AMOSTRAS NO REGISTRO DE PREÇOS E NO PREGÃO, E O “CARONA”

AMOSTRAS NO REGISTRO DE PREÇOS E NO PREGÃO, E O “CARONA” 

Ivan Barbosa Rigolin



Introdução ao tema


I – São diversos os entrechocantes e reciprocamente imbricados institutos jurídicos relativos às licitações dentro da selva escura e tenebrosa que é a Lei nº 8.666/93, conhecida espécie de navio-fantasma do direito público ou, para um ilustre publicista, um autêntico castelo mal-assombrado, que como ele entendemos repleto de fantasmagorias, abantesmas e espectros astrais da mais variada índole, alguns dos quais transpõem as lindes do mero direito para  adentrar, ou ao menos circundar ameaçadoramente,  os meandros da  psicopatologia (1).

Se a lei, infeliz e efetivamente, assim é – a pior lei brasileira de todos os tempos segundo falas regulares do ex-Ministro Bresser Pereira e com as quais concordamos em gênero, número e grau -, contém entretanto  regras e instituições que consideradas isoladamente se revelam sem dúvida elogiáveis, algumas de sua própria criação e outras herdadas do direito anterior, enfeixado no Decreto-lei nº 2.300, de 1.986, e em sua antecessora e inspiradora Lei paulista nº 89, de 1.972, obra de Hely Lopes Meirelles que, é comum dizer, fazia no Brasil a lei, a doutrina e a jurisprudência do direito administrativo.

O que desta vez chama a atenção é a questão das amostras exigíveis em licitações, tema polêmico só em si porque referente a algo muito utilizado porém que não tem nenhuma revisão nem na lei de licitações nem  na do pregão presencial, como nem no decreto do pregão eletrônico.  A prática se sobrepôs a qualquer previsão legislativa portanto, e o assunto merece abordagem.

Mas a merece tanto mais atenção o problema das amostras quando se cruzam institutos licitatórios como o registro de preços e os pregões, tanto o presencial quanto o eletrônico. Como se equacionam e se cruzam todos esses institutos na prática e no dia-a-dia dos licitadores ?  Vejamos ponto a ponto.


Amostras, o que são?

II – A questão das amostras já mereceu alguns artigos doutrinários de grande qualidade, como os de Marcello Palmieri, de Diógenes Gasparini e de Sérgio Honorato dos Santos, todos publicados em anos diversos no BLC - Boletim de Licitações e  Contratos da ed. NDJ, de São Paulo,  mas ainda tem ensejado solenes inquietações aos aplicadores da lei de licitações e da legislação sobre o pregão, e aos incontáveis operadores dessa matéria.  Quando se combina o tema com assuntos como o registro de preços ou os pregões, então crescem os questionamentos.

Amostra, para o que aqui interessa, é uma ou algumas unidades de algum produto, equipamento ou gênero, objeto de disputa entre fornecedores para compra pela Administração, e se destina a ser testado, experimentado, provado, quantificado, mensurado ou de outro modo avaliado pelo ente público no curso de um procedimento licitatório – ou mesmo, ocasionalmente, até mesmo fora de licitação,  em disputas por contratações diretas -  como pré-requisito à aprovação para possível aquisição. 

Nada impede, entretanto, que também se peçam amostras de serviços, desde que dotados de uma simplicidade e facilidade de execução tal que lhes permita serem testados em público com rapidez e transparência, de modo a se avaliar a suficiência desse serviço.

Em qualquer caso de ser exigida amostra será o edital que o deverá dizer com todas as letras, especificando quando deverão ser entregues, e que seu teste será de suficiência e eliminatório, podendo o licitante ser classificado pela parte escrita da proposta porém na seqüência ser desclassificado em função da amostra, que venha a ser avaliada como insuficiente e inapta minimamente para os fins apontados necessários na licitação.

Custa  crer mesmo que certos produtos sejam comprados pela Administração sem um teste prévio de suficiência, que de regra é simples e descomplicado de realizar, e que evita monumentais impasses e prejuízos durante a execução do contrato.  Se a dona de casa pergunta na feira de sábado se a laranja está doce, então pela simples aplicação da regra da indisponibilidade dos interesses públicos como alguém admite que o poder público deixe de fazer o mesmo quando as adquire?


Amostras em concorrências, tomadas de preços e convites

III - Nas modalidades clássicas regidas pela lei de licitações - concorrência, tomada de preços e convite -, em que exista habilitação, se o produto for imperecível e inalterável o edital em boa técnica exigirá que venham as amostras junto com os envelopes, sob pena de exclusão do licitante.  E indicará se serão ou não devolvidas as amostras de licitantes inabilitados, ou as rejeitadas, ou ainda  aquelas aceitas porém de licitantes que a final não sejam o vencedor.

