EXTINÇÃO DE CONTRATOS (segunda parte - arts. 138/9)

EXTINÇÃO DE CONTRATOS (segunda parte - arts. 138/9)

 

Ivan Barbosa Rigolin

(mar/24)

 



I – Esta é a sequência do artigo Extinção de contratos – art. 137, recentemente publicado. Aqui se verificam dois curtos artigos, que encerram o disciplinameto do, para nós  temível,  tema da extinção de contratos, iniciado pelo longo art. 137.

São os seguintes:

Art. 138. A extinção do contrato poderá ser:

I - determinada por ato unilateral e escrito da Administração, exceto no caso de descumprimento decorrente de sua própria conduta;

II - consensual, por acordo entre as partes, por conciliação, por mediação ou por comitê de resolução de disputas, desde que haja interesse da Administração;

III - determinada por decisão arbitral, em decorrência de cláusula compromissória ou compromisso arbitral, ou por decisão judicial.

§ 1º A extinção determinada por ato unilateral da Administração e a extinção consensual deverão ser precedidas de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente e reduzidas a termo no respectivo processo.

§ 2º Quando a extinção decorrer de culpa exclusiva da Administração, o contratado será ressarcido pelos prejuízos regularmente comprovados que houver sofrido e terá direito a:

I - devolução da garantia;

II - pagamentos devidos pela execução do contrato até a data de extinção;

III - pagamento do custo da desmobilização.

Art. 139. A extinção determinada por ato unilateral da Administração poderá acarretar, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei, as seguintes consequências:

I - assunção imediata do objeto do contrato, no estado e local em que se encontrar, por ato próprio da Administração;

II - ocupação e utilização do local, das instalações, dos equipamentos, do material e do pessoal empregados na execução do contrato e necessários à sua continuidade;

III - execução da garantia contratual para:

a) ressarcimento da Administração Pública por prejuízos decorrentes da não execução;
b) pagamento de verbas trabalhistas, fundiárias e previdenciárias, quando cabível;
c) pagamento das multas devidas à Administração Pública;
d) exigência da assunção da execução e da conclusão do objeto do contrato pela seguradora, quando cabível;

IV - retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração Pública e das multas aplicadas.

§ 1º A aplicação das medidas previstas nos incisos I e II do caput deste artigo ficará a critério da Administração, que poderá dar continuidade à obra ou ao serviço por execução direta ou indireta.

§ 2º Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o ato deverá ser precedido de autorização expressa do ministro de Estado, do secretário estadual ou do secretário municipal competente, conforme o caso.

 

II – A matéria do art. 138 é em larga medida a mesma da lei anterior, bafejada por atualizações como a referência aos novos métodos de resolução de controvérsias, que inexistiam em 1.993.

A  extinção pode se dar por (inc. I) ato unilateral do ente contratante, ou (inc. II) por consenso entre as partes, ou por fim por (inc. III) decisão judicial ou arbitral.

Não poderá existir extinção unilateral no caso de o contratado descumprir obrigação contratual em face de conduta do ente contratante, como por exemplo uma ordem de suspender a execução, ou então o descumprimento de uma obrigação relativa a colocar à disposição do contratado uma área, um equipamento ou uma licença.

Nessas hipóteses e em qualquer outra em que a falha de execução se deveu a inadimplência da Administração contratante e não ao contratado, qualquer extinção haverá de ser consensual, ou judicial, ou arbitral,  para ser admissível.

 

III – Em qualquer hipótese poderá haver extinção consensual do contrato, por acordo entre as partes através de conciliação (arts. 151/4 da lei), ou mediação, ou por decisão de comitê de resolução de disputasmesmo que essas possibilidades não constem nem do edital nem do contrato.

A simples previsão daquelas instituições na lei já autoriza a sua aplicação aos contratos, o que é uma disposição elogiável por simplificar e desburocratizar o procedimento extintivo.

A última forma admissível de extinção do contrato é através de decisão arbitral (art. 138, inc. III), desde que esse instrumento esteja admitido no contrato por cláusula compromissória ou por compromisso arbitral.

