LICITAÇÃO: TRÊS ORÇAMENTOS SÃO SEMPRE EXIGÍVEIS, E SEMPRE VIÁVEIS ? PESQUISA DE PREÇO É APENAS ISSO ?

LICITAÇÃO: TRÊS ORÇAMENTOS SÃO SEMPRE EXIGÍVEIS, E SEMPRE VIÁVEIS ? PESQUISA DE PREÇO É APENAS ISSO ?


Ivan Barbosa Rigolin
(nov/16)

Publicado em Boletim de Administração Pública Municipal, Fiorilli, nov./16, assunto 306; Revista Fórum de contratação e gestão pública, ed. Fórum, ano 15, nº 179, nov.16, p. 50; Revista Governet, Boletim de Licitações e Contratos, jan/17, p. 141; BLC, Boletim de Licitações e Contratos, Ed. NDJ, mai/17, p. 419.


I – Este tema representa uma preocupação absolutamente constante do licitador, que possivelmente deixará de atormentá-lo apenas no advento do armagedon, o apocalipse bíblico que por vezes é também referido como o juízo final: são realmente necessários três orçamentos do objeto a licitar, antes de se prosseguir com o certame ? E, se o são de fato, será sempre viável a sua obtenção junto ao mercado respectivo de fornecedores ?
A quem não esteja familiarizado com o calvário diuturno das unidades administrativas incumbidas de efetuar licitações para obras, serviços e compras pelo poder público, explica-se: desde há alguns anos os entes fiscalizatórios, em absoluta primazia os Tribunais de Contas, adotaram a praxe de exigir do poder público nas licitações a prévia demonstração de que o ente licitador, na elaboração do seu orçamento e das suas planilhas de custos, preocupou-se com a economicidade do contrato pretendido, ainda a licitar. Ou seja: para chegar a um orçamento seu que será anexo obrigatório do edital, ter-se-á o ente público orientado por ao menos três concretos e objetivos orçamentos do objeto, obtidos junto aos fornecedores ?
Em suma, o procedimento administrativo formal, ou o expediente, que veicula o certame licitatório do seu início ao seu final, e que inclui o contrato mesmo até o final da sua execução e pagamento, deve evidenciar o cuidado havido pelo licitador com o nível dos preços com os quais trabalha e em cujas bases espera afinal contratar, tudo documentalmente demonstrado naqueles autos.
É o prestigiamento – em tudo elogiável e indispensável – do princípio da economicidade aplicado às contratações públicas, inscrito como está na Constituição, art. 70, como na lei de licitações, art. 3º, como de resto em diversas leis publicísticas e sempre a traduzir uma imperiosidade primária, incontornável e insofismável, dos negócios públicos. Um negócio público antieconômico quando deve - e quando pode - ser econômico resulta virtualmente inaceitável sob qualquer prisma de análise.
Até este ponto não se vislumbra questão alguma a sequer discutir, na medida em que parece indisputável que o ente público precisa saber qual a exata base de preços correntes de mercado com que deve trabalhar em licitações – e mesmo em contratações diretas, fora de licitação. Não é esse o nó górdio da questão.

II – O que - muito respeitosamente – incomoda à grande o licitador público é a questão do título: os três “necessários” orçamentos. Qual seria o fundamento jurídico expresso da exigência, que se tornou usual nos últimos anos e que vem sendo crescente e quase implacavelmente exercitada, de se juntarem ao expediente licitatório ao menos três orçamentos do objeto, obtidos no mercado respectivo de fornecedores ?

