EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103 E OS SERVIDORES PÚBLICOS (ARTS. 37 A 40) 1ª PARTE

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 103 E OS SERVIDORES PÚBLICOS (ARTS. 37 A 40)

 

Ivan Barbosa Rigolin

(out/21)

 

Primeira parte

 

I - Foi modificada em grande profundidade a Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2.019.  Foi denominada reforma da previdência, tal a abrangência dos seus dispositivos previdenciários e o seu alcance no direito brasileiro.

Se se somam as emendas constitucionais editadas até hoje a Constituição pouco recorda a de 1.988, na sua redação originária. A quem imagina que uma Constituição classificada como  rígida se pressuponha estável, sobranceira, sólida em seus fundamentos, assentada e imperturbável, o panorama constitucional brasileiro é desesperador, não menos que isso.

Quem com amplo esforço palmilhou e enfim apreendeu os meandros da sua Constituição e do direito constitucional de tempo em tempo retorna à estaca zero, necessitando iniciar os estudos como se se tratasse de uma nova Constituição.

A meta de estabilidade das instituições jurídicas e constitucionais torna-se uma piada sensabória, quixotesca, anacrônica e absolutamente  fora deste atual contexto brasileiro, com seu  panorama de hospício institucional.

Nossa Constituição lembra um folhetim semanal de novidades, como de ofertas de supermercado ou de parada de sucessos, custando imaginar que algum editor se interesse por publicar as suas atualizações que se precipitam umas sobre as outras como as mutações e as viradas do tempo. O descompromisso com a estabilidade institucional do país é absoluto, devastador.

Quem não tiver um computador ao lado não se arrisque a discorrer sobre a Constituição, porque, seja no momento que for, ela não mais deve ser aquela de que ele se lembra. A versão deve ter sido atualizada...

Apostrofava-se a instabilidade da Constituição de 1.969 (EC nº1/69) porque em 19 anos de vigência foi emendada 27 vezes. Que então algum irá dizer da Constituição de 1.988, que até 2.019 – em 31 anos de vigência portanto – foi emendada 103 vezes, além das  seis emendas  de revisão  ?

Enfim, muito mais haveria de tratar sobre os pontos de interesse dos servidores públicos constantes da EC 103/19, porém não enfrentaremos esse flagelo inenarrável, o suplício entre trágico e insuportável  que seria  comentar todas as disposições previdenciárias da reforma.

Outros estóicos heróis jurídicos o farão, ou quem a isso, por alguma razão,  estiver condenado. Fica-se aqui  tão só com as modificações aos arts. 37 a 40.

 

II – Estas foram as modificações ao art. 37 constitucional:

Art. 37 (...)

§ 13. O servidor público titular de cargo efetivo poderá ser readaptado para exercício de cargo cujas atribuições e responsabilidades sejam compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental, enquanto permanecer nesta condição, desde que possua a habilitação e o nível de escolaridade exigidos para o cargo de destino, mantida a remuneração do cargo de origem.

§ 14. A aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição.

§ 15. É vedada a complementação de aposentadorias de servidores públicos e de pensões por morte a seus dependentes que não seja decorrente do disposto nos §§ 14 a 16 do art. 40 ou que não seja prevista em lei que extinga regime próprio de previdência social.

O art. 37 tinha 6 (seis) parágrafos em 1.988, e atualmente conta com 15 (quinze). Parece que a Carta quer abranger e esgotar a matéria estatutária por completo.

Desta vez o novo § 13 aborda o tema da readaptação, inédito na Constituição. Não se compreende bem porque a Carta se imiscuiu nisso, bem resolvido o assunto como aparentemente estava nos estatutos de funcionários (ou servidores).

Trata-se da designação do efetivo para um cargo de atribuições compatíveis com o sua nova capacidade profissional, resultante de redução ou restrição das antigas capacidades por força de acidente ou doença.

Esse servidor poderá – não será obrigatoriamente, como este verbo denota - ser readaptado para cargo compatível com seu novo estado físico ou mental, desde que detenha a escolaridade para tanto exigida. Faz sentido, já que não é porque a escolaridade do novo cargo seja inferior à do antigo que o readaptando a deterá.

