CONCESSÕES, PERMISSÕES, PPPs, RDC. LICITAÇÕES MENOS COMUNS E SEUS EDITAIS (2ª PARTE)

CONCESSÕES, PERMISSÕES, PPPs, RDC.  LICITAÇÕES MENOS COMUNS E SEUS EDITAIS


Ivan Barbosa Rigolin

Segunda parte

 

I – Concessão de uso de bem público

Considerações iniciais


Difere por inteiro este instituto da concessão de uso, ou da concessão administrativa de uso de bem público pelo seu rótulo completo,  do da gigantesca concessão de serviço público.

O poder público, muitas vezes a pedido ou por provocação da iniciativa privada interessada, pode outorgar concessão administrativa do uso, ou da utilização particular, de bens públicos, quase sempre imóveis mas que sem embargo também podem ser móveis, e que se imóveis podem ser terrenos nus ou edificações, ou terrenos com edificações.

Inicia-se a diferença pela fonte do direito, que se na concessão de serviço público ou é diretamente a Lei federal nº 8.987/95 ou é a lei local sobre o tema, inspirada ou não na federal.  Na concessão de uso a fonte de direito é sempre a legislação local, seja a legislação federal, específica do tema, para a União, seja a lei estadual para o Estado, seja a lei municipal para o Município.

Não constituem exemplos a seguir as legislações federais e estaduais sobre este assunto, que parece ser, ainda, um ilustre desconhecido, ou um acidente de percurso, para União e Estados, e com isso o modelo legislativo que sempre vem à baila antes de qualquer  outro é o municipal, calcado nas leis orgânicas dos Municípios e que, inobstante sumamente sintéticos naquele contexto, ainda constituem  a melhor fonte de direito sempre que se cogita o assunto.

As LOMs em nosso país foram e são, desde 1.990, quase sempre inspiradas no tradicional  modelo de Hely Lopes Meirelles, que redigiu para o Estado de São Paulo o Decreto-lei Complementar nº 9, de 1.969, que constituía a LOM de cada um dos Municípios paulistas até o advento da lei orgânica de cada Município brasileiro após promulgada a Constituição de 1.988, que o admitiu, coroando ferrenha e antiga luta das comunas. De tal sorte neste país em que pouco se cria e muitíssimo se copia, o modelo natural para as LOMs, repita-se, de quase todo o país e não apenas do Estado de São Paulo,  continuou sendo o DLC paulista nº 9/69. Não apenas na sua estrutura e na sua geral concepção, mas quanto aos próprios institutos contemplados, esse fato é inegável.

E, sabido isso, até hoje em dia é desalentador constatar que muitas importantes autoridades, dos diversos Poderes estatais de todo nível, desconhecem até mesmo a existência desse instituto  da concessão de uso, imaginando que somente exista concessão de serviço público, e enfiando os pés pelas mão quando  se deparam com a concessão de uso, ou mesmo com as outras três (ou talvez quatro, como se verá) espécies.

II – Nada tem um assunto com o outro. Enquanto que a concessão de serviço existe para trespassar para a iniciativa privada a execução de um serviço público que originariamente cabe ao poder público assegurar aos administrados, a concessão de uso de bem público apenas se dá para possibilitar a ocupação por particular de áreas ou de edificações públicas – ou de ambos juntos – para a prestação de algum serviço de utilidade pública, ou de interesse da coletividade.

A concessão de uso tem natureza similar, isto sim, à da sua prima pobre permissão de uso, que será examinada adiante, porque ambos os institutos se destinam ao mesmo fim, diferindo em solenidade e fixidez como também será observado.

