ALGUMAS VANTAGENS DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES

ALGUMAS VANTAGENS DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES

 

Ivan Barbosa Rigolin

(out/21)

 

 

I – Por um  longo período de  dois anos a partir da sua publicação, a Lei nª 14.133, de 1º de abril de 2.021, que é a nova lei nacional de licitações e contratos administrativos (a seguir designada por L 14133), e o início da sua aplicação exclusiva e obrigatória – portanto a partir de 1º de abril de 2.023 -, muito se tem falado, escrito, comentado e temido em nosso mundo jurídico, e nos diversos círculos da Administração pública.

Será em parte um salto no escuro quando o fim daquele prazo se der, e a incidência da nova lei passar a obrigatória e não alternativa à da velha Lei nº 8.666/93 como ainda acontece.  A aplicação alternativa de duas leis sobre o mesmo assunto, quando o aplicador pode escolher se aplica uma ou se aplica outra,  é raríssima no Brasil, e agora aconteceu em matéria de licitações e contratos.

Para tentar reduzir ou equacionar a zona de risco – aleatória ou randômica como dirão os informáticos muito realmente se tem escrito e trabalhado, e este modesto estudo visa, despretensiosa e assistematicamente,  auxiliar a refletir sobre algumas vantagens que a nova lei parece ostentar sobre a (assim doravante designada) L 8666.

Melhor será iniciar declinando as vantagens do que as desvantagens, porque de sinistro, macabro e assustador já chega a paisagem geral de nosso país e, inquestionavelmente também, do mundo inteiro.

Então primeiro as favoráveis, até porque enumerar os pontos desfavoráveis da nova lei seria o mesmo que caçar num jardim zoológico. Estima grosseiramente este humílimo  escriba que existam cerca de cinco vezes mais pontos desfavoráveis na nova lei do que pontos favoráveis, e comentar extensivamente os primeiros exige estômago de avestruz ou de bode montês, algo defeso aos provectos.

Dentro da extraordinária extensão da L 14133 com seus 194 artigos não poderiam deixar de existir virtudes e qualidades, de entremeio a defeitos de toda ordem e relevância, divisão essa que é subjetiva apenas até certo ponto, como o filtro do tempo dirá. Existem nesta lei, como no direito inteiro,  realidades difíceis de contestar.

Iniciemos o rol.

 

II – Um ponto favorável da nova lei é o § 1º do art. 1º, que expressamente – para não remanescer dúvida – exclui as estatais (empresas públicas, sociedades de economia mista e as subsidiárias de ambas, estas também denominadas estatais de segundo grau, numa denominação de segunda qualidade).

Ainda que exista a lei das estatais, a Lei nº 13.303, de 30/6/16, não custa didaticamente separar oficialmente as estatais das entidades às quais se aplica a  L 14133,  entre a quais as estatais não figuram.

A exceção é o art. 178 da nova lei, que se aplica às estatais, o que é mais ou menos óbvio porque esse artigo apenas modificou o Código Penal, e jamais se cogitou que o CP fosse inaplicável às estatais, ou a quem quer que fosse.

 

III - Ponto bastante favorável da lei é o de, a começar já pelo (interminável) art. 6º, incs. XXXVIII a XLII, não mais admitir a tomada de preços na nova lei. Expurgou-a tanto quanto ao convite, modalidades que deixam de existir quando a L 14133 passar a ser a única aplicável às licitações.

Quanto à eliminação do convite nada dizemos nem em prol nem contra, porém elogiamos entusiasticamente a eliminação da TP, misteriosa criação que, para não retroagir excessivamente, deriva da Lei paulista nº 89, de 1.972, que a criou e que foi base do Decreto-lei nº 2.300 de 1.986, seguido este pela  L 8666/93, que por sua vez em abril de 2.023 dirá adeus ao palco jurídico tupiniquim.

A TP, criada em 1.972, durará até 2.013 sem que jamais tenha sido explicada ou justificada convincentemente, quando exige um complicadíssimo cadastramento prévio de fornecedores licitantes mas somente serve para obras até R$ 3.300.000,00.  O fornecedor somente  participa se for cadastrado, porém se a obra custar um bilhão de reais qualquer interessado, cadastrado ou não, pode participar da respectiva concorrência.