É preciso portanto (I) existir o cargo para a readaptação e (II) o servidor deter a respectiva qualificação.

Dura a readaptação enquanto permanecerem as condições detrimentosas do servidor, cassando-se-a se ele recuperar a antiga capacidade.

A remuneração durante a readaptação será a do cargo de origem, ou de outro modo se estaria configurando  redução remuneratória, o que provoca arrepios instantâneos em matéria laboral, seja estatutária, seja contratual trabalhista.

 

III – O novo § 14 muda de assunto e resolve uma prebenda antiga: a aposentadoria rompe o vínculo profissional entre o aposentado e a Administração, ou não ?

Sim, é a resposta. Rompe definitivamente o vínculo. Para nós dificilmente essa dúvida poderia existir ou ter existido, mas seja como for deixou de existir.

A aposentadoria é por definição a garantia de inatividade remunerada, porém no regime da CLT as coisas não são bem assim, porque o aposentado pelo INSS – que recebe proventos que por vezes são suficientes para ele adquirir a cota mensal de remédios na farmácia - continua trabalhando, pena ou risco de perecer por inanição.

Nos regimes próprios, com aposentadorias integrais, a regra não é aquela, e em geral os aposentados em cargos efetivos percebem o suficiente para uma vida digna, quando não bastante folgada e confortável. Não é sempre que isso ocorre, mas essa é inquestionavelmente a regra. E não existe um só aposentado por  regime geral, do INSS, que não trocaria sua situação pela de um regime próprio de previdência.

Reza o novo § 14 que o só ato da aposentação rompe de vez o vínculo institucional com o ente ou os entes que geraram o tempo de contribuição utilizado para a aposentadoria, sejam da natureza ou do nível que for.

E mesmo que aquele tempo de serviço não tenha  sido contributivo  – como ocorria até meados de 1.998 -, ainda assim vale a regra, por força do que dispõe o art. 4º da EC 20/98.

 

IV – O novo § 16 deste art. 37 proíbe complementações de aposentadorias de servidores, ou de pensões de seus dependentes, que não sejam decorrentes ‘do disposto nos §§ 14 a 16 do art. 40 ou que não seja prevista em lei que extinga regime próprio de previdência social.’

Examinar-se-ão adiante esses parágrafos, e quanto a leis que extingam regimes próprios de previdência a Carta neste momento apenas assegurou o direito ao benefício para aqueles servidores inativos, ou seus pensionistas, em caso de ser extinto o regime previdenciário local que os pagava.

Com todo efeito, não teria sentido uma lei pura e simplesmente extinguir um regime que tinha obrigações a cumprir ainda, possivelmente, por décadas, e com isso desamparar seus beneficiários que delas fossem dependentes, ou mesmo que não o fossem  – daí esta garantia.

Essa é a única exceção à proibição de complementação de aposentadorias não baseada nas regras dos §§ 14 a 16 do art. 40.

 

V - O inc. V do art. 38 passou a ter a seguinte redação:

V - na hipótese de ser segurado de regime próprio de previdência social, permanecerá filiado a esse regime, no ente federativo de origem.

Modificação de nenhuma importância, apenas reescreve o que estava escrito no inc. V do art. 38. O servidor público afastado do exercício do cargo efetivo para desempenho de mandato eletivo se mantém filiado ao regime previdenciário próprio ao qual era filiado e no qual estava inscrito enquanto durar aquele  afastamento.  Há trinta e três anos a Constituição já dizia o que agora reescreveu.

Pode ocorrer que o servidor fique vinte anos afastado desempenhando mandatos eletivos; durante todo esse tempo segue filiado ao mesmo regime próprio local, e seus direitos e obrigações previdenciários serão os mesmos de qualquer outro segurado do mesmo regime.

Se se aposentar durante o afastamento, então se desliga do sistema.

 

VI – Passou a rezar a Carta:

Art. 39. (...)

§ 9º É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo.

Importante modificação, impede, doravante, as desejadíssimas, cobiçadíssimas e perseguidíssimas incorporações de diferenças de remuneração  entre a do cargo efetivo e a de cargos em comissão mais remunerados, em parcelas anuais como as leis locais costumam consignar.