E, nessa hipótese, indicará ainda quando serão devolvidas, e como. Por vezes o edital fixa um prazo para serem procuradas pelos interessados, pena de descarte pela Administração.

Ainda nas modalidades tradicionais, quanto a produtos perecíveis o edital deverá indicar quando deverão se entregues as amostras, e é recomendável que o sejam quando da sessão pública de abertura das propostas, data que ninguém conhece de antemão, para se evitar a possível deterioração das amostras.  Se for assim, só a não-apresentação da amostra  já desclassificará e eliminará licitante habilitado anteriormente.

E, ainda nessa hipótese, o melhor é que o edital preveja que serão abertas e testadas todas as amostras de propostas que não sejam desclassificadas – ainda que no primeiro momento não se saiba qual a ordem final da classificação; basta que não seja desclassificada a proposta, e a amostra respectiva deverá ser aberta e testada, de preferência imediatamente, de todos os licitantes classificados.  De amostras perecíveis não de se postergam testes.

E não se alegue como  escusa para não exigir amostra a idéia de que seria espalhafatoso, inusual, ou caricato o teste, como o de preparar uma refeição ali mesmo ou na cozinha próxima, ou fazer café, ou testar quimicamente algum produto. Nada é sem propósito ou inapropriado quando está em jogo o interesse imediato da Administração – por vezes social ou economicamente relevantíssimo -, e nenhum comodismo será legítimo para escamotear essa efetiva necessidade, quando de fato exista.


Amostras em pregões presenciais e eletrônicos

IV - Nos pregões presenciais, em que se examinam primeiro as propostas, as amostras deverão ser entregues juntamente com os envelopes sob pena de exclusão do fornecedor que não as apresente naquele momento, não se admitindo a apresentação em momento posterior, porque não faria sentido.

Nos pregões eletrônicos, ainda que não pareça muito lógico exigir amostras quando se virtualizou todo o restante exatamente para agilizar o procedimento – imagine-se o pregoeiro abandonar sua tela e seus sofisticados sistemas informáticos para confeccionar uma suculenta sopa de tomate a fim de testar o produto que lhe chegou de um licitante -, essa prática é também adotada, e nesse caso  o edital deverá indicar data e hora máximas em que a amostra deverá ser entregue, e onde, e como será o teste.

Desagrada-nos imensamente a idéia de amostras em pregão eletrônico, algo que lembra uma pajelança indígena realizada por moderníssimos robôs, ou então um trem-bala movido a carvão.  Trata-se de uma contradição em si mesma, pois que se o pregão eletrônico existe é para evitar a relação material do pregoeiro com pessoas e com objetos concretos, reduzindo aquela relação ao contato com informações na tela de um computador, e com isso abreviando o procedimento tanto quanto a virtualidade permita. 

Eletrônico é o processo da impessoalidade, e com isso testes de amostras se revelam anacrônicos e pouco compreensíveis sabendo-se que existe o pregão presencial, no qual todo teste de amostras faz inteiro sentido uma vez que se dá por uma reunião de pessoas, que desejavelmente e na melhor técnica do edital  presenciam todos os testes.  Mais ainda: os resultados, longe dos olhos dos interessados, são profundamente suspeitáveis, e, só em si, merecedores de muito pouca confiança.

Mas afirmar se ilegal a amostra no pregão eletrônico parece ser exagero pois nada existe na legislação que o impeça; é  apenas a lógica e coerência humana que lhe constitui dificultador.


Testes eliminatórios e não classificatórios. Transparência imprescindível

V - Todo teste de amostra, repita-se,  é eliminatório, ou seja, aprova ou reprova, sem gradações ou classificações por ordem. Verifica-se apenas a suficiência do produto (ou serviço) testado para os fins da Administração, ainda que algum possa revelar-se mais ou menos adequado segundo o critério utilizado para o julgamento.  O produto, ao fim do teste, simplesmente serve ou simplesmente não serve.  Ainda que o julgamento possa ser subjetivo como se examinará à frente, vale isso afirmado.

Pode eventualmente o edital prever alguma espécie de recurso  do julgamento desfavorável, sobretudo quando se trata de produtos a serem testados em laboratório ou que dependam de laudos técnicos, porque o valor em questão é relevante para o fornecedor e não pode ser desconsiderado pela Administração.  Se existir esse recurso, que seja único, simplificado ao máximo em seu formalismo e sumariamente resolúvel pela autoridade superior à comissão, assessorada tecnicamente tanto quanto for necessário.

