LICITAÇÕES E CONTRATOS NAS EMPRESAS ESTATAIS (1ª PARTE)

AS   LICITAÇÕES    NAS    EMPRESAS ESTATAIS  PELA LEI     Nº 13.303, DE 30 DE JUNHO DE 2.016  

Ivan Barbosa Rigolin

(mar/17)

Primeira parte


Introdução.

A Lei nº 13.303/16 e as recentes leis brasileiras

 A Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2.016, marca o fim de uma angustiante espera, de duas décadas, pelo estatuto jurídico das empresas estatais. Ansiado – mais ao início e menos atualmente, diga-se, porque todos os ânimos se arrefecem quando duas décadas se passam ... - pelos praticantes do direito público, enfim foi promulgada a lei nacional que estabelece, de modo generalizado para todos os entes da federação, as regras e os parâmetros jurídicos para a instituição, a organização e o funcionamento, e m grandes linhas, das empresas estatais, nominadamente as sociedades de economia mista e as empresas públicas.

Parecia mesmo necessário que viesse a lei, por tardia que fosse, já que esse tema das empresas paraestatais, muito particularmente  o das sociedades de economia mista, precisava, como precisa, de uma parametração nacional e uniforme. O assunto é palpitante e grande por demais, e economicamente relevantíssimo,  para ficar ao sabor das peculiaridades e das vicissitudes locais.

Com efeito, dificilmente se concebe que matéria de uma tal relevância institucional-jurídica, econômica, política e organizacional como é a das empresas do Estado, muita vez mais poderosas e opulentas que o próprio Estado que as institui – vide Petrobrás – fique ao sabor das variáveis, das instabilidades, das mutações a cada eleição que passa, das picuinhas baixas e odiosas, e das demais mazelas e torpezas locais, sejam estaduais, sejam munici[pais, sejam distritais.

O assunto e os valores envolvidos, de toda ordem como afirmado, são por demais grandiosos e fundamentais para permanecer ao talante e ao alvedrio das autoridades locais, desde aqueles estadistas admiráveis até os mais empedernidos loucos de todo gênero, genuínas bestas-feras quase hidrófobas que a população – amiúde tão rematadamente irracional e imbecil quanto aqueles – com freqüência elege para as governar. 

Claro, em casos assim a população eleitora merece por completo o animal alucinado – corrupto, celerado e crápula - que elegeu, mas o mesmo não se aplica ao respectivo ente estatal, e ao seu erário. Esses precisam de proteção institucional firme e sólida, que muito possivelmente uma legislação nacional unitária, unívoca e centrada tende a lhes assegurar.

Tal foi, com rigorosa certeza, o escopo mediato da lei que deu afinal o estatuto jurídico das estatais em nosso país. E que, tanto quanto a lei de responsabilidade fiscal, tardou demais.

 Não se poderia  neste curto artigo discorrer em extenso sobre toda a lei mas tão-só, e mesmo assim com brevidade, sobre a assaz alongada parte de licitações constante do diploma.

Com o recente e ainda atual episódio dos escândalos da Petrobrás – recorde planetário  da corrupção e vergonha máxima do Brasil ante o conjunto das  nações institucionalizadas – o legislador percebeu que, além de ser mais que hora de disciplinar os negócios das estatais, dentre os pontos capitais de um tal disciplinamento emerge a questão das licitações, que são o adminículo, o portal de entrada, o duto de acesso dos contratos.

Os contratos a seu turno constituem, quando malversados e corrompidos como vêm sendo em nosso país a partir do ano da graça de 1.500 sem um minuto de interrupção, afiguram-se como o vertedouro do do dinheiro público para os cofres particulares do banditismo da mais variada matiz, o sumidouro da fonte de manutenção do próprio Estado.

Natural, assim, que a nova lei cuidasse com afinco de enquadrar o regime licitatório das empresas do Estado em regras supostamente melhores que as atuais normas gerais de licitação e contrato, dadas pela Lei nº 8.666/93 e que para as empresas estatais servem mal, canhestramente como uma chuteira de futebol a uma bailarina.

As paraestatais, sendo empresas regidas no fundo pelo direito privado e não pelo direito público, exigiam regras mais adequadas que aquelas ideadas para a Administração direta e as autarquias, mundos esses por inteiro diversos do das empresas, ainda que pertencentes ao Estado.

Lancemos os olhos então, posto que com a inescapável ligeireza que os limites de um artigo impõem, sobre as regras de licitação constantes da Lei nº 13.303, de 2.016.

 Os dispositivos específicos sobre licitação nas estatais dentro desta L. 13.303/16 são  os arts. 28 a 67, quarenta portanto, o que numa lei de 97 artigos representa, grosso modo, quase metade da extensão total da lei. Quando a isso se somam os dezessete outros relativos aos contratos, os arts. 68 a 84, então o percentual que todo esse conjunto (licitações e contratos) ocupa da  lei integral atinge quase 59% do volume de artigos. É quase outra lei de licitações.

Pelo que então se observa parece que o legislador visou disciplinar a licitação dentro das estatais antes e mais do que qualquer outro tema, e como lhe deve haver sobrado tempo cuidou também de alguma coisa mais.  