III - É bem certo que o número três exerce um natural magnetismo sobre o homem – vejam-se as ocorrências desse número nas religiões, na mitologia, no esoterismo, na alquimia, nas crenças de todo gênero, nas ciências ocultas e nas oficiais, na psicologia, na literatura e em todas as artes, na sabedoria popular (“cavalo ganhou uma vez, sorte; cavalo ganhou duas vezes, coincidência; cavalo ganhou três vezes, aposte no cavalo”), e, como conseqüência natural dessa atratividade quase mística, também nas leis que o homem produz.
A atual lei nacional de licitações prestigia marcadamente o número três, ao instituir, por exemplos, três modalidades tradicionais de licitação para aquisições (art. 22); mínimo de três convidados nos convites art. 22, § 3º); três etapas de trabalho necessárias para licitar obras e serviços (art. 7º); três sedes de veículos para publicação de atos (art. 21, I a III), sendo que quando de sua promulgação a lei, depois felizmente modificada, exigia três publicações em cada um daqueles veículos; três entes em consórcios públicos como mínimo para se dobrarem os valores previstos no caput do art. 23 (art. 23, § 8º); três hipóteses formalmente indicadas, dentre as infinitas possíveis, de licitações inexigíveis (art. 25, I a III); três hipóteses ou modalidades de licitação em que pode ser dispensada totalmente a fase de habilitação (a. 32, § 1º); três anexos, no mínimo, dos editais de obras e de serviços (art. 40, § 2º, I a III); três envelopes nas licitações de melhor técnica e de técnica preço (art. 46); três, no mínimo, os membros das comissões de licitação (art. 51); três modalidades de caução em contratos (art. 56, § 1º; três hipóteses de dispensa do recebimento provisório (art. 74); três naturezas da rescisão do contrato, conforme a iniciativa (art. 79, I a III); três conseqüências da rescisão unilateral nas hipóteses dos incs. I a XII, e XVII, do art. 78 (art. 79, § 2º) – tudo isto apenas até o art. 80, último do Capítulo III, Dos Contratos, da Lei nº 8.666/93. A lei prestigia consideravelmente, também ela como se denota, o número 3.

IV – A preocupação não é apenas nossa, nem localizada, nem absolutamente constitui o modismo do dia. Encontra-se na internet um artigo denominado Administração pública: 3 orçamentos obrigatórios, que já havia sido publicado em 17 de janeiro de 2.012 no Portal das licitações, o qual merece parcial transcrição:
“Recentemente temos encontrado certa dificuldade em conseguir os três orçamentos obrigatórios para determinadas aquisições. Após análise jurídica, os procuradores alegam que orçamentos sem assinatura ou apenas rubricados não podem ser considerados válidos, sendo assim a proposta apócrifa. Perguntamos: existe alguma previsão legal que estabeleça este tipo de exigência? Hoje recebemos orçamentos por e-mail, e muitas vezes não são assinados por serem emitidos pelos sistemas automatizados das empresas.
A questão envolve alguns conceitos:
1) Por que três (e não quatro ou cinco) orçamentos? O número 3 parece acompanhar e dirigir alguns atos da administração pública; ele aparece em várias oportunidades: “convidados em número mínimo de 3” (modalidade Convite, art. 22, § 3º, da Lei 8.666/93); “3 dias para escoimar os vícios da proposta” (art. 48, § 3º, da Lei 8.666/93); cada estado elegerá um mínimo de 3 senadores (art. 46, § 1º, da Constituição Federal); comissão de licitação formada por, no mínimo, 3 membros (art. 51 da Lei 8.666/93); 3 esferas administrativas (art. 117 da Lei 8.66693); comissão de, no mínimo, 3 membros para recebimento de materiais (art. 15, § 8º, da Lei 8.666/93); “não havendo pelo menos 3 ofertas, serão convocados os 3 melhores classificados (Pregão, art. 4º, IX, da Lei 10.520/02); 3 dias para razões e 3 dias para contrarrazões (Pregão, art. 4º, XVIII, da Lei 10.520/02); dentre outras dezenas de citações na legislação brasileira.
Obviamente, o número três (03) parece caracterizar um número mínimo que assegure a legitimidade do ato administrativo. Da mesma forma, exige-se, como praxe, um número mínimo de 3 empresas que permitam uma média aritmética cujo resultado possa refletir a “média” de preços de mercado; quanto maior o número de empresas pesquisadas, melhor; a contrario sensu, quanto menor o número de cotações, menor será a probabilidade de mensurar os preços correntes no mercado.
Vale citar a Instrução Normativa MARE nº 08/98 do já extinto Ministério da Administração e Reforma do Estado” (...)
Observa-se desde logo que a preocupação do autor em encontrar uma explicação racional para o número três neste caso, tanto quanto ensaiamos antes. É que essa escolha numerológica resulta de fato inquietante...