São os conhecidos ‘décimos’ ou os ‘quintos’, cada qual representando  respectivamente um décimo ou um quinto da diferença entre os dois cargos, que a lei local manda incorporar ao vencimento do cargo efetivo à medida em que o servidor continuadamente desempenhe o cargo em comissão, até perfazer a totalidade da diferença, que então se incorpora ao vencimento para todos os efeitos.

Um evidente privilégio dos servidores públicos ante os trabalhadores da iniciativa privada, custa muitíssimo ao erário e a partir desta EC 103/19 passa a ser proibido.

Observa-se o direito adquirido de quem já incorporou aquelas diferenças total ou parcialmente, porém novas incorporações ficam proibidas, a nosso ver nada impedindo que regras locais fixem – ou, a esta altura, tenham fixado - a incorporação proporcional dos meses, dentro do exercício de 2.019, em que o servidor desempenhou o cargo em comissão, numa incorporação parcial da parcela anual.  Isto também parece constituir direito adquirido.

 

VII – O torturantemente longo e rebarbativo art. 40 – verdadeiro tormento ao leitor e ao aplicador, horror do direito e da técnica legislativa - foi quase que totalmente reformulado com relação à redação que lhe deram algumas emendas constitucionais, sejam  a EC 20/98, a EC 21/03 e a EC 47/05.

O que está por trás de uma Constituição extremamente analítica  e detalhística como esta nossa é o temor parlamentar, confessado, de que, figurando apenas de leis as regras da previdência, possam ser modificadas mais facilmente do que se estão na Constituição.

Imagina-se que desse modo desfrutem de maior estabilidade, mesmo a Constituição já tendo sofrido 109 (cento e nove) emendas em 33 (trinta e três) anos de existência.

Mas, mesmo com tudo isso, o novo art. 40, ainda que mantido muito extenso, resultou tecnicamente melhor que o anterior à EC 103.

Simplificou e unificou regras e mecanismos sobre aposentadoria, que desde a Carta (Emenda) de 1.969 apenas se complicaram enormemente no torvelinho das emendas constitucionais que desde 1.988 se sucederam até esta última  emenda.

 

VIII - Assim ficou o gigantesco dispositivo:

Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

§ 1º O servidor abrangido por regime próprio de previdência social será aposentado:

I - por incapacidade permanente para o trabalho, no cargo em que estiver investido, quando insuscetível de readaptação, hipótese em que será obrigatória a realização de avaliações periódicas para verificação da continuidade das condições que ensejaram a concessão da aposentadoria, na forma de lei do respectivo ente federativo; (...)

III - no âmbito da União, aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, e aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na idade mínima estabelecida mediante emenda às respectivas Constituições e Leis Orgânicas, observados o tempo de contribuição e os demais requisitos estabelecidos em lei complementar do respectivo ente federativo.

§ 2º Os proventos de aposentadoria não poderão ser inferiores ao valor mínimo a que se refere o § 2º do art. 201 ou superiores ao limite máximo estabelecido para o Regime Geral de Previdência Social, observado o disposto nos §§ 14 a 16.

§ 3º As regras para cálculo de proventos de aposentadoria serão disciplinadas em lei do respectivo ente federativo.

 
§ 4º É vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios em regime próprio de previdência social, ressalvado o disposto nos §§ 4º-A, 4º-B, 4º-C e 5º.

§ 4º-A. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.

§ 4º-B. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de ocupantes do cargo de agente penitenciário, de agente socioeducativo ou de policial dos órgãos de que tratam o inciso IV do caput do art. 51, o inciso XIII do caput do art. 52 e os incisos I a IV do caput do art. 144.

§ 4º-C. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.

§ 5º Os ocupantes do cargo de professor terão idade mínima reduzida em 5 (cinco) anos em relação às idades decorrentes da aplicação do disposto no inciso III do § 1º, desde que comprovem tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio fixado em lei complementar do respectivo ente federativo.

§ 6º Ressalvadas as aposentadorias decorrentes dos cargos acumuláveis na forma desta Constituição, é vedada a percepção de mais de uma aposentadoria à conta de regime próprio de previdência social, aplicando-se outras vedações, regras e condições para a acumulação de benefícios previdenciários estabelecidas no Regime Geral de Previdência Social.