Sua   claríssima intenção foi a de tentar  sufocar, ou ao menos reduzir e mitigar,  as – sabidamente mais amplas que o infinito - possibilidades de corrupção, ladroagem, banditismo, roubalheira, falcatrua, negociata, propinagem, maracutaia, pilhagem, saque, surrupiamento e descaminho das verbas das empresas paraestatais, mais exuberantes, como são,  que a selva amazônica.

Aquele louvável esforço legislativo entretanto, ante a infindável criatividade delinqüencial  do ser humano só em si pouco resultado daria ou dará se não for indispensavelmente apoiado em ofensivas muito rígidas do Ministério Público e, sobretudo, que sejam técnica e decididamente prestigiadas pelo Poder Judiciário, tudo como o que se vem observando já há alguns anos no desenrolar da dita operação policial-ministerial-judiciária Lava Jato.  Esta, sim e aliás, foi  o verdadeiro mote e o agente propulsor desta Lei nº 13.303/16. Não fora aquela operação, a nação talvez ainda aguardaria outras décadas antes de ter a lei do estatuto jurídico das estatais.

Os artigos sobre licitação dividem-se em sete Seções do Capítulo I do Título II ([1]) da lei, enquanto que os relativos a contratos ocupam três Seções daquele Capítulo. São artigos e divisões muita vez gigantescas, de uma complexidade que um dia talvez o legislador brasileiro aprenda que somente entrava e prejudica a aplicação da lei, dificultando-a ao extremo sem qualquer proveito aparente.

Ignora que quando existem algumas regras a cumprir essas  tenderão a ser conhecidas e com tanto poderão ser observadas; quando existem muitas regras aquilo naturalmente se dificulta, porém quando as regras são intermináveis é praticamente certo que na sua grossa maioria serão ignoradas, rejeitadas in limine, postas solenemente de lado ao primeiro lanço de olhos, e com isso descumpridas.

As leis não podem constituir ritos de tortura aos aplicadores nem aos destinatários,  porque essa, além de por completo desviada de sua finalidade,  é a atitude menos inteligente que o legislador possa ter.  Costuma ser a a garantia de que nada de novo irá acontecer ... ([2])

Não se livrou de um todo-indesejado gigantismo a parte de licitações desta lei do estatuto jurídico das estatais.

Não se deu conta o legislador ainda, repita-se, que quando a lei de licitações era simplíssima – e era basicamente a Lei paulista nº 89, de 1.972, que inspirou o Decreto-lei nº 2.300, de 1.986, que engendrou a Lei nº 8.666, de 1.993, que agora está para ser alterada para muito maior e muito mais complicada – havia muito menos banditismo nas licitações, e muito menos desvio de dinheiro público, e muito menos calamidades com o erário.  Não percebeu.

Repisa o erro e o acentua a cada nova lei, sempre mais rebarbativa que a anterior, mais prolixa a repetir-se ou a negar-se (!!) continuadamente, mais labiríntica e mais repleta de detalhes tão importantes quanto nada, mas que desviam tremendamente a atenção do que importa, e que – curioso fenômeno – incitam aventuras e empulhações inéditas, e pirotecnias fraudatórias em que ninguém jamais pensara !  Que minas de ouro sempre se descortinam, nas novas leis que espoucam, aos crápulas de todo gênero !

O diabo mora nos detalhes, é o que ainda não percebeu o legislador brasileiro, mergulhado na eterna ilusão de que quanto mais rebuscada ou indecifrável for a lei melhor será, quando em verdade a complicação sempre piora o que quer que seja em direito, como na vida mesma. Desconhece que, em textos legais  tanto quanto em culinária,  quantidade não é nem nunca foi qualidade – e muito amiúde são realidades desabridamente conflitantes.

Escrever economicamente e bem, dando todo o recado, constitui uma arte das mais difíceis, seja para redigir um código, seja uma lei menor, seja uma peça literária, seja um bilhete ao filho. O Brasil, pelas amostras legislativas que dá, tem um penosíssimo caminho à frente se quer superar este marasmo evolutivo  em que se encontra chafurdado até o cabelo.

Ao invés de tentar simplificar suas leis – para que alguém as entenda – sempre envereda nosso legislador pela senda oposta, de complicar por complicar, pretendendo  demonstrar cuidado e apuro á clientela, que a cada evento resta mais atônita e embasbacada.  – Então lei será isso ? – perguntar-se-á o perplexo espectador Que oceano de ilusão !   Que equívoco monumental !   

Perdeu-se a matriz da simplicidade. Quanto mais se exige transparência governamental, menos transparentes são as novas leis.   Quanto mais se reclama por publicidade, menos publicáveis parecem ser os ideários das novas leis que se editam, aparentemente criptografadas para iniciados, e refratárias a qualquer senso comum. 

E se de fato constituem algo assim, então a que espírito sombrio pretendem agradar ?   Que tenebroso propósito  veiculam, e que real ideologia agasalham semelhantes mastodontes ?  A quem tem olhos para ver, eis o inquietante panorama.

 Os arts. 28 a 67 da Lei nº 13.303/16

 IV – Adentrando a Lei nº 13.3013/16, aqui não se farão duas coisas: (I) transcrever a lei, inútil encompridamento de texto, e (II) comentar sempre cada tópico interno dos arts. 28 a 67, o que faz senso num livro inteiro porém  em um artigo como este descabe técnica e volumetricamente. Comentam-se os grupos de tópicos que assim em conjunto possam ser analisados, destacando-se apenas os pontos isolados que, pela matéria, tecnicamente  recomendem exame individuado.