V – Mas não é isolada esta manifestação doutrinária, porque mais recentemente outro artigo similar foi publicado sobre a questão exata da tríplice orçamentação como supostamente necessária à perfeição formal do procedimento licitatório – ou, insista-se, também da compra direta, sem licitação.
O artigo é 3 orçamentos nas licitações, e foi publicado em 28 de março de 2. 016 naquele mesmo Portal de Licitações (na categoria Habilitação, Outras questões, Questões sobre licitações), do qual se transcreve este longo excerto:
“Tendo 3 orçamentos, no qual um deles possui um valor muito superior aos demais, chegando a quase 60% a mais comparando aos outros orçamentos, sendo assim como devo justificar o uso de apenas dois orçamento baseado nos parâmetros da lei, uma vez que o valor maior é inviável ?!
Há alguns métodos de pesquisa, mas o mais comum é a pesquisa feita com, no mínimo, três empresas que atuam no ramo do objeto pesquisado. Após a colheita dos três preços, soma-se e divide-se por três, para a obtenção da média aritmética (também chamada de “mediana”).
Importante que o gestor avalie os preços pesquisados e, havendo algum preço distorcido (muito baixo ou muito elevado) assim considerado o valor “fora do padrão”, o mesmo deve ser excluído e substituído por outro preço pesquisado, a fim de que a média aritmética não atrapalhe ou até comprometa o procedimento licitatório. Se, após exaustiva pesquisa de mercado – comprovada por e-mails, fax, consulta à internet, consulta a atas de registro de preços etc., juntada aos autos – não acudirem, pelo menos três orçamentos, aí sim será o caso de justificar o manifesto desinteresse do mercado, autorizando-se o prosseguimento do processo com apenas 2 orçamentos.
Sobre o tema, vale a pena a leitura da análise feita pela auditoria do TCU nos autos do TC 013.754/2015-7 (Acórdão 2637/2015 – TCU – Plenário):
“83. Nos termos do Acórdão 2.943/2013-Plenário, não se deve considerar, para fins de elaboração do mapa de cotações, as informações relativas a empresas cujos preços revelem-se evidentemente fora da média de mercado, de modo a evitar distorções no custo médio apurado e, consequentemente, no valor máximo a ser aceito para cada item licitado.
84. Essa orientação encontra-se regulamentada por meio da Instrução Normativa-SLTI/MPOG 5/2014, que no art. 2º, § 6º, dispõe que, para a obtenção do resultado da pesquisa de preços, não poderão ser considerados os preços inexequíveis ou os excessivamente elevados, conforme critérios fundamentados e descritos no processo administrativo.
85. A Funasa, ao que evidencia o Despacho 915/2015 (peça 17, p. 174-181), não atendeu a essa orientação, ao não proceder à exclusão de valores manifestamente fora de mercado, observados pelas discrepâncias entre as propostas.
86. De fato, caso esses três orçamentos fossem as únicas fontes de informações de preços disponíveis, não haveria óbices, no caso concreto, à manutenção de estimativa com base em apenas dois orçamentos, já que justificável (e imperativo), pelas circunstâncias apontadas, a exclusão daquele excessivamente superior à média de mercado.
87. Além disso, a pesquisa restringiu-se à consulta de oito empresas, universo reduzido, considerado o mercado fornecedor desse tipo de serviço. Frise-se que, solicitado o encaminhamento da documentação completa da pesquisa de preços, foram apresentados apenas os três orçamentos obtidos, além das consultas realizadas às empresas. Ao que se observa, essas limitaram-se ao envio de apenas dois e-mails, a endereços eletrônicos nem sempre identificáveis das instituições (peça 32, p. 61-62), o que denota insuficiência dos esforços envidados.
88. Outrossim, não houve comprovação documental de consultas a outros órgãos e entidades da Administração Pública, ao Comprasnet e demais sites especializados, o que pode ter comprometido a qualidade e a confiabilidade da estimativa de preços construída. Frise-se que a própria entidade admitiu a existência de contratações similares, ao indicá-las em sua resposta à oitiva (...)
89. De acordo com o disposto no art. 26, parágrafo único, II e III, e no art. 43, IV, da Lei 8.666/1993, é obrigatória, nos processos de licitação, dispensa ou inexigibilidade, a consulta dos preços correntes no mercado, daqueles fixados por órgão oficial competente ou, ainda, daqueles constantes do sistema de registro de preços.
90. Deve-se deixar registrado que, de acordo com o Guia de Boas Práticas em Contratações de Soluções de Tecnologia da Informação do TCU, extensível a todas as demais contratações públicas, ao analisar o mercado com vistas à obtenção de dados sobre preços, pode-se utilizar, dentre outras, as seguintes fontes de informação:
a) preços vigentes em outros órgãos (e.g. em licitações, inclusive de registro de preço) (Lei 8.666/1993, art. 15, inciso V);
b) consultas diretas aos fornecedores (RFP – Request for Proposal), que deve incluir as informações definidas até então no termo de referência ou no projeto básico, pois essas informações afetam a percepção de risco das empresas, que por sua vez influencia os preços oferecidos (…)
d) consultas em portais de fornecedores na web e em sistemas de busca de preços na internet, lembrando que os preços informados normalmente são unitários, ou seja, referem-se à contratação de um único produto, de modo que não consideram o efeito de escala que existe em uma contratação de muitas unidades;
e) bancos de dados da APF (e.g. Comprasnet, Siasg);
f) cadastros de preços mantidos por entidades de pesquisa;
g) preços obtidos em contratações semelhantes do setor privado (Lei 8.666/1993, art. 15, inciso III); (...)”
Cessa-se a transcrição em momento aleatório e que poderia ser outro, eis que já restou claro que a origem da questão da tríplice orçamentação se deve a um acórdão do e. Tribunal de Contas da União, mencionado no trecho acima, que – lamentavelmente, pensamos – passou a ser tido e havido como referência comportamental obrigatória para os entes públicos em licitação.
Em parte por comodismo, em parte por acomodação procedimental, valeu aquele momento inicia, provindo de um trabalho judicante do e. TCU, como se fora dotado de “repercussão geral” dentro do país, como se constituísse interpretação oficial, unívoca, oniabarcante e implacável de um difuso e vago ordenamento legal – que jamais sequer tangencia qualquer obrigatoriedade de uma tríplice orçamentação prévia às licitações, ou às compras diretas.
O TCU não tem culpa, porém, se os entes fiscalizadores de nível abaixo do da União o erijam em proclamador de normas procedimentais de direito público, sempre com um timor reverencialis que é em tudo incompatível com a constitucional autonomia administrativa estadual e municipal, e com as bases de um estado democrático de direito, como, por fim, com o próprio princípio constitucional da legalidade.