A concessão de uso de bem público é um contrato administrativo dos mais típicos, porque presentes as cláusulas de predominância de poder em favor do ente público concedente sobre o particular concessionário de uso. São as ditas cláusulas exorbitantes, ou derrogatórias do direito comum, assim tradicionalmente denominadas porque afastam o direito igualitário entre as partes para fazer predominar os direitos do poder público concedente, que tem privilégios ante o particular, ou sejam direitos de que o outro não desfruta, e que para este representam obrigações de fazer, de não fazer ou de suportar. A balança entre direitos e obrigações sempre pende para o lado do poder público concedente, por compreensíveis motivos de interesse público.

Porque nenhum interesse público pode achincalhar, menosprezar, ignorar,  anular ou suprimir algum direito e garantia individual ([1]), o predomínio do interesse público sobre o particular encontra um intransponível limite nos direitos e nas garantias individuais, que junto com a forma federativa do país constituem o núcleo duro e as cláusulas pétreas da Constituição, que somente outra Constituição pode reduzir ou prejudicar. E esse limite, natural dentro do direito constitucional, evidentemente também incide sobre as regras do contrato administrativo da concessão de uso de bem público.

 
III – Este artigo se refere a editais de licitações menos comuns, e a concessão de uso em geral não foge à regra da licitabilidade.

Não se procure, entretanto, fundamento para eventual dispensa de licitação na lei nacional de licitações e de contratos administrativos, a Lei nº 8.666/93, porque essa lei não cuida deste assunto, ainda que em momento de rara infelicidade tenha previsto, em seu art. 3º, que as “concessões e permissões, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei”.

Nada tem a ver a lei de licitações nem com qualquer espécie de concessão que exista no Brasil, nem com qualquer espécie de permissão existente em nosso direito.

Os seus autores, profundamente incapazes para o exercíçio da função de legisladores e que editaram o que em nosso país se costuma generalizadamente denominar  a pior lei do mundo, jamais disciplinam coisa alguma de concessão ou permissão naquela lei, nem evidentemente prevêem qualquer hipótese de dispensabilidade de licitação  para concessões ou para permissões, como pareciam ter anunciado, no art. 3º, que a lei preveria.

Também ignoram os autores da lei de licitações que permissões nunca podem ser “contratadas a terceiros” nem a ninguém, simplesmente porque não são contratos mas atos administrativos unilaterais e negociais da Administração pública.

Assim, a constrangedora estultície do art. 3º, obra de despreparados que um dia brincaram de legisladores, jamais foi levada a sério em nosso país, e nunca poderá ser.

Não existem normas gerias de concessões, sejam quais forem, nem de permissões, sejam também quais forem, porque o art. 22 da Constituição jamais as menciona, para o fim de reservar à competência privativa da União o dever de sobre elas legislar. Assim, concessão e permissão são  sempre matéria de disciplinamento  local, jamais nacional a ser exercido pela União.

Se concessão e permissão fossem matéria nacional então a lei federal de concessões de serviço - Lei nº 8.987, de 1.995 - seria lei nacional como a lei de licitações, e não o é e se impõe somente para a União, e apenas pode ser adotada pelos Estados e pelos Municípios que nela desejem “encostar”, como é comum ocorrer, nesse caso adaptando os editais à sua eventual legislação, e às suas peculiaridades, locais ou regionais.

E, desse modo, não tem cabimento jurídico algum uma lei nacional como a de licitações desatar a desfilar impropriedades como a de querer impor regras sobre concessões e permissões a todos os entes da federação, como se a União pudesse fazê-lo como pode fazê-lo quanto a normas gerais de contratos administrativos de compra, obra ou serviço.

A concessão de uso na antiga LOM estadual dos Municípios paulistas, e na LOM da capital paulistana


IV – Visto isso, vejamos como o antigo e modelar DLC paulista nº 9/69 tratou esse instituto da concessão de uso de bem municipal:

“Art. 65  O uso de bens municipais por terceiros poderá ser feito mediante concessão, permissão ou autorização, conforme o caso, e o interesse público exigir.

