Artigo
SUBCONTRATAÇÃO (ART. 122)
SUBCONTRATAÇÃO (ART. 122)
Ivan Barbosa Rigolin
(fev/24)
I – Existem pontos da Lei nº 14.133/21 que merecem franco elogio. O seu autor parece ter sido um, e o autor de inúmeros outros momentos outro, tal o contraste do nível qualitativo.
O instituto da subcontratação veio disciplinado na nova lei muito melhor do que o fora na enfim extinta Lei nº 8.666/93, o que é algo alvissareiro e elogiável.
Reza o art. 122 da nova lei:
Art. 122. Na execução do contrato e sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, o contratado poderá subcontratar partes da obra, do serviço ou do fornecimento até o limite autorizado, em cada caso, pela Administração.
§ 1º O contratado apresentará à Administração documentação que comprove a capacidade técnica do subcontratado, que será avaliada e juntada aos autos do processo correspondente.
§ 2º Regulamento ou edital de licitação poderão vedar, restringir ou estabelecer condições para a subcontratação.
§ 3º Será vedada a subcontratação de pessoa física ou jurídica, se aquela ou os dirigentes desta mantiverem vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou se deles forem cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral, ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação.
Mudou significativamente o direito.
II – Sendo o art. 122 o único disciplinamento da subcontratação na nova lei, desde logo merece alguns comentários:
- no direito anterior, da Lei nº 8.666/93, a subcontratação da execução podia ser total ou parcial, e dependia sempre de autorização do ente público contratante. O edital podia autorizar pedidos de subcontratação e podia silenciar a respeito, hipótese em que o ente precisava, independentemente do edital, autorizar o procedimento – e bastava que o edital não proibisse a subcontratação, como por vezes ocorria.
O ente público não exigia nem examinava nenhuma documentação habilitatória do indicado para a subcontratação, bastando que autorizasse a subcontratação pedida. Não havia nenhuma restrição à pessoa do subcontratado;
- no direito atual, do transcrito art. 122 da Lei nº 14.133/21, (I) o edital pode prever subcontratação ou pode não a prever, mas o que é sempre imprescindível é apenas a autorização administrativa para a celebração;
- o subcontratado na nova lei precisará habilitar-se à subcontratação. Assim, mesmo que não obrigatório é curial que o edital (II) preveja que documentos do candidato à subcontratação serão exigidos do contratado, porque essa matéria é mais própria de edital do que de mera deliberação da autoridade que receba pedido de subcontratação. Evita-se com isso a discricionariedade da autoridade nessa matéria em que é preciso tratar a todos os candidatos à subcontratação com igualdade, soretudo em caso dehaver diversas subcontratações no mesmo contrato;
- (III) pode a Administração contratante recusar o indicado, por entendê-lo insuficientemente capacitado ou habilitado.
- (IV) a subcontratação continua sendo apenas da execução, e não da responsabilidade pela adequação do objeto entregue, que jamais se transfere do contratado para ninguém. Difere da sub-rogação civil, que transfere o contrato de umja pessoa para outra, o que não se concebe numa subcontratação, que é a contratação particular de alguém pelo contratado da Adminsirtação.
O subcontratado não forma nem mantém vínculo contratual nem obrigacional com a Adminisitração, mas apenas com o contratado, que continua a ser o único a ser cobrado dos resultados, e o único credor direto da Administração contratante;
(V) a lei passou a restringir algumas pessoas da possibilidade de serem subcontratadas: pessoa física ou jurídica que seja vinculada ao ente contratante – representado pelo agente que se enquadre n’alguma das situações pessoais enumeradas no § 3º do artigo, que incluem também parentes - em questão técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil.
Em o contratado pedindo para subcontratar alguma dessas pessoas a autoridade contratante, constatando a situação de impedimento, indeferirá de plano a subcontratação, declinando o motivo.
Acontece entretanto que com muita frequência não é nada simples definir ou determinar objetivamente a extensão daquelas referidas vinculações, pois que a vida comercial, e o universo técnico em qualquer seara, têm tão múltiplas ramificações, e gera implicações por vezes tão inesperadas tanto na vida das pessoas quanto na realidade institucional do poder público contratante, que o divisor de águas fica muita vez obscuro entre o que é e o que não é vinculação.
Apenas em casos evidentes e indisfarçáveis a aplicação daquelas restrições é segura, mas como se disse esse tema está longe de gerar interpretação uniforme e aplicação pacífica. O bom-senso e a ponderação são demandados em grau máximo;
(VI) por fim, não se compreende a redundante e rebarbativa exigência, constante do § 3º do artigo, de que o edital repita as restrições constantes do mesmo § 3º.
Ora, será que não basta a lei para impor as restrições ? A lei precisa de que o edital as repita para valer ? Temos para nós que com a previsão restritiva no edital ou sem ela as restrições da lei sempre se impõem, em qualquer licitação regida pela Lei nº 14.133/21.
III – Independentemente da legislação em vigor, aborda-se agora um pouco da teoria das subcontratações, que dificilmente será muito diferente seja qual for a lei regedora.
Subcontratação é como se disse o equivalente admininistrativo da tradicional sub-rogação civil.
Na sub-rogação, regida pela legislação civil – Código Civil, art. 349 - uma parte (sub-rogante) vende ou entrega seus direitos e obrigações a outrem, até então estranho ao contrato, que os aceita e se torna sub-rogado; esse então passa a integrar o contrato, e o sub-rogante sai do contrato. A responsabilidade pela execução se transfere portanto para o sub-rogado, de modo integral, a partir do momento da sub-rogação.