O ente público ao redigir o edital e a minuta do contrato naturalmente é livre para incluir nesses documentos a previsão de resolução de eventuais disputas que ocorram em face ao contrato.

Caso o faça, então em caso de necessidade pode compelir o contratado a submeter-se à decisão da arbitragem, que deve ser descrita e  qualificada, ainda que sumariamente, no edital e/ou no contrato.

Diferentemente da conciliação, da mediação e da decisão de comissão de resolução de disputas, que não precisam constar do contrato, a arbitragem precisa, e somente poderá ser utilizada caso ao menos o contrato a preveja expressamente.

 

IV – Não existe novidade no § 1º do artigo. A extinção unilateral há de ser fundamentadamente autorizada pela autoridade contratante, em despacho a constar do processo da contratação.

Não poderia ser diferente, porque a terminação por ato unívoco da autoridade contratante quase certamente atropela direitos e expectativas do contratado, de mantença e continuidade do ajuste, e de prestação do serviço ou, genericamente,  de entrega do objeto.

Não pode portanto ser alegre e despreocupada essa extinção, porque  precisará observar todo o rigor formal que as invasões de direito alheio devem trilhar para serem juridicamente regulares e aceitáveis.

Pelo § 2º, que reproduz o correto direito anterior, se a extinção se der por culpa exclusiva do ente público contratante o contratado terá direito às seguintes prestações reparativas:

a) ressarcimento de prejuízos demonstrados, nos quais se incluem danos emergentes e lucros cessantes, o que representa em geral o maior valor a apurar em rescisões, ou nesta enigmática extinção da lei atual - seja lá isso o demônio que for. Costuma ser  algo simplesmente pesadíssimo;
b) devolução antecipada da garantia. corrigida se tiver sido prestada em dinheiro;
c) pagamento pela execução do contrato até o ato da extinção. Não se imagina fosse diferente, e chega a ser infantil a previsão, que vem da lei anterior, e
d) pagamento da desmobilização, o qual já estava incluído nos pagamentos  ao contratado e que não seria destacado ou diferenciado como nesta extinção deverá ser.

Sempre aludimos a que o custo da rescisão – ou o desta juridicamente pavorosa extinção – recorda o ônus de um divórcio, em que o cônjuge varão insiste em cogitar. Quando esse desavisado cidadão toma consciência do preço de divorciar-se geralmente o amor marital, num milagre divino,  retorna a jato como um meteoro, o céu refulge  num azul inigualável nunca visto,  e ele jamais torna a considerar semelhantes insânias.

Há portanto de ser muito ponderada e estudada a pretensão pública de unilateralmente  extinguir um seu contrato, sempre que o contratado não tenha contribuído decisivamente para a terminação da avença.

 

V – O art. 139 cuida da extinção unilateral do contrato, procedida pela Administração, e indica algumas possíveis consequências, ou seria melhor que estivesse escrito ‘providências’, porque se trata de atitudes que o contratante pode ou não tomar, e não de consequências que muita vez são automáticas. Nada de automático existe aqui.

A matéria também se origina da lei anterior, e sofreu pouca modificação.

Se o ente extingue o contrato poderá:

a) (inc. I) assumir o objeto para executá-lo, ele mesmo. Soa como piada. O contratante então vai terminar a construção da ponte, ou do prédio que contratou a terceiro ?  Ou vai dar a manutenção predial que contratara ?

É evidente que não, e que contratará outro particular para fazê-lo, quer aproveitando a classificação na licitação realizada, quer realizando outra, quer contratando diretamente se for o caso;

b) (inc. II) ocupar o imóvel palco da execução, e utilizar equipamentos, material e pessoal. Outra sonora e ridícula piada, que deriva da lei anterior e não é matéria original desta lei.

Quer significar que o ente público passaria a ser o empregador dos empregados do contratado que teve o contrato extinto ? Contratará esse pessoal ?  Utilizá-lo-á em condições análogas à escravidão ?