§ 7º Observado o disposto no § 2º do art. 201, quando se tratar da única fonte de renda formal auferida pelo dependente, o benefício de pensão por morte será concedido nos termos de lei do respectivo ente federativo, a qual tratará de forma diferenciada a hipótese de morte dos servidores de que trata o § 4º-B decorrente de agressão sofrida no exercício ou em razão da função. (...)

§ 9º O tempo de contribuição federal, estadual, distrital ou municipal será contado para fins de aposentadoria, observado o disposto nos §§ 9º e 9º-A do art. 201, e o tempo de serviço correspondente será contado para fins de disponibilidade. (...)

§ 12º Além do disposto neste artigo, serão observados, em regime próprio de previdência social, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o Regime Geral de Previdência Social.

§ 13º Aplica-se ao agente público ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, de outro cargo temporário, inclusive mandato eletivo, ou de emprego público, o Regime Geral de Previdência Social.

§ 14º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, regime de previdência complementar para servidores públicos ocupantes de cargo efetivo, observado o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social para o valor das aposentadorias e das pensões em regime próprio de previdência social, ressalvado o disposto no § 16.

§ 15º O regime de previdência complementar de que trata o § 14 oferecerá plano de benefícios somente na modalidade contribuição definida, observará o disposto no art. 202 e será efetivado por intermédio de entidade fechada de previdência complementar ou de entidade aberta de previdência complementar. (...)

§ 19º Observados critérios a serem estabelecidos em lei do respectivo ente federativo, o servidor titular de cargo efetivo que tenha completado as exigências para a aposentadoria voluntária e que opte por permanecer em atividade poderá fazer jus a um abono de permanência equivalente, no máximo, ao valor da sua contribuição previdenciária, até completar a idade para aposentadoria compulsória.

§ 20º É vedada a existência de mais de um regime próprio de previdência social e de mais de um órgão ou entidade gestora desse regime em cada ente federativo, abrangidos todos os poderes, órgãos e entidades autárquicas e fundacionais, que serão responsáveis pelo seu financiamento, observados os critérios, os parâmetros e a natureza jurídica definidos na lei complementar de que trata o § 22.

§ 21º (Revogado).

§ 22º Vedada a instituição de novos regimes próprios de previdência social, lei complementar federal estabelecerá, para os que já existam, normas gerais de organização, de funcionamento e de responsabilidade em sua gestão, dispondo, entre outros aspectos, sobre:

I - requisitos para sua extinção e consequente migração para o Regime Geral de Previdência Social;

II - modelo de arrecadação, de aplicação e de utilização dos recursos;

III - fiscalização pela União e controle externo e social;

IV - definição de equilíbrio financeiro e atuarial;

V - condições para instituição do fundo com finalidade previdenciária de que trata o art. 249 e para vinculação a ele dos recursos provenientes de contribuições e dos bens, direitos e ativos de qualquer natureza;

VI - mecanismos de equacionamento do déficit atuarial;

VII - estruturação do órgão ou entidade gestora do regime, observados os princípios relacionados com governança, controle interno e transparência;

VIII - condições e hipóteses para responsabilização daqueles que desempenhem atribuições relacionadas, direta ou indiretamente, com a gestão do regime;

IX - condições para adesão a consórcio público;

X - parâmetros para apuração da base de cálculo e definição de alíquota de contribuições ordinárias e extraordinárias.

O caput, mais conciso que o anterior à EC 103/19, é melhor que aquele. Já parte do pressuposto de que os servidores efetivos  têm regime próprio de previdência, obrigatório e contributivo (I) pelo ente respectivo; (II) pelos servidores ativos; (III) pelos aposentados, e (IV) pelos pensionistas.

Continuam sendo três as espécies de aposentadorias  do efetivo: (I) por invalidez, agora denominada incapacidade permanente para o trabalho; (II) compulsória por atingimento da idade máxima para o serviço público,  (III) voluntária por implemento de idade.

Pelo § 1º, inc. I,  aposenta-se o servidor pelo advento de incapacidade permanente para o trabalho, quando insuscetível de readaptação. Nesse caso será obrigatória e periodicamente avaliado, dentro das condições temporais e operacionais fixadas pelo regramento próprio do ente que o aposentou.