Refere-se à lei em exame doravante apenas por L. 13.303, e o comentário a cada artigo merece uma chamada em destaque.

Art. 28

O art. 28 no caput, em redação infantil e bem pouco técnica – lembrando passagens iniciais da lei nacional de licitações -  anuncia que se aplicam as regras licitatórias desta L. 13.303 aos  contratos pretendidos pelas empresas públicas e pelas sociedades de economia mista, ressalvadas as hipóteses de dispensa do art. 29 e de contratação direta  do art. 30.

A infantilidade da lei consiste em exemplificar alguns contratos licitáveis, como se já não o fossem naturalmente, e neles inclui os de engenharia (?), de publicidade, aquisição, alienação e locação de bens e de ativos, execução de obras, e implementação de ônus reais sobre aqueles bens próprios.

Pergunta-se ao legislador: a) que é um contrato de engenharia ? Seria de algum objeto de concepção ou de execução privativa de engenheiro ?  Alguém licita ou contrata alguma  engenharia ?...;   2) era mesmo preciso dar esses exemplos de objetos de contratos ? Já não estavam compreendidos esses objetos contratuais  entre os necessariamente licitáveis ?   Por que a prolixidade, que somente prejudica a idéia    de que todo   contrato é em princípio exigidor de licitação ?

O art. 28, § 1º, informa que se aplicam às estatais as regras dos arts. 42 a 49 da lei das micro e pequenas empresas, a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2.006, regras essas protetivas das MEs e das EPPs no confronto com empresas que não o sejam. Parece também rebarbativo o dispositivo, porque mesmo sem ele entendemos que a LC 123, dada a sua propositada abrangência,  já se aplicaria, ou já se continuaria aplicando, àquelas micro e pequenas empresas, salvo se esta L. 13.303 as excluísse expressamente.

O § 2º estabelece que os convênios e os contratos de patrocínio e celebrados pelas estatais aplicarão no que couber as normas de licitação da L. 13/303. Dis[ositivo francamente estúpido como o são quase todos os que se referem “ao que couber”, não serve para rigorosamente coisa nenhuma, na medida  em que cada pessoa pode legitimamente entender que isto ou aquilo cabe inteiramente, ou que descabe por completo, à falta de regra objetiva numa ou noutra direção. Excelente perdida oportunidade para o legislador, que não faz a menor idéia do que cabe e do que não cabe, ter permanecido silente.

O § 3º deste – já penoso – art. 28 dispensa as estatais de observar estas presentes regras de licitação nas hipóteses de contratação de (I) serviços, obras ou venda de produtos que estejam incluídos nos  contratos sociais da estatal contratante, e (II)  se o “parceiro” for escolhido por suas características particulares -  seja lá o que for que isso signifique, na medida em em que todas as pessoas têm características particulares.

Antes disso já é estranha a dicção parceiro, porque as partes em contratos não são exatamente parceiras, mas competidoras com interesses conflitantes e não convergentes.

Mas não é só, porque ainda deve ser justificada a inviabilidade de licitação como pressuposto da contratação direta.  Ora, se é preciso justificar a inviabilidade de licitação, então esta última hipótese deveria constar do rol das licitações inexigíveis, no art. 30.  Ou, de outro modo, nem precisaria constar de lugar algum da lei, porque o que não se pode licitar é de per si e ipso facto insuscetível de ser posto em licitação. Não se olvide ninguém de que o rol do art. 30 desta L. 13.303 é exemplificativo, tanto quanto o art. 25 da Lei nº 8.666/93.

Acontece que o inc. II do § 3º - e isso não dissemos para não embaralhar ainda mais o horizonte – exige que a escolha do parceiro  esteja vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas. A seguir o § 4º, encerrando o artigo, define essa expressão de maneira extensa e detalhada, indicando sempre a associação ou a desassociação da estatal contratante com entidade congênere, além de, também, admitir operações no mercado de capitais como sendo oportunidade de negócio.

Trata-se de matéria mais comercial que administrativa, inquestionavelmente. A legislação regedora do mercado de capitais e das associações empresariais, e a da extinção de tais associações na mesma toada, entra em cena com vigor máximo, tudo para configurar uma hipótese em que estas regras da L. 13.303 não se aplicam a contratações das estatais.

Apesar de relativamente intricadas as regras o fim é bom e desejável, por permitir às estatais afastar a incidência da L. 13.303 de certos negócios que  celebrem – o que é sempre muito desejável, como sempre é desejável escapar de areia movediça, de pântanos e de poder contornar chifres na cabeça de cavalo.  A lei do estatuto jurídico das estatais é, neste ponto, tão desejável que quem puder dela escapar fará o melhor negócio de sua vida.

Em suma, com este art. 28, e se essa é a técnica da lei, começamos mal. Ao que tudo indica não foi desta vez ainda que o Brasil se livrou da lei ruim, que fala pelos cotovelos sem necessidade, e que talvez permita às estatais brasileiras refletirem no sentido de que, antes do advento da lei,  eram felizes e não sabiam.

Art. 29

Chega-se ao longo art. 29, que elenca as hipóteses de dispensa de licitação pelas estatais, algo como o art. 24 da lei nacional das licitações mas com apenas 18 (dezoito) hipóteses ao invés das 33 (trinta e três) daquela lei, nesta data.