Mais ridícula, portanto, a exigência de cadastramento não  poderia ser, de modo que em boa hora a L 14133   eliminou a única modalidade que o exige, a TP. Não leva saudade essa ridicularia jurídica, que ninguém jamais explicou.

E também favorável é  o inc. XLI do mesmo imenso art. 6º, dispositivo esse que inclui o pregão nesta lei. Unificar-se-á em abril de 2.023  o que até então estará partido em dois feixes normativos, o da L 8666 e o da Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2.002, a lei do pregão, sem falar dos decretos do pregão eletrônico.

As leis, tais quais os remédios, quanto menos existirem, e quanto menos forem necessárias, melhor para todos. As leis existem, como se sabe, para que os homens não se trucidem e não se devorem uns aos outros. Tivera o homem simplesmente vergonha na cara e civilidade, então a maioria das leis não teria muita oportunidade.

 

IV - E é também positivo o § 1º do art. 7º, ao impor o princípio da segregação de funções, ou seja o da especialização, segundo o qual cada pessoa há de ser aproveitada pelo que sabe e pela sua formação e sua carreira, o que, dentro do que for possível a cada caso, com certeza propiciará melhor resultado dos procedimentos.

Cada símio, nunca é demais repetir, que se atenha à jurisdição de seu respectivo ramo, e apenas com vista a aperfeiçoar seu trabalho  é que tanto os homens se especializam.

 

V – Merece elogio o simplificador e desmistificador inc. III do art. 11, a fixar que a licitação se destina a (...)  evitar contratações a preços manifestamente inexequíveis, sem insistir no ridículo teatro da L 8666 ao tentar parametrar o que seja isso, com resultados pífios, patéticos e surrealistas, e com restrições que jamais deram certo nem por um minuto na história das licitações.

Esta lei, ao dizer apenas o que está acima, melhora imensamente o direito, ainda que possa existir um percentual de subjetividade na categorização de algum preço proposto como manifestamente inexequível – já que muita vez o ‘manifesto’ não é assim tão manifesto...  tanto quanto algumas pessoas que na prática são mais iguais que outras como se bem sabe.

E também, já fora do art. 6º, o § 1º do art. 12, ao introduzir a figura da assinatura digital, atualiza importantemente a regra, merecendo encomiástica obtemperação – com  perdão vernacular.

 

VI – Merece aplauso também o art. 16, ao admitir e resumidamente disciplinar a participação de cooperativas nas licitações, visando resolver uma prebenda sumamente desgastante que acontece com frequência em nosso país e que já mereceu as mais desencontradas decisões judiciais, e a doutrina mais díspar.

Não há por que discriminar sociedades cooperativas da competição nas licitações, se são regularmente constituídas e o seu objeto é lícito; quem as detesta é a concorrência no mercado.

E na mesma esteira é elogiável o art. 21 por tornar as audiências públicas – na prática tão úteis quanto uma catapora ou um desastre de trem – apenas facultativas, e não mais obrigatórias como são na L 8666 em certos planejamentos de contratações muito onerosos.

O mérito do dispositivo é esse, porém é também certo que não precisa lei nenhuma autorizar o poder público a realizar audiências públicas para o que quer que seja, na medida em que isso sempre foi permitido.  O defeito das audiências e que não servem para absolutamente nada.

 

VII – Um ponto que curiosamente se anota como positivo é o de que a porcaria da ‘matriz de riscos’ - invenção esdrúxula da L 14133 e obra de algum desocupado brincando de escrever lei – seja facultativa e não obrigatória como conteúdo do edital.

Se essa macaquice, que deve servir alhures para alguma coisa, precisou constar da lei de licitações – e não se imagina por quê -, então que ao menos não seja de aplicação obrigatória. A mera facultatividade de inclusão dessa encrenca, verdadeiro garrancho de rio,  é que resulta positiva.

E não fica a lei na facultatividade apenas dessa retro-referida picaretagem, eis que admite facultativamente inúmeros outros procedimentos e exigências, no que faz sempre bem na medida em que nada disso é obrigatório, e portanto em excelente hora dispensável. Com todo efeito, a grande virtude de certos procedimentos é o de serem facultativos.