Quem testará as amostras, do modo como o edital indicar, é quem o edital informar que o fará. Poderá ser uma comissão nomeada na hora do teste entre os servidores do ente licitador, como poderá ser uma comissão previamente designada no próprio edital, tanto quanto poderá ser um ou diversos experts contratados para isso, e por fim poderá  ser como o edital, de outro modo, bem determinar quanto ao colegiado julgador – e não se imagina para tanto um julgador singular.

O julgamento dos testes poderá ser subjetivo, como em geral é, na maioria das vezes pela simples impossibilidade de que seja diferente. Com efeito, se uma comissão de pessoas julga se o café testado é suficientemente aceitável ou se não é, ou se a salsicha enlatada é deglutível por gargantas comuns, tudo isso é necessariamente pessoal e subjetivo, não tendo como ser resolvido mecânica, eletrônica ou automaticamente. Apela-se ao senso médio dos julgadores, à impressão natural que o produto lhes causou, aos efeitos e aos resultados imediatos e desafetados do teste, seja qual for e do que for.

O que sempre se exige quanto aos referidos testes e provas é transparência no procedimento, e desse modo deve o edital evitar ao máximo exigir amostras para serem testadas em laboratórios inacessíveis ou em outros locais virtualmente inexpugnáveis, e ao tempo que a Administração quiser, porque nessas hipóteses os resultados desfavoráveis serão invariavelmente, e no mínimo, desconfiabilíssimos para o detentor da amostra, ocasionalmente já testada e aprovada adrede.


O registro de preços e as amostras

VI – Registro de preços é, como se sabe, uma licitação não para contratação imediata mas para definição de cotações vencedoras de itens de compras ou de serviços básicos, realizada por concorrência ou por pregão eletrônico ou presencial, e cujo resultado é a celebração com o vencedor de cada item de um contrato de expectativa de fornecimento, em geral sob a forma de ata de registro de preço mas que pode revestir outra forma.

Rege-se, se concorrência,  pela Lei nº 8.666/93, art. 15, inc. II e §§ 1º a 5º, sendo que existe um importante regulamento federal – aplicável à família do Executivo federal e  mais a quem voluntariamente o quiser -, o Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2.001. Podem os Estados, o Distrito Federal e os Municípios editar seus regulamentos sobre registro de preços, independentemente da existência do decreto federal, aos quais, repita-se, podem aderir em querendo.

Se realizado por pregão presencial, o registro de preços observará a lei do pregão, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2.002,  no atinente aos procedimentos do pregão, servindo a lei de licitações como roteiro de fundo sobre o registro de preços, e ocasionalmente também o decreto federal ou aquele local se existente, como “sintonia fina”. 

No pregão eletrônico ao invés da lei do pregão se utiliza o Decreto nº 5.450, de 5 de agosto de 2.005 - que por força do § 1º do art. 2º da lei do pregão presencial é nacional e não apenas federal -, como roteiro procedimental obrigatório quanto ao pregão,  e a lei nacional de licitações como regra de fundo para o registro de preços.

O registro de preços é uma das melhores idéias que alguém já teve em matéria de licitação em nosso direito, e esse instituto já data em alguns Estados de antes mesmo do Decreto-lei nº 2.300, de 1.986, diploma antecessor da atual lei nacional de licitações e contratos. 

Permite ao poder público, ao invés de o obrigar a enfadonha e cansativamente licitar cada item,  obter cotações de inúmeros itens de compras, e  mesmo de alguns serviços, válidas  por até um ano da homologação do certame ou, ainda melhor, da própria assinatura e retirada da ata pelo vencedor do item. Esse prazo de validade pode ser menor, mas não se imagina a menor utilidade em se estabelecer validade menor que a máxima legal.

Dentro daquele prazo ânuo a entidade da Administração, realizadora do certame, se autoriza a adquirir aquele item, nas quantidades máximas periódicas estabelecidas no edital, ao preço fixado na ata, que além disso pode ser corrigido pelo índice ou fator constante do edital ou da própria ata, ou revisado se necessário.   O preço pode ainda ser reduzido, se o mercado apontar que baixou quando a Administração resolver adquirir o item, e o detentor terá preferência para dar o desconto pertinente, se quiser, e desse modo fornecer à Administração.

Enfim para este tópico, o registro de preços admite a exigência de amostras dos licitantes que dele participem, tal qual não se tratasse de registro de preços mas de qualquer licitação  para contratação imediata.

