LICITAÇÕES E CONTRATOS NAS EMPRESAS ESTATAIS (6ª PARTE)

AS   LICITAÇÕES    NAS    EMPRESAS  ESTATAIS  PELA LEI     Nº 13.303, DE 30 DE JUNHO DE 2.016   

Ivan Barbosa Rigolin

(ago/17)


Sexta parte

Art. 54

Aqui a lei estabelece os critérios de julgamento das licitações promovidas pelas estatais.

A lei das concessões de serviço - Lei nº 8.987/95 - ampliou, com relação à lei de licitações, os critérios de julgamento das licitações para concessões de serviços, em princípio federais mas  que sempre serviram e podem servir também a Estados e Municípios que não queiram adotar suas leis próprias. Trouxe boas idéias ao mundo jurídico, e necessárias ante a realidade técnica e operacional das concessões, com seus contratos absolutamente diversos dos das obras, aquisição de serviços e compras. A lei do RDC - Lei nº 12.462/11 - reduziu um pouco aquele amplo elenco da lei das concessões, contendo apenas 5 (cinco) critérios, no art. 18.

Esta lei prevê 8 (oito) critérios, nos incs. I a VIII do caput, e são os de menor preço. maior desconto, melhor combinação de técnica e preço, melhor técnica, melhor conteúdo artístico, maior oferta de preço, maior retorno econômico e melhor destinação de bens alienados.

Grosso modo, parecem ser metade deles, os dos incs. I, II, VI e VII, critérios objetivos, e a outra metade dos demais incisos,  critérios subjetivos. Objetivos são os critérios mensuráveis numericamente, de modo exato, sem qualquer aquilatação  pessoal de qualidade ou de técnica, e subjetivos os que dependem de avaliação pessoal, discricionária, ocasionalmente até mesmo ideológica, pelas autoridades julgadoras.

Os critérios objetivos são tudo o que se pode desejar em licitações, ainda que vez por outra, conforme o objeto, não sirvam adequadamente a selecionar o melhor proponente - já que nem toda vantagem ao poder público se resume ao menor preço -, enquanto os critérios subjetivos, que dependem de personalismos e juízos de valor constituem, em geral, o azar da Administração, o calcanhar de Aquiles da licitação, o seu ponto vulnerável e sujeito a toda sorte de contestações e resistências, desde a mais correta e justa até a mais impertinente e aventuresca.

Neste caso cada estatal, a cada licitação regida por esta lei, haverá de eleger no seu edital o critério que mais adequadamente atenda o seu interesse, sabendo-se de antemão - e deverá ser assim até o dia do juízo final - que o menor preço é de muito longe o critério predominante, prevalente, prioritário e principal.  Quase se pode afirmar que todos os demais critérios constituem exceção à regra geral e generalizada do de menor preço.

Os 8 (oito) parágrafos do artigo contêm previsões de variada índole, que auxiliam a esclarecer as diferenças:

§ 1º - manda que o critério esteja claramente especificado no edital, o que não seria jamais diferente, porém cria mais uma possibilidade quanto aos critérios, a de que sejam combinados entre si se o objeto for parcelado, e cada parcela não for de valor estimado inferior àquele estabelecido no art. 29, inc. I ou II conforme o caso.

A lei portanto permite complicar ainda mais o critério de julgamento, e faz indagar se apenas os oito critérios constantes do artigo já não são suficientes para um bom e adequado julgamento, e se seria necessária alguma combinação entre critérios, a qual a cada edital precisaria ser objetivamente descrita e definida. Custa  crer, porém essa possibilidade legal existe, e se existe pode ser exercitada pela estatal - o que se recomenda evitar sempre que possível.

Quando a lei cria e descreve critérios assume com isso a responsabilidade pela sua juridicidade, enquanto que qualquer combinação entre critérios, por um edital, precisaria descrever como se dará o julgamento combinado, e se responsabilizar pela juridicidade dessa criação - o que pode s ensejar resistências de ordem a mais variada, interrupções do certame por ordem do Tribunal de Contas, medidas suspensivas do certame, e outros incidentes de variada índole, tudo em prejuízo da fluidez da licitação. É desse modo o que se desaconselha à estatal;

§ 2º - este dispositivo diz eloqüentemente sobre a aludida subjetividade de certos critérios de julgamento, que o legislador aqui reconhece quanto aos critérios fixados nos incs. III, IV, V e VII. Informa que no caso de o critério ser o de um destes incisos acima indicados "o julgamento das propostas será efetivado mediante o emprego de parâmetros específicos", destinados exatamente, prossegue o dispositivo, a "limitar a subjetividade do julgamento".

A lei é curiosa: por uma mão permite critérios subjetivos de julgamento, e pela outra mão exige que o edital fixe parâmetros que reduzam a subjetividade...  Trata-se de dar sem dar, ou de oferecer alguma coisa mas não abrir a mão de modo que o destinatário possa pegá-la.

Outra impressão que a lei dá neste momento é de que permite que o edital estabeleça um critério subjetivo, porém não assume a responsabilidade pelo julgamento subjetivo que a estatal realize...  ou seja: a lei permite um critério tortuoso mas exige cuidado, e se acontecer algum erro jurídico ou operacional não terá sido devido à lei, mas ao edital e aos condutores da licitação. 

Sem dúvida é bastante cômodo ao legislador, e este § 2º  apenas reforça a regra de que, em definitivo em nosso país, licitação é por menor preço. Quem assume o risco de fazer diferente, se a lei lava as mãos ?

Entendemos que  parâmetros objetivos de julgamento hão de existir em qualquer caso de licitação, por  qualquer critério de julgamento e para qualquer objeto - em homenagem ao princípio do julgamento objetivo do art. 3º da lei de licitações , ainda que a cada edital se exijam parâmetros próprios e específicos,  adequados à sistemática operacional que cada diferente certame implica.