Nada poderia ser mais ridículo, e já o é há mais de 30 (trinta) anos, sob a lei anterior. Se o ente público pode e/ou quer executar ele mesmo o objeto, então por que o licitou ?

O que ocorrerá é o mesmo que se dará com elação ao previsto no inciso anterior:  empresa será contratada, e a vida seguirá placidamente;

c)  (inc. III) (al. a) executar a garantia pelos prejuízos acarretados pelo contratado, ou (al. b) para cobrir verbas trabalhistas ou previdenciárias inadimplidas pelo contratado, ou  (al. c) para pagar as multas aplicadas, ou ainda (al. d) pagamento da seguradora que precisou assumir a execução, se isto estava previsto no edital e no contrato, inclusive com a participação da seguradora.

Quem lê a lei talvez imagine que seja simples a execução destas medidas, como cobrir débitos trabalhistas do contratado. Trata-se de procedimentos extremamente complicados, burocráticos, quase sempre dependentes de decisões judiciais, e de todo, e por tudo,  difíceis e demorados;

e) reter os créditos decorrentes do contrato extinto até o limite dos prejuízos causados pelo contratado.  Outra medida simplíssima de falar mas complicadíssima para executar, a começar pela dificuldade ingente de se calcularem aqueles prejuízos, que na conta do contratante são de dez e na conta do contratado são de um.

Estas são as possíveis consequências da extinção unilateral do contrato. A Administração extintora do contrato – que talvez seja obrigada a fazer as vezes de extintora de incêndio – inquestionavelmente fará todo o possível para reter créditos e aplicar sanções patrimoniais ao contratado, porque na Administração pública, na vida privada e no universo inteiro apenas e exclusivamente o dinheiro interessa.

E em se tratando de administrar  valores públicos, é dever primário da Administração perseguir seus créditos – ou o que entenda que sejam - por todos os meios.  Mas de qualquer modo é inimaginável que o busílis se resolva no plano administrativo, sem ações judiciais que durem por vezes algumas décadas.

 

VI – Encerram o artigo os §§ 1º e 2º.

O § 1º é absolutamente despiciendo. Não tem o menor papel, na medida em que reafirma o que está escrito no caput, que apenas autoriza o que segue, sem obrigar o ente público a nada, na extinção do contrato. Não era necessário outro dispositivo para repetir a regra facultativa.

O § 2º segue a péssima qualidade do anterior, e do que existe de pior nesta lei e na sua antecessora Lei nº 8.666/93, da qual estes parágrafos foram copiados.

Exige que a ocupação do local da execução do contrato extinto pela Administração seja autorizado pelo Ministro de Estado, secretário estadual ou secretário municipal.

Esquece-se a lei de que também o Judiciário pode construir obras – como o STJ, cujo prédio, que construiu, tem 155.000 m² -, e também o Ministério Público pode, e também as Assembleias Legislativas o podem, como as Câmaras Municipais,  sem dizer dos Tribunais de Contas  - e todos esses poderes do Estado não têm Ministros de Estado, nem Secretários de Estado, e deles não dependem para aplicar a lei de licitações.

E também se olvidou o legislador de que muitos Municípios não têm Secretários, mas diretores ou chefes de departamentos apenas. E de que nenhum Estado precisa ter Secretários.

É mais do que óbvio que o parágrafo é conversa mole para boi dormir, e que nem só auxiliares diretos dos Executivos podem autorizar a ocupação do local, na forma do inc. II do artigo.

Com base na autonomia administrativa constitucionalmente assegurada a Estados, Distrito Federal e Municípios, cada autoridade local ou regional faz o que a legislação respectiva determina ou autoriza.  Não é lei nacional de assunto nenhum que dirá o que autoridades estaduais, distritais ou municipais podem fazer em matéria de  administração interna.

Temos  portanto uma lei que de vez em quando dá certo  E aqui, como se vê, algumas  aleivosias de uma lei (L. 8666) são assumidas pela sua sucessora. Não era preciso ...