A subcontratação, atualmente regida pelo art. 122 da Lei nº 14.133/21, caracteriza-se principalmente por não transferir a responsabiliddae pela execução do contrato para ninguém, respondendo por ela, sempre, o contratado originário. É que o contrato tem intuitu personae, ou seja caráter pessoal, quando não personalíssimo (quando nem sequer a execução pode ser terceirizada ou repassada para alguém estranho ao pacto).
A licitação, que é um dos pressupostos do contrato administrativo a não ser nos casos de exceção elencados na lei, visa exatamente escolher e selecionar, dentre os interessados que se habilitem a concorrer, a pessoa mais indicada para executá-lo, quer pelas suas condições pessoais, quer pelo preço.
Então, é também pressuposto público o de que, uma vez selecionado o executante pela licitação, não se possa transferir a responsabilidade pela execução e correta entrega do objeto para pessoa estranha ao pacto e à seleção prévia. Transfere-se a execução, mas não a responsabilidade pela correção do objeto.
Caso o subcontratado execute mal a parte da execução que lhe foi repassada, não será ele que responderá por isso, mas o contratado originário da Administração. Cuide portanto o conratado da pessoa para quem subcontrate, e a partir da nova lei cuide também a Administração contratante de bem habilitar o indicado pelo contratado para a subcontratação.
IV – A subcontratação algumas vezes serve como vereda da salvação para certos contratos, e o ente público contratante pode até mesmo estimulá-la.
Se por exemplo uma empresa contratada, que concorreu sozinha numa licitação, em dado momento está em situação insustentável, à beira da falência ou da insolvabilidade absoluta até onde se saiba, jurídica e materialmente sempre pode subcontratar o que falta entregar do objeto, na tentativa de salvar o contrato de um melancólico fim.
Terá, sim, de habilitar o indicado, mas a real e factível possibilidade da subcontratação existe, e isso talvez salve o contrato em perigo. Não é apenas em situações favoráveis e risonhas, portanto, que a subcontratação pode auxiliar o ente contratante e o contratado, e com isso favorecer também o interesse público envolvido na contratação.
V – Admitia-se pela antiga Lei nº 8.666/93 a subcontratação total do objeto. Veja-se o seu art. 78, inc. VI, que indica como possível causa de rescisão contratual a subcontratação total ou parcial do objeto sem autorização do ente contratante.
Ora, então pela letra expressa da lei, se o ente público autorizasse a subcontratação total ela era legal e regular – ou se não o fosse jamais a lei iria admitir sequer mencionar subcontratação total.
E assim de fato era na prática: doutrina e jurisprudência admitiam a subcontratação total. Não uniforme nem pacificadamete, mas admitia. A hipótese não era estranha ao direito nem à prática até em passado muito recente.
E agora, pergunta-se, a Lei nº 14.133/21 admite a subcontratação total ?
Reza o caput, in fine, do art. 122 da nova lei:
(...) o contratado poderá subcontratar partes da obra, do serviço ou do fornecimento até o limite autorizado, em cada caso, pela Administração.
A dúvida é se pode ser considerada parte tudo o que falta executar do contrato, ou se parte é apens uma fração do que falta executar.
Na matemática, ou na engenharia, esse problema não existe: parte é uma porção desde 0 até 100%. Nas ciências exatas 0 Km/h é uma velocidade, e uma curva estatística num gráfico ou num quadro pode ser uma linha absolutamente reta, sem perder o nome de curva.
No direito e nas ciências humanas em geral as coisas são diferentes, muito menos objetivas e definidas. As questões mais óbvias são com toda frequência postas em cheque e em áspera discussão, er as conclusões por vezes são simplesmente aterradoras, de um cinismo único.
Apenas em direito se fala em verdade material, que é o que de fato aconteceu no mundo, e verdade processual, que é o que consta do processo – e com a mesma frequência as duas são realidades por completo diferentes.
Ficamos com a ciência exata.
Para nós se a Administração autorizar a subcontratação de 100% do que falta executar num contrato, estará dentro da lei, tratando-se nessa hipótese de uma ‘parte’ coincidente com a integralidade do objeto.
Não é jogo de palavras, mas o prestigiamento de uma simples objetividade que muito amiúde falta ao direito e aos seus textos.
Pugna-se pela elevação técnica do nível interpretativo dos textos jurídicos, e de uma interpretação que refuja à leitura caseira ou doméstica do texto, mais própria de uma mesa de bar e entre festivos convivas do que de profissionais que, no seu trabalho, não se cansam de enfatizar a ciência do direito.
Ciência em que cada pessoa conclui de um modo, e com isso faz do direito alheio uma barafunda multifacetada e que a cada momento se apresenta de uma maneira, francamente não é científica. Lembra antes a inquisição européia de séculos atrás, em que a verdade e a ciência eram as que davam na veneta do inquisidor naquele dia e naquela hora.
Melhor será, parece-nos, que, sem trair seu sentido humano e social, o direito apele sempre que possa às ciências exatas e ao seu objetivo arcabouço para encaminhar problemas artificiais que o direito cria – sabendo-se que o direito é uma matéria absolutamente artificial, inventada e aperfeiçoada pelo homem para impedir que um cidadão devore o seu vizinho.
Nesse sentido se insiste em que o direito é meio e não fim, porém se a interpretação jurídica – hermenêutica, exegese, etc. – não tiver referenciais seguros e estáveis, como por exemplo os que as ciências exatas oferecem, então triste será o nosso destino.