E, por mais que se tente fazer, e por mais que a lei tente exibir austeridade, a subjetividade dos critérios mencionados persiste e prossegue íntegra, e não será parâmetro  algum que a afastará ou, muito menos, a eliminará.  A própria escolha do parâmetro é inafastavelmente subjetiva, e no mais o dispositivo tenta, segundo parece claro,  tapar o sol com a peneira;

§ 3º - inspirado no § 2º do art. 44 da lei de licitações, contém uma regra correta e necessária em licitações, a de inadmitir, em favor de alguém ou contra alguém, qualquer vantagem não admitida no edital, como brindes, descontos sobre o menor preço oferecido ou outras que, como golpe baixo ou jogo sujo, viciem a competição. Qualquer licitante poderá oferecer qualquer vantagem extraordinária à estatal que licita - como uma coleção dos gibis Flash Gordon no planeta Mongo, ou vinte ingressos para o show-revival de Cascatinha e Inhana na arena Itaquerão -, que isso não invalida a proposta, porém não auxilia o proponente em nada.

Aquele gentil ofertante poderá até vencer o certame, porém jamais apenas pelo que ofereceu como dádiva à comissão julgadora ou ao pregoeiro, e sim porque a sua proposta era a melhor segundo o critério de julgamento naquele caso. Quod abundat non nocet - ou o que abunda não prejudica consoante o adágio latino -, porém também não ajuda em nada.

Sarcasmo à parte e sem exemplos caricatos, figuremos uma possibilidade real quanto a este tema. A estatal licita a compra de dez máquinas por menor preço global, e a proposta de menor preço é de R$ 10.000,00.  Outra proposta pede R$ 10.001,00, e oferece como brinde uma 11ª máquina, igual. A primeira vence o certame por um real de diferença, ainda que fosse melhor negócio o da segunda, já que cairia o preço unitário das máquinas. Mas essa é a regra, e o "brinde" por um real  de nada serviu para classificar a ofertante antes do de proposta um real mais baixa.

E mais ainda: caso o dadivoso ofertante oferecesse o brinde ao mesmo preço total de R$ 10.000,00 na sua proposta, também nem por isso venceria naquele momento, e o certame iria a sorteio, ou, se fosse o caso como não se acredita,  precisaria ser desempatado por algum dos outros meios previstos no art. 55 desta lei !  Assim como guerra é guerra, também regra é regra, e em nome do princípio da igualdade a regra deste § 3º está correta e é necessária, ainda que ocasionalmente prive a Administração de um melhor negócio;

§ 4º - prevê que o critério do maior desconto (inc. II do caput):

inc. I  - em caso de serviços que não de engenharia e de compras terá como referência o preço global - estimado, a lei não diz mas é preciso assim entender - fixado no edital, estendendo-se a eventuais aditivos ao contrato. Até aqui tudo pareceria óbvio,  não fosse pela novidade de que o preço global estimado no edital funciona como um fator fixo, já preestabelecido no edital e que não poderá ser outro pela vontade dos licitantes, os quais poderão tão-somente oferecer descontos sobre aquele valor prefixado. E vencerá o que propuser o maior desconto, o qual precisará manter por todo o contrato como seria de esperar;

inc. II - em caso de obras e de serviços de engenharia, apesar desta divisão, pouca novidade: os descontos precisarão incidir de forma linear sobre todos os itens constantes do orçamento da estatal, que precisará constar do edital. Alguém imaginaria diferente, se é o valor global da proposta o que interessa apurar na licitação ?  A lei, uma vez mais,  chove no molhado;

§ 5º - estabelece que nos editais com critério de julgamento que prestigie a melhor combinação de técnica e preço "a avaliação das propostas técnicas e de preço considerará o percentual de ponderação mais relevante, limitado a 70% (setenta por cento)". Pergunta-se: será que o autor entendeu o que escreveu ?   Que quis significar com esta previsão ?

Ora, se existe mais de uma ponderação, e mais de um percentual de ponderação, então os que não forem o mais relevante deverão ser desconsiderados ?  Então, para quê existem ?

Que significa percentual de ponderação ?   Ponderação é atribuição de pesos ou valores diferentes a diferentes fatores dentro de cada item a ser avaliado, os quais itens, após sofrerem os efeitos da ponderação, acabarão diferenciados em caráter final para fim de classificação. Ou seja, a aplicação da ponderação acaba por diferenciar os itens em julgamento na classificação final.

Se isso é ponderação, então a que percentual de ponderação se refere este § 5º ?    Se essa pergunta para nós não tem resposta na lei, então evidentemente resta prejudicado o limite de 70% ali também referido, na medida em que 70% de uma fantasmagoria não significa coisa alguma, tanto quanto a fantasmagoria inteira.

Teria querido dizer o legislador que o fator mais importante não pode ser superior a 70% da ponderação, como por exemplo técnica valer 71 %, e preço valer 29 % ? Pode ser, mas isso não autoriza a desconsiderar o fator menos importante, como se alertou acima.

O dispositivo juridicamente é horripilante. Essencialmente não faz sentido algum. Funciona como um pesadíssimo argumento para a estatal que licite jamais escolha o critério do inc. III deste art. 54 para o julgamento de sua licitação. Fica claro entretanto que  estatal não precisará seguir as regras da licitação do tipo técnica e preço que consta da lei nacional de licitações, podendo livremente estabelecer normas e condições específicas, quanto ao critério de julgamento, a cada novo certame sob a craveira da técnica e preço.