Se por alguma dessas reavaliações exsurgir comprovado o retorno da capacidade laborativa será cassada a aposentadoria e o servidor retornará ao serviço (através do instituto constante da regra local)  até perfazer condição para aposentar-se por qualquer modo.

O inc. II do § 1º foi mantido inalterado pela EC 103, continuando a aposentadoria compulsória a dar-se aos setenta anos de idade, sendo que alguns cargos do Judiciário e do Tribunal de Contas da União tiveram aumentada aquela idade para setenta e cinco anos pela EC 88, de 2.015, a então pitorescamente chamada PEC da bengala.

 Festejamos aquele  aumento à ocasião – imaginando que nos aproximávamos da regra vitalícia e sem limite de idade que vigora nos Estados Unidos, que pressupõe a sanidade mental e profissional dos agentes -   mas hoje, observando os resultados na dura prática, passamos a lamentar profundamente aquela alteração, porque não poderia ter sido pior o efeito.  Éramos felizes e não sabíamos.

Está em cogitação PEC que retorne a idade expulsória para os 70 anos, algo que se deseja intensamente e que favorecerá à grande as instituições de nosso país. Isto denota que não se trata apenas de isolada opinião deste insignificante escriba.

 

IX - O inc. III simplificou o ruim  equivalente anterior, que se perdia em tempo de contribuição e idade, algo efetivamente duro de digerir.

Na União, querendo,  se aposenta a servidora com 62 anos, e o servidor com 65. E nos demais entes federativos também é assim, porque, apesar das aparências de descentralização da matéria,  o dispositivo remete às Constituições estaduais,  às leis orgânicas dos Municípios e ainda a leis complementares locais  para disciplinar esse tema dentro de cada Estado e de cada Município, porém é preciso ler o artigo até o fim, vez que:

a) o 2º limita os proventos a um salário mínimo como piso, e ao limite do regime geral como teto – e fiquem os entes federados dentro disso, salvo no caso da aposentadoria complementar versada nos §§ 14 a 16;

b) o § 4º proíbe a adoção de critérios diferenciados para os benefícios, salvo nas exceções da própria Constituição, constantes dos arts. 4º-A a C, e 5º. Conformem-se os entes federados também a isso;

c) o art. 5º reduz a idade mínima de professores em 5 (cinco) anos, desde que ‘em efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio fixado em lei complementar do respectivo ente federativo.’ E permaneçam os entes federados também dentro dessa regra.

Ou seja: fez mal o constituinte em fingir dar autonomia a Estados com uma mão, já que os segurou com a outra. Se a Constituição é federal e este assunto de previdência pública é nacional, então jamais deveria ter havido diferenciação entre a União, de um lado, e os demais entes de outro.    Demagogia ?   Falta  de visão lógica ?

Imaginará o constituinte que os Estados e os Municípios desejam desgastar-se com seus servidores, com sua população e com quer que seja para fixar regras diferentes das da União para  a sua  previdência pública ?  

Ilusão acabada, até porque a autonomia financeira dos entes federados, diante de tantos limites federais,  e de tantos figurinos obrigatórios, é praticamente nenhuma, podendo os entes variar e criar apenas em questões francamente insignificantes, de relevância exígua – mas até quanto a isso o seu desgaste será certo...

 

X – O § 3º não se sabe bem a que veio. Como imaginar que algum Estado ou algum Município deixe de estabelecer aposentadoria integral para os seus efetivos que preencham as condições de se aposentar ?

Ainda que o provento integral seja um privilégio e um apanágio do estatutário efetivo – em evidente desigualdade quanto ao aposentado pelo regime geral do INSS -, o fato é que jamais foi diferente nos 521 anos da história do Brasil, e custa imaginar que de  uma penada esse panorama mude, e, seja lembrado,  não na União mas nos Estados e nos Municípios.

Somos pessoalmente contra a diferenciação que privilegia aos efetivos, porém não será nenhum Estado e nenhum Município que iniciará a transformação desse panorama, o qual, repita-se, não é nem jamais foi assunto local, sendo assunto eminentemente nacional.