 

VIII – O art. 41 admite a ‘excepcional’ indicação de marcas de produtos em compras, o que é excelente por orientar o licitante e sobretudo por desfazer a hipocrisia e o fingimento da L 8666 ao  infantil e quixotescamente pretender proibir essa indicação, como se fora sinônima de dirigismo ou de corrupção.

Se o cidadão procura e somente compra o produto se for da marca tal ou qual, então onde a irregularidade para o poder público em indicar a marca que sabe  boa, e evitar as abundantíssimas porcarias que infestam o mercado, e que ao final lhe sairão muito caras, como o barato que sai caro  ?

A indicação de marca será admitida quando o ente licitador puder demonstrar, pelos meios que tiver e na intensidade que for, que é  vantajoso indicar marcas. Isso não exclui outras marcas, não indicadas, que possam demonstrar qualidade equivalente àquelas indicadas, ou aceitável.

A proibição absoluta de indicar marcas é que propicia entrarem no certame aquelas contrafações produzidas por trabalhadores escravos em um  gigantesco país do oriente, cuja identificação não seria ética.

Mas de positivo o artigo tem o fazer cair a máscara da hipocrisia e da mentira bem-sonante, que todos sabem irrealizável, de se proibir indicação de marcas.

 

IX – O art. 43 faz muito bem em sumariamente – o que é bastante bom -  disciplinar o procedimento de padronização, o qual, à falta de especificação, poderá referir-se a obras, serviços e, o mais comum, a bens para compra. Todo objeto licitável em havendo justificativa técnica pode ser padronizado, e é vantajoso  que o seja.

É comum a padronização de obras, como conjuntos residenciais ou mesmo construções para o Judiciário, o que no Estado de São Paulo existe abundantemente.

As vantagens da padronização são evidentes: licita-se o  projeto padronizado e conhecido, ao invés de se despender verba pública e tempo para a elaboração de novos projetos, que por acaso nem sempre se revelam adequados ao seu fim, e por seguro de execução mais dispendiosa que a dos projetos padronizados.

Se forem bens a sua padronização elimina o risco de se contratarem objetos desconhecidos, vencedores nas licitações porque são mais baratos, o que com muita frequência enseja amargas surpresas para o ente comprador.

Dentro do virtualmente infinito leque de características padronizáveis, a mais difícil de se admitir é a de marcas, ainda que na reposição de peças em equipamentos, antes mesmo da padronização, a indicação da marca muitas vezes é indispensável e obrigatória, quando só a marca original servir.

 

X – O art. 50, referente a contratação de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, fez bem ao exigir diversas demonstrações de atendimento à legislação trabalhista e previdenciária por parte do particular contratado pela Administração.

Tal, além de proteger o trabalhador em seus direitos, evita, ou ao menos reduz o risco de, reclamações trabalhistas que podem ser julgadas procedentes contra a Administração em face de inadimplências do seu contratado que é contratante de pessoas.

Se é muito caro ter empregados no Brasil com a total observância das leis, muito mais caro pode se revelar para o contratante, no futuro, a contratação que não as observe. Malandro esperto, é voz correntia entre as gentes, é honesto por velhacaria.

 

XI - E o art. 57, ao permitir que o edital estabeleça diferenças mínimas, ou intervalos financeiros mínimos, entre os sucessivos lances no pregão ou em outras hipóteses em que existam lances, também acertou.

A inclusão no edital dessa previsão permite evitar lances de variação economicamente desprezível, como de centavos em  objetos caros, porém que são irritantes, desviados de finalidade e que consomem tempo e paciência dos operadores e dos  licitantes sérios. Supre a infantilidade de certos licitantes que melhor fariam se se dedicassem a operar videogames.

 

XII – O art. 59 é de boa qualidade geral, por muito mais simples e objetivo que a equivalente regra da L 8666.  A concisão dos seus incisos é admirável, sendo mesmo que até o inc. V, mera reiteração do inc. II, é desnecessário.  Mas a inteligência da concepção merece elogio.

E melhorou espantosamente também o critério de classificação como inexequíveis das propostas de obras e de serviços de engenharia, reduzido pelo § 4º a uma só conta: são inexequíveis propostas inferiores a 75% do orçamento da Administração.