Trata-se, como naquele caso, de um elenco taxativo, fechado ou exaustivo, um numerus clausus dos latinos, fechado a hipóteses estranhas ao elenco: ou a dispensa se dá com base no inc. ... do art. 29, ou não se fala em dispensa de licitação. E tal qual na lei de licitações, a licitação aqui é apenas dispensável pela autoridade, que assume o ônus e o risco de demonstrar que a hipótese ocorre no caso concreto, não se tratando de licitações já dispensadas pela própria lei (como é no art. 17 da lei de licitações).  A lei autoriza que a autoridade demonstre a dispensabilidade se a cada pretendida contratação  entender que é o caso, mas não é a lei em si que dispensa o procedimento licitatório.  O rol deste art. 29 nada tem, portanto, de exemplificativo.

O elenco deste art. 29 está praticamente todo calcado no do art. 24 da lei de licitações.  Houve apenas uma filtragem do material, tanto numericamente quanto por vezes na redação de cada inciso, o que foi de boa técnica por depurar a colcha de retalhos caótica e casuística do art. 24 da Lei nº 8.666/93, que até há poucos anos aumentava um inciso a cada nova dor de barriga que acometia o Executivo.

Por ser mera cópia reduzida do elenco da lei de licitações, comentar-se-ão apenas os incs. XVI a XVIII do artigo, e não se comentarão os incs. I a XV deste art. 29, senão em pontos isolados de divergência com relação àquele. ([3])

E tais breves comentários são os seguintes:

inc. XVI – é dispensável a licitação na transferência de bens a órgãos e entidades da administração pública, inclusive por permuta.  Hipótese original desta lei, o contratante pode dispensar a licitação quando sua estatal transferir definitivamente,  a qualquer título - como são a permuta, a cessão  ou a doação -, bens seus a outros entes públicos, de qualquer natureza, nível ou esfera de governo.

Os bens referidos, à indiferenciação da lei,  podem ser também de qualquer natureza (materiais ou imateriais, móveis ou imóveis, fungíveis ou infungíveis, ou que mais categorias revistam).  Não há limitação legal do valor desses bens transferendos.

A lei também não manda justificar a transação, mas por princípio toda transferência deve ser justificada em se tratando de bens públicos, ou paraestatais, o que significa semipúblicos, ou parcialmente públicos, já que se trata de aplicar o princípio da indisponibilidade dos bens públicos;

inc. XVII -  “doação de bens móveis para fins e usos de interesse social, após avaliação da oportunidade e conveniência socioeconômica relativamente a outra forma de alienação”. 

Agora se cuida apenas de doação de bens móveis, dentro da classificação clássica, originária do Código Civil.  Podem ser doados sem licitação à entidade escolhida, que pode ser pública ou privada, após justificada a conveniência de uma doação  antes que  outras formas de alienação, ou seja, por que razões a doação é preferível a outras espécies de alienação. Não se exige que sejam bens inservíveis neste caso, mas a justificativa do negócio, agora exigida expressamente,   resulta claramente mais importante que no caso do inciso anterior.

Essa justificativa deverá enfrentar pelo menos a questão da escolha da entidade donatária, a da escolha dos bens doandos e a da vantagem na doação com relação a outras possíveis alienações, essa última tendo em vista os valores em questão, potencialmente muito altos. Mas  também aqui inexiste limite de valor para a doação;

inc. XVIII – compra e venda de ações; compra e venda de títulos de crédito e de dívida; bens que a estatal produza ou comercialize. 

A redação deste inciso foi acima ressistematizada, em prol de sua clareza.

Permite à estatal, sem licitação,  (I) comprar ou vender ações de quem quer que seja, ou (II) comprar títulos de crédito ou de dívida, ou por fim (III) comprar ou vender bens que produza ou comercialize, nesse caso mesmo que não os produza.

Dispositivo racionalizante , ao início,  se bem utilizado, pois que comprar ações não é assunto sujeito a licitação, eis que não faz sentido escolher em licitação de quem comprar ações. Mas vendê-las parece ser outro assunto, pois que é natural e lógico pretender obter o maior preço possível por ações à venda, daí os pregões e as licitações que  se realizam freqüentemente com esse objeto. Nesse ponto, estranhável o dispositivo, e até aqui, ainda que não expressamente exigida, a justificativa do negócio é grandemente desejável.

Quanto a compra ou a venda de títulos de crédito e de dívida parece razoável  a dispensa porque aí se tem outro típico exemplo de objeto ilicitável, ou muito pouco licitável, na medida em que, por ilogicidade instrínseca, não se escolhem por licitação que títulos se devem adquirir.

E o mesmo, e mais acentuadamente, se diga da venda de bens que a estatal produza, ou que comercialize sem os produzir. Algum comerciante ou industrial licita para quem vender os bens que produz ou transaciona ? A idéia não tem pé nem cabeça. O produtor, ou o comerciante, apenas fixa o preço dos bens que negocia; quem o pagar leva aqueles bens e faz deles o que bem entender, aproximadamente desde que o homem povoou o planeta. Nem merecia constar da lei, parece, esta última parte do inc. XVIII.

