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SÚMULAS STJ 633, 634 E 635: a) DECADÊNCIA DE PRAZO REVISIONAL; b) PRESCRIÇÃO DE IMPROBIDADE PARA PARTICULAR ; c) INÍCIO DO PRAZO NA L. 8112/90.
SÚMULAS STJ 633, 634 E 635:
a) DECADÊNCIA DE PRAZO REVISIONAL;
b) PRESCRIÇÃO DE IMPROBIDADE PARA PARTICULAR;
c) INÍCIO DO PRAZO NA L. 8112/90
Ivan Barbosa Rigolin
(fev/22)
I – O e. Superior Tribunal de Justiça tem editado novas súmulas de sua jurisprudência, que com isso passa a ser, de apenas predominante, a única a observar sempre que o caso se refira a cada respectivo assunto.
O trabalho dos advogados e dos doutrinadores se simplifica sensivelmente sempre que jurisprudência é sumulada, apenas sendo muito desejável que o Tribunal emissor mantenha permanente controle da atualidade de cada súmula, sobretudo diante da alteração das leis que as ensejaram.
Com efeito, os Tribunais simplesmente evoluírem de uma interpretação para outra a ponto de precisarem reformar alguma súmula é raro; mas quando a lei de fundamento se altera o assunto é mais sério, e exige atualização de súmulas que restem, acaso, contra legem.
E como as súmulas não são suscetíveis de declaração de inconstitucionalidade o que em sessões administrativas os Tribunais costumam fazer é declarar a insubsistência desta ou daquela súmula para o novo momento; porém nesses casos não se editam súmulas substitutiva, diante da novidade da alteração legislativa que ainda não gerou jurisprudência, e apenas se declara a ‘caducidade’ de alguns textos sumulares.
Assim ocorreu com o Supremo Tribunal Federal, cuja Súmula 38, que declarava que reclassificação posterior à aposentadoria não aproveita ao servidor aposentado, foi simplesmente invertida pela Constituição de 1.988 em sua redação original, cujo art. 40, § 4º, mandava estender aos inativos todo e qualquer benefício instituído em favor de cargos similares ativos – matéria apenas modificada pela EC 41. de 19 de dezembro de 2.003, que no novo § 8º do art. 40 ‘fingiu’ que o assunto não existia, tal qual muitos fazem quanto a dívidas.
Aquela vetusta súmula 38, assim tendo sido declarado ou não, tornou-se então, com a CF/88, materialmente insubsistente, porque não se imagina que pudesse vigorar contra a letra expressa da Constituição.
Resume-se assim esta preocupação: não podem as súmulas de jurisprudência congelar o direito na sua evolução normativa, sobretudo legislativa. A súmula esclarece e define para o momento, porém se vier a se desatualizar ante a legislação passará a atrapalhar ao invés de sistematizar ([1]).
II – Desta vez brevemente se comentam três novos verbetes sumulares do Superior Tribunal de Justiça, aprovados em sessão de 12 de janeiro de 2.022 e publicados no DJ de 17 de janeiro de 2.022: as Súmulas nºs 633, 634 e 635, sobre matéria de direito público.
Rezam elas:
Súmula nº 633
A lei 9.784/99, especialmente no que diz respeito ao prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos estados e municípios, se inexistente norma local e específica que regule a matéria.
Súmula nº 634
Ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na Lei de Improbidade Administrativa para o agente público.
Súmula nº 635
Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da lei 8.112/90 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento administrativo toma conhecimento do fato, interrompem-se com o primeiro ato de instauração válido – sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar – e voltam a fluir por inteiro, após decorridos 140 dias desde a interrupção.
III – A Súmula STJ nº 633 se refere à importante Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1.999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração pública federal.
Desde bem logo após a sua promulgação levantaram-se vozes na doutrina postulando que o âmbito da lei não se podia restringir ao plano federal, mas pela generalidade, essencialidade e amplidão das suas regras a lei tem cogente incidência nacional, aplicando-se também a Estados, Distrito Federal e Municípios.
Foi uma postura avançada e corajosa, mas que também rapidamente mereceu acolhida no Poder Judiciário, o qual cedo reconheceu que o assunto da LPA não podia ser apenas federal, já que os princípios ali e as regras preceptivas consignados resultam indispensáveis para reger o processo administrativo do ente público que for, dentro de nosso país e do nosso ordenamento.
Para que se visualize mais objetivamente o escopo e o alcance da LPA vejam-se apenas seus arts. 1º, em parte, e 2º:
Art. 1o Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.
§ 1o Os preceitos desta Lei também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa. (...)
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;
XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Observa-se sem esforço e desde logo o caráter absolutamente principiológico destas disposições iniciais, que de resto é mantido com aquela mesma generalidade por toda a lei.
Essa constatação é reforçada pelo raro sintetismo dos artigos, diretos, curtos e grossos, os quais, contendo princípios e não manuais do usuário como é o articulado das horripilantes leis brasileiras de licitação, são ligeiros e objetivos, sem circunvoluções, meandros, particularizações gratuitas e rodeios intermináveis.