Excelente simplificação, que dispensa os malabarismos matemáticos exigidos pela L 8666. Se é meritoriamente justa, se não é, não deve existir no planeta um critério  objetivo capaz de responder.

 

XIII – O art. 63, inc. II, acerta ao, consagrando o que na prática já se faz indiscriminadamente e muita vez ao arrepio da lei atual, fixar que apenas do vencedor da fase de propostas examinam-se os documentos de habilitação. Poupa-se tempo e se racionaliza o procedimento, sem prejuízo de ninguém.

A inversão da ordem até há algum tempo tradicional das fases dos certames fica de vez plasmada na lei: agora, antes vem o julgamento das propostas e depois a habilitação do vencedor da primeira fase.

Exceção: licitações que precisem manter a velha ordem, e assim o edital determine, nas quais licitações a habilitação precede o julgamento das propostas.

 

XIV – O art. 65, § 1º, ao evocar o balanço de abertura por primeira vez na legislação de licitações, acertou e supriu lacuna da lei.

É um hábil documento de habilitação para as empresas que, constituídas no mesmo exercício da licitação de que queiram participar, ainda não podem ter balanço anual.

Desfazem-se alguns mitos de que isso seria ilegal, divulgados por ignorantes desinformados ou por safados interessados em afastar as novas empresas das competições, a cada novo ano.

 

XV – Foram felizes os §§ 1º e 2º do art. 67.

O § 1º ao delimitar o até então vago e aberto conceito do que fosse parcela de maior relevância ou valor significativo, que a lei menciona, e definir essa parcela como aquela de no mínimo 4% do valor total estimado para o contrato.

E o § 2º ao limitar a 50% os quantitativos exigíveis aos licitantes para os atestados de capacidade técnica e desempenho anterior, relativamente às referidas ‘parcelas de maior relevância ou valor significativo’.

Com essas (formalmente) inéditas limitações na própria lei devem cessar especulações, conflitos e impasses a esse respeito, tão improdutivas quanto desgastantes em todo sentido, e a lei nesse ponto ganha uma objetividade que não detinha, algo vantajoso para todos  os envolvidos que sejam honestos de propósito. A obscuridade e a vagueza conceitual somente agradam aos seres que circulam pelas sombras.

 

XVI – O art. 70, inc. III, facilitou enormemente a operacionalização das (I) contratações para entrega imediata; (II) contratações abaixo de 25% do limite de dispensa para compras, e (III) contratações de produto para pesquisa e desenvolvimento até o valor de R$ 300.000,00.

Em todos esses casos está totalmente dispensada a habilitação nas respectivas licitações.

Melhor impossível, uma vez que a habilitação é a miséria institucional das licitações, o grande atraso de vida e o retrocesso medieval que os certames ostentam, fulcro de quase todos os problemas, os desgastes e as dificuldades operacionais entre o ente público licitador e os licitantes.

Podendo ser eliminado esse miserável garrancho de rio que é a habilitação, melhor será para todos que não tenham vocação para carcereiros de campos de concentração ou agentes da inquisição espanhola, ou quiçá portuguesa.  Habilitação por vezes é um mal necessário, porém em geral  o é muito menos  do que se imagina.

Podendo a habilitação ser reduzida, bom; podendo ser totalmente eliminada, ótimo. Quem gosta de habilitação, francamente, deve desgostar de licitação. Quem pensa que habilitação é licitação é mais ou menos aquele que compra livros pela capa ou comida pela propaganda, ou o que prefere o remédio ao doente.

Muito mais feliz será a Administração pública brasileira quando essa praga  for reduzida ao minimum minimorum, a quase nada.

 

XVII – O art. 75. por extenso que ainda seja, simplifica o rebarbativo, prolixo e fastidioso mundo as licitações dispensáveis, como previsto no art. 24 da L 8666.

Começa bem, aumentando e arredondando os valores máximos para dispensa, sendo de cem mil reais para obras e serviços de engenharia, e cinquenta mil reais para outros serviços e compras.

Esses, porém,  são os valores válidos dentro do exercício (1º de janeiro a 31 de dezembro), somadas as respectivas contratações, o que exige cuidado pelo ente público porque reduz drasticamente a perspectiva de liberação de um sem-número de contratos.