E a pouco ou nada compreensível redação deste § 5º constitui apenas mais um argumento, que a lei fornece espontaneamente, para a proscrição e o amaldiçoamento  das licitações de técnica e preço em nosso país, as quais constituem, em toda legislação de licitações, um dos mais mal descritos, precários,  inconfiáveis e suspeitos institutos dentre tantos quantos existem, e do qual até mesmo se questiona se foi engendrado de boa-fé (e péssima clareza redacional) ou, como chega a parecer, para dirigir a licitação com precisão cirúrgica a quem está programado para vencê-la segundo a combinação prévia, ao estilo petrolão;

§ 6º - estabelece que em casos de licitação pelo critério do maior retorno econômico (inc. VII do caput) o edital visará obter propostas que gerem economia de despesas correntes à estatal licitadora, e o vencedor receberá percentual da economia proporcionada à estatal.

Parece tortuoso o dispositivo, mas aos profissionais desse ramo - em verdade desse conjunto de ramos, tanto empresarial quanto de gestão interna das empresas do estado - há de fazer sentido, e de ser operacionalmente exeqüível. O que tem de - escassamente - jurídico faz sentido, apenas incitando dúvida sobre a suficiência da economia proporcionada à estatal como base para daí se extrair o percentual que remunerará a empresa afinal contratada sob esta égide.  A questão, como se observa, é tudo menos jurídica;

§§ 7º e 8º, em conjunto - temerários parágrafos sobre um temerário critério de julgamento, mais subjetivo que o julgamento proferido por uma mãe sobre a beleza de seu filho. O terreno é um charco pantanoso, informado por demagogia rasteira e própria do legislador que joga para a platéia,  e de nós merece a reserva mais decidida.

Cuida de se resguardar a destinação social do bem alienado, por licitação, pela estatal. Lendo-se os dois parágrafos  em conjunto torna-se curioso conjeturar sobre a legitimidade de a estatal, que alienou o bem,  fiscalizar a sua administração,  até  mesmo ao ponto de fazê-lo reverter ao seu patrimônio em caso de tredestinação pelo adquirente. De onde surgiu uma tal cogitação ?

Então, se for venda, será venda condicionada, sujeita a cláusula resolutiva ?  Isso existe no direito brasileiro ? A quem pertence a patente dessa idéia  extremamente criativa ?  Alguém que vende algum bem pode condicionar o seu uso, sob pena de reversão, e, ainda mais,   sem indenização ?  E quanto a quem o compra, acaso se o pode  imaginar sujeito a qualquer fiscalização pelo vendedor, como se se tratasse de concessão de uso  ?   Adquire o bem e não pode utilizá-lo, naturalmente dentro das regras legais que sujeitam a todo cidadão , como quiser ? Nada faz sentido.

O parágrafo nada tem ou permite ao edital ter de objetivo quanto ao seu papel regulador, pois que inexiste matéria menos concreta e transparente que a  "repercussão no meio social da finalidade para cujo atendimento o bem será utilizado pelo adquirente". 

Lamenta-se que a lei se perca em falastrices rasteiras e desprezíveis como a destes parágrafos, e será de lamentar muito mais que alguma autoridade estatal tente levar a sério uma inutilidade conceitual, legislativa e operacional desse jaez, a qual explica a fala comum de que para ser ruim o dispositivo precisaria melhorar muito.

E, na sua essencial insignificância,  estes §§ 7ºe 8º do art. 54 da lei das estatais significam o que a autoridade quiser que signifiquem. A lei perdeu  outra significativa oportunidade  de omitir-se e nada dizer, e espraiando-se por dispositivos de semelhante desimportância apenas dilui o seu foco e desserve o seu propósito institucional.

Este art. 54 criou novidades em matéria de critérios de julgamento de licitações, porém da pior espécie, e em absoluto não fez evoluir o direito das estatais. As inovações não constituem exemplo a seguir por nenhuma lei nova.

 Art. 55

Este artigo estabelece os 4 (quatro) critérios de desempate nas licitações das estatais, entre proponentes empatados na classificação.

Em primeiro lugar, e à falta de patifaria como aquela constante da lei das micro e pequenas empresas - que inventou uma espécie de empate entre preços diferentes em até 10%, ou 5% se em pregão, tudo para favorecer as MEs e EPPs que proponham acima de quem não  tem a sua natureza, algo materialmente tão realístico quão pelo em ovo ou chifre em cabeça de cavalo -, felizmente nada de semelhante existe aqui, e empate significa, como em todo lugar do universo e em todo idioma que exista, a absoluta igualdade de preços. Se um preço for um centavo acima de outro, então inexiste empate.

Inobstante isso, valem também para as estatais aquelas regras da LC 123, privilegiadoras das MEs e EPPs, nas  licitações das empresas do estado, uma vez que a lei não distingue entidade pública nenhuma para aquele efeito, a todas sujeitando da mesma maneira.

Já dissemos em artigo que nenhuma licitação precisa ser restrita a micro ou pequenas empresas,  porque permanece em vigor o inc. III do art. 49 da LC 123, e jamais restringir uma licitação a apenas uma classe de participantes foi, é ou será vantajoso  para o poder público ou o ente licitador, o que esvazia por completo a aparente impositividade do art. 48, inc. I.

 Mas, mesmo assim,  as micro e as pequenas empresas que assim se qualificarem em licitações nas estatais - que, repita-se,  jamais precisam ser restritas  àquelas empresas - gozam dos privilégios da LC, sem dúvida ([1]).

A ordem dos critérios é aquela da lei, necessariamente. Apenas após esgotado o anterior na lista, e fracassado, apela-se ao segundo, e assim até o último. Não cabe à autoridade escolher o critério, mas apenas correr a lista, até desempatar o certame.