VI – Ora, se ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude lei como consta há mais de cem anos no direito brasileiro, e se compete aos Tribunais de Contas precipuamente fazer observar o princípio da legalidade como se lê do art. 70 da Constituição, e se por outro lado inexiste qualquer regra legal a mandar o ente público comprador orçar por ao menos três vezes o objeto que pretende adquirir – obra, serviço ou compra -, então a necessária conclusão deste aflito estudo é a de que simplesmente não existe essa obrigação.
A louvável e necessária preocupação do ente público com a economicidade nos negócios que realiza não pode jamais ser reduzida à obtenção de três orçamentos no mercado – os quais de resto, todos no país o sabem, podem ser obtidos num piscar de olhos com os amigos e os companheiros, os quais sabem que uma mão lava a outra, ou, em outras palavras, que será hodie mihi, cras tibi.
Tirante esta última consideração, que é debochada porém rigorosamente realista, é patente que certos objetos não se podem cotar no mercado respectivo como se cotam quilos de batata doce ou papel sulfite.
Os serviços, muito particularmente, e crescentemente à medida da sua complexidade e sofisticação, oferecem problemas quase insuperáveis de orçamentação objetiva e realística no mercado. Como cotar em bases reais e factíveis uma consultoria, um parecer, um estudo, uma perícia, um recenseamento, uma auditoria, serviços de advocacia, planejamentos econômicos, projetos de qualquer natureza, ou ainda incontáveis outros serviços, muitos dos quais em boa técnica nem sequer licitados devem ser ?
Que objetividade tem uma cotação de tais serviços, que com a mesma lógica podem custar um ou cem, na medida em que, como também todos estão cansados de saber, what you pay is what you get ?
Como pretender levar a sério, com reverência quase devocional, orçamentos de algo tão disparatado como o desses exemplos – e, seja observado, sem nenhum demérito do serviço que custa um, porque ele tem sua utilidade no lugar e no momento adequado, vez que cada roca com seu fuso, e cada broca com seu uso ?