Quanto aos incs. I a XV, os escassos comentários - apenas quanto à divergência da lei de licitações -, são os seguintes:

incs. I e II – os valores tradicionais de dispensa, da lei de licitações, art. 24, I e II,  cresceram consideravelmente, e ainda podem ser maiores se e quando exercitado o § 3º do artigo;

inc. IV – bastante simplificado – em  boa técnica - com relação ao rebarbativo inc. VII do art. 24 da L. 8.666/93;

inc. IX – mais simples e melhor que o inc. XX do art. 24 da L. 8.666/93;

inc. X – contém uma condição inexistente no inc. XXII do art. 24 da L. 8.666/93, e que dá o que falar. O que uma estatal compra ou contrata que não tenha relação com o seu objeto social, e portanto com o serviço público. Refere-se o dispositivo a festas, comemorações, bailes à fantasia ou congêneres, como dissociado ? Somente assim se compreende a condição final, inexistente na lei de licitações. Apenas que contratações assim já estão proibidas por desvio de finalidade, e por constituírem despesas impróprias...

O artigo contém ainda três parágrafos, cuja novidade ante a lei de licitações é também pequena.

O § 1º  prevê que pode a estatal licitadora convidar o segundo colocado, nas suas condições e não nas do primeiro, para contratar, caso o vencedor, regularmente convocado, não compareça. Mas para que possa a estatal contratar o segundo, ou o terceiro ou o quarto se for o caso, conforme, pela ordem, cada classificado recusar, será preciso que o preço do contratando não supere o do orçamento da estatal, eventualmente (se necessário devido ao tempo decorrido) atualizado segundo fatores oficiais, ou “suficientemente oficiais” na esfera da estatal - que nem sempre é a da administração direta em questões como tais.  Excelente dispositivo, que modernizou a forma da lei nacional das licitações para algo comercialmente mais realista.

O § 2º - e tomara que dê certo ! – admite a responsabilização do agente que deu a causa à necessidade de contratação emergencial, sempre que esta se dever não a eventos imprevistos ou a fenômenos naturais mas à mera falta de planejamento pelo ente respectivo, o que de resto, pelo que se observa diuturnamente,  é a causa da maioria dos contratos emergenciais que se celebram. Até este momento histórico a legislação negligenciou quanto a o poder público poder ou dever responsabilizar os agentes inertes ou imprevidentes, cuja omissão ensejou contratos emergenciais que de outro modo, com gerenciamento, cuidado e planejamento,  poderiam ser evitados.

O § 3º consigna uma previsão aparentemente perigosa, pelo abuso que pode ensejar pelo aplicador. É inédita em nosso ordenamento, e por ora somente se pode conjeturar às cegas sobre o seu resultado na prática licitatória das estatais,  doravante.  Fixa que os valores máximos para dispensa, figurantes dos incs. I e II do artigo, podem ser alterados administrativamente, dependendo do porte e da estrutura de cada estatal, para fazer face à variação de custos de cada estatal, sempre por deliberação de cada Conselho de Administração.

Perigoso, inquestionavelmente.

Pode ensejar, por aventurescos exemplos – conjeturando-se –, que uma estatal do Acre ou de Roraima, indicando custos técnicos, logísticos ou de qualquer outra natureza que sejam incomuns a estatais de São Paulo ou do Paraná, dobrem os valores de dispensa, a tudo justificando com acuidade e zelo. E pode ser verdadeira a justificativa, sem embargo algum ! Então, será mesmo ?    Ou não será ?   Ou será apenas em parte legítima a justificativa ?

E estatais do mesmo ramo, situadas em Estados não tão distantes dos centros de produção dos bens necessários, o que estarão autorizados a proceder quanto a esse aumento de limites máximos de valor para contratações diretas ?  E estatais federais do mesmo ramo, só por   esse fato terão algum privilégio ?   E aquelas dos pequenos Municípios, em     que parâmetros se lastrearão ?  E os Tribunais de Contas, como enxergarão toda essa inédita liberdade estatal quanto a um dos temas até este momento tidos como dos mais rígidos dentre toda a legislação – limites de valor para dispensa de licitação ? 

E as justificativas dos Conselhos de Administração, que diretivas ou que norteamento seguirão ?     Precisarão seguir algo como “normas gerais” ?  Desculpe-se a curiosidade até dado ponto infantil, mas a novidade legal é de se parar para pensar. Um limite que não limita, e que varia segundo o local ?    Então a lei meramente sugere valores, em torno dos quais cada estatal se limitará como bem entenda ?..

Um universo de incerteza pode, assim e desse modo, se instaurar ante a fiscalização, pelos motivos mais variados, como ante todos os usuários da estatal, os seus fornecedores e  os seus dirigentes, ao menos em momento inicial de aplicação da norma se acaso venha a ser exercitada, como se imagina que será.

Art. 30

Este  artigo parece ter querido inventar a roda, ou dar novo sentido a palavras banais da língua portuguesa. Definiu contratação direta como aquela procedida com o pressuposto da inviabilidade de competição, exatamente o que significa, na Lei nº 8.666/93, a consagrada fórmula da inexigibilidade de licitação.  Com efeito, a competição materialmente impossível em face de que apenas um fornecedor detém o objeto pretendido, ou por outro lado a idéia de comparação de coisas tecnicamente desiguais, tudo isso conduz à necessidade da contratação direta, que é aquela celebrada sem a intermediação de uma licitação, sendo diretamente contratado o objeto com o fornecedor ou o prestador. Nesse sentido um contrato licitado seria algo como a contratação “indireta”.