O primeiro critério de desempate é o que a lei denomina disputa final, circunstância em que poderão as empatadas apresentar nova proposta fechada, em ato contínuo à declaração de encerramento do julgamento e do empate. Então, conforme for o critério de julgamento o julgador pronunciará o resultado.

Fracassado o primeiro critério - por motivo de ocorrer novo empate, por exemplo -, o segundo é da pior qualidade possível, o que deverá fazer os julgadores desejarem que o primeiro não fracasse. Se houver sistema objetivo de avaliação do desempenho anterior dos licitantes, será aplicado e o mais bem avaliado vencerá o certame.

A idéia é tenebrosa, quase infantil, e é de esperar que jamais a estatal se disponha a trilhar um patético roteiro como este, e jamais estabeleça no edital um sistema que se assemelhe a algo assim. Para então, havendo empate e este persistindo após a aplicação do primeiro critério - algo difícil de imaginar -, pular-se desde logo para o terceiro, declarando o julgador que aquele sistema não existe. É quase inacreditável que a lei ainda se perca em   futilidades como esta do inc. II.

O terceiro critério - absolutamente horrível !  Inteiramente péssimo !  De uma inconsciência e um irrealismo atrozes, que devolvem o legislador à escola primária em questão de praticidade - remete aos critérios do art. 3º da Lei nº 8.248/91, e, não se sabe se necessariamente nessa ordem, ao § 2º do art. 3º da lei de licitações.

O art. 3º da Lei nº 8.248/91 dá preferência, em empates, a "I - bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País", e a seguir a "II - bens e serviços produzidos de acordo com processo produtivo básico, na forma a ser definida pelo Poder Executivo".   Alguém no país deve saber o que isso significa.

Quanto à primeira lei, até que ponto a tecnologia é brasileira, e em que ponto ou onde, no processo de concepção,  começa esse "nacionalismo" tecnológico ?  Que vem a ser exatamente o processo produtivo básico, algo que lembra o filme Delírios de um anormal, do glorioso cineasta José Mojica Marins ? Para quê serve ?  Qual a sua utilidade ?  Quem o utiliza, e para quê ?  Imaginava-se que a lei quisesse caminhar para a frente, não para um passado tenebroso de nossa história recente, mas não foi o que ocorreu.

Quanto à lei de licitações, quase nada nessa província funciona porque dificilmente o § 2º do seu art. 3º teve ocasião de ser exercitado. Em nossos mais de trinta anos de prática neste terreno das licitações jamais soubemos de um caso de empate que tivesse sido resolvido por esse dispositivo...

Evidentemente tudo isso fracassará sempre que infelizmente a licitação chegar a este ponto - o que, reitere-se, dificilimamente ocorrerá, e só o legislador não sabe disso -, porém se ocorrer passa-se ao quarto critério, que não é outro senão o popular, arquiconhecido, festejado e em geral ansiado sorteio.

Precisava a lei ter perdido, e ter feito a autoridade, o aplicador, o licitante e o estudioso, perderem tanto tempo ?  Mas como não há mal que sempre dure, o artigo terminou.

 Art. 56

Aqui cuidou a lei de indicar como se processa uma fase do julgamento das propostas nas licitações.

Inspirado ao início pela lei do pregão, art. 4º, incs. XI e XII - que depois colidem frontalmente com o inc. XVI daquele mesmo art. 4 -, incide na mesma ilogicidade daqueles dispositivos, já assaz de vezes  apontada em livros, artigos, seminários, aulas, congressos e em toda outra oportunidade que os estudiosos têm de fazê-lo, tudo isso aparentemente sem nenhum sucesso, como o de quem se dispõe a falar para as paredes.

O caput tem  6 (seis) incisos, porém ele próprio já começa mal, informando que "Efetuado o julgamento dos lances e das propostas, será promovida a verificação de sua efetividade, promovendo-se a desclassificação daqueles que:" - e seguem os seis incisos.

Mas já inicia mal o artigo, porque dá a impressão de que após o julgamento das ofertas é que se dará a verificação da sua efetividade. Ora, como é possível classificar ofertas que não tenham "efetividade", palavra esta que no dizer canhestro da lei  quer significar corretas, exeqüíveis, adequadas em matéria e em preço ? Se a oferta não o é, então já deve ser desclassificada de plano, imediatamente após lida e conferida a sua desconformidade com algum dos inciso do caput.

Não tem sentido a idéia de "julgar uma oferta" e depois verificar que não pode ser classificada...   será isso tão difícil de o legislador entender ?   Será que a lei não se dá conta de que o único momento de classificar ou de desclassificar uma oferta é quando da sua primeira leitura e imediata apreciação pelo ente que licita ?

Não existe uma pré-classificação e depois uma classificação ou desclassificação definitiva, nem na lei do pregão, nem nesta das estatais nem em lei alguma, pois que classificação é uma só, e desclassificação também é uma só.

Se a oferta não contém "efetividade" como diz a lei, é porque contraria algum(ns) dos seis incisos deste art. 56, e nesse caso deve ser imediatamente desclassificada, porque já contém todos os elementos necessários para tanto, e simplesmente não pode ser classificada. Não pode a estatal julgar "mais ou menos classificada" uma oferta, prosseguir o certame com essa oferta e depois entender que está em verdade desclassificada. Isso não faz nenhum sentido, e constitui  uma autêntica bobagem que vem sendo repetida lei após lei depois da do pregão presencial.

O momento de se examinar se está classificada a proposta ou não é, portanto, quando se a lê pela primeira vez, eis que esse é o momento em que todas as contas, os cálculos, as aferições e os exames de adequação entre o que foi pedido e o que foi ofertado devem acontecer.  Examina-se a oferta - proposta ou lance - ante o que foi pedido e de acordo com os seis incisos deste art. 56, e já nesse mesmo momento se julga classificada ou desclassificada essa oferta, nada se deixando para depois.