§ 1º A concessão administrativa dos bens públicos de uso especial e dominiais dependerá de lei e concorrência, e far-se-á mediante contrato, sob pena de nulidade do ato. A concorrência poderá ser dispensada, mediante lei, quando o uso se destinar a concessionária de serviço público, a entidades assistenciais, ou quando houver interesse público relevante, devidamente justificado.

§ 
2º A concessão administrativa de bens públicos de uso comum somente poderá ser outorgada para finalidades escolares, de assistência social ou turísticas, mediante autorização legislativa.”

Observe-se agora como a capital de São Paulo adotou o velho modelo, e nesta redação  atual de sua LOM, já alterada como foi desde a redação originária, mantém no seu artigo equivalente ao art. 65 do DLC paulista nº 9/69   as seguintes regras:

“Art. 114  Os bens municipais poderão ser utilizados por terceiros, mediante concessão, permissão, autorização e locação social, conforme o caso e o interesse público ou social, devidamente justificado, o exigir.

§ 1º - A concessão administrativa de bens públicos depende de autorização legislativa e concorrência e será formalizada mediante contrato, sob pena de nulidade do ato.

§ 
2º - A concorrência a que se refere o § 1º será dispensada quando o uso se destinar a concessionárias de serviço público, entidades assistenciais ou filantrópicas ou quando houver interesse público ou social devidamente justificado.

§ 
3º - Considera-se de interesse social a prestação de serviços, exercida sem fins lucrativos, voltados ao atendimento das necessidades básicas da população em saúde, educação, cultura, entidades carnavalescas, esportes, entidades religiosas e segurança pública.”

Permita-se-nos uma ligeira divagação, movida pelo inconformismo próprio dos velhos: o maior Município do hemisfério sul, como se denota, mereceria contar com melhores representantes políticos que os autores dessa parte final do § 3º do art. 114 da sua LOM, porque considerar entidades carnavalescas como representativas de interesse social é chafurdar na lama da mais absoluta miséria cultural e da mais caracterizada mediocridade institucional,  um injusto castigo para São Paulo.

Concluída a divagação, observe-se que tanto o antigo modelo estadual como a lei orgânica paulistana – no que tem de aproveitável e abstraído o degradante privilégio a entidades carnavalescas – exigem licitação, e muitas vezes já vindo indicada a modalidade “concorrência”, para a contratação de concessão de uso de bens municipais.

As exceções a essa regra da obrigatória licitação estão e devem estar sempre nominalmente expressas na lei que fundamenta o direito – não na lei de licitações nem na lei de concessões de serviço -, ainda que por vezes sejam de uma generalidade até perigosa, ou de duvidosa constitucionalidade, como por exemplo na menção a entidades religiosas e de esportes.

Com efeito, pode então o Município, ou o Estado, ou a União,  conceder o uso de bens municipais para igrejas e cultos religiosos, em violar a regra constitucional de proibição ao estipêndio público a cultos religiosos, conforme conta do art. 19, inc. I ?  Parece-nos que nenhum desses entes integrantes da federação pode.

Pior ainda, sobre esse assunto,  é o que se constata a todo dia que passa: a igreja da esquina, fundada às pressas pelo espertalhão engravatado, tão imbuído de bons propósitos quando um trilho de trem e  que somente aguarda auferir milhões de dólares por  levar no bico analfabetos e incautos de todo gênero, tudo naturalmente sem licitação e diretamente,   a título de atender o interesse  social ?  Isso é interesse social, favorecer igrejas saídas do nada à custa do uso gratuito de uma área pública ?   Em que cornija do inferno dantesco ?

Ou em outra hipótese, permitir o uso de áreas públicas,  por vezes preciosamente localizadas, a entidades esportivas também aparecidas do nada e engendradas por malandros similares aos acima aludidos, que pouquíssimo ou nada fazem de útil à população em questões de esporte,  e que muita vez jamais dizem a que vieram, isto seria atender ao interesse social ?