Por que motivo alterar as formulações tradicionais da lei de licitações, conhecidas e consagradas há mais de três décadas, e de modo gratuito e que pode induzir alguma confusão, é algo que foge à análise. Trata-se de uma originalidade nem um pouco original.  A contratação com a licitação dispensada é e sempre será uma contratação direta, assim como é direta aquela celebrada quando a competição é inviável; basta que não exista licitação para se configurar a contratação direta. Agora, porém, com a Lei nº 13.303/16, para as estatais contratação dita direta é aquela que a lei de licitações denomina de contrato com licitação inexigível. Troca-se seis por meia dúzia, a evidenciar que parece sobrar tempo ao legislador.

Muito bem, o art. 30 tem dois incisos, sendo que o inc. I repete a parte inicial do inc. I do art. 25 da lei de licitações. Ficou melhor que o original,  por ser menor e com isso mais lógico e coerente: o que não puder ser posto em competição porque somente um fornecedor tem para fornecer, isso será adquirido diretamente, sem licitação.  Corretíssimo, e se for acaso narrado para uma criança de cinco anos ela comentará: - e poderia ser diferente ?  Como se licita algo que só uma pessoa  tem para fornecer ?  O único ônus da estatal que compra algo de origem única será, então, demonstrar que de fato só um fornecedor existe daquele objeto.

O inc. II deste art. 30 repete o elenco de serviços técnicos especializados que consta do art. 13 da Lei nº 8.666/93, para, portanto, o efeito de informar que se contratados a pessoa física ou jurídica de notória especialização na área respectiva poderão ser contratados sem licitação, diretamente.

Antes de se voltar àquele elenco, o § 1º repete o disposto no § 1º do art. 25 da lei de licitações, a definir, sem novidade com relação à Lei n 8.666/93, o que esta L. 13.303/16 entende por notória especialização profissional.

Uma importantíssima novidade desta L. 13.303/16 nesta questão é a de que a lei não mais se refere à natureza singular do objeto  como requisito para a contratação direta.

Parabéns entusiásticos ao legislador, apenas por esse fato !

Eliminou-se um pesadelo da legislação, nunca compreendido nem por iminentes juristas, juízes e estudiosos, nem por quem quer que seja  - sobretudo por quem tem competência para ingressar com ações civis públicas contra contratantes de objetos com ou sem natureza singular – quem sabe ? -, e que o faz a torto e a direito contra culpados e contra inocentes em igual medida, e que quanto aos últimos rouba a saúde, destrói a economia e arruína reputações profissionais como um tornado que eclode sem aviso prévio.

Ao não prestigiar essa praga asquerosa que a lei de licitações denomina natureza singular do objeto e que ninguém jamais soube o que significa nem com mínima nitidez  - porque é um conceito abstrato, indeterminado, necessariamente impreciso e inteiramente subjetivo, etéreo como o fogo de santelmo e na prática similarmente fantasmagórico -, exalçou-se o legislador, nesse passo,  a uma grandeza inesperada. Pode ter sido boa a intenção do legislador ao referir-se à natureza singular do objeto, porém o que ensejou foi uma genuína desgraça na prática da lei, que dura ainda e não se sabe por quanto tempo. Lei não é poesia  nem discurso filosófico, e também o inferno legislativo está cheio de boas intenções.

 Uma tal verdadeira infâmia institucional em matéria de licitações e contratos não teve vez na lei das estatais, apenas se anelando que   também da lei de licitações, nalgum glorioso dia no futuro, seja convenientemente desinfetada, tanto quanto se deseja com relação ao mosquito da dengue ou à febre amarela.  Parabéns ao legislador, uma vez mais,  por este momento de elevada consciência jurídica.

Agora retornando ao elenco dos serviços técnicos profissionais especializados que constam do inc. II deste art. 30, a matéria é por demais conhecida em nosso país, e sobre ela muita tinta já foi gasta em livros e em artigos, e muito se lhe disse em cursos, aulas, congressos, seminários, simpósios e conclaves do gênero.

Cumpre entretanto, aqui novamente, dizer algo sobre aqueles específicos serviços.

O primeiro a repisar é que na lei das estatais não existe a figura da natureza singular do serviço, como requisito à sua contratação direta. Assim, por exemplo qualquer treinamento e aperfeiçoamento de pessoal pode ser contratado diretamente, desde apenas que o contratado seja notoriamente especializado nesse assunto.

Assim, quaisquer (I) estudos técnicos, planejamentos, projetos básicos ou executivos; quaisquer  (II) pareceres, perícias ou avaliações; quaisquer (III) assessorias ou consultorias técnicas, ou auditorias financeiras ou tributárias; quaisquer (IV) fiscalizações, supervisões ou gerenciamento de obras ou serviços; quaisquer (V) patrocínios ou defesas de causas administrativas e judiciais;  quaisquer (VI) treinamentos e aperfeiçoamentos de pessoal, e por fim quaisquer (VII) restaurações de obras de arte ou de bens de valor histórico, repita-se, quaisquer desses serviços, sejam do porte, da complexidade, do valor, da natureza que for, ou  da particularidade que acaso detenham, todos podem ser contratados diretamente, observado o exclusivo pressuposto da especialização do prestador, a ser documentalmente comprovada nos autos do contrato, na forma do § 1º deste art. 30.