E se esse julgamento acaso for considerado errado pelo interessado, para remediar essa  situação é que existe o recurso, quer da própria desclassificação do interessado, quer da classificação de um seu competidor.  O que não pode existir é uma "pré-classificação", ou uma classificação condicional.

Visto isso - no quê insistimos invariavelmente -, no momento em que for aberta a proposta escrita a comissão julgadora deve examinar a lista dos incisos deste art. 56, e verificar se a proposta materialmente atende o que foi pedido e se seu preço também atende, ou se desatende porque contraria algum(ns) daqueles seis incisos.

Se atender estará ipso facto classificada porque tem a mencionada "efetividade" a que se refere o caput, mas se desatender algum(ns) dos incisos deverá ser declarada desclassificada no mesmo momento do certame, sem posterior exame de nada porque isso seria simplesmente incabível.

Agora quanto a  lances verbais, num pregão presencial,  o procedimento muda um pouco, e o pregoeiro deve, ao ouvir o lance, desde logo informar se o aceita ou não, não podendo postergar esse momento, simplesmente  porque a estatal não pode brincar livremente com os licitantes.

Se aceitar qualquer lance, e se prosseguir indefinidamente com o certame para apenas em uma momento incerto no futuro passar a examinar a "efetividade" daqueles lances, e então se concluir que a partir de dado momento todos os lances dados eram inexeqüíveis, observe-se  o impasse que estará sendo causado: uma ferrenha disputa de licitantes sobre nada, com uma pesada competição que depois é toda dada como inválida.

Volta-se o procedimento, então, para o momento do último lance que agora foi considerado válido ?   Ora, mas que péssimo roteiro !  Que tremenda inabilidade procedimental, e que inadmissível divertimento do pregoeiro com relação aos licitantes, que disputam pensando que seus lances estão sendo levados a sério !...

Isso é rigorosamente inadmissível num ente público minimamente organizado e que preze e respeite os licitantes que acorrem ao seu chamado !

E quanto ao pregão eletrônico outra inda é a realidade procedimental, porque os lances são eletrônicos, na tela de um computador e não em viva voz.  Mas mesmo aqui insistimos: não pode a estatal receber, durante por vezes um longo tempo,  todo e qualquer lance, que dá muito trabalho ao ofertante e lhe implica séria responsabilidade, para apenas depois, em algum momento quando a estatal se cansar da brincadeira, só então passar a  verificar se são aceitáveis aqueles inúmeros lances eletrônicos, ou quais deles são ante quais deles não são ...  não é assim que o ente público deve nem pode fazer !

Licitação, seja qual for, não pode ser reduzida a descomprometido folguedo da Administração, nem a divertimento patrocinado pelos licitantes, que precisam levar a sério quem licita mas que, antes,  precisam ser levados por quem os convoca.

Não tem sentido a estatal trilhar um árduo caminho de colecionar lances, por vezes às centenas, para em dado momento se dar conta de que não deveria ter aceito grande parte deles, já tendo esperdiçado tempo seu e do licitante, e tendo jogado com a dignidade desse procedimento que deve ser absolutamente austero.  Pregão eletrônico não é videogame, nem licitante algum admite que possa parecer.

Somente se pode concluir, portanto, que ao invés da palavra "julgamento", constante do caput, ali deveria estar escrito recebimento - pois que se estivesse tudo faria sentido.  Uma vez recebidas as propostas ou os lances, examine-se cada um deles antes de se o classificar ou não, ou antes de se o aceitar ou não, procedendo-se a cada caso como acima indicado, é nossa enfática recomendação.

Os seis incisos do artigo, que indicam defeitos invalidantes das propostas e dos lances, não contêm novidade, salvo o inc. VI que, tentando ajudar, resultou infeliz e inadequado na parte final. Os incs.. I a V mencionam, como irregularidades nas ofertas:

 (I) existência de vícios insanáveis,  e isso pode significar um mundo inteiro de ocorrências, a ser analisada cada qual quando ocorra frente ao edital;

(II) descumprimento de especificações técnicas editalícias, algo que pode estar enquadrado no inciso anterior, e em geral está;

(III) tenham preços manifestamente inexeqüíveis, sendo que neste caso o § 3º do artigo, em boa hora,  repete a regra do art. 48, § 1º, da lei de licitações quanto a obras e a serviços de engenharia.

Nos demais objetos a briga de foice quanto a caracterizar o preço como inexeqüível permanece, pouco importando que a lei mencione a expressão manifestamente inexeqüível, já que aquela "manifesta" inexeqüibilidade nunca foi aceita como manifesta em toda a história das licitações e de seu direito, e ainda hoje persistem as mais acendradas discussões a cada momento em que uma proposta é desclassificada sob esse fundamento, o que via de regra descamba para o plano judicial e anos de disputa. O Brasil consegue ter realidades "manifestas" que são absolutamente controversas e contestáveis...;

(IV) consignar preço acima do máximo admitido no edital, a não ser que seja secreto aquele preço, como o art. 34 da lei muito infelizmente admite. Óbvio na primeira parte e, quanto ao preço secreto, eis um retrocesso lamentável como  já se afirmou, lastimável que isso ainda possa existir quanto a objetos em licitação, e que contraria o art. 3º, § 3º, da lei das licitações, que proíbe segredos em c licitações e  que constitui uma importantíssima norma geral de licitação.