Se é para mudar, então que a Constituição diretamente dite as novas regras para todos, sejam quais forem e com a gradatividade temporal que for – mas não se imagine que um Estado ou um Município vá inovar revolucionariamente quanto a isso.

 

XI – O novo art. 4º-A admite que lei complementar estadual e municipal fixem requisitos de idade e de tempo de contribuição diferenciados para que servidores com deficiências se aposentem, após exame biopsicossocial realizado por ‘equipe multiprofissional e interdisciplinar’.

Este tema já não é tão nacional quanto o anterior e comporta soluções locais, porém não nos agrada essa discricionariedade (legislativa) que a Carta confere a Estados e Municípios. Existe grave risco de demagogias eleitoreiras e bastante onerosas ao erário, muita vez injustas e de pouco propósito público.

A regra, entretanto, é um Estado copiar outro, e um Município copiar seu Estado e outros Municípios, e todos copiarem a União. Não deverá suceder diferente neste caso.

E o art. 4º-B faz semelhante, num casuísmo dos casuísmos. Permite que leis complementares locais diferenciem tempo de contribuição e idade mínima para que agentes penitenciários, agentes socioeducativos e policiais possam se aposentar.

Sem embargo da dignidade desses ofícios e do incontestável mérito  dos seus titulares, , afigura-se difícil justificar porque apenas esses mereceram o privilégio constitucional, dependente de lei complementar estadual ou municipal, conforme cada caso.

Com efeito, imaginar-se que um agente penitenciário aposenta-se no Município A de um modo e no Município B de outro modo significativamente diferente, e no Estado C de outro modo ainda,  não faz muito sentido num estado democrático de direito regido pelo princípio da igualdade.

Nem a escolha pontual dos agentes faz sentido, nem a eventual diferenciação previdenciária que possam experimentar conforme o ente a que sirvam, nada disso a nosso ver faz sentido jurídico.

E o art. 4º-C segue na mesma linha demagógica, permitindo diferenciação local por lei complementar (estadual ou municipal) de agentes em trabalho insalubre.

Tudo errado, respeitosamente.

Estes parágrafos  alfanuméricos 4º-A a 4º-C para o art. 40 da Carta são invenção desta EC 103/19.   Ideias tortas que são, ,vieram em má hora, e farão possivelmente tumultuar um ambiente que poderia ser muito mais calmo, equilibrado e igualitário ou se os artigos não existissem ou  se estas matérias fossem todas exclusivamente nacionais, não locais. Não se pergunta a uma adorável criancinha   se ela prefere tournedos au poîvre vert ou quiche lorraine au bourgogne, porque ela não sabe.

Se o constituinte entende que é deste modo que se faz democracia republicana, então nos parece francamente equivocado.

 

XII – Veja-se o outro lado da moeda: o § 5º reduz a idade mínima para a aposentadoria dos professores em cinco anos, desde que comprovem efetivo exercício em funções de magistério.

A Carta já impôs a regra, sem remeter  para lei complementar local nenhuma quanto a isso. Remeteu à LC local apenas para a definição do que sejam as funções de magistério – o que também não faz muito sentido ante a legislação de diretrizes e bases da educação nacional - , mas não para decidirem se reduzem o tempo mínimo ou se não reduzem: a Carta já reduziu.

Fosse deixada essa redução para a lei local, então por certo existiriam Municípios que reduziriam em dez anos o tempo mínimo, e outros que o reduziriam em um ano, ao lado de outros que não o reduziriam.

Por que motivo então os §§ 4º-A a 4º-C jogam a peteca  para disciplinamento local, estadual e municipal, se tratam  temas jurídica e materialmente tão fundamentais quanto a aposentadoria de alguns agentes públicos, e a dos que trabalham em condição insalubre ?

Pode o mesmo trabalho insalubre ser tratado de mil modos diferentes, em mil Municípios ?   Faz algum sentido ?

Se o trabalho de professor merece proteção constitucional igual em todo o país, por que então os casos mencionados nos §§ 4º-A a 4º-C não a merecem ?

Nesse ponto houve-se pessimamente  a EC 103.

 

(conclui na segunda parte)