Observa-se que aqueles serviços da lista do inc. II são velhos conhecidos em nosso direito e na prática diuturna do serviço público. Estão escritos, exceto os da al. f,  na lei nacional de licitações desde 1.986, no art. 12 do Decreto-lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1.986, diploma esse que antecedeu e inspirou a Lei nº 8.666/93.

Em nosso ordenamento são sobejamente conhecidos portanto há mais de 30 anos, e de resto não encerram mistério algum quanto ao seu conteúdo, pois que não deve existir pessoa, profissional ou não,  que ignore o que seja uma auditoria financeira, um parecer jurídico, uma perícia contábil ou de engenharia, ou um treinamento ou aperfeiçoamento de pessoal.  Saber o que são todos sabem; para a contratação direta cumpre apenas à estatal interessada demonstrar que o serviço pretendido é um daqueles, e que o pretendido prestador detém especialização objetivamente demonstrável na exata área do objeto – e não apenas em outra em tudo diversa, pois que então especialização alguma aproveitável existirá.

Quanto à parte final do inc. II do art. 30, que pretende proibir a alegação de inexigibilidade de licitação em contratos de publicidade – contratos esses indiscriminada e infantilmente generalizados como nos arts. 1º, 2º e 25, todos da lei nacional de licitações -, já disséramos em artigo:

“Observe-se  que a lei de licitações contém uma impropriedade clamorosa, logo ao início, sobre este tema de inexigibilidade:  trata em certos momentos da inexigibilidade como se essa regra fosse uma pessoa que entrasse pela porta, uma entidade material e física que saísse pelo duto do ar condicionado, com um metro e meio de altura, pesando setenta quilos,  cor pardacento-esverdeada, e não como se fosse uma simples idéia, um conceito, uma instituição imaterial, puramente convencional como é.

No inc. II, do  art. 25, prevê: “vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação”. Estaria por acaso a lei proibindo  o ingresso da inexigibilidade, ou vedando a sua presença no respeitável recinto ? 

Um tão imponderável e imaterial conceito como inexigibilidade de licitação poderia estar dessa forma tratado em alguma lei, ou ao menos em alguma lei cujo autor soubesse o que está fazendo ?  Poderia ser tratada como um cão indesejável em certos ambientes onde cão não entra, como a se dizer “inexigibilidade não entra” ?

Que imensa, rematada e plenamente caracterizada besteira, grandíssima impropriedade vocabular e redacional !

Quando a lei ao início, arts. 1º e 2º,  se refere insistente e obsessivamente a publicidade, para o fim de tentar proibir a alegação de que pode ser contratada diretamente por inexigibilidade de licitação, comete também seguidos desatinos, porque a palavra publicidade tem inúmeras acepções em direito e fora do direito, inúmeros sentidos, que todos conhecem independentemente de profissão ou ofício ([4]).

A divulgação na Folha de São Paulo, ou no Estadão, de um edital de licitação em resumo, é um contrato de publicidade; a contratação da divulgação, por matéria paga,  da divulgação extraordinária daquela licitação, é outro contrato, diverso do primeiro e já portanto em outra acepção; a contratação da concepção de uma campanha publicitária, objeto eminentemente artístico e absolutamente subjetivo e imprecisável por excelência, é uma terceira forma ou concepção de contrato de publicidade, e a sua veiculação na mídia constitui  uma quarta. Como pôde então a mil vezes desavisada e francamente estúpida lei de licitações pretender tratar igualmente todas essas essenciais diferenças materiais, como se contratar publicidade fosse uma só coisa, ou que fosse o mesmo que comprar um litro de óleo na venda da esquina ?” (cf. artigo  Contratações diretas. Dispensa e inexigibilidade de licitação, in Boletim de administração pública municipal, ed.  Fiorilli, mar/17, assunto 314).

Assim de fato nos parece. O legislador mais uma vez demonstra ignorar ou desprezar o pujante escopo da palavra publicidade, os seus múltiplos significados e as inumeráveis formas como a publicidade ocorre como uma autêntica necessidade do poder público. Sim, eis que existem dez ou quinze espécies diferentes de publicidade, e a lei não pode tentar reduzi-las a apenas uma idéia – e apenas porque existiu nas últimas décadas em nosso país um imenso oceano de corrupção  envolvendo centenas ou milhares de milionários contratos de publicidade de atos, campanhas, programas e atividades públicas as mais variadas.

Por mais grave que tenha sido aquele conhecido e muito duradouro acontecimento delitivo, o fato é que o ser humano não pode em dado momento da história  abrir mão de sua inteligência e de seu discernimento, a ponto de incluir na lei absurdos técnicos e lógicos como o de, sic et simpliciter,  tentar proibir contratos diretos de publicidade, sem indagar de que espécie de publicidade se cogita.

Se o legislador mereceu aberto elogio por proscrever a figura da “natureza singular” do objeto desejado pela Administração, neste ponto da publicidade já não merece o mesmo enaltecimento, muito infelizmente. Faltou-lhe acordar para a realidade e maleabilizar o seu discernimento para a multifariedade das situações em que se cogita de genuína publicidade mas em que a licitação se torna não menos que patética – salvo se a modalidade for o concurso, que é a licitação para objetos que de outro modo inegixem licitação, e que inadmitem licitação por preço.

Os §§ 2º e 3º fecham o art. 30, o primeiro deles repetindo em parte o § 2º do art. 25 da lei de licitações, com as seguintes modificações:

superfaturamentosobrepreçosobrepreço, então por que insistir no malcheiroso e esfarrapado superfaturamento ?   Mas o art. 31 rematará esta insânia, como se irá examinar, com requintes de sesquipedalice.