VII – A deplorável e insciente mania, freqüentemente observada no trabalho de fiscais públicos de variada natureza profissional, de banalizar e vulgarizar toda sorte de serviços privativos de profissionais universitários – como se foram mecânicos, automáticos, de produção em linha ou realizáveis por máquinas ou por animais ensinados -, aliada por vezes à ideia de que se existirem três orçamentos no expediente da licitação o problema estará resolvido, é própria de mentalidade tacanha e subdotada, mais compreensível países subdesenvolvidos e ignaros, nos quais a cultura, a proficiência e o preparo profissional são a última das preocupações. Como aqueles fiscais são servidores públicos concursados, então se passa a questionar a qualidade daqueles certames, que aprova e classifica pessoas pouco qualificadas para exercer suas altas funções.
Quando tudo isso ainda se associa à patética e cavernícola tese de que “se existirem diversos prestadores, então o objeto deve ser licitado”- que nega vigência às 33 hipóteses de dispensa de licitação do art. 24 da lei de licitações, assim como às infinitas hipóteses de inexigibilidade genericamente referidas no art. 25 daquela lei -, então o panorama se torna aterrador.
Trata-se de um raciocínio de extremo e rude simplismo, que iguala serviços requintados a compra de pedras em uma pedreira, ou de arroz em um entreposto, e para cujo autor sempre que materialmente for possível licitar deve haver licitação. É verdade que deve, porém sempre que o objeto for comum, indiferenciado quanto às suas características um frente a outro, e para a escolha os quais não importa eleger senão o mais barato.

VIII – Os anos passam, como as décadas, os séculos e, ocasionalmente, até um novel milênio acaba de se iniciar. Mas os fiscais das contas públicas, quanto a questões como estas acima alinhadas, parecem estátuas infensas ao progresso, a novas idéias e novas visões do mundo, do trabalho, do direito, da lógica, da racionalidade. Tal significa andar para trás, e não apenas estacionar no tempo.
A cabala envolvendo o número três, em matéria de preparação do terreno para licitações do poder público, não consegue ser explicada.
Como se conseguiriam obter três orçamentos de um serviço como “reforma administrativa da Prefeitura”, ou da Câmara, se cada prestador o realiza de um modo absolutamente único, sem paralelo, pessoal ou personalíssimo, individualizado ao extremo, segundo sua exclusiva e inconfundível concepção, e através de seus métodos peculiares ? Quem os obtiver estará comparando coisas absolutamente diferentes a preços, não raro, por inteiro disparatados ! Ora, que bela base de preços !.. É quase o mesmo que comparar um fusca a vinte com um Rolls Royce a duzentos: qual a racionalidade de um tal cotejamento, que não conduz a certeza alguma sobre nada ?

IX - E como se pode, por outro lado, rejeitar uma conta pública, ou, pior ainda, intentar medidas judiciais contra administradores públicos porque deixaram de exibir no expediente da licitação a pesquisa prévia de preços, quando é sempre facilmente possível e absolutamente viável saber, vinte anos depois do evento, a quantas andavam os preços do objeto quando da sua aquisição pelo poder público, para, apenas assim, se poder verificar da economicidade ?
Uma licitação, um procedimento negocial da Administração, uma aquisição de bem, de serviço ou de obra não é viciada apenas porque faltou pesquisa de preço. É viciado se foi antieconômico quando podia ter sido ser econômico quando foi realizado.
Sempre que se puder demonstrar, sem grandes e impensáveis malabarismos, que o negócio público atendeu a regra da economicidade - e mesmo que somente se suscite essa questão muito tempo depois -, então esse negócio não pode ser julgado irregular ou desconforme. Sê-lo-á, sim, se, demonstradamente a qualquer tempo, for ou tiver sido antieconômico. E nessa hipótese a rejeição da conta não se deve dar porque inexistiu pesquisa prévia de preço, mas pelo que realmente importa: o negócio foi antieconômico sem motivo ponderável.
Muita vez não existe tempo para realizar pesquisas de preço, como nas emergências, nas calamidades, nas catástrofes e nos eventos a exigir imediata atuação do poder público. Em casos assim, documentalmente demonstrados no expediente aquisitivo, nem se há de cogitar de pesquisas de preço: o primeiro fornecedor que estiver passando à frente da repartição deve ser o escolhido, de modo rigorosamente perfeito. Se assim não for, e se na hipótese a autoridade perder-se em pesquisas de preços antes de atender a emergência poderá, aí, sim, ser responsabilizada por omissão e negligência na defesa do interesse público de que é obrigatório curador.