Se o preço pode ser secreto, entendemos, é porque o objeto deve também ser secreto, envolvendo segurança nacional e assuntos correlatos, e nesse caso o próprio objeto não tem como ser licitado. Mas em licitação, que é essencialmente pública e transparente, a idéia do preço secreto é anacrônica e quase patética, devendo ser evitada ao máximo por qualquer estatal que preze os mais elementares princípios de administração;

(V) que não tenham demonstrada sua exeqüibilidade, quando assim determinado no edital. Caso excepcional, cuida  de ser preciso demonstrar a exequibilidade do que está sendo proposto, não bastando para tanto apenas o que está escrito.  Há hipóteses em que semelhante roteiro é tecnicamente indispensável, e se o proponente não lograr demonstrar a mera exeqüibilidade do que propõe, merece desclassificação, e

(VI) apresentem desconformidade com os outras exigências do edital, a não ser que possam ser acomodadas posteriormente e sem violação ao princípio da igualdade.  Ora, existem então "outras exigências do edital", que não estejam já no rol geral delas, a que se refere o inc. II ?  Que terão essas outras exigências de tão notável que as impeça de serem consideradas no rol geral das exigências do edital ?   E que técnica será essa, de separar exigências de um tipo de exigências de outro tipo ?  Em quê um tal hiato auxilia a quem quer que seja em licitação ?  Macacos nos mordam se compreendemos o motivo do discrímen.

Somente por esse motivo o inc. VI já parece inútil, porém o que vem a seguir é pior, pois que admite a possibilidade de alguém desatender o edital e depois "acomodar" sua proposta até atendê-lo !   Mas que santa ingenuidade, a de imaginar que se pode alterar a proposta sem afrontar o princípio da igualdade entre os licitantes ?  Então um licitante desconforme "acomoda" sua proposta no aspecto material até a conformar ao exigido, porém e quanto ao preço ?  Também acomoda ?  E os demais licitantes,  ambém podem ir se acomodando ? 

Estaríamos, então, ainda na licitação, ou em uma festa do caqui ?   Em uma farra do boi, ou em um churrasco na casa da sogra ?  Ou, pior, em um caminhão carregando porcos, no qual a primeira balançada acomoda todos os viajantes ?...

A lei outra vez dá prova da inconsistência técnica do legislador, o qual abusa da inércia do papel em branco que a tudo aceita sem reação eficaz.  O direito entretanto não é assim nem tem a mesma complacência do papel, e esta hipótese, do inc. VI,  é outra que, muito desejavelmente, jamais deve ser exercitada em editais: exigências de categoria a num primeiro momento, e exigências de categoria b, aquelas acomodáveis,  em um segundo momento.  Ninguém se acomode a algo assim tenebroso.

O artigo tem ainda quatro parágrafos:

§ 1º - juridicamente o mesmo que nada, permite que a "verificação da efetividade das propostas" seja procedida apenas com relação às mais bem classificadas. Quantas ? Nove ?   Dezessete ?   De qualquer modo, sabe a lei que dificilmente será necessário apelar a mais que umas duas ou três propostas por motivo de que o primeiro na classificação, por algum motivo,  não contrate.  Dispositivo tão necessário quanto a pedra na sopa da conhecida parábola;

§ 2º - outra invenção da roda, permite a realização de diligências pela estatal, neste caso para aferir a exeqüibilidade das propostas.

Comentário um: não precisaria ter feito, porque a diligência sempre foi permitida a qualquer ente público, em licitação ou no que quer que seja, e com lei, sem lei ou apesar da lei. A lei de licitações já o admite, no § 3º de seu art. 43, em norma geral de licitação.

Comentário dois: não é apenas para esse fim acima que a diligência pode ser determinada e realizada pela estatal, mas para todo e qualquer fim de esclarecimento da comissão e dos julgadores do certame. É sempre um ato público, para o qual os interessados licitantes devem ser convidados, e por vezes, mais que simplesmente facultativo ou autorizado, revela-se imprescindível para o correto e bem informado  andamento do certame;

§ 3º - cópia do § 1º do art. 48 da lei de licitações, lá como cá ao menos para obras e serviços de engenharia resolve o, de outro modo quase insolúvel, problema da desclassificação da proposta com preço julgado inexeqüível.

Basta fazer as contas: é inexeqüível a proposta, quanto a esses objetos, de valor inferior a 70% (setenta por cento) do menor valor dentre os (I) da média aritmética das propostas superiores a metade do valor estimado pela estatal na licitação, ou (II) daquele próprio valor estimado pela estatal, acima referido.

Jamais se observa o valor estimado pela estatal ser o menor desses dois. É sempre maior  porque se a acompetição é para baixo e não para cima em valor não faria muito sentido que as propostas não se desdobrassem para reduzir sua cotação até ao menos algum valor  inferior ao estimado pela própria estatal, que é sempre a primeira orientação financeira aos proponentes; daí, a peleja é para baixar o preço oficial, não para superá-lo e nem mesmo para igualá-lo. A lei pode manter a alternatividade, mas na prática ela nunca ocorre;

§ 4º - este dispositivo tenta romper as amarras da subjetividade e as dificuldades de toda ordem, acima já referidas, na briga de foice que é o julgamento do que seja preço inexeqüível, em todo objeto que não obra ou serviço de engenharia.

A luta da Administração nesse sentido, pelo visto, continua, livre entretanto das poéticas e românticas tentativas de objetivar esse critério, como consta da parte final do inc. II do art. 48 da lei de licitações.  E este parágrafo já constitui  uma grande evolução, na medida em que tentar objetivar o inobjetivável é pura perda de tempo, e perigoso por fazer parecer tratar-se um roteiro sério, como não é.

Com efeito, a  quem preze a arte da poesia abstrata a parte final do inc. II do art. 48 da Lei nº 8/666/93 a partir da palavra "inexequíveis", poderá agradar. Mas não a quem tiver mais o que fazer, e souber o risco que corre se confiar naquela arenga, que jamais conduziu ou conduzirá o aplicador a porto seguro nenhum.