Naquelas hipóteses – em verdade uma só, apesar do malabarismo do art. 31 ao tentar diferenciar sobrepreço de superfaturamento – responde pela irregul;aridade o agente estatal responsável pela contratação e também o contratado beneficiário, tanto quanto ocorre na lei de licitações. E, pensamos,  o contratado respondendo tão injustamente quanto naquela lei.

Com efeito, qualquer pessoa pode legitimamente propor o preço que quiser ao poder público, sempre que a isso for instado; cumpre ao agente público rechaçar propostas excessivas, e não contratar nessa base irreal. E ainda, se contratar, deve exclusivamente o agente responder p[or isso, não o contratado. Apenas por propor e por ser contratado é evidente que o particular não merece o mesmo tratamento devido ao agente público demonstradamente ímprobo;

controle externoconselho fiscalassembleia de acionistas  ou o Tribunal de Contas com jurisdição administrativa sobre a estatal

 Já entretanto o mesmo poder não se pode atribuir a uma entidade privada de auditoria que seja  contratada pela estatal para essa função, porque nesse caso nem se pode cogitar de controle externo oficial, eis que se tratará de mero particular contratado para auxiliar a diretoria no controle dos negócios da estatal;

Encerrando o artigo, o § 3º reproduz três dos quatro incisos do parágrafo único do art. 26 da lei de licitações. O processo de contratação direta será instruído, quando e como couber se acaso couber, com (I) caraterização da emergência ou da calamidade, se se tratar disso; e, sempre, (II) motivação da escolha do prestador ou fornecedor, e (III) justificativa do preço.

O primeiro inciso contempla um casuísmo – emergência ou calamidade. Estado ou situação de emergência numa estatal é fácil denotar, e pode ocorrer por infinitas razões, porém calamidade não é situação ocorrível no âmbito interno de uma estatal, mas algo suscetível de dar-se em toda uma região geográfica maior ou menor, que pode englobar desde parte de um Município até um conjunto deles, ou  mesmo, eventualmente, todo um Estado.

Desse modo, a estatal demonstrará necessariamente a emergência, interna ou mesmo externa quanto ao seu objeto, que enfrenta, porém para valer-se de estado de calamidade, para poder contratar diretamente,  não dependerá propriamente de si mas de uma decretação governamental externa, relativamente a uma região que abranja a sua sede.

Quanto à  justificativa de preço (inc. III do § 3º) resta evidente que sempre se a exigirá nos contratos diretos da estatal, porque jamais  estatal alguma estará isenta dessa limitação com vista aos preços de mercado, ou livre para contratar diretamente o que quiser a qualquer preço injustificado.

Trata-se da aplicação mais imediata possível, e invariavelmente mais necessária, do princípio da economicidade dos negócios públicos, figurante no art. 70 da Constituição Federal como obrigação fiscalizatória do Tribunal de Contas da União, como também do princípio do interesse público só em si, e do da finalidade e também do da motivação, em geral constantes das Constituições dos Estados, sendo que na do Estado de São Paulo figuram no seu art. 111 como incontornáveis limitadores  da atuação estatal nos negócios que realiza.

[1] E bem tentamos transcrever a inteira denominação do Título II, porém antes de terminarmos esgotou-se a memória de nosso computador.

[2] Vide as recentes leis federais relativas às PPPs, às organizações sociais, à contrataçào de publicidade dos atos da Administração, à transparência da Administração, às parcerias da Administração pública, ao RDC – regime diferenciado de contratações, aos consórcios públicos, e as relativas ainda a diversos outros grandes temas publicísticos do momento.  São tão difíceis de ler, de entender,  de assimilar e, com isso, de sistematizadamente aplicar ,que em geral a própria União  evita aplicá-las – simplesmente porque parece não saber como fazê-lo !    E quando as aplica, espere-se rapidamente pelo pior.  O legislador brasileiro, que jamais foi tão ruim na história institucional do país, vive ainda no mundo fantasioso de que quanto mais complicada for a lei melhor ele estará desempenhando seu papel. A verdade é bem o oposto disso.  Esta própria Lei nº 13.303/16 deu-se uma vacatio aplicationis – perdoe-nos, Cícero  – de dois anos, para que possa ser razoavelmente deglutida pelos destinatários.

[3] E quanto a isso indicamos a leitura dos seguintes textos, de nossa autoria,  de comentários às dispensas e às inexigibilidades de licitação, constantes dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666/93: do Manual prático das licitações, 8ª ed. Saraiva, SP, 2.009, Capítulo 11;  artigo Contratações diretas. Dispensa e inexigibilidade de licitação, publ. em Boletim de adminsitração pública municipal, ed. Fiorilli, SP, mar/ 2.017, assunto 314, artigo esse produzido em 2.015.  A matéria é quase inteiramente aplicável ao art. 29 da lei do estatuto jurídico das estatais, cujo legislador autor quis manter-se em terreno mais do que conhecido.

[4] Nesse sentido nosso artigo Publicidade é contrato que nem sempre pode ser licitado,  in revista Forum de contratação e gestão pública, ed. Forum, MG, p. 6.877, e revista L&C, ed. Consulex, Brasília, abr/06, p. 20.


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