A lei deu com uma mão e segurou com a outra, quanto a isso ninguém se iluda. E por certo muitos operadores e muitas autoridades devem preferir a forma da L 8666.

E faz bem o § 6º ao considerar emergencial a contratação destinada a manter a continuidade do serviço – público ou de utilidade pública - que vinha sendo prestado por contratado que teve o contrato encerrado, sustado ou interrompido por qualquer motivo, o que muita vez ocorre por mero descaso da autoridade, e falta de planejamento.

E emergência em casos assim existe efetivamente, ainda que seja culpável e a merecer apuração de responsabilidade – algo em que acreditamos piamente se e quando virmos acontecer, como São Tomé.  

O Brasil não prima pela responsabilização de agentes desleixados, desinteressados e descomprometidos com o seu trabalho, e tal ocorre mais ou menos desde 1.500. Oxalá um dia esta regra de responsabilização por inescusável negligência funcione.

 

XVIII – O art. 76, sobre alienações, ainda que desmesuradamente longo, é de boa técnica e resume todo o direito importante aplicável às alienações procedidas pelo poder público de todo nível.

Reúne disposições que eram dispersas ou mal sistematizadas na L 8666, e com isso facilita a aplicação das regras de licitação às alienações de imóveis e de móveis pela Administração, as quais representam, salvo em exceções como a relativa à concessão de direito real de uso (§ 3º), o despojamento definitivo do bem, ou  a transferência definitiva da sua titularidade a outrem.

 

XIX – Andou bem todo o conjunto odos arts. 78 a 88, primeiro por classificar certos expedientes como procedimentos auxiliares das licitações (e melhor seria dizer às), a saber  I - credenciamento; II - pré-qualificação; III - procedimento de manifestação de interesse; IV - sistema de registro de preços, e V - registro cadastral.

E em segundo andaram bem por disciplinar adequadamente cada um desses procedimentos, fazendo-o de modo racional e organizado, num só Capítulo (X) com suas seis Seções.

Reúne-se matéria semelhante e importantíssima para as licitações, agora sistematizada sob a genérica e adequada titulação de procedimentos auxiliares, suprindo-se a assistemática fragmentação da L 8666.

Atuou bem o legislador neste passo que fecha o Título das licitações, tendo aprendido com a imperfeição do passado.  

 

XX – O art. 91 é mais ou menos bom.

No caput informa que os contratos terão forma escrita e serão juntados aos autos de que se originaram, o que significa que serão impressos em papel e não apenas um espectro escondido na nuvem, no ambiente virtual ou nos anéis de Saturno, como hoje em dia todos as coisas parece que tendem a isso. Até esse ponto, excelente e necessário.

Ocorre que o § 3º informa que será admitida a forma eletrônica da contratação, de modo que será preciso conciliar os dois dispositivos no sentido de que poderão ser celebrados eletronicamente os ajustes, porém estes precisarão ser impressos e juntados aos autos do expediente.

Contrato que existe apenas na nuvem é instituição para nefelibatas, não para aplicadores e operadores do direito, que não trabalham em nuvens mas nas suas repartições.

Quer parecer que além de obrigar forma escrita as leis precisarão doravante determinar que os documentos, tenham a origem sob a forma que tiverem, precisarão ser impressos para se juntarem aos processos.  E os pedidos de certidão continuarão a se referir a documentos impressos, e não a realidades virtuais.

 

XXI - O art. 104 simplificou significativamente o intricado e multidisciplinar art. 65 da L 8666, pelo que merece elogio.

Em verdade a L 14133 desmembrou o art. 65 da L 8666 em diversos momentos, como o art. 125 que contém a obrigação de o contratado aceitar acréscimos ou supressões contratuais de até 25% do valor atualizado do pacto. 

Sem entrar no mérito  desta disposição já tradicional em contratos administrativos, o art. 104 formalmente fez bem na medida em que separou assuntos bastante diferentes por artigos diferentes, como não estão  separados na L 8666.

 

XXII – Os arts. 105 a 114 reformulam inteiramente as regras de duração dos contratos.

Introduzem importantes novidades, mais adequadas aos tempos que correm e às sabidas necessidades e conveniências da Administração.

Arejam e reventilam o vetusto e muito limitado ambiente legislativo da duração dos contratos que consta da L 8666, com algo bastante bem-vindo e que abre novas perspectivas para os entes públicos, e a todos permite maior flexibilidade de regras e de limites.