Assim, do modo como está redigido este § 4º fica evidente que a cada caso em que a estatal desconfiar que alguma proposta recebida é financeiramente inexeqüível, então para desclassificá-la que trate de  demonstrar aquela pontual inexeqüibilidade do modo como puder fazer - e por evidente assuma a responsabilidade por fazê-lo -, ou que desde logo mude de idéia e não a desclassifique por aquela razão.

E, como se afirma, seja o que Deus quiser...   A situação, na prática, resulta desconfortabilíssima ao julgador, que no mais das vezes tem absoluta certeza de que o preço é irreal e que o contrato não será executado, mas se vê em palpos de aranha para desclassificar a proposta, com o mundo inteiro a observá-lo e aguardar que a desclassifique, para então imolar o servidor no altar da inquisição moralista, com recursos, ações, responsabilizações e repressões de toda ordem.

Mas, inobstante aquele desconforto gerado pela insegurança em matéria tão discutível quanto a inexeqüibilidade de propsotas, e para tentar amenizá-lo,  não deixa de ser muito oportuna a menção do ilustre Sidney Bittencourt ao entendimento do Tribunal de Contas da União sobre essa exata questão:

Registre-se que, também nesse caso, aplica-se o entendimento do TCU no sentido de que não cabe declarara a inexeqüibilidade de proposta ou lance sem antes facultar aos participantes do certame a possibilidde de comprovarem a exeqüibilidade de suas ofertas (Acórdãos: 2.093/2009 - Plenário 559/2009 (...)" ([2]),

e o jurista indica diversos outros acórdãos no mesmo sentido.

Tudo isso ajuda inquestionavelmente a emprestar maior objetividade à tormentosa questão, porém a dificuldade daquela demonstração é intrínseca à matéria, e nem sempre os licitantes conseguem torná-la objetiva ao ponto de demonstrável numericamente, tantos são os fatores técnicos, estruturais  e econômicos, conhecidos ou ainda desconhecidos, quase sempre muito polêmicos e discutíveis, a interferir sobre aquela demonstração, e a possivelmente instabilizá-la, ou mesmo desacreditá-la. Ou seja: subjetividades tentando resolver outras subjetividades.

Mas vale todo esforço nesse sentido, com vista a prevenir as freqüentíssimas resistências administrativas e judiciais ao julgamento, em geral movidas ou iniciadas por maus perdedores, muitos dos quais profissionais da ciência da alta picaretagem e que apenas visam atrapalhar e turvar o negócio obtido por seu competidor, que não conseguiram vencer na licitação.  Vale efetivamente o esforço, sabendo-se inexistente a vacina contra o mau caráter.

 Art. 57

Este artigo - e já enjoativamente - é o remate da estupidez humana em termos de elaborar legislação. Desanima qualquer comentarista, e contribui à grande para se  perder a vontade de comentar legislação.

Desacredita por inteiro toda a licitação havida,  caso o vencedor não aceite dar um desconto após vencer o em geral árduo certame, em que competiu de modo oficial e não como num mercado persa de galinhas ou numa feira livre.

Custa crer que olegislador acredita mesmo no que escreveu.

Inicia por repetir a grossa asneira, já indicada, da "comprovação da efetividade da oferta", algo que deve ser sempre realizado no exato momento em que  a estatal conhece a oferta, e só nesse momento. Segue o caput  estabelecendo que após aquela confirmação com o autor da proposta vencedora deverá haver negociação entre esse e a estatal, para que ainda se tente melhorar a oferta.

Nesse momento termina o caput abruptamente como rabo de urutu, e entra o § 1º como um trapalhão não convidado, atropelando a ordem natural das coisas e - sem indicar o comportamento da estatal quanto àquela negociação indicada no caput !! - fixando que a negociação "deverá ser feita com os demais licitantes".

Pergunta-se: como isso é possível ? Como seria juridicamente factível negociar com quem não é o primeiro colocado ?  Para quê serviu a classificação ?  De onde saiu uma tão arrevesada idéia ?   Para quê então se realizou a licitação ?  Se é para negociar com qualquer um mesmo tendo havido um vencedor, então que se negocie diretamente desde o  início, sem a perda de tempo e o tremendo trabalho e desgaste que é e que foi licitar !...

E como é possível negociar com os demais licitantes, se por exemplo o vencedor, após inquirido,  aceitou conceder um desconto, e  reduziu seu preço ? Nessa hipótese, e nesse mesmo instante, supostamente se encerra  qualquer nova movimentaçao ou operação na licitação: afinal já há (I) um vencedor, e este (II) ainda adicionalmente melhorou seu preço. Onde e como, então, negociar o que quer que seja com mais alguém ?   O caput se esqueceu deste detalhe ?

Figure-se outra hipótese, a de que o vencedor, instado a ainda dar um desconto sobre seu preço já vencedor, conceda esse desconto, porém que que não chega ao valor estimado pela estatal.  Pode por isso ser desclassificado, ele que fora classificado em primeiro lugar e com isso  venceu o certame,  e que ainda melhorou sua proposta ? Evidentemente não, porque nenhum motivo existe para tanto, já que "não dar desconto suficiente" não é fundamento para desclassificar quem já venceu uma licitação.

Então, poderia a estatal negociar alguma coisa com o segundo colocado, deixando de lado o vencedor, ainda classificado em primeiro lugar ?  Obviamente não !

Será preciso crer, segundo parece pela lei,  que se o vencedor não chegar ao preço da estatal estará fora da disputa ? Mesmo que o edital não tivesse estabelecido que o  orçamento da estatral, anexo do edital, é o preço máximo aos licitantes ?