O legislador federal, contido e humilde naquele momento dos idos de 1.999 – diferentemente da prepotência e da arrogância que exibiu quando da Lei nº 8.666, de 1.993, na qual está dito que todos os seus mais de cem artigos constituem ‘normas gerais de licitação e contrato’ -, formalmente restringiu o escopo da LPA ao âmbito federal. Excessiva modéstia ! Quanto cavalheirismo !..
Acontece que pela generalidade das suas disposições a lei em verdade constituiu um verdadeiro código de processo administrativo, muito bem-vindo e necessário a todo órgão público brasileiro. O senso de oportunidade demonstrado pelo legislador de 1.999 revelou-se notável.
E mesmo em se tratando do conjunto dos parlamentares federais a se sucederem nas legislaturas, restou evidente que existem legisladores e legisladores ...
IV – Tantas foram as decisões judiciais pela aplicabilidade da LPA a todo ente ou órgão público brasileiro – inclusive a indireta e a de todos os Poderes -, decisões essas fundadas sobretudo na doutrina que somente se avolumava e se expandia, e motivada pelos incontáveis pleitos advocatícios nesse sentido, que à abertura deste ano de 2.022 resolveu em boa hora o STJ sumular a matéria, fazendo-o pela Súmula nº 633.
Aquela súmula se refere a este artigo da LPA:
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Pela primeira leitura do artigo da lei federal (editada para a Administração direta e indireta da União) nada indica que se aplique também para Estados e Municípios; por uma reflexão mais atenta e cuidadosa, entretanto, dá-se conta o administrado que a regra é grande demais para valer apenas para a União, e tal é a sua universalidade de escopo não poderia deixar e se aplicar aos demais entes integrantes da federação.
Foi a conclusão de quem se tenha debruçado sobre o tema, tanto na doutrina quanto nos abundantes julgados que se seguiram, de cuja conclusão poucos divergiam. Como entretanto ainda existia alguma resistência por parte de alguns Estados e Municípios, a súmula em excelente momento adveio para colocar a questão em pratos limpos.
A súmula por evidente não impede que existam leis locais dispondo sobre o assunto – dentro do curto espaço que resta a Estados e Municípios para disporem sobre esta matéria – decadência – que pertence à teoria do direito civil.
O que a súmula efetivamente visa obstar é que Estados e Municípios ofereçam resistência à regra da decadência quinquenal para a revisão administrativa de seus atos administrativos que ensejaram, quando foram produzidos, efeitos benéficos a alguém – servidor público ou não.
Ou seja: um Município editou um ato que, por interpretação de lei, deu alguma vantagem a alguém – supostamente dentro daquela autorização legislativa. Passados alguns anos esse Município resolve revogar aquele benefício, pelas razões que indique.
Nesse momento entra a regração da súmula: se já decorreram ao menos 5 (cinco) anos completos da publicação do ato, melhor o Município mudar de ideia... Ele tinha prazo para administrativamente desfazer o que fizera, e não desfez a tempo. Como o direito não socorre os que dormem, decaiu de seu anterior direito, e o ato deve ser mantido.
Caso aquele Município ignore a súmula e desfaça o ato merecerá ação judicial que, pelo visto, nesta fase do direito tem tudo para ser provida.
Decadência, no mais, é perda do direito, matéria de direito civil, enquanto que prescrição é a perda da ação que garante algum direito, matéria portanto de direito processual, em ambos os casos por decurso de prazo legal. Na prática uma coisa conduz à outra, mas tecnicamente a diferença existe.
V – A Súmula STJ nº 634 cuida de prescrição, matéria processual como se sabe, enquanto a Súmula acima comentada cuida de decadência, matéria de teoria civil. Prescrição significa a perda da ação que assegura um direito, pelo só decurso do prazo legal para a respectiva propositura.
Refere-se à lei contra a improbidade administrativa, referida como LIA, a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1.992, a qual
Dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; e dá outras providências.
O prazo prescricional referido na súmula é o constante deste artigo da LIA:
Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.
As sanções da LIA são as previstas nos seus arts. 17 a 20, dentro da verdadeira colcha de retalhos em que se transformou a LIA por força da Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2.021 – ainda que se deva elogiar profundamente essa última lei, porque materialmente escoimou a LIA da hipocrisia, da farsa e da iniquidade selvagem e vergonhosa que eram os atos culposos de improbidade, algo que não existe, nunca existiu e jamais existirá no direito de povo nenhum civilizado. Foi portanto uma colcha de retalhos desejável a todos os títulos, como em geral não o são as colchas de retalhos legislativas.
VI - Seja como for, as sanções da LIA permanecem na lei, apenas que o seu compulsamento se tornou mais difícil do que era antes, sob o tétrico panorama dos atos culposos de improbidade, selvageria inominável que contraria desde a lógica da língua portuguesa até a mais primitiva noção de direito dos estados democráticos.