Descentraliza significativamente a capacidade de o ente contratante determinar a duração dos ajuste – vide art. o ‘democrático’ e excelente art. 105 -, capacidade essa que antes era presa a camisas-de-força bem conhecidas e que literalmente sufocavam os entes públicos de modo gratuito, talvez querendo parecer austeras.

Preocupam entretanto – ainda que esta reflexão seja sobre as virtudes da lei e não sobre os seus defeitos - as previsões de extinção de contratos, como se isso fosse desejável ou de simples execução, e as de prorrogação automática de contratos, algo que recorda a liberação de um furioso símio em loja de porcelanas, e o que é  impensável sob a L 8666.

Esta L 14133 inegavelmente tem defeitos sem conta, mas tem também a virtude de fazer  caírem algumas máscaras de décadas, dentre as quais a da duração dos contratos, neste momento em que a  prática mais cultuada pela população do planeta é a hipocrisia.  Se hipocrisia pagasse imposto não haveria o que fazer com tanto dinheiro por sobre a terra.

 

XXIII – O § 1º do art. 115 anda bem quando proíbe o retardamento imotivado de execução de contratos. Trata-se de algo que a simples existência de vergonha na cara  dos responsáveis dispensaria ao texto legal, porém em terras tupiniquins não é demais à lei iterar de modo expresso.

Aguarda-se, isso, sim, a efetiva responsabilização  das autoridades que paralisam obras e serviços essenciais simplesmente porque iniciados pelo seu antecessor, inimigo político.

E que, com isso, fatos como o soterramento de um túnel, ao custo de três milhões de dólares, por uma ex-Prefeita de São Paulo apenas porque  fora iniciado na gestão anterior – fato esse do qual ela se declarou arrependida em campanha eleitoral anos à frente –,  jamais se repitam.

 

XXIV – Andou bem o § 3º do art. 121, ao permitir que o edital de licitação de serviços contínuos em regime de dedicação exclusiva de mão de obra exija do contratado as providências elencadas nos incs. I a V do dispositivo.

Já que naqueles contratos a Administração responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários do contrato, então é preciso poder o ente contratante desde logo adotar medidas de prevenção  e de garantia daquele adimplemento, antes impossíveis por falta de previsão legal e mesmo por existir jurisprudência trabalhista impeditiva.

Aquela jurisprudência fora duramente golpeada pela dita ‘reforma trabalhista’ havida no governo Temer, porém este reforço legal é muito bem-vindo – salvo para quem torça contra a Administração pública contratante de mão de obra, ou, como jocosamente se afirma, torça pelo bandido...

 

XXV – Em boa hora os arts. 151 a 154 consignaram na lei, neste Título,  o Capítulo XII, DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS.

Estão aí contempladas a conciliação, a mediação e a arbitragem, além  do comitê de resolução de disputas.

Não podem existir ideias melhores, sobretudo em nosso país no qual as disputas judiciais são uma tragédia nacional que piora gradativamente à medida em que o seu número cresce, tudo a constituir um castigo para autores, réus, julgadores  e tantos mais quantos estejam envolvidos.

E não  por acaso o ditado reza que é melhor um mau acordo que uma boa demanda, talvez mesmo porque possivelmente não existem demandas boas.

Todo esforço para conciliar, arbitrar, mediar ou resolver disputas fora do Judiciário é a melhor iniciativa imaginável a cargo de todas as pessoas, físicas e jurídicas, públicas e privadas. Abstraídos interesses profissionais e corporativos, e substantivamente falando, a ação judicial boa é aquela que inexiste, abortada  antes de que se a proponha.

Nesse sentido foi felicíssima a lei ao incluir os modernos meios de conciliação de disputas, fazendo-o de modo absolutamente sucinto porém suficiente para incorporar ao texto legal a auspiciosa novidade, que em parte já conta com legislação regedora específica.

As formas de conciliação podem já vir previstas no edital e/ou no contrato ou, de outro modo, podem os contratos ser aditados para incluir essa possibilidade, numa inegável sucessão de boas ideias.

