõem a isso... Com efeito, quem se preocupa em ser procurado em um site ou uma página de rede social por milhares de ditos seguidores – oh ! Quanta popularidade ! – em verdade busca o aplauso fácil e efêmero, absolutamente descompromissado do que seja, e nada além disso. Quem quer ir a fundo, desculpem os moderníssimos, escreve livros...
Jamais deve o profissional que depende de doutrina estribar-se apenas nas fontes que obtém pela rede mundial. Tudo nesta vida tem utilidade, porém cada coisa deve ater-se ao seu escopo e servir ao propósito a que veio, sem extrapolamentos e sem pretensão de ser o que nunca será.
Em direito a autoria é elemento imprescindível à credibilidade da informação, mas não é só, porque sem a fonte da publicação, a data, a localidade e outros elementos menores o leitor pode crer no que lêm como pode duvidar escancaradamente. Sem se poder verificar a autenticidade do que se lê, tudo resta no mínimo inconfiável, ou já desabridamente suspeito – por exemplo quando o que se conhece do alegado autor não condiz com o que agora se lhe atribui.
Citações de citações de citações – cuja fonte ninguém se preocupou em perquirir -; transcrições sem a identificação suficiente, inclusive, e isso é terrível !, de acórdãos e decisões judiciais; teses lastreadas em noticiário de uma imprensa que piora a cada dia; conclusões com base no que alguém ouviu dizer, tudo isso e muito mais que ocorre aos borbotões na lida dos profissionais do direito, há de ser combatido e rejeitado como a peste, autêntica peste que é.
Em geral os profissionais do direito zelam pelo seu nome e pela sua honorabilidade pessoal como o seu maior patrimônio, que não raro é o único. A confiabilidade, a credibilidade, tudo o que se procura em profissionais e que muita vez é mais singelamente referido como vergonha na cara, constrói-se em grande parcela pela comprovável veracidade do que falam e escrevem aqueles profissionais.
As falsas notícias, modisticamente apelidadas fake news e que têm poder destrutivo maior que o daqueles ultrapassados artefatos atômicos, simplesmente nunca podem ser prestigiadas dentro da vida de nenhum profissional sério, e menos que nunca se esse for da área do direito – disciplina inventada para organizar e não para desorganizar.
Se o autor tem idéias a expor, faça-o sob o melhor fundamento que consiga, preferentemente de modo humilde e próprio de quem tão só defende um ponto de vista e não se julga detentor da verdade – recomendavelmente procedendo mais ou menos como Carl Gustav Jung, que reunia um embasamento monumental para sua obra psicológica, perdido na origem do homem e dificilmente comparável com algo anterior, mas que concluía em geral informando que, por tudo aquilo, lhe parecia assim ou assado.
Que a parafernália eletrônica interminável e crescente a cada novo dia não se interponha entre a visão do profissional sobre a sua profissão mesma para confundi-la ou turvá-la, e que sua produção não prestigie antes o meio, que é esfuziante, do que o fim, que é edificante.
Não se confunda o profissional, é o que já recomenda alguma reflexão, com o seu computador...
Julgamentos virtuais: rapidez e comodidade versus julgamento atento.
Protocolamento eletrônico: magnífica novidade. Haja scanners !
Acessibilidade aos processos eletrônicos, grande vantagem
VIII – Dentre as mais estupefacientes novidades ao velho e empoeirado causídico – falamos em causa própria – figura do processo judicial eletrônico, que se dá inteiramente entre telas de computador, de um lado a do escritório e de outro a do Judiciário, através de geniais programas revestidos de toda a parafernália mas de absoluta eficiência. Desde o protocolamento da inicial até o julgamento final da última instância – se as partes concordarem com o julgamento virtual, e não o presencial no qual podem querer produzir prova ou realizar sustentação oral – todo o processo se desenrola na mídia eletrônica.
Além de eliminar centenas de milhares de toneladas de papel a cada curto período, o processo eletrônico tem toda condição de andar mais célere – muito mais - do que o processo físico com suas florestas amazônicas convertidas em papel ([1]), as ruas e alamedas que os imensos blocos formam dentro de repartições dos fóruns e um complexo sistema logístico de transporte em carrinhos, carriolas e vagonetes, num dos mais constrangedores espetáculos do ridículo humano.
Sim, e sem se falar dos imensos edifícios que o Judiciário destina ao armazenamento daquela infecta lixívia de processos ativos e de arquivo morto, que se pegar fogo incendeia o bairro. Em bem pouco tempo todo esse bestial circo de horrores será apenas uma piada encravada no passado.
E a personagem mais importante do processo eletrônico, qual vem a ser ? O escaneador, o homem (ou a mulher) do scanner. O advogado que não empregar um hábil escaneador estima-se que morra de fome em uma semana.
Outra vantagem de tirar o fôlego, própria do processo eletrônico e diretamente decorrente desse meio de produção e de comunicação profissionais, e que ainda estupefaz os clássicos lustradores de balcão de fórum, é o acesso na tela do computador, mediante comandos que até um provecto advogado consegue dominar, de todo o processo, com suas incontáveis folhas eletrônicas.
Parece, além de engraçado, patético falar assim, saudando as dádivas da eletrônica dentro do direito como se tivesse caído do céu apenas ontem, sem antecedente e sem aviso, como o maná bíblico que alimentou os judeus na longa viagem à sua terra prometida. Compreenda-se: muitas antigas vítimas da artesania papeleira do passado ainda não acreditam muito em todo esse panorama, crendo-o muito bom para ser verdade...
Mas aqui se encerra esta reflexãozinha de terceira categoria, e se o faz com um chiste de consolação: por mais extraordinária que se nos apresente a informática com seus recursos virtualmente infinitos, o seu elemento mais relevante continua sendo aquele situado diante do teclado, sob o comando de seu órgão portador de chapéu. Sem esse a informática converte-se em um maravilhoso vazio. Ninguém confunda as coisas, nem se embriague com os meios...
(1) E um só exemplo o ilustra à perfeição: o explosivo crescimento dos foliões carnavalescos em São Paulo em 2.019, capital deste Estado líder da federação, demonstra que não se deve esperar melhor futuro para o país. O que depender dessa mole humana, enxame de autômatos a quem a atividade mental deve constituir um tormento insuportável, só pode ser cavernoso, sinistro, desalentador. De filhos educados em blocos de carnaval nada se pode esperar.
(2) Exceção feita talvez a autores visionários e futuristas como George Orwell (livro 1.984) ou Aldous Huxley (Brave new world, traduzido como Admirável mundo novo), que ao início do século XX já enxergavam em que gaiola o mundo se estava convertendo.
(3) Somente o icônico processo penal conhecido como mensalão, que iniciou a ruína de um governo anterior, conteve alguns milhares de volumes, cada um dos quais com 200 fls.