Bem se denota que a justificativa ao enquadramento de muitas situações reais às hipóteses legais de dispensa da licitação para concessão de uso de áreas públicas há de ser detalhada e, sobretudo, de dizer a verdade, com vista a impedir que a Administração compactue com os velhacos de todo gênero que pululam entre a população à espera apenas de oportunidade.

No antigo modelo estadual, o DLC nº 9/69, a regra da dispensa de licitação para estas concessões de uso era imensamente mais sóbria, e se podia dispensar o certame apenas quando o uso se destinasse a concessionária de serviço público, a entidades assistenciais ou quando houvesse “interesse público relevante, devidamente justificado.” 

E não devia passar pela cabeça de Prefeito algum, ao tempo da LOM estadual dos Municípios paulistas, tentar justificar a concessão de uso direta a uma entidade carnavalesca sob o manto de atender a relevante interesse social, neste país francamente miserável e, desde o seu descobrimento, carente de todos os valores imagináveis pela concepção humana.

Conteúdo do edital da licitação


V – Após esta larga introdução ao tema é preciso lembrar que as hipóteses de dispensa de licitação para a outorga de concessão de uso de bem público, que acima foram transcritas e que são tecnicamente melhores no antigo DLC paulista nº 9/69 e piores na LOM de São Paulo, do ponto de vista jurídico-formal, e sejam elas carnavalescas ou de propósito mais sério, constituem o correto exercício da autonomia política e organizacional do Município.

Se o Estado era sóbrio e discreto no elencar quando os Municípios paulistas podiam dispensar a licitação para outorgar concessões de uso, e se o Município de São Paulo nisso se revela mais carnavalesco, ambos estão formalmente dentro de seu direito, e assim podem dispor em sua legislação, como qualquer Estado pode, como qualquer Município pode e como a União também pode fazê-lo, pois que a constitucional autonomia político-administrativa de cada ente federado significa exatamente o poder de exercitar direitos semelhantes, que o tempo e a história depois dirão se foram bons ou se foram ruins.

Assim sendo, nas concessões de uso a regra é a da licitação obrigatória, sendo a dispensa de licitação a exceção àquela regra. Então, se não se está diante de alguma hipótese de dispensa prevista na fonte local de direito, a concessão de uso terá de sofrer prévia licitação para eleição do melhor concessionário.

Não existe, por outro lado, modelo, minuta ou fórmula pré-concebida para editais de concessão de uso de bens públicos. A lei local regedora, a lei de licitações subsidiariamente, outras regras locais ou técnicas profissionais conforme o caso, e o senso comum da Administração é que devem ditar os rumos a seguir.

Desse modo, e, repita-se,  devendo ser sempre observada a competente fonte local de direito da licitação e da concessão em si, algumas regras e alguns conteúdos mínimos  que em boa técnica devem figurar nos editais de concessão de uso de bem público, dentre outros possíveis, são os seguintes:

a) escolha da modalidade. Se já não estiver definida na lei de regência da concessão de uso a modalidade licitatória a ser utilizada, então o edital deve iniciar por defini-la. Em geral é a concorrência essa modalidade, pela sua ilimitação de valor e a amplidão de possíveis participantes, que independem de cadastramento ou de outros pré-requisitos.  O pregão não se presta, de modo algum, a esta modalidade negocial, porque serve apenas para compras e para serviços comuns, nada do quê tem a ver com concessão de uso de bem público;  

b) o fundamento da concessão, e este não é a lei de licitações mas a lei local, seja orgânica municipal, seja a lei local que for. Nessa esteira, o próprio certame licitatório não precisa prender-se muito à lei de licitações ainda que seja concorrência a modalidade, porque vai haver pontos de divergência, nos quais predominará a lei local. Deve o edital mencionar que a licitação será regida pelas normas da lei local e no cabível – expressão dúbia e terrível ... – pela lei de licitações, a ainda por outra legislação acaso aplicável a teor do edital. Em casos de fundamento em um conjunto de leis é sempre interessante que, na medida do possível, o edital esclareça quais pontos se regem por qual lei;