X – É fato conhecido, por outro lado, que incontáveis municipalidades brasileiras, há tempo muito considerável, vêm experimentando enorme dificuldade em obter prévios orçamentos dos objetos que pretende adquirir, junto ao mercado local.
Que vantagem obtém o comerciante, o industrial, o fornecedor do que quer que seja, prestador de serviços, o empreiteiro de obras, em abrir antecipadamente seus preços para a concorrência – pois que assim que forneça um orçamento ao poder público, e esse orçamento seja incluído no processo de compra, torna-se documento público e pode ser obtido por certidão por qualquer cidadão que demonstre interesse -, quando o interesse desse fornecedor é participar do certame ?
Assim, se já abriu seu preço, será um ingênuo rematado se imagina que pode surpreender a concorrência em uma licitação. Se por outro lado no certame cotar abaixo do que antes orçara ao poder público, então terá induzido em erro o poder público. Se cotar acima, estará acaso pretendendo superfaturar, e vender ao poder público por mais do que vale o objeto segundo seu próprio orçamento anterior ?
Este escriba, fora comerciante e convidado para colaborar com o poder público contando o objeto antes da licitação para permitir à Administração que forme o seu preço, responderia convidando o agente público a verificar se este empresário se encontra na esquina. E informaria, nesse ato, que deseja participar do certame, e até isso ocorrer o seu preço pode ser informado oralmente se já não estiver fixado na vitrina do estabelecimento, mas quanto a orçamento escrito é melhor esquecer.
Diante desse panorama real e extraído de narrativas sem conta de participantes de cursos, seminários e eventos técnicos sobre licitação ao longo das últimas décadas, e diante de um provável fracasso total na tentativa de obter orçamentos prévios, como deve reagir o fiscal da conta pública ? Rejeitando-a pela falta de um elemento que foi impossível obter porque os comerciantes locais não são trouxas, nem patos ?
Existem bancos oficiais ou semioficiais de preços, como sites do governos tais quais comprasnet, além de tabelas de preços de entrepostos agrícolas, ou de preços da construção e de ramos específicos de serviços, publicados regularmente em revistas dos ramos respectivos, além de inumeráveis outros instrumentos de divulgação de preços correntes do mercado, do que quer que seja, a começar pela imprensa diária de jornais e revistas.
Crescentemente o poder público se vale dessa tabelas e desses preços publicados, além dos praticados por entes públicos, como nos registros de preços que seja publicados.
Tudo isso auxilia amplamente – e por vezes salva o expediente – do pesquisador público de preços antes de licitar os mais variados objetos, e precisa sempre ser tido como válido e bom para esse efeito, pela fiscalização institucional de qualquer ordem, nível ou natureza.
Se de um lado sempre for exigida, e se de ouro lado bastar ao fiscal como avaliação de economicidade um tríplice orçamento, obtido seja como for e tendo por vezes a origem mais inidônea possível, e com isso se desconsiderarem outras fontes de pesquisa que muita vez são a única saída do comprador público – e ocasionalmente muito mais sérias do que a tríplice orçamentação -, uma tal conduta representa persistir no primitivismo simplista e ignaro que nada de proveitoso acarreta às instituições, mas que contribui para condenar nosso país a continuar sendo o que, muito infelizmente, ainda é.