Se assim tivesse sido estabelecido, então tudo estaria equacionado corretamente desde o início e resolvido de antemão, e a disputa seria apenas  numa faixa abaixo do preço da estatal, ou, em caso de  empate,  o desempate se daria na forma da lei.  Mas não como a lei indica... 

Repita-se: se a estatal estabelecer que o seu orçamento é o preço máximo admissível - como diversas estatais do Estado de São Paulo já fazem há décadas -, então todo este problema levantado inexistirá.  Mas não navegue o edital ao sabor errante deste sesquipedal e deficiente dispositivo da lei - o qual auxiliaria imensamente a todos se fosse revogado.

Mas segue a infâmia jurídica com o § 3º, que manda revogar a licitação caso não seja obtido a final um valor igual ou inferior ao estimado. É difícil acreditar  no que se lê ([3]).

Então a revogação deixou de ser uma faculdade da Administração após um fato superveniente ao inicio do certame, passando a ser uma obrigação ?   Obrigação de revogar - alguém já terá visto algo assim,  que contraria toda a teoria geral do direito  ?   A figura  constitui a quinta-essência do absurdo !  

O legislador, que aparenta ter aprendido direito na auto-escola ou num açougue,  aqui não faz a menor idéia do  que escreve, pois que se nem o Judiciário pode mandar que o poder público revogue uma licitação  já que isso não compete senão ao juízo discricionário de quem licita, que então dizer  da lei ?

Se a estatal erra miseravelmente no seu estimado orçamento - elogiavelmente visando economizar, porém fazendo-o de modo completamente irreal e fora dos parâmetros do mercado -, então a teor disto acima precisará revogar a licitação se como se imagina não conseguir obter proposta de valor igual à do seu erro !   Errará duas vezes...

A lei, pelo que se lê,  não admite que através da licitação o mercado ensine a estatal que errou na sua orçamentação, e que o preço do que ela quer adquirir não é bem aquele que ela indicou. 

Essa correção de erros oficiais - por vezes nào erros porém meros  forçamentos propositais - acontece desde que se deu a primeira licitação no país, e ocorre a cada dia que passa nos mais variados rincões de nosso vasto território, em todo nível de governo e nos entes públicos de toda natureza, sem que anormalidade alguma se lhe possa atribuir.  Orçar mal é algo bastante freqüente, e não apenas para menos.

Se o ente público não sabe orçar então que aprenda, e  pode legítima e perfeitamente aprendê-lo através de receber propostas corretas em licitações alicerçadas em orçamentos irreais; há de reconhecer, no expediente administrativo, que errou ao orçar, porém isso não será possível se o seu orçamento for o preço máximo aceitável. Nesse caso entretanto, fracassando a tentativa,  não lhe restará senão revogar o certame, mas não porque alguma lei, ridiculamente,  o tenha determinado, e  sim porque nada mais lhe restará fazer.

É muito mais econômico, racional e proveitoso para a estatal, e para os licitantes e para o interesse público, que as estatais aprendam a orçar -  se não antes, ao menos ao longo do certame e quando se dá conta de sua errônea estimativa - do que perder e fazer perder muito tempo, e despender muito dinheiro público, com licitações irreais e fantasiosas, em nome de uma economia-fantasma e infactível que a todos tenta iludir sob color de austeridade com o dinheiro público.  Austeridade é uma coisa, mas ingenuidade é bem outra.

Jamais se  incentiva aqui o sobrepreço, nem o superfaturamento, nem a corrupção que grassa absolutamente solta no país sob qualquer de suas formas e em cada escaninho da Administração, em absoluto.

O que não nos faz sentido é a lei tentar transformar a licitação, após todo o seu cerimonial e a sua solenidade,  em informal mercado de peixe, sempre que a licitação não obtiver o resultado já previamente conhecido -  o orçamento da estatal -, hipótese em que  pela lei deverá ser revogada. Parece que ninguém na estatal tem o que fazer, e deve jogar fora seu tempo útil, e o dinheiro público que custa licitar.

Então,  insista-se: num  tal quadro, para quê a licitação ?  Mais civilizado seria ao ente público que, ao estimar seu preço, cdesde logo onvidasse pessoas interessados em fornecer o objeto por aquele preço ou por menos, e daí sairá o glorioso vencedor, livre da ritualística ultraformal e dos riscos do certame licitatório, que, a esta altura, só teria servido para atrasar os programas da estatal...

Para se tentar aproveitar algo deste artigo, roga-se humildemente às estatais que não forcem seus orçamentos para baixo, ou então que informem que constituem o preço máximo admissível sob pena de desclassifcação, tudo de molde a não fazer incidir a inconsciência da lei neste momento.

 

[1] Artigo Micro e pequenas empresas em licitação: modificada a LC 123/06 pela LC 1547/14, publicado em  Boletim de Administração Pública Municipal, ed. Fiorilli, jan/07, assunto 87; Fórum de Contratação e Gestão Pública, jan/07, p. 33; Repertório de Jurisprudência IOB – Tributário, constitucional e administrativo, jan/07, vol. I, p. 84; Revista IOB de Direito Administrativo, fev/07, p. 186; Revista Jurídica de Administração Municipal, fev/07, p. 19; L&C, da ed. Consulex, abr/07, p. 28; Boletim de Licitações e Contratos - BLC, dez/07, p. 1.137; Revista da Procuradoria Geral do Município de Santos, 2.007, p. 123.

[2] In A nova lei das estatais - Novo regime de licitações e contratos nas empresas estatais, ed. JHMIZUNO, 2.017, Leme, SP, p. 266.

[3]  Porém repita-se ainda outra vez:  se o edital fixar o orçamento oficial como preço máximo, problema algum remanescerá.

 

(prossegue)