 

XXVI – Os §§ 2º a 6º do art. 156 têm o mérito de tipificar as condutas que ensejam as penalidades administrativas fixadas na lei. Corrigem imperdoável lacuna e atecnia da L 8666, talvez a única lei que cria penas mas não informa quando e por quê cada qual cabe, e em face do quê  pode ser aplicada.

A L 8666 é uma lei cuja parte penal-administrativa  é desprovida da  absolutamente indispensável tipificação das condutas irregulares – administrativas, repita-se, mas a regra da tipicidade estrita não poderia ter sido relegada ou esquecida, como a doutrina reitera insistentemente. A L 14133 corrige esta lamentável e gravíssima falha da L 8666.

E o § 6º corrige a sesquipedal previsão, da L 8666, de que a declaração de inidoneidade somente pode ser aplicada por Ministro de Estado, ou Secretário de governo estadual ou municipal, esquecendo-se de que a lei se aplica a todos os Poderes do Estado. Esta previsão própria de um legislador juridicamente incapaz foi adequadamente corrigida pela L 14133.  Custa  crer que a retificação daquele despautério tenha tardado tanto.

 

XXVII – Foram também felizes os arts. 157 e 158 ao dilargar o prazo para defesa do indiciado administrativamente para quinze dias úteis.

O melhor direito agradece, porque o açodamento punitivo é a própria negação do direito, e deve ser combatido por todos os meios pelas pessoas imbuídas de propósito honesto.

O art. 164 fez bem em fixar prazo para respostas a impugnações ao edital e a pedidos de esclarecimento.

É bem verdade que certos desses requerimentos merecem desconsideração, tal a sua tumultuária desfaçatez ou a sua completa impertinência, porém como regra básica num estado democrático de direito  é curial que a lei obrigue o ente público a respondê-los, não devendo a exceção ditar a regra, e as exceções devendo ser tratadas como tal.

 

XXVIII  – Procedeu magnificamente o legislador ao retirar o minicódigo penal da lei nacional de licitações, e remetê-lo, pelo art. 178, ao Código Penal, o verdadeiro, que jamais deveria ter sido desconsiderado na L 8666,  no conhecido – perdão – serviço de porco  que consta da L 8666, arts. 89 a 98.

Com efeito, inserir na lei nacional de licitações matéria penal,  do Código Penal e apenas do Código Penal, foi um trabalho que não merece denominação diferente, que nesta L 14133 recebeu a corrigenda necessária.

Não se entra no mérito dos tipos penais neste momento – muito menos para elogiá-los -, mas apenas no aspecto formal de sua destinação ao diploma adequado, enfeixador nacional e primigênio das normas penais, o Código Penal.

 

XXIX – Por fim, não pode passar sem aberto elogio o  inc. II do art. 193, que teve a sensatez de conferir ainda dois anos de vigência para a L 8666, nesse ato reconhecendo as dificuldades ingentes de o operador de licitações, e os fornecedores da Administração, transitarem da lei conhecida, por ruim e desgastada que seja, para o novo, intricado  e desafiador mundo da L 14133.

Nesse biênio – de que já decorreu todo um semestre – a poeira das novidades se assentará ao menos em boa parte, e o bicho será menos feio.  Somente a prática reiterada e honesta, e espírito aberto e positivo,  garantirá segurança na lida com as novas regras, e todo o novo conjunto normativo.

 

XXX – Esses, sumamente por alto,  são os dispositivos que a nosso ver fizeram o direito evoluir com relação à L 8666. Existem por certo outros, porém fragmentários e dispersos, ou quase  perdidos, no corpo de outros artigos, os quais, nesta visão ampla e com isso perfunctória, não foram considerados.

Muito da nova lei é apenas a lei anterior reescrita, ressistematizada, ampliada ou remodelada para outra feição e sem alteração substantiva da matéria de fundo. E frequentemente com excesso de palavras, de desdobramentos  e de novas instituições, muita vez desnecessários.

Os dispositivos que entendemos desvantajosos com relação às regras anteriores – que entretanto ainda valem até abril de 2.023 – infelizmente parecem muito mais numerosos que estes aqui apontados, mas precisarão ser enfrentados e resolvidos na prática, e comentados eficientemente.

O senhor inexorável da razão, por vezes conhecido como tempo, dirá, como sempre, a única verdade.