Nada ostenta a exigência de amostras nos registros de preços, em concorrências e em pregões,  de diferente dessa mesma exigência quando das licitações para compra imediata.  Pode haver a classificação da proposta antes do exame da amostra, e a conseqüente desclassificação por força daquele exame, o que elimina o participante.

Por trabalhoso que seja efetuar o exame das amostras de todos os itens nos registros de preços que exijam amostras, é esse o tipo do trabalho que compensa, face à agilização que na maioria das  vezes imprime às futuras contratações.  É trabalho de administrações inteligentes e racionais, que preferem dar-se muito trabalho antes para evitar muitíssimo trabalho depois.


O infelicíssimo “carona”

 VII – Se a sabedoria popular informa que não se deve oferecer carona a desconhecidos – sem embargo de que muitas vezes é preferível ter ao lado desconhecidos a repartir o espaço com alguns conhecidos de longa data... -, a mesma sabedoria deveria rechaçar a detestável figura do “carona”, própria  do registro de preços como estabelecido em regulamento federal. Por “carona” é conhecido o juridicamente quase indefensável instituto em má hora figurante do art. 8º do Decreto nº 3.931/01. 

Foi concebido esse instituto pelo Executivo federal, que naquele então somente  pensava no seu caso e na comodidade dos entes do seu Executivo ou a esse Poder federal institucionalmente  vinculados, como o são as autarquias, as fundações e as empresas paraestatais, todas de nível federal.  Tratava-se de uma instituição “em família”.

Decerto o Executivo federal não imaginou, ao conceber o “carona”,  que os demais entes da federação se tentariam aproveitar da idéia em benefício próprio, com boa intenção ou com péssima intenção mas sempre ao arrepio de qualquer autorização legislativa e em geral sem qualquer cerimônia, como entrões não convidados, como se tal petulância lhes fosse dada pelo direito.

Pelo “carona” original os órgãos do Executivo federal, e os entes a ele institucionalmente vinculados, aproveitam-se uns dos registros de preços dos outros, e na (rebuscada e aparelhada) forma do art. 8º do Decreto nº 3.931/01 contratam as compras e os serviços que alguém registrou e publicou, sempre  no plano do Executivo federal. 

O Executivo federal, conhecendo suas próprias dimensões, no regulamento do registro de preços imaginou um instituto pelo qual um órgão realize um registro de preços de que participem outros órgãos, poupando a esses o infando trabalho. A idéia, simplificada até esse ponto, não é tresloucada, ainda que, repita-se, jamais esteve nem está autorizada em momento algum de lei aplicável alguma.

VIII - É o que reza o art. 8º do decreto, que, mesmo que não concebido para isso, acabou por  servir de mote a que Estados e Municípios, com suas entidades descentralizadas  e paraestatais, bem logo se aproveitassem da idéia, e iniciassem um crescente movimento,  a esta altura fora de controle, de aproveitar registros de preços alheios, de níveis governamentais diferentes,  para comprar ou contratar serviços constantes de registros alheios, nas mesmas condições de preço e independentemente de quantidades, bastando que o detentor da ata respectiva aceite assim os vender a quem se dispuser a comprá-los. 

Fizeram-nos os espertalhões de plantão, que sempre vislumbram vantagens aqui e acolá onde ninguém honesto as enxerga, vendendo a fórmula a Municípios como se se tratasse do seu mais comezinho direito, insista-se, sem que a lei jamais autorizasse que um ente licitasse por outros entes, e tal qual pudesse existir uma central de licitações, com um registro de preços que a todos os órgãos públicos pudesse servir como se fora uma mercearia ou um entreposto comercial.

Ora, é certo que em se  somando os registros de preços existentes no país dificilmente alguma compra ou algum serviço “registrável” ficará de fora ou será excluído, considerando-se a enormidade infindável dos itens registrados.  Com todo efeito,  deve existir registro de preço até de pó da face oculta da Lua ou de pedra filosofal produtora de ouro alquímico -, de forma que a única conclusão é a de que quem se valer de registros alheios possivelmente jamais precisará licitar item de compra ou de serviço algum, dentre aqueles constantes de registros alheios,  virtualmente intermináveis.  Basta se investigar na internet  e se descobrirão os mais diversificados ou inimagináveis registros de preços, de carne de calango liofilizada a rolhas de poço articuladas.

O “carona” indiscriminado tem condão de  eliminar as licitações para  compras e para  serviços registráveis, é a conclusão – daí a lei jamais o admitir, sendo ele invenção do Executivo federal, nos idos do ano da graça de 2.001, fora de qualquer lei.

Se é  bem certo que a lei de licitações informa no art. 15, § 3º, que “O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto”, pergunta-se entretanto,  pelas barbas do profeta,  se  a lei de licitações acaso terá imaginado ou admitido um semelhante elastério para o regulamento, que virtualmente arrombe o próprio princípio da licitabilidade das aquisições públicas, insculpido na Constituição Federal, art. 37, inc. XXI ?   Duvida-se com veemência, porque um decreto não pode ter condão de destruir ou de excluir os parâmetros da lei.

É notório que o governo federal odeia o instituto da licitação como a pior peste que assolou o planeta, e que somente não extirpa de vez essa figura do ordenamento jurídico porque decerto ainda não encontrou para tanto uma fórmula politicamente justificável.   Isso é mais evidente do que ao dia suceder a noite, e uma só demonstração á a multiplicação sem fim à vista da família de incisos do art. 24 da lei de licitações, dos 14 originários de 1.993 para os 31 atuais - se até ser publicado este artigo já não forem mais as hipóteses legais de licitação dispensável.

Mesmo assim entretanto, custa muito crer que tenha sido concebida na figura do “carona” federal – o Executivo centralizando o registro de preços em um ente, para que outros dele se possam aproveitar, o que dito assim, ainda que sem pé algum na lei,  não parece tão aberrante – um mecanismo a serviço de todo ente federado que lhes permita aproveitar-se de registros de preços das mais variadas entidades, para com base nesses registros adquirir tudo o que bem desejar, sem licitação própria alguma.

A uma viola-se com aquilo o princípio constitucional – art. 37, inc. XXI - da licitabilidade das contratações públicas, e a dois o da legalidade da despesa pública, eis que em momento algum lei formal alguma autorizou nada semelhante, como jamais autorizaria que um Estado licitasse por seus Municípios, ou que a União pudesse licitar pelos Estados que a integram.

Se a idéia do “carona” é materialmente útil e proveitosa como na rés do chão  talvez seja para os seus conceptores,  formalmente entretanto não se revela  menos que péssima, porque por completo aberrante do positivismo jurídico que feliz ou infelizmente cerca e define o direito brasileiro.

E os Tribunais de Contas enxergam o “carona”, em geral e crescentemente, com péssimos olhos, por todos esses motivos e seguramente por outros ainda que bem sabem.  Não sem razão.

IX - Uma última consideração: é bem certo que a lei de licitações deixa tudo a desejar. Trata-se da pior lei brasileira sobre qualquer assunto, e nessa triste esteira fácil é ver que os seus institutos desatendem os mais comezinhos interesses da Administração. Licitar por esta lei é um sacrifício ingente, e o registro de preços, posto que grande idéia, também se revela árduo e trabalhoso.

Não seria o caso então, num quadro semelhante, de toda  a lei se alterar, como se cogita desde fevereiro de 1.997 com a publicação de um anteprojeto que substituiria a lei de licitações mas que jamais eclodiu, para se instituir enfim a possibilidade de existir um e registro de preços geral, amplo, que servisse não apenas o ente central que realizasse mas também a entes menores que o circundam e que em muito aspecto dele dependem ?

Se a lei de licitações vive sofrendo retalhos e remendos absolutamente desprezíveis – sendo o último a muito miserável Medida Provisória nº 495/10 –, não poderia acaso o Executivo, movendo seus fiéis contingentes no Congresso, fazer aprovar uma radical alteração da lei ao invés de prosseguir adornando a atual colcha de retalhos como remendos que vão de mal a pior em invariável sucessão, e em passo assim resolver de modo definitivo questões como a do registro de preços e sua possível centralização ?

Se a idéia é boa em si, depende entretanto de um ordenamento jurídico que a contemple e admita, como não existe hoje.  O que espera a administração federal, a quem a idéia beneficia antes que a qualquer outro nível de governo ?




(1)  Com efeito, não se podem categorizar provindas de uma mente que se tenha por tecnicamente sadia dispositivos como o  2º do art. 53,  o § 3º do art. 46; o § 3º do art. 55; o inc. I do art. 25, e muitos outros ainda  da Lei nº 8.666/93, que se torna cansativo enumerar.  Considerando-se os princípios e as regras mais essenciais do direito, e dentro da profissão jurídica, tais dispositivos constituem caso para estudiosos dos meandros da sanidade do ser humano inserido n’alguma profissão.  Parece cômico mas é tremendamente perturbador um quadro assim, que vitima o ordenamento jurídico de toda uma imensa nação como a brasileira.