c) natureza contratual da outorga. Sendo a concessão de uso de bem público  um contrato administrativo típico, o edital da c licitação deve evidenciar esse fato com todas as leras, e conter inclusive a minuta desse futuro contrato, que o vencedor celebrará com a Administração.  Não se rege originariamente pelo art. 40 da lei de licitações porque a própria licitação não se rege, porém é certo que ambos, licitação e contrato, dificilmente conseguirão fugir muito às ordenadas e sistemáticas instituições daquela lei, pensada e concebida como foi para reger licitações.

A Lei nº 8.666/93, assim, pode emprestar inúmeros conteúdos para o edital da licitação da concessão de uso, de modo que todo o edital pode inspirar-se nessa lei licitatória nacional para a sua estruturação, variando muito até que ponto a autoridade local irá apegar-se aos seus institutos e às suas estatuições.

O que se precisa insistir em iterar e reiterar é que a lei nacional de licitações pode e recomendavelmente deve ser uma grande fonte de inspiração para o edital da concessão de uso, porém não é a sua fonte originária de direito. Como fonte subsidiária, acessória, adicional, complementar ou suplementar de direito é excelente;  como fonte primária ou principal está errada, porque não o pode ser. 

Concessão – qualquer uma das que existem no direito administrativo –, repita-se ainda uma vez,  não é assunto da Lei nº 8.666/93, nem jamais foi na medida em que pela Constituição não existem normas gerais de concessões no Brasil, que a União possa ditar aos Estados e aos Municípios. A fonte de direito das concessões é sempre norma local, nunca uma lei nacional.

Assim, o art. 40 da lei de licitações constitui uma ótima fonte de inspiração para o contrato de concessão, quanto a temas como a descrição do objeto; o prazo da concessão e sua eventual prorrogabilidade; penalidades por inadimplemento dos ocasionalmente variadíssimos deveres do concessionário; condições para habilitação se houver  - e para isto pouco interessa a miserável, torturante  e deprimente lista de documentos dos arts. 27 a 31 da lei de licitações, de indispensável restando apenas a regularidade junto à seguridade social -; critério de julgamento, que nada tem com os da lei de licitações; eventual onerosidade do contrato, ou seja se existirão pagamentos a serem efetuados pelo concessionário, ou eventualmente até mesmo pela Administração concedente; instruções para os recursos dos julgamentos, e outros ainda.

Além disso são  das mais relevantes cláusulas do contrato descrever detalhadamente, em texto e em desenhos ou plantas,  o bem cujo uso será concedido; quais usos serão aceitos durante a concessão; se pode ser transferida a concessão de uma para outra pessoa, e para quem, e em que condições; como deverá ser devolvido o bem, se com obras realizadas pelo concessionário, indenizáveis ou não, ou se na inalterada condição  como fora entregue; se existirão bens reversíveis ou não, e algo mais que a necessidade do momento, ou que a natural discricionariedade  da Administração por bem eleja;

d) encargos das partes, se houver, e demais obrigações das partes durante a execução. Costuma-se denominar encargo a uma obrigação inicial do concessionário, particularmente relevante e em geral essencial ao iníçio das operações contratuais, como por exemplo realizar alguma obra, construir alguma coisa, implementar algum serviço.

A existência de encargos iniciais  é mais comum em concessões de serviço público que em concessões de uso, mas mesmo estas podem comportar encargos, e não apenas ao concessionário porque pode ocorrer de que algum encargo indelegável à iniciativa privada caiba ao poder público concedente executar, como por exemplo o de liberar, autorizar  ou licenciar  algo para o concessionário poder executar sua parte.

e) revogabilidade antecipada da outorga. Sempre existe a possibilidade de revogação antecipada do contrato de concessão de uso, por inadimplemento pelo contratado de alguma cláusula, mais ou menos importante, e que na forma do próprio contrato justifica a cassação da outorga, antes do prazo contratado.