A LIA foi concebida para coibir, anular e, quando é o caso, fazer ressarcir o erário por atos de improbidade administrativa praticados por autoridades públicas, porém que, se caracterizada a improbidade, podem beneficiar agentes públicos e pessoas particulares, físicas ou jurídicas. Daí dever a atenção da lei voltar-se também à prescrição da ação quanto a particulares.
A Súmula STJ nº 634 em verdade parece verter-se sobre algo óbvio: se a ação prescreve em favor do agente público, é natural de esperar que prescreva também em favor do particular beneficiário do ato ou do negócio que se contesta.
Não parece fazer sentido a lei prever uma prescrição em favor do agente público, e outra, pelo mesmo ato, em favor do particular beneficiado. Seria uma extinção de punibilidade diferida no tempo, a de uma parte no negócio prescrevendo em tempo diverso da prescrição quanto à outra arte... absolutamente sem lógica.
Nem se poderiam invocar, entendemos, leis diferentes para regular a prescrição da ação contra o mesmo ato ou o mesmo negócio, ou seja: um só ato, e duas leis para aprazar a ação que o conteste, apenas porque uma parte é pública e a outra particular.
Mas ninguém duvide da ousadia de autores de ações públicas que, para prejudicar alguém antes de mais nada – pois que o sadismo processual no Brasil nunca foi tão evidente quanto nas ações civis públicas com a nota de improbidade -, que pelo que se observou até hoje poderiam pretender a existência de dois prazos prescricionais.
Por via das dúvidas, e também porque em direito mesmo o óbvio precisa ser claramente pronunciado, registre-se a oportunidade desta súmula, que de antemão dissipa qualquer dubiedade de que a matéria pudesse revestir-se.
VII – A Súmula STJ nº 635 volta a referir prescrição, neste caso administrativa e não para fim do processo judicial. Cuida das prescrições contidas na lei do regime jurídico único dos servidores federais, que em verdade é o estatuto daqueles servidores, a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1.990, já assaz de vezes alterada desde sua promulgação.
Em verdade esta súmula interpreta e, dentro do que cabe ao Judiciário, disciplina e moraliza alguns aspectos do artigo, de certo modo colocando ordem no galinheiro. Com efeito, o artigo impõe limite ao poder de deixar correr livre e frouxamente o processo, dado à Administração processante ou sindicante, sem prazo à vista para o seu encerramento.
É proveitoso por isso transcrever todo o art. 142 daquela Lei nº 8.112/90:
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
§ 1o O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
§ 2o Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.
§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4o Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção. (Itálico nosso).
A súmula incide sobre metade do § 3º do artigo, e sobre todo o § 4º.
Pela regra do § 3º a prescrição se interrompe com a instauração da sindicância ou do processo administrativo, e perdura até a decisão final da autoridade sem qualquer ressalva ou limitação.
E como se sabe que o excedimento do prazo não acarreta nulidade do processo – conforme a Súmula nº 592 do mesmo STJ - então na prática o processo pode desenrolar-se placidamente durante anos, sem que ocorra a prescrição.
E pelo acaciano § 4º, que inventou a roda, o prazo prescricional interrompido volta a correr a partir da cessação da interrupção ... alguém esperaria diferente ?
O STJ leu diferentemente a lei, e por esta Súmula 635 o prazo prescricional volta a correr – devolvido por inteiro, o que ocorre nas interrupções e o que não ocorre nas suspensões - após decorridos 140 dias contados da data da interrupção.
Ou seja, uma vez interrompida a prescrição, essa interrupção não é sem prazo, e termina após 140 dias, a partir de quando todo o prazo prescricional da lei é devolvido e volta a correr do zero.
Esta regra como se observa contraria a letra da lei, porém é o resultado que doravante se espera das ações que cheguem ao STJ – uma proeza que na advocacia vem sendo cada vez mais difícil de concretizar -, porém que em boa técnica deverá ser observada pelas instâncias inferiores do Judiciário e que não deve depender de que a ação consiga ser julgada pelo STJ.
Favorece a racionalidade temporal dos processos administrativos, os quais nada, absolutamente nada na face do planeta, justifica que se prolonguem por tempo indeterminado, por vezes anos a fio sem solução, com imenso prejuízo ao indiciado e ao próprio serviço público.
E a súmula, com isso e por fim, prestigia a filosófica lucubração de que que é preferível um fim horroroso a um horror sem fim.
[1] Contando o milagre mas sem contar o santo, já vimos repertórios sumulares de certos Tribunais que lembraram catacumbas do império romano ou porões de navios fantasmas, desfilando matéria que ninguém faz a menor ideia do que significa, quando não, mesmo, do que um dia possa ter significado, num imenso desserviço ao direito. Esse é um dos perigos de pretender marcos fixos num ambiente absolutamente mutável.