Sendo um contrato administrativo, está sempre sujeito a revogação antecipada pela Administração concedente, e também neste ponto não deve o poder público prender-se aos motivos de rescisão do contrato administrativo do art. 78 da lei de licitações, porque neste caso os motivos podem ser bem diferentes. O art. 78 pode ser fonte subsidiária de direito, mas não a principal, e  em qualquer caso o edital deve indicar a regra aplicável;

f) renúncia pelo concessionário. Deve o contrato falar sobre este assunto, e prever a possibilidade de o concessionário do uso renunciar ao contrato. Nada há de estranho ou especioso nessa hipótese, porque mil e um fatores podem ensejar o desinteresse do contratado por manter o uso que obteve, ou ainda pode ele ver-se de súbito impossibilitado de o manter. O contrato, por isso, é muito conveniente que preveja a possibilidade de renúncia, e nesse passo as suas condições e consequências – e não existe regra alguma pré-estabelecida quanto a isso.

g) foro privilegiado da Administração concedente. Outro ponto que se relaciona, tradicional nos contratos administrativos, é a previsão do foro competente para dirimir pendências judiciais acaso surgidas na ou pela execução do contrato, e esse foro constitui um privilégio processual da Administração, o chamado foro privilegiado, que é sempre o da comarca (ou distrito judiciário) da sede do ente público concedente, e assim deve o contrato estabelecer.

h) testemunhas e registro. Por fim, pode o contrato conter a assinatura das testemunhas da sua celebração, em geral duas, que devem estar documentalmente identificadas, e servirão para esclarecer questões eventuais no futuro sobre a avença – desejavelmente nunca.

O registro serve para que o contrato, na forma da lei dos registros públicos, possa produzir efeitos contra terceiros, algo que pode ser difícil imaginar em contratos de concessão de uso de bens públicos, mas que pode efetivamente ocorrer. O registro do contrato, entretanto, não precisa ser procedido como ato contínuo à celebração, podendo sê-lo a qualquer tempo para os efeitos da lei.


(continua)

 

[1] Sempre nos batemos, quanto a essa questão, sobre a imutabilidade, senão para melhorá-los, dos direitos e das garantias individuais do cidadão, aqueles figurantes do art. 5º da Constituição, no contraste como o que hoje, terça-feira, são os interesses públicos, que no domingo passado eram outros e que no sábado que vem serão diferentes, e os quais mudam a cada nova perceptível necessidade dos governantes, seja essencial, seja por complete desprezível. Interesse público é um conceito-camaleão, que se altera  a cada alteração do momentâneo interesse de quem governa o país, o Estado ou o Município, e se inverte, como se diz jocosamente, a cada dor-de-barriga dos detentores da autoridade governamental.

Da Constituição atual o Título III conta com o Capítulo VII – Da Administração Pública –, que já teve diversas formas e variados conteúdos bastante distintos, um a se contrapor ao anterior a cada emenda ao texto constitucional, e no momento atual esse Capítulo pouco ou quase nada lembra o que era em 1.988, data da Constituição. Vira e revira de ponta-cabeça com absoluta sem-cerimônia. A estabilidade do conceito de interesse público é a mesma de uma folha de papel ao vento, enquanto que os direitos e as garantias individuais resistem a todas as alterações da Constituição, e somente em uma Emenda, das setenta até o momento, foram mexidos, para aumentar. Nesse sentido sempre insistimos sobre que os direitos e as garnatais individuais são muito mais importantes que o conceito do que lá seja o interesse público, e, nessa toada, o interesse da Administração pública. O que se torce e retorce por tudo e por nada, ao fim das contas e ao cabo, institucionalmente, não tem como ser tido muito a sério, nem poderá deixar grande